Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 24/03/2010
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2003.61.00.016690-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal MÁRCIO MORAES
APELANTE : Conselho Regional de Educacao Fisica do Estado de Sao Paulo CREF4SP
ADVOGADO : MARIA LUCIA CLARA DE LIMA e outros
APELADO : FEDERACAO PAULISTA DE AIKIDO-FEPAI e outro
: CONFEDERACAO BRASILEIRA DE AIKIDO INSTITUTO TAKEMUSSU BRAZIL AIKIKAI
ADVOGADO : PAULO SERGIO CREMONA e outro

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA. LEI N. 9.696/1.998. RESOLUÇÃO CONFEA N. 46/2002. EXIGÊNCIA DE INSCRIÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE ARTES MARCIAIS. INVIABILIDADE.
Remessa oficial tida por submetida, nos termos do art. 475, inciso I, do CPC.
O inciso XIII, do art. 5º, da CF/1988, que dispõe ser "livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer". Tratando-se de norma de eficácia contida, apenas a lei, e não um ato normativo inferior a ela, poderia impor condições ao livre exercício de qualquer profissão.
A Resolução CONFEF n. 46/2002 extrapolou o exercício do poder regulamentar, descrevendo atividades às quais não estão identificadas com a formação do profissional de educação física. Precedentes.
A Lei Paulista n. 9.039/1994 trata especificamente das modalidades desportivas de artes marciais. O seu art. 3º permite que o estabelecimento seja supervisionado por um "técnico credenciado pela respectiva Federação Estadual", não havendo necessidade de registro no CREF4/SP.
Apelação a que se nega provimento.



ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa oficial, tida por submetida, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 11 de março de 2010.
MARCIO MORAES
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2003.61.00.016690-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal MÁRCIO MORAES
APELANTE : Conselho Regional de Educacao Fisica do Estado de Sao Paulo CREF4SP
ADVOGADO : MARIA LUCIA CLARA DE LIMA e outros
APELADO : FEDERACAO PAULISTA DE AIKIDO-FEPAI e outro
: CONFEDERACAO BRASILEIRA DE AIKIDO INSTITUTO TAKEMUSSU BRAZIL AIKIKAI
ADVOGADO : PAULO SERGIO CREMONA e outro

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL MÁRCIO MORAES:

Cuida-se de apelação e remessa oficial, tida por submetida, em ação ordinária ajuizada por Federação Paulista de Aikido Fepai e outro, com pedido de tutela antecipada, em que se pleitearam a declaração de inexistência de relação jurídica que as obriguem a se inscrever perante o Conselho Regional de Educação Física do Estado de São Paulo - CREF4/SP. Atribuíram à causa o valor de R$ 10.000,00 (em 20/6/2003, fls. 70).

Em sua defesa, alegaram que o Aikido seria uma arte oriental militar, de caráter totalmente distinta das atividades dos profissionais de educação física, não estando incluído no art. 3º, da Lei n. 9.696/1998.

Afirmaram que a Resolução n. 46/2002, do Conselho Federal de Educação Física (CONFEF), que equipara as artes marciais às atividades privativas dos profissionais de educação física, não tem força de lei.

Foi indeferida a tutela antecipada. Dessa decisão, os autores interpuseram agravo de instrumento (autos n. 2003.03.00.054375-4, fls. 318/362), sendo que este Relator deferiu o pleito antecipatório (fls. 365/367).

Na sentença, o MM. Juízo a quo entendeu que a Resolução CONFEF n. 46/2002 excedeu o "exercício do poder regulamentar, no que se refere à descrição das diversas manifestações em que se desdobra a atividade do profissional de educação física", razão pela qual julgou procedente o pedido para declarar que os autores não estão obrigados a se registrar na autarquia. Condenou o CREF4/SP ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor da causa (fls. 468/470).

