Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 08/05/2017
EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0000297-22.1999.4.03.6111/SP
1999.61.11.000297-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal NINO TOLDO
EMBARGANTE : MARCILIO PINHEIRO GUIMARAES
ADVOGADO : SP023183 ANTONIO CLAUDIO MARIZ DE OLIVEIRA e outro(a)
EMBARGADO(A) : Justica Publica
ABSOLVIDO(A) : ALOYSIO PINHEIRO GUIMARAES
: ULYSSES PINHEIRO GUIMARAES
No. ORIG. : 00002972219994036111 2P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. LAVAGEM DE DINHEIRO. ABSOLVIÇÃO. CRIME ANTECEDENTE NÃO DESCRITO NA DENÚNCIA. EMBARGOS INFRINGENTES PROVIDOS.
1. A divergência estabeleceu-se na condenação do acusado pela prática do crime de lavagem de dinheiro.
2. Embora não seja necessária condenação prévia ou concomitante do crime antecedente para a tipificação do delito de lavagem de dinheiro, deve ser demonstrada pelo órgão acusador a proveniência dos valores a serem "lavados" ou "branqueados".
3. Para que ocorra a condenação pelo crime de lavagem, é necessária não só a descrição fática do crime antecedente, como indícios suficientes da sua existência. No caso, como bem ressaltou o voto vencido, não é possível a condenação pela prática do delito do art. 1º, VI, da Lei nº 9.613/98, apontando como crime antecedente o crime de gestão fraudulenta (art. 4º da Lei nº 7.492/86), pois a prática desse delito não foi narrada na denúncia. 4. A acusação não conseguiu demonstrar a origem ilícita dos valores depositados nas contas de terceiros.
5. Prevalência do voto vencido, que manteve a absolvição do embargante da imputação do crime previsto no art. 1º, VI, da Lei nº 9.613/98.
6. Embargos infringentes providos.



ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, DAR PROVIMENTO aos embargos infringentes, para que prevaleça o voto vencido, mantendo a absolvição do embargante da imputação do crime previsto no art. 1º, VI, da Lei nº 9.613/98, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado, vencidos os Desembargadores Federais Maurício Kato e André Nekatschalow que rejeitavam os embargos.



São Paulo, 20 de abril de 2017.
NINO TOLDO
Desembargador Federal


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EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0000297-22.1999.4.03.6111/SP
1999.61.11.000297-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal NINO TOLDO
EMBARGANTE : MARCILIO PINHEIRO GUIMARAES
ADVOGADO : SP023183 ANTONIO CLAUDIO MARIZ DE OLIVEIRA e outro(a)
EMBARGADO(A) : Justica Publica
ABSOLVIDO(A) : ALOYSIO PINHEIRO GUIMARAES
: ULYSSES PINHEIRO GUIMARAES
No. ORIG. : 00002972219994036111 2P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de embargos infringentes opostos por MARCÍLIO PINHEIRO GUIMARÃES (fls. 1640/1653) em face de acórdão proferido pela Primeira Turma desta Corte Regional que, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso da defesa e, por maioria, deu parcial provimento ao recurso do Ministério Público Federal para condenar o acusado pela prática do crime tipificado no art. 1º, VI, da Lei nº 9.613/98, à pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão e ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa e aumentar as penas dos crimes tipificados nos arts. 16 e 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86, nos termos do voto do Relator, então Juiz Federal Convocado Hélio Nogueira, acompanhado pelo voto do então Juiz Federal Convocado Paulo Domingues.


A ementa do acórdão é a seguinte:


PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. ARTIGO 4º, CAPUT, ARTIGO 16 E ARTIGO 22, PARÁGRAFO ÚNICO, TODOS DA LEI Nº 7.492/86. LAVAGEM DE CAPITAIS. CRIME TIPIFICADO NO ART. 1º, INCISOS V E VI, DA LEI Nº 9.613/98. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA NO TOCANTE AO PONTO QUE APLICOU O ARTIGO 383 CPP. OCORRÊNCIA. CONJUNTO PROBATÓRIO APTO À CONDENAÇÃO PELOS CRIMES EVASÃO DE DIVISAS E DE OPERAÇÃO DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA SEM AUTORIZAÇÃO. LAVAGEM DE DINHEIRO CONFIGURADA. DOSIMETRIA DA PENA. APELAÇÕES PARCIALMENTE PROVIDAS.
1. O apelante foi denunciado como incurso nas sanções dos artigos 16 e 22 (por duas vezes), ambos da Lei nº 7.492/86, do artigo 1º, incisos V e VI, da Lei nº 9.613/98, bem como do artigo 1º, inciso I da Lei nº 8.137/90. Processo desmembrado na origem quanto ao crime contra a ordem tributária.
2. Preliminar de nulidade da sentença no ponto em que foi aplicada a emendatio libelli (artigo 383 do CPP) para desclassificar uma das imputações de evasão de divisas (artigo 22 da Lei nº 7.492/86) para o crime de Gestão Fraudulenta de Instituição Financeira (artigo 4º, caput, da Lei nº 7.492/86). Acolhimento parcial da pretensão defensiva para declarar a nulidade da sentença, uma vez que a denúncia não descreveu qualquer elemento do crime de gestão fraudulenta, impedindo o exercício do direito de defesa pelo réu.
3. Materialidade e autoria delitiva do crime de evasão de divisas comprovadas. Desnecessidade de dolo específico. Crime que se caracteriza com a presença do dolo genérico.
4. Evasão de divisas. TIRs (transferências internacionais de reais) mediante depósitos em contas-correntes de não residentes (CC5), utilizando-se de terceiros "laranjas". Caracterização do delito. Inviável desclassificação para o crime do artigo 21 da Lei nº 7.492/86. Premeditada operação que em seu bojo contava com a indicação de terceiros, que sequer possuíam a mínima consciência do que se passava.
5. Demonstradas a materialidade e autoria delitiva do crime de operação de instituição financeira sem autorização. A P.G. Câmbio e Turismo Ltda. foi descredenciada pelo BACEN para operar câmbio em dezembro de 1996. Porém, permaneceu em pleno funcionamento até meados de 1998.
6. Lavagem de capitais. Delito tipificado no artigo 1º, inciso VI, da Lei nº 9.613/98 comprovado. Presença de provas suficientes de crimes antecedentes. Não se exige condenação do agente pela ocorrência dos crimes antecedentes, basta a existência de provas da ocorrência do fato delitivo. O réu promoveu inúmeras remessas de valores ao exterior, em nome de terceiros, ocultando a origem e dissimulando o proveito obtido com a prática de delitos antecedentes.
7. Concurso de crimes de evasão de divisas e lavagem de capitais. Cabimento. Cada delito atinge bem jurídico distinto, o primeiro a higidez do sistema financeiro, enquanto o segundo afeta a administração da justiça.
8. Dosimetria. Circunstâncias judiciais desfavoráveis. Penas-bases majoradas. Atenuante da confissão quanto ao crime tipificado no artigo 16 da Lei nº 7.492/86. Penas de multa redimensionadas. Valor do dia-multa mantido em um salário mínimo. Regime semi-aberto mantido.
9. Apelações parcialmente providas.

Restou vencido o Juiz Federal Convocado Márcio Mesquita que dava provimento à apelação do Ministério Público Federal em menor extensão, mantendo a absolvição da imputação do crime tipificado no art. 1º, VI, da Lei nº 9.613/98.


Pretende o embargante a prevalência do voto vencido, que considerou não ser possível a condenação do réu pelo crime de lavagem fundado em delito antecedente diverso daquele descrito na denúncia. Argumenta que o voto vencedor considerou dois crimes como antecedentes ao delito de lavagem: a gestão fraudulenta, cuja condenação em primeira instância foi anulada pelo próprio acórdão em razão da ausência de descrição de suas elementares pela denúncia, e a manutenção de instituição financeira sem autorização (art. 16 da Lei nº 7.492/86), que também não foi apontado na denúncia como delito antecedente ao crime de lavagem. Sustenta que a condenação do embargante por lavagem de dinheiro representou séria violação das garantias do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. Pede, assim, o provimento dos embargos, para que seja mantida a absolvição do embargante da imputação prevista no art. 1º, V e VI, da Lei nº 9.613/98.


A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo desprovimento dos embargos infringentes (fls. 1717/1720v).


É o relatório.


À revisão.


