Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 04/04/2016
HABEAS CORPUS Nº 0003523-39.2016.4.03.0000/SP
2016.03.00.003523-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
IMPETRANTE : LUIZ GUILHERME RORATO DECARO
: LUDMILA DE VASCONCELOS LEITE GROCH
PACIENTE : RONALDO BORGES TREVIZAN reu/ré preso(a)
ADVOGADO : SP292262 LUIZ GUILHERME RORATO DECARO
IMPETRADO(A) : JUIZO FEDERAL DA 9 VARA CRIMINAL DE SAO PAULO >1ª SSJ> SP
No. ORIG. : 00067912220154036181 9P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO IMPETRADO PARA PROCESSAR INQUÉRITO ONDE O PACIENTE, JUNTAMENTE COM OUTRAS PESSOAS, É INVESTIGADO PELA PRÁTICA DOS CRIMES TIPIFICADOS NOS ARTS. 171 E 297, AMBOS DO CÓDIGO PENAL, ALÉM DO CRIME CAPITULADO NO ART. 2.º, DA LEI 12.850/2013, DECORRENTES DA FALSIFICAÇÃO DE BOLETOS BANCÁRIOS DESTINADOS AO PAGAMENTO DE TRIBUTOS DEVIDOS PELAS ENTIDADES SESI/SENAI. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL, HAJA VISTA A EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DENOTATIVOS DE LESÃO A BENS E INTERESSE DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF. ORDEM DENEGADA.
1- No caso, não impressiona o argumento de que os ilícitos investigados vitimaram apenas o Sesi/Senai, haja vista que, como os próprios impetrantes admitem, a CEF arcou com os prejuízos causados pelas fraudes em pagamentos envolvendo guias referentes a tributos devidos à Secretaria da Receita Federal com recursos subtraídos das contas das referidas entidades paraestatais.
2- Ademais, os crimes sob investigação não se resumem aos fatos acima narrados, mas se inserem num contexto maior, denotativo de um complexo esquema fraudulento que atingiu, inclusive, serviços da referida instituição financeira, notadamente a autenticação de documentos bancários.
3- Ou seja, no caso, ainda que se admita, como querem os impetrantes, que o Sesi/Senai são vítimas dos delitos, não há como negar que os crimes investigados também causaram lesão a bens e serviços de empresa pública federal (a CEF), justificando, dessarte, a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, VI, da Constituição Federal e da Súmula n.º 122, do Superior Tribunal de Justiça, a qual dispõe que, no concurso de crimes de competência da Justiça Comum Estadual e Federal, prevalece a competência desta última, não se aplicando a regra do art. 78, II, "a", do Código de Processo Penal.
4- Ordem denegada.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, denegar a ordem, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 28 de março de 2016.
PAULO FONTES
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 29/03/2016 17:59:03



HABEAS CORPUS Nº 0003523-39.2016.4.03.0000/SP
2016.03.00.003523-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
IMPETRANTE : LUIZ GUILHERME RORATO DECARO
: LUDMILA DE VASCONCELOS LEITE GROCH
PACIENTE : RONALDO BORGES TREVIZAN reu/ré preso(a)
ADVOGADO : SP292262 LUIZ GUILHERME RORATO DECARO
IMPETRADO(A) : JUIZO FEDERAL DA 9 VARA CRIMINAL DE SAO PAULO >1ª SSJ> SP
No. ORIG. : 00067912220154036181 9P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado pelos advogados Luiz Guilherme Rorato Decaro e Ludmila de Vasconcelos Leite Groch, em favor de Ronaldo Borges Trevizan, contra suposto ato coator imputado ao Juízo Federal da 9.ª Vara Criminal desta Capital.