Apelou o CREF4/SP, aduzindo, em síntese, que: a) a atividade desempenhada pelos autores demanda fiscalização do Conselho; b) a Resolução CONFEF n. 46/2002 definiu o campo de atuação do profissional de educação física, incluindo as artes marciais; c) existem 41 Federações, incluindo algumas de artes marciais, que formularam convênios com o CONFEF, o que reforça a importância do registro; d) a Lei Estadual Paulista n. 10.848/2001 determinou que o requerimento do registro de academias esportivas deve conter a "indicação do nome do supervisor ou responsável técnico pelo estabelecimento, que será obrigatoriamente um profissional de Educação Física devidamente habilitado" (art. 3º, inciso III).

As autoras ofereceram contrarrazões (fls. 500/567).

Regularmente processado o feito, vieram os autos a esta Corte.

É o relatório.


VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL MÁRCIO MORAES:

Tomo por submetida a remessa oficial, nos termos do art. 475, inciso I, do Código de Processo Civil.

Quanto ao agravo de instrumento n. 2003.03.00.054375-4, em decisão proferida às fls. 574, este Relator negou seguimento ao recurso, em razão da prolação da sentença.

A Lei n. 9.696/1998, que regula a profissão de Educação Física, condiciona o exercício dessa atividade à inscrição no respectivo Conselho Regional nas seguintes hipóteses:

"Art. 2º Apenas serão inscritos nos quadros dos Conselhos Regionais de Educação Física os seguintes profissionais:
I - os possuidores de diploma obtido em curso de Educação Física, oficialmente autorizado ou reconhecido;
II - os possuidores de diploma em Educação Física expedido por instituição de ensino superior estrangeira, revalidado na forma da legislação em vigor;
III - os que, até a data do início da vigência desta Lei, tenham comprovadamente exercido atividades próprias dos Profissionais de Educação Física, nos termos a serem estabelecidos pelo Conselho Federal de Educação Física."

Com fundamento na Lei n. 9.696/1998, o CONFEF editou a Resolução n. 46/2002 que, dispondo "sobre a intervenção do profissional de educação física e os seus campos de atuação profissional", assevera:

"Art. 1º - O Profissional de Educação Física é especialista em atividades físicas, nas suas diversas manifestações - ginásticas, exercícios físicos, desportos, jogos, lutas, capoeira, artes marciais, danças, atividades rítmicas, expressivas e acrobáticas, musculação, lazer, recreação, reabilitação, ergonomia, relaxamento corporal, ioga, exercícios compensatórios à atividade laboral e do cotidiano e outras práticas corporais -, tendo como propósito prestar serviços que favoreçam o desenvolvimento da educação e da saúde, contribuindo para a capacitação e/ou restabelecimento de níveis adequados de desempenho e condicionamento fisiocorporal dos seus beneficiários, visando à consecução do bem-estar e da qualidade de vida, da consciência, da expressão e estética do movimento, da prevenção de doenças, de acidentes, de problemas posturais, da compensação de distúrbios funcionais, contribuindo ainda, para consecução da autonomia, da auto-estima, da cooperação, da solidariedade, da integração, da cidadania, das relações sociais e a preservação do meio ambiente, observados os preceitos de responsabilidade, segurança, qualidade técnica e ética no atendimento individual e coletivo."

O cerne da lide reside em analisar a legalidade da exigência de inscrição de profissionais da área de artes marciais perante o CREF4/SP, sob a ótica da Resolução CONFEF n. 46/2002.

Para tanto, deve-se levar em consideração o inciso XIII, do art. 5º, da CF/1988, que dispõe ser "livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer" (grifos nossos).

É certo que, tratando-se de norma de eficácia contida, apenas a lei, e não um ato normativo inferior a ela, poderia impor condições ao livre exercício de qualquer profissão.

Nesses termos, consoante o posicionamento já firmado nos autos do agravo de instrumento n. 2003.03.00.054375-4, entendo que a citada Resolução extrapolou o exercício do poder regulamentar, descrevendo atividades não identificadas com a formação do profissional de educação física.