NINO TOLDO
Desembargador Federal


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EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0000297-22.1999.4.03.6111/SP
1999.61.11.000297-8/SP
RELATOR : Desembargador Federal NINO TOLDO
EMBARGANTE : MARCILIO PINHEIRO GUIMARAES
ADVOGADO : SP023183 ANTONIO CLAUDIO MARIZ DE OLIVEIRA e outro(a)
EMBARGADO(A) : Justica Publica
ABSOLVIDO(A) : ALOYSIO PINHEIRO GUIMARAES
: ULYSSES PINHEIRO GUIMARAES
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VOTO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): MARCÍLIO PINHEIRO GUIMARÃES foi absolvido pela 2ª Vara Federal Criminal de São Paulo/SP da imputação do crime previsto no art. 1º, V e VI, da Lei nº 9.613/98, com fundamento no art. 386, II, do Código de Processo Penal, por não estar provada a materialidade delitiva.


O Ministério Público Federal e a defesa apelaram, tendo a Primeira Turma desta Corte, por unanimidade, dado parcial provimento à apelação da defesa. Por maioria, a Turma também deu parcial provimento ao recurso ministerial para condenar o acusado pela prática do crime tipificado no art. 1º, VI, da Lei nº 9.613/98, à pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de reclusão e ao pagamento de 15 (quinze) dias-multa e aumentar as penas dos crimes tipificados nos arts. 16 e 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86, nos termos do voto do Relator, então Juiz Federal Convocado Hélio Nogueira, que foi acompanhado pelo então Juiz Federal Convocado Paulo Domingues.


O voto vencido, proferido pelo Juiz Federal Convocado Márcio Mesquita, também deu parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal, porém em menor extensão, apenas para aumentar as penas dos crimes tipificados nos arts. 16 e 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86, mantendo a absolvição da imputação do crime tipificado no art. 1º, VI, da Lei nº 9.613/98.


No caso, a divergência estabeleceu-se na condenação do acusado pela prática do crime de lavagem de dinheiro.

O voto condutor considerou demonstrada a ocorrência do delito, nos seguintes termos:


Com efeito, a vasta documentação que instrui os autos demonstra a ocorrência do delito de lavagem de valores.
O Banco Central do Brasil (fls. 18/35 destes autos) apurou que em nome de ELIZABETH DE FÁTIMA BEGUETTO, no período de 20.04.1998 e 14.05.1998, foram realizadas inúmeras remessas internacionais de valores, a título de "Disponibilidades no Exterior", no montante de R$ 1.110.000,00 (um milhão, cento e dez mil reais).
ELIZABETH, também conhecida como "Tatinha", funcionária da empresa "P.G. Câmbio e Turismo Ltda.", funcionou como interposta pessoa em inúmeras operações fraudulentas promovidas pelo réu, durante o funcionamento da casa de câmbio P.G..
Não se pode olvidar que a Receita Federal apurou a ocorrência dessas operações em fiscalização realizada na empresa Kona Câmbio e Turismo Ltda., onde foram encontrados registros contábeis paralelos em nome de "Tatinha", sendo certo que foi constatada a compatibilidade dos valores movimentados à margem da contabilidade com depósitos feitos nas contas bancárias do réu e de um terceiro, de nome Francisco Garcia Neto, utilizado por Marcílio como "laranja" (fls. 835 do Apenso nº 75)
Ora, com efeito, o réu obteve vantagem pecuniária com essas operações ilícitas, tanto que ao final os valores acabavam por ser depositados em sua conta bancária e de terceiros.
Note-se que o período das remessas (20.04 a 14.05.1998) compreende a fase final de operação irregular da casa de câmbio, que segundo elementos apurados nos autos, cessou em meados do ano de 1998.
Essas remessas que totalizaram R$ 1.110.000,00 (um milhão, cento e dez mil reais) foram precedidas de inúmeras operações cambiais irregulares, dentre as quais a compra e venda de dólares mediante utilização de "laranjas" e evasão de divisas mediante depósitos em constas CC5.
Do mesmo modo, foram as saídas de valores promovidas em nome de Darci Aparecido Magon, Ernaldo José de Paiva, Francisco Pereira dos Santos, Joaquim de Souza Pereira, Marcelo Damasceno de Freitas e Sebastião Carlos dos Santos, conforme descreve o relatório da Receita Fiscal de fls. 098/116 (apenso 1).
Ernaldo José de Paiva, além de figurar como interposta pessoa na evasão de valores ao exterior, também funcionou como suposto adquirente da "P.G. Casa de Câmbio e Turismo". Certo é que essa transferência de propriedade jamais existiu, conforme restou sobejamente demonstrado pelo depoimento prestado em Juízo por Jair da Cruz, utilizado pelo réu Marcílio como procurador de Ernaldo na administração da P.G. após a falaciosa transferência de propriedade.
As elementares do delito de lavagem de capitais estão suficientemente presentes nos autos.
Marcílio, à frente da empresa "P.G. Câmbio e Turismo Ltda". engendrou esquema que permitiu a prática de crimes contra o sistema financeiro nacional.
Promoveu inúmeras operações câmbio sem registro no SISBACEN, apontadas pelo órgão ministerial na denúncia como fatos com o objetivo de promover evasão de divisas. A sentença, por seu turno, aplicando o disposto no art. 383 do CPP, caracterizou esses fatos como o crime do art. 4º da Lei nº 7.492/86.
No presente voto, em sede preliminar, declarei a nulidade da sentença neste ponto, ante a impropriedade da aplicação do art. 383 do CPP.
Contudo, ainda que não tenha ocorrido a punição pela prática do crime, tal fato, cuja ocorrência está devidamente comprovada nos autos, conforme fundamentação do decisum de primeiro grau (fls. 1427/1428-v), consubstancia o exigido delito antecedente à lavagem de capitais, uma vez que é cediço que para a configuração do crime acessório (lavagem), não se exige prévia punição do delito primário, bastando a certeza de sua existência (art. 2º, caput, inc. II da Lei nº 9.613/98). É o que ocorre na hipótese dos autos.
(...)
Há que destacar, ademais, que após dezembro de 1996, o acusado não mais possuía autorização para operar câmbio, mas mesmo assim, manteve a atividade irregularmente, o que, também, constitui o necessário crime precedente.
Vale aqui registrar trecho de julgado da TRF da 4ª Região, acerca da configuração do crime de operação de instituição financeira sem autorização como antecedente à lavagem:
"...6. Os crimes de operação de instituição financeira sem autorização da autoridade competente e evasão de divisas constituem, por si só, um nefasto instrumento para a ocultação de bens provenientes dos mais variados delitos, independentemente de se apurar se cada cliente do "doleiro" ora acusado enveredou pelo mundo do crime.(...)"
(ACR 200570000342051, PAULO AFONSO BRUM VAZ, TRF4 - OITAVA TURMA, D.E. 10/03/2010.)
Deve ser destacado, ademais, que as operações de remessa de valores ao exterior configuradoras do delito de lavagem, à exceção de algumas em nome de Sebastião Carlos dos Santos, foram realizadas após a vigência da Lei nº 9.613/98, e tinham como finalidade declarada a "disponibilidades no exterior".
Ora, se os titulares das operações, os "laranjas" utilizados pelo réu, sequer detinham disponibilidade desses valores, imperioso reconhecer que era o objetivo das operações a ocultação da origem ilícita dos valores.
Desse modo, tenho por configurado o delito tipificado no art. 1º, inc. VI, da Lei n.º 9.613/98, uma vez que o réu, ao utilizar-se de vários "laranjas", num primeiro momento ocultou a origem dos valores e num segundo momento, dissimulou o proveito obtido com a prática do crime antecedente, promovendo, com a remessa de valores ao exterior, o distanciamento do bem de sua origem.
Registro, ainda que não tenha sido suscitado, que não há incompatibilidade da ocorrência concorrente do crime de evasão de divisas e lavagem de capitais, uma vez que cada delito atinge bem jurídico distinto, o primeiro a higidez do sistema financeiro, enquanto o segundo, afeta em especial a administração da justiça. Assim não há que se falar em incidência da absorção ou da aplicação do princípio da consunção.
Quanto à precedência de crime contra a Administração Pública (contrabando/descaminho), não há nos autos prova suficiente da ocorrência do delito, existindo apenas indícios, o que não é suficiente para a condenação.

De outro lado, o voto vencido manteve a sentença que absolveu o acusado da prática do delito previsto no art. 1º, V, e VI, da Lei nº 9.613/98, pelos seguintes fundamentos:


Com a devida vênia, entendo que, na particularidade do caso dos autos, não se afigura possível a condenação do réu pelo crime do artigo 1º, caput, da Lei 9.613/1998, que em sua redação original, vigente ao tempo dos fatos, anteriormente à alteração dada pela Lei 12.683/2012, definia o delito de lavagem de dinheiro como a ocultação ou dissimulação da natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime antecedente.
O artigo 2º, inciso II, da Lei 9.613/1998 dispunha que os processos de lavagem "independem do processo e julgamento dos crimes antecedentes referidos no artigo anterior, ainda que praticados em outro país", de modo que prescindem da condenação em relação ao crime antecedente para que se configure o crime de lavagem de dinheiro, bastando a existência de "indícios suficientes da existência do crime antecedente", "ainda que desconhecido ou isento de pena o autor daquele crime" (Lei 9.613/1998, artigo 2º, §1º).
É certo que, para a caracterização do crime de lavagem, não se exige a prova cabal da existência do crime antecedente nem que seja conhecido o autor do crime antecedente.
No caso dos autos conduto, há uma particularidade, a denúncia descreveu os crimes antecedentes ao crime de lavagem de forma bem definida, e com uma autoria imputada ao mesmo réu do crime de lavagem.
Quanto ao crime contra a Administração Pública (contrabando/descaminho), como antecedente do crime de lavagem de capitais, como assinalado pelo E. Relator, não há nos autos prova suficiente da ocorrência do delito.
Quanto ao crime do artigo 16 da Lei 7.492/1986, observo que trata-se de crime de natureza formal, que se consuma com a mera operação de instituição financeira sem autorização.
Tal conduta, por si só, não é capaz de gerar resultado material passível de ser ocultado ou dissimulado no crime de lavagem de dinheiro.
Ainda que se entenda de forma diversa, no caso concreto a denúncia não aponta o crime do artigo 16 como antecedente do crime de lavagem, mas sim o crime do artigo 22 da referida Lei.
(...)
Assim, ainda que se entenda possível que o crime do artigo 16 da Lei 7.492/1986 possa ser crime antecedente do crime do artigo 1º da Lei 9.613/1998, no caso concreto isso não pode ser considerado, dado que a denúncia aponta, concretamente, como crime antecedente, o crime de evasão de divisas.
Com relação ao crime de gestão fraudulenta de instituição financeira, tipificado no artigo 4º da Lei 7492/1986, pelo qual o réu foi condenado na r. sentença de primeiro grau, entendo que não pode ser considerado como crime antecedente para fins de condenação pelo crime de lavagem de capitais.
A denúncia descreve o crime de operação ilegal de câmbio e aponta esse crime como antecedente do crime de lavagem. A sentença condena o réu por crime de gestão fraudulenta e o E. Relator reconhece - e eu o acompanho nesse ponto - que esse crime não foi descrito na denúncia, anulando a sentença quanto ao ponto. Nessas circunstâncias particulares, não se pode considerar o crime de gestão fraudulenta como antecedente do crime de lavagem, pois não foi essa a situação descrita na denúncia.
Em outras palavras, a denúncia apontou um crime antecedente, que é o crime do artigo 22 da Lei 7.492/1986. A sentença condena o réu pelo crime do artigo 4º da referida lei e este Tribunal chega à conclusão de que a conduta deste último crime não está descrita na denúncia.
Logo, no caso concreto, anda que a condenação pelo crime de lavagem não dependa de condenação pelo crime antecedente, no caso concreto não é possível a condenação tendo como crime antecedente o crime de gestão fraudulenta, de forma diversa da descrição constante da denúncia.
Ou seja, não havendo prova suficiente da ocorrência do crime antecedente apontado na denúncia, não há como se condenar o réu pelo crime de lavagem fundado em delito antecedente diverso, não descrito na denúncia.

Penso que a razão está com o voto vencido.

É importante destacar que não há necessidade, para a configuração do crime de lavagem, de sentença condenatória em processo que trate do crime antecedente, dado que são autônomos os delitos (antecedente e lavagem). O art. 2º, I, da Lei nº 9.613/98, em sua redação original, dispunha que o processo e julgamento dos crimes previstos nessa Lei independem do processo e julgamento dos crimes antecedentes referidos no artigo anterior, ainda que praticados em outro país. Na redação dada pela Lei nº 12.683/2012, essa independência foi mantida, explicitando-se, no inciso I, que o processo e julgamento dos crimes de lavagem "independem do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta Lei a decisão sobre a unidade de processo e julgamento".


Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que, "[p]or definição legal, a lavagem de dinheiro constitui crime acessório e derivado, mas autônomo em relação ao crime antecedente, não constituindo post factum impunível, nem dependendo da comprovação da participação do agente no crime antecedente para restar caracterizado" (REsp 1342710/PR, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 22.04.2014, DJe 02.05.2014).


No caso em exame, a questão controvertida está relacionada à correspondência entre o crime antecedente descrito na denúncia e aquele efetivamente praticado pelo acusado, porquanto, embora não seja necessária condenação prévia ou concomitante do crime antecedente para a tipificação do delito de lavagem de dinheiro, é necessário que haja ao menos indícios suficientes da sua existência, isto é, deve ser demonstrada pelo órgão acusador a proveniência dos valores a serem "lavados" ou "branqueados".


Com efeito, a denúncia descreve da seguinte maneira a conduta dos acusados, relativamente ao crime de lavagem de dinheiro:


DA LAVAGEM DE DINHEIRO
Encontra-se também comprovado (1º Volume dos autos nº 1999.61.11.000297-8) que, no período de 20.04.98 a 14.05.98, os denunciados MARCÍLIO PINHEIRO GUIMARÃES e ALOYSIO PINHEIRO GUIMARÃES, enviaram para o exterior a quantia de R$ 1.110.000,00 (um milhão, cento e dez mil reais), por meio da conta corrente em nome de ELIZABETH DE FÁTIMA BEGUETTO, empregada da empresa P.G. Câmbio e Turismo Ltda.
Outrossim, consta do relatório fiscal já citado anteriormente, que foram feitas, pelos denunciados, remessas para o exterior de grandes quantias por meio das contas correntes em nome dos "laranjas", conforme quadro abaixo:
(...)
Com esta conduta, além de omitirem informação às autoridades fazendárias, os denunciados ocultaram a origem e a movimentação de referidos valores que certamente provieram de crime contra o sistema financeiro nacional, como já demonstrado acima, e contra a Administração Pública (contrabando e descaminho), como se vê às fls. 103/104 do relatório fiscal que resultou do procedimento fiscal realizado em face da empresa P.G. Câmbio e Turismo Ltda."
(fls. 06/07)

Resta claro, do exposto, que a denúncia descreve como antecedentes ao delito de lavagem os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional (evasão de divisas ocorrida no período de 20.04.98 a 14.05.98 através das contas de "laranjas") e contra a Administração Pública (contrabando e descaminho).


A sentença, por sua vez, entendeu que "os recursos que foram objeto dos crimes contra o sistema financeiro nacional verificados nos presentes autos (ou seja, os recursos enviados ao exterior ou objeto de contratos de câmbio não registrados no Sisbacen) não se contaminaram em virtude de tais delitos. A origem desses recursos não foi esmiuçada ou discutida nos autos, motivo pelo qual não se pode simplesmente tomá-los como produtos de crimes." (fls. 1434). No que diz respeito ao crime de contrabando/descaminho, a sentença, de igual modo, considerou não haver prova da sua prática efetiva e, por isso, absolveu o embargante da imputação do crime previsto no art. 1º, V e VI, da Lei nº 9.613/98.


O acórdão embargado, por outro lado, entendeu configurado o delito tipificado no art. art. 1º, VI, da Lei nº 9.613/98, sob o fundamento de que o réu, ao utilizar-se de "laranjas" para a remessa de valores ao exterior, num primeiro momento ocultou a origem desses valores e, num segundo momento, dissimulou o proveito obtido com a prática do crime antecedente, promovendo, com tal remessa, o distanciamento do bem de sua origem.


Ocorre que, para que ocorra a condenação pelo crime de lavagem, é necessária não só a descrição fática do crime antecedente, como indícios suficientes da sua existência. No caso, como bem ressaltou o voto vencido, não é possível a condenação pela prática do delito do art. 1º, VI, da Lei nº 9.613/98, apontando como crime antecedente o crime de gestão fraudulenta (art. 4º da Lei nº 7.492/86), pois a prática desse delito não foi narrada na denúncia. Ademais, é importante ressaltar que a acusação não conseguiu demonstrar a origem ilícita dos valores depositados nas contas de terceiros.


Desse modo, não poderia o acórdão condenar o embargante pelo delito de lavagem de valores se não restou demonstrada ao menos a existência de indícios suficientes da prática do crime antecedente, conforme descrito na denúncia.


Posto isso, DOU PROVIMENTO aos embargos infringentes, para que prevaleça o voto vencido, mantendo a absolvição do embargante da imputação do crime previsto no art. 1º, VI, da Lei nº 9.613/98, nos termos da fundamentação supra.


É o voto.


NINO TOLDO
Desembargador Federal


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Data e Hora: 20/04/2017 18:55:58