Segundo consta da inicial e dos documentos que a acompanham (fls. 02/98), nos autos do Inquérito Policial n.º 0011693-18.2015.403.6181, distribuído ao juízo impetrado, o paciente, juntamente com outras pessoas, é investigado pela prática dos crimes tipificados nos arts. 171 e 297, ambos do Código Penal, além do crime capitulado no art. 2.º, da Lei 12.850/2013, decorrentes da falsificação de boletos bancários destinados ao pagamento de tributos devidos pelas entidades Sesi/Senai.

O inquérito em alusão foi instaurado a partir de notitia criminis oriunda da Caixa Econômica Federal - CEF, que acabou arcando com os prejuízos ocasionados pelos ilícitos.

Entendendo que os eventuais ilícitos perpetrados, no momento de sua consumação, vitimaram apenas as entidades do Sesi/Senai, os impetrantes suscitaram a incompetência da Justiça Federal e, de quebra, da autoridade impetrada para processar o inquérito originário, no curso do qual foram deferidas várias medidas cautelares, entre as quais a quebra do sigilo telefônico e bancário dos investigados, paciente inclusive.

Ao fundamentarem a alegação de incompetência da autoridade impetrada, os impetrantes invocaram o Enunciado n.º 516 da Súmula do Supremo Tribunal Federal - STF, além de julgados do referido Tribunal, todos eles referendando a tese de que, como o Sesi/Senai são entidades paraestatais de direito privado e não integrariam a Administração Publica Direta ou Indireta, a competência para a apuração dos crimes cometidos contra essas entidades seriam da competência da Justiça Estadual.

A despeito dessa alegação, por meio da decisão datada do último dia 18 de fevereiro, a autoridade impetrada não reconheceu sua incompetência, o que ensejou a impetração deste habeas corpus.

Neste writ, os impetrantes insistem no reconhecimento da incompetência da autoridade apontada como coatora.

Sustentam, em síntese, que as vítimas dos delitos investigados foram as entidades do Sesi/Senai e que a competência não poderia ser modificada em razão da decisão da CEF que, depois de muita resistência e por questões meramente comerciais, resolveu arcar com os prejuízos causados.

A par disso, destacam o teor da Súmula n.º 516 do STF e de precedentes afirmando a competência da Justiça Estadual em lides envolvendo as entidades do Sistema S, bem como a existência de inquérito distribuído à Polícia Civil Estadual tendo por objeto os mesmos fatos investigados no procedimento inquisitivo distribuído à autoridade coatora.

Com base nessas alegações, os impetrantes pediram liminar para determinar o sobrestamento do inquérito originário enquanto não julgado o mérito do presente mandamus. Sem prejuízo da liminar requerida, os impetrantes também postulam a concessão da ordem, a fim de que seja reconhecida a incompetência da Justiça Federal com a consequente remessa dos autos do inquérito policial originário à Justiça Estadual, a fim de que as investigações sejam lá concluídas.

Decisão de fls. 100/102-v.º indeferiu a liminar.

Na sequência, a autoridade impetrada prestou informações e juntou documentos (fls. 106/114-v.º).

Finalmente, após vistar os autos, a Procuradoria Regional da República opinou pela denegação da ordem (fls. 116/118).

É o relatório.


VOTO

A ação de habeas corpus tem pressuposto específico de admissibilidade, consistente na demonstração primo ictu oculi da violência atual ou iminente, qualificada pela ilegalidade ou pelo abuso de poder, que repercuta, mediata ou imediatamente, no direito à livre locomoção, conforme previsão do art. 5º, LXVIII, da Constituição Federal e art. 647 do Código de Processo Penal.

É sob esse prisma, pois, que se analisa a presente impetração.