Com efeito, o art. 1º, da Resolução CONFEF n. 46/2002, buscou disciplinar, além das áreas esportivas, outras como fisioterapia, dança, ioga e artes marciais, ou seja, claramente além dos ensinamentos que um egresso do curso em educação física obtém na graduação.

É certo que a Lei n. 9.696/1998, disciplinando as atividades relacionadas à educação física, autoriza a inscrição nos quadros dos Conselhos daqueles que exerçam atividades próprias dos profissionais da área, "nos termos a serem estabelecidos pelo Conselho Federal de Educação Física" (inciso III, do art. 2º).

No entanto, de tal disposição normativa, não se pode extrair a permissão para regulamentar todas as atividades que envolvem movimentação corporal, como buscou fazer a Resolução CONFEF n. 46/2002.

O entendimento firmado está em consonância com diversas Cortes Federais:

"ADMINISTRATIVO - CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA - LEGITIMIDADE PASSIVA - INSCRIÇÃO NO CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA - EXIGÊNCIA DE CURSO DE NIVELAMENTO - IMPOSSIBILIDADE - PROFISSIONAIS DE DANÇA, IOGA E ARTES MARCIAIS - REGISTRO - INEXIGIBILIDADE - ANUIDADES - CARÁTER TRIBUTÁRIO - RESTITUIÇÃO - MINISTÉRIO PÚBLICO - ILEGITIMIDADE ATIVA.
(...)
IV. Noutro giro, quanto à submissão dos profissionais de dança, ioga e artes marciais ao Conselho Regional de Educação Física - CREF1, ressalte-se que tais atividades, muito embora denotem movimentação corporal, requerem formação acadêmica diversa da do profissional de Educação Física, não sendo portanto atividades próprias deste profissional a exigir o competente registro no Conselho Regional de Educação Física; o que não legitima, entretanto, o exercício da atividade de educação física, de forma disfarçada, por profissionais dessas áreas (dança, ioga e artes marciais), sem a específica formação superior legalmente exigida.
(TRF da 2ª Região, AC 2002.51.01.004894-2, Sétima Turma Especializada, Relator Desembargador Federal Sergio Schwaitzer, j. 11/3/2009, DJU de 2/9/2009, grifos nossos)

"CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NÃO CONFIGURADA. ART. 5º, INC. XIII, DA C.F. LEI N.º 9.696/98. INSCRIÇÃO NO CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA. INSTRUTOR DE ARTES MARCIAIS. JUDÔ. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL.
(...)
2. O Conselho Federal de Educação Física - CONFEF editou a Resolução n. 46/2002 estabelecendo, em seu art. 1º, um rol de atividades que se enquadrariam na especialidade de profissional de educação física. Dentre as atividades relacionadas encontram-se algumas que não se identificam com a área de educação física, tais como fisioterapia e artes marciais.
3 . Na ausência de previsão legal, qualquer ato normativo de hierarquia inferior não pode restringir o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão.
4 . A resolução 46/02, do CONFEF e 7/04, do Presidente da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, inovaram o mundo jurídico e extrapolaram o exercício do poder regulamentar que lhes foi conferido pela lei.
5. Mantida a verba honorária fixada na r. sentença, pois de acordo com o disposto no art. 20, § 3.º, do CPC e consoante com o entendimento desta Turma.
6. Apelações improvidas."
(TRF da 3ª Região, AC 2004.61.05.006536-7, Sexta Turma, Relatora Desembargadora Federal Consuelo Yoshida, j. 27/11/2008, DJF3 de 12/1/2009 grifos nossos)

"ADMINISTRATIVO. CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA. EMPRESA DEDICADA AO COMÉRCIO VAREJISTA DE ARTIGOS ESPORTIVOS E ACESSÓRIOS, BEM COMO ÀS ATIVIDADES DE ENSINO E CURSO DE ARTES MARCIAIS. INSCRIÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRAÇÃO NÃO ACOLHIDA.
As artes marciais não são atividades próprias do profissional de educação física. O curso de Educação Física não prepara professores de artes marciais, não estando os graduados em Educação Física aptos a lecionar quaisquer de suas modalidades."
(TRF da 4ª Região, APELREEX 2008.72.00.011988-4, Quarta Turma, Relator Desembargador Federal Valdemar Capeletti, 17/6/2009, DE de 29/6/2009, grifos nossos)

Não desconheço, por certo, o julgamento da AC n. 2003.61.00.013161-3 (j. 11/10/2006, DJU de 29/11/2006), de Relatoria da eminente Desembargadora Federal Cecília Marcondes, em que esta E. Turma firmou posicionamento em sentido contrário.

Todavia, com a devida vênia, após reflexão sobre o tema, entendo que, para fins da Lei n. 9.696/1998, somente deve se inscrever no CREF o profissional que utiliza a educação física como atividade finalística, ou seja, que tenha na educação física o próprio fim a ser buscado ("atividade-fim"). Assim, para aquelas áreas em que a atividade física é meramente instrumental, isto é, apenas um meio para se alcançar os ensinamentos ministrados, não há necessidade de se registrar na autarquia.

É o caso das artes marciais, que tem por objetivo a formação e o aprendizado de uma determinada tradição cultural ou de uma técnica de luta, por exemplo, e não necessariamente o desenvolvimento de uma atividade física.

Sob tal prisma, por conseguinte, não há necessidade de registro no CREF4/SP.

Por fim, passo à análise da incidência da Lei Estadual Paulista n. 10.848/2001, que cuida do registro e funcionamento de estabelecimentos de ensino e prática de modalidades esportivas.

Aduziu a autarquia que o art. 3º, dessa norma, é expresso ao determinar que somente será admitido funcionamento de um estabelecimento esportivo se o responsável for registrado no Conselho:

"Artigo 3º - O requerimento de registro será instruído com os seguintes documentos:
III - indicação do nome do supervisor ou responsável técnico pelo estabelecimento, que será obrigatoriamente um profissional de Educação Física devidamente habilitado;"

Por outro lado, os autores afirmaram que, em se tratando de artes marciais, vigora a Lei Estadual Paulista n. 9.039/1994, o qual prevê (grifos nossos):

"Artigo 1º - Os estabelecimentos de ensino e prática das modalidades de lutas e artes marciais, além dos registros previstos em lei, ficam sujeitos ao registro no Conselho Regional de Desportos.
Artigo 2º - Consideram - se modalidades desportivas de lutas e artes marciais: Judô, Taekwondô, Aikidô, Kendô, Karatê e congêneres, bem como as lutas de Boxe, Livre, Greco - Romana, Sumô e congêneres.
Artigo 3º - Os estabelecimentos mencionados na presente lei deverão ter a supervisão e a responsabilidade técnica de um professor de educação física devidamente habilitado ou de um técnico credenciado pela respectiva Federação Estadual."

De início, verifico que Constituição Federal assevera a competência concorrente para a União, os Estados e o Distrito Federal legislarem sobre a "educação, cultura, ensino e desporto" (inciso IX, do art. 24), de forma que as disposições estaduais são válidas. Ademais, ambas estão em vigor, segundo o site da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.

Assim, da comparação entre as citadas Leis Paulistas, sobressai nítida a especialidade da Lei n. 9.039/1994, que regula as modalidades desportivas de artes marciais.

E o art. 3º, da Lei Paulista n. 9.039/1994, permite que o estabelecimento seja supervisionado por um "técnico credenciado pela respectiva Federação Estadual", não havendo necessidade, portanto, de registro no CREF4/SP.

Ante o exposto, nego provimento à apelação e à remessa oficial, tida por submetida.

É o voto.


MARCIO MORAES
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): MARCIO JOSE DE MORAES:08
Nº de Série do Certificado: 4436253D
Data e Hora: 16/03/2010 16:36:39