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D.E. Publicado em 03/08/2016 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, não conhecer dos apelos da União Federal e da CETESB, bem como negar provimento ao reexame necessário e demais apelações, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
A SENHORA JUÍZA FEDERAL CONVOCADA LEILA PAIVA MORRISON (RELATORA): - Trata-se de reexame necessário e apelações interpostas pelo INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA, COMPANHIA AMBIENTAL DO ESTADO DE SÃO PAULO - CETESB, UNIÃO FEDERAL, ESTADO DE SÃO PAULO, SINDICATO DA INDÚSTRIA DA FABRICAÇÃO DO ÁLCOOL NO ESTADO DE SÃO PAULO e outros em face da r. sentença de improcedência proferida nesta ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, com pedido de tutela antecipada.
Na petição inicial, alegou-se, em síntese, o seguinte: a) a denominada queima controlada da palha de cana-de-açúcar possui aptidão para lançar na atmosfera grandes quantidades de poluentes danosos à saúde, fato esse agravado quando a correspondente realização coincide com os meses de menores índices de umidade na região englobada pela Subseção Judiciária de Araraquara; b) a legislação estadual Paulista, que autoriza tais queimadas, está eivada pelo vício da inconstitucionalidade, pois é complacente com a degradação ambiental; c) ser ilegal a não exigência de estudo ambiental e relatório de impacto ambiental - EIA/RIMA - para o desenvolvimento dessa atividade; d) pertencer ao IBAMA a atribuição supletiva constitucional para a realização do licenciamento ambiental nesses casos, diante da patente omissão do Estado de São Paulo, CETESB e DEPRN na proteção dos direitos ambientais envolvidos; e) logo, ser necessário que se anulem todas as licenças ambientais concedidas pelo Estado Bandeirante, CETESB e DEPRN que tenham por objeto a autorização para a queima controlada da palha da cana de açúcar na área compreendida pela 20ª Subseção Judiciária, bem como que tais órgãos sejam compelidos a absterem-se de outorgar novas licenças e autorizações da espécie e, ainda, ser de rigor que os aludidos atos administrativos passem à atribuição do IBAMA, respeitados os trâmites legais; f) ser também imperiosa a condenação dos réus em danos morais, a serem revertidos ao Fundo Federal de Direitos Difusos.
A exordial foi instruída com cópia do procedimento administrativo instaurado no âmbito do Parquet para a averiguação dos fatos ora alegados (fls. 83/1.160).
Houve manifestação acerca do requerimento de tutela antecipada (fls. 1.164/1.184 - CETESB; fls. 1.189/1.193-v - IBAMA; fls. 1.195/1.222 - Estado de São Paulo).
O Sindicato da Indústria da Fabricação do Álcool do Estado de São Paulo - SIAFESP e o Sindicato da Indústria do Açúcar no Estado de São Paulo - SIAESP requereram o ingresso na lide como assistentes litisconsorciais do Estado de São Paulo.
O pedido de tutela antecipada foi deferido, sendo determinado: i) a ilegitimidade passiva do Departamento Estadual de Proteção aos Recursos Naturais - DPRN, com a respectiva exclusão do polo passivo; ii) o reconhecimento da legitimidade ativa do IBAMA e a competência da Justiça Federal para o julgamento da causa; iii) a suspensão da validade das autorizações já concedidas pelo Estado de São Paulo, por meio da CETESB, obstando a prática das queimadas na região; iv) abstenção quanto à concessão de novas autorizações similares; v) que o IBAMA promovesse, com exclusividade, o procedimento de licenciamento ambiental para a prática da queima da cana-de-açúcar (fls. 1.477/1.479).
Contra a decisão antecipatória foi interposto agravo de instrumento pelo SIFAESP e pelo SIAESP (fls. 1.525/1.577), cujo efeito suspensivo foi negado (fls. 1.589/1.591-v).
O IBAMA e o Estado de São Paulo também interpuseram agravo de instrumento, sendo o decisum antecipatório suspenso, mas por força de decisão prolatada pela E. Presidência desta Corte diante de pedido formulado pelo Estado Paulista com fulcro no art. 4º da Lei 8.437/1992.
Contestações do IBAMA às fls. 1.602/1.619, do SIFAESP às fls. 1.932/1.996 e do Estado de São Paulo às fls. 2.009/2.148. A CETESB não apresentou defesa e, por isso, foi considerada revel (fls. 2.203).
A Associação dos Fornecedores de Cana de Araraquara requereu o seu ingresso na qualidade de assistente litisconsorcial do Estado de São Paulo (fls. 2.156/2.201).
Intimadas sobre o interesse na produção de provas, as partes declinaram (fls. 2.261; 2.262; 2.270; 2.273 e 2.275).
Todos os requerimento de intervenção na demanda foram deferidos (fls. 2.282).
Contestação da Associação dos Fornecedores de Cana de Araraquara às fls. 2.287/2.364.
Réplica do Ministério Público Federal às fls. 2.225/2.260, pela qual, em suma, insistiu na procedência dos pedidos iniciais, rechaçando todo o argumentado nas contestações.
Sobreveio a r. sentença (fls. 2.374/2.394) pela qual, consoante adiantado, julgados procedentes os pedidos, nos termos do dispositivo redigido na seguinte conformidade:
Foram opostos embargos de declaração pelo SIFAESP, SIAESP, pela União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo e pela Associação dos Fornecedores de Cana de Araraquara (fls. 2.405/2.411). Também interpôs aclaratórios o Estado de São Paulo (fls. 2.412/2.415).
Apelou o IBAMA (fls. 2.421/2.435-v), sustentado, em resumo, que a atividade consistente em queima controlada da palha de cana-de-açúcar prescinde de licenciamento ambiental e, mesmo que assim não fosse, tal ato administrativo não seria de atribuição da Autarquia Federal, dada a ausência de previsão legal ou constitucional a respeito. Apontou, ainda, a desnecessidade de elaboração de EIA/RIMA no caso, bem como ser descabida a pretensão do Parquet em adentrar na discricionariedade administrativa dos órgãos públicos responsáveis.
Nas razões de apelação da CETESB (fls. 2.436/2.474) argumentou-se, preliminarmente, a inviabilidade de, mediante ação civil pública, se impugnar lei em tese, razão pela qual o Ministério Público Federal seria carecedor da ação na modalidade inadequação da via eleita. No mérito, em suma, afirmou que tanto as normas estaduais como as federais a respeito do tema queima controlada são constitucionais, sendo os órgãos estaduais os responsáveis pela emissão das correspondentes licenças. Aduz que, no caso do Estado de São Paulo, a extinção dessa queima tem sido alcançada de forma gradativa, exatamente como previsto na legislação estadual. Alega que a atividade em baila não acarreta impacto ambiental suficiente a amparar a obrigatoriedade de elaboração de EIA/RIMA. Por fim, impugna a condenação por danos morais, dada a inexistência de responsabilidade civil que justificasse a respectiva imposição.
Apelou a União Federal (fls. 2.481/2.498) na qualidade de terceira interessada, alegando, em síntese, que a r. sentença é nula por ser extra petita, no capítulo em que determina à Polícia Federal que fiscalize a queima da palha de cana-de-açúcar na região, o que não foi objeto de pedido formulado pelo Parquet na petição inicial. Aponta, ademais, incompetência da Justiça Federal para a resolução da causa e impossibilidade de que sofra qualquer espécie de condenação, ainda que por via reflexa, uma vez que não figurou como parte no processo.
Todos os embargos de declaração foram rejeitados, tendo o MM. Juízo a quo esclarecido, de ofício, que "A Polícia Ambiental não estão sujeitas às penalidades cominadas na sentença [...], pois não integraram a relação processual, apenas foram oficiadas para que tomassem ciência acerca do conteúdo da sentença, com o fim de auxiliar os órgãos competentes na fiscalização de eventuais queimadas" (fls. 2.499/2.501-v).
Intimado da decisão que julgou os aclaratórios, o IBAMA reiterou suas razões de apelação (fls. 2.506).
Nas razões de apelação do Estado de São Paulo (fls. 2.507/2.550), afirmou-se, em resumo, o seguinte: a) preliminarmente, ser necessário o reconhecimento da ilegitimidade passiva do IBAMA e, da mesma forma, a incompetência da Justiça Federal; b) ainda em sede de preliminar, requereu a extinção do processo sem resolução do mérito, dada a impossibilidade jurídica dos pedidos principais de reconhecimento da inconstitucionalidade da legislação estadual que disciplina a queima da cana-de-açúcar; c) no que tange ao mérito, afirma que há previsão de eliminação da queima da cana-de-açúcar, que não pode ocorrer de imediato, a fim de que sejam preservados os interesses de todos os envolvidos; d) serem razoáveis os prazos previstos em lei para a eliminação dessa queima, que, ademais, é fundamental para que atendidos também os interesses dos trabalhadores envolvidos no processo de corte; e) se considerado o processo produtivo como um todo, possível concluir que, ao contrário do afirmado pelo Ministério Público, ele colabora com a manutenção do meio ambiente; f) não há meios disponíveis para que a cultura da cana-de-açúcar seja feita de forma mecanizada; g) são constitucionais e legais as normas estaduais que tratam da queima da palha de cana-de-açúcar, assim como de sua eliminação, sendo prescindível a prévia elaboração de EIA/RIMA para o desenvolvimento dessa atividade. Destarte, requereu a inversão do julgado.
Apelação conjunta do SIFAESP, SIAESP, União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo - UNICA e da Associação dos Fornecedores de Cana de Araraquara (fls. 2.553/2.609), sustentando, resumidamente, nulidade da r. sentença pela inexistência de lide a ser dirimida, vez que incabível o controle de constitucionalidade das Leis Estaduais 10.547/2000 e 11.547/2002 mediante ação civil pública, bem como a incompetência do IBAMA para conceder autorizações no caso ora sob exame. No que diz respeito ao mérito, alegou a impossibilidade de anulação de ato vinculado à Lei - no caso, a autorização da queima controlada -, sem a prévia declaração de inconstitucionalidade, irrealizável nesta demanda, bem como a inviabilidade de se pretender condenação por danos morais sem que também se ultrapasse o crivo da constitucionalidade da legislação estadual aplicável. Afirmou, ainda, serem inconsistentes as provas que apontam supostos malefícios da queima controlada da palha de cana-de-açúcar. Por fim, ponderou que a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça e do C. Tribunal de Justiça do estado de São Paulo não amparam os pedidos deduzidos pelo Parquet.
Os apelos foram recebidos no efeito devolutivo (fls. 2.613) e subiram a esta E. Corte também por força de reexame necessário.
Às fls. 2.817/2.835, o Estado de São Paulo apresentou, com fulcro no art. 558, parágrafo único, do Código de Processo Civil de 1973, pedido de suspensão do cumprimento da sentença até o respectivo trânsito em julgado, indeferida pelo E. Relator, consoante decisão prolatada às fls. 2.850/2.855-v.
O Ministério Público Federal oficiante nesta instância, em parecer de lavra da E. Procuradora Regional da República Fátima Aparecida de Souza Borghi, manifestou-se pelo não conhecimento do recurso da CETESB e pelo desprovimento das demais apelações (fls. 2.864/2.873).
Às fls. 2.881/2.919, foram juntadas cópias das decisões proferidas por esta E. Corte Regional no Incidente de Suspensão de Execução de Sentença 0036669-81.2010.4.03.0000, interposto pelo IBAMA, pelas quais, em suma, restou determinado que os efeitos da r. sentença ficariam suspensos até o trânsito em julgado, unicamente em relação à colheita da safra de 2011.
É o relatório.
À Douta Revisão.
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VOTO
A SENHORA JUÍZA FEDERAL CONVOCADA LEILA PAIVA MORRISON (RELATORA): - Inicialmente, ainda que a ampla devolutividade do exame da causa esteja assegurada pela remessa necessária, é caso de não conhecimento da apelação interposta pela CETESB, eis que interposta na pendência de embargos declaratórios, não sendo reiterada após o correspondente julgamento. Nesse sentido:
Por sinal, não tem aplicação à hipótese o disposto no art. 1.024, § 5º, do Código de Processo Civil de 2015 ("Se os embargos de declaração forem rejeitados ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração será processado e julgado independentemente de ratificação") uma vez que a análise do presente recurso será realizada nos moldes do CPC de 1973, que regia o procedimento recursal à época de sua interposição. Observa-se, portanto, o entendimento pacificado pela E. Corte Especial do Colendo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.144.079/SP, submetido à sistemática do artigo 543-C do CPC de 1973, no sentido de que a aplicação da regra do artigo 1.211 do CPC de 1973, que tratava do princípio "tempus regit actum", impunha respeito