A autoridade impetrada afirmou sua competência para o processamento do inquérito originário nos seguintes termos (fls. 52/53):

(...)
Não assiste razão ao investigado haja vista que, conforme já consignado na decisão que deferiu o monitoramento telefônico e quebra de sigilo bancários que instruem a presente investigação, que o prejuízo causado pelas fraudes foi suportado pela Caixa Econômica Federal, empresa pública federal.
E, nos termos do artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal "as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas" são de competência da Justiça Federal.
Irrelevantes as alegações acerca da resistência da Caixa Econômica Federal em arcar com o prejuízo o que ela tenha decidido pelo ressarcimento por razões puramente comerciais. O fato é que a empresa pública federal arcou com o prejuízo oriundo da falsificação de boletos, restando, assim, justificada a competência desta Justiça Federal.
Os julgados e doutrinas colacionados pelo investigado Ronaldo não resolvem a questão aqui colocada, visto que não se tratam de prejuízos causados às entidades SESI/SENAI, as quais, no caso em tela, acabaram por não sofrer detrimento de bens algum, já que ressarcidas pela Caixa Econômica Federal.
Diante do exposto, indefiro o pedido de fls. 301/307.

Ora, apesar das alegações dos impetrantes, e após detida análise dos autos, a conclusão que se extrai é pela competência da Justiça Federal, em conformidade com as razões já expostas quando do indeferimento da liminar (fls. 100/102-v.º).

Com efeito, não impressiona o argumento de que os ilícitos investigados vitimaram apenas o Sesi/Senai, haja vista que, como os próprios impetrantes admitem, a CEF arcou com os prejuízos causados pelas fraudes em pagamentos envolvendo guias referentes a tributos devidos à Secretaria da Receita Federal com recursos subtraídos das contas das referidas entidades paraestatais.

Ademais, os crimes sob investigação não se resumem aos fatos acima narrados, mas se inserem num contexto maior, denotativo de um complexo esquema fraudulento que atingiu, inclusive, serviços da referida instituição financeira, notadamente a autenticação de documentos bancários.

Deveras, segundo a autoridade policial responsável pelas investigações:

(...) os delitos teriam sido praticados, em conjunto, por três grupos. O primeiro seria responsável pela obtenção dos valores das guias de tributos do SESI/SENAI, efetuando a troca das guias verdadeiras pelos boletos falsos e após a quitação na agência, a nova troca. O segundo grupo seria responsável pela falsificação e elaboração dos boletos falsos e das autenticações falsas nas guias verdadeiras. E o terceiro grupo seria responsável pela efetiva transferência do dinheiro obtido com a fraude para contas diversas (fls. 80 - destaquei).

Ou seja, no caso, ainda que se admita, como querem os impetrantes, que o Sesi/Senai são vítimas dos delitos, não há como negar que os crimes investigados também causaram lesão a bens e serviços de empresa pública federal (a CEF), justificando, dessarte, a competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, VI, da Constituição Federal e da Súmula n.º 122, do Superior Tribunal de Justiça, a qual dispõe que, no concurso de crimes de competência da Justiça Comum Estadual e Federal, prevalece a competência desta última, não se aplicando a regra do art. 78, II, "a", do Código de Processo Penal.

Corroborando a conclusão acima expendida, confiram-se, mutatis mutandis, os seguintes precedentes (destaquei):

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CLONAGEM DE CARTÕES MAGNÉTICOS VIA "CHUPA-CABRA". FURTO DUPLAMENTE QUALIFICADO PELA FRAUDE E POR CONCURSO DE AGENTES. ART. 155, PARÁGRAFO 4º, II E IV, DO CÓDIGO PENAL. CONTINUIDADE DELITIVA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. CONDUTAS PERPETRADAS EM PREJUÍZO DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL E DE INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS PRIVADAS. CONEXÃO PROBATÓRIA. APLICAÇÃO DA SÚMULA 122 DO STJ. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. DOSIMETRIA DA PENA. MANUTENÇÃO. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. 1. Apelação Criminal desafiada em face da sentença que julgou procedente a pretensão punitiva estatal, para condenar os réus pela prática das condutas tipificadas no art. 155, parágrafo 4º, incisos II e IV (furto qualificado pela fraude e pelo concurso de agentes), c/c o art. 71 (crime continuado), todos do Código Penal, às penas de 06 (seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 100 (cem) dias-multa, correspondendo cada dia-multa a 1/2 (metade) do salário mínimo vigente à época dos fatos. 2. É a Justiça Federal competente para processar e julgar o delito de furto qualificado pela fraude praticada em prejuízo da CEF e de instituições privadas, tendo em vista a conexão probatória consubstanciada no vasto e único aparato tecnológico utilizados na prática do crime, aplicando-se, ao caso, a Súmula 122, do STJ, que dispõe: "Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, II, "a", do Código de Processo Penal". (...). Apelação criminal improvida.(ACR 00003466520134058100, Desembargador Federal Cid Marconi, TRF5 - Terceira Turma, DJE - Data::09/12/2015 - Página::45).
PENAL E PROCESSO PENAL. CRIMES DE ESTELIONATO E DE FALSIDADE IDEOLÓGICA. UTLIZAÇÃO DE PROCURAÇÕES FALSAS. SAQUES FRAUDULENTOS. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. REJEIÇÃO DA PRELIMINAR. AUSÊNCIA DE NULIDADE DO PROCESSO. MÉRITO. MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE DEMONSTRADAS. DOSIMETRIA DA PENA. RAZOABILIDADE. CONTINUIDADE DELITIVA. INEXISTÊNCIA. APELAÇÕES IMPROVIDAS. 1. Apelações interpostas por A. M. N. e F. H. M. S. contra sentença que condenou a primeira pela prática sucessiva dos delitos previstos nos arts. 171, "caput", e 171, parágrafo 3º, ambos do Código Penal, em concurso material (art. 69 do CP), e o segundo, acusado pela prática, também por duas vezes, do delito tipificado no art. 299, parágrafo único c/c art. 69, ambos do CP, haja vista que A. M. N. efetuou saques fraudulentos de correntistas da Caixa Econômica Federal (CEF), empreitada essa que só fora possível devido à falsificação de procurações públicas efetuadas por aquele outro imputado F.H.M.S. 2. Rejeição da preliminar de incompetência da Justiça Federal para processar e julgar o crime previsto no art. 171, "caput", do CP, tendo em vista que o saque fraudulento atingiu o patrimônio e os bens da Caixa Econômica Federal - CEF, tendo em vista que mencionada empresa pública tem o dever de ressarcir o cliente de cuja conta fora efetuado o saque o que, de logo, de acordo com o art. 109 IV da CF/88, determina a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito. 3. Mesmo considerando que a intenção da ré seja apenas sacar dinheiro de depositado na conta de particular, o crime atinge diretamente bens e interesses da Caixa Econômica Federal, tendo em vista que o dinheiro eventualmente subtraído, ainda na posse do ente federal, teria de ser por este ressarcido ao cliente lesado. 4. Precedentes: STJ, CC 106.618/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Terceira Seção, julgado em 28/10/2009, DJe 18/11/2009; STJ, CC 50.564/RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Terceira Seção, julgado em 28/06/2006, DJ 02/08/2006, p. 226; ACR 00040153420104058100, Desembargador Federal Emiliano Zapata Leitão, TRF5 - Primeira Turma, DJE - Data::06/12/2012 - Página::157.
(...)
(ACR 200283000158480, Desembargador Federal Marco Bruno Miranda Clementino, TRF5 - Segunda Turma, DJE - Data::25/03/2013 - Página::381.)

Diante do exposto, não evidenciada, quantum satis, a incompetência da autoridade impetrada, impõe-se confirmar a decisão que indeferiu a liminar e DENEGAR A ORDEM.

É como voto.


PAULO FONTES
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): Paulo Gustavo Guedes Fontes:10067
Nº de Série do Certificado: 55DD429704881053FA1DF33F8C7D3FAA
Data e Hora: 29/03/2016 17:59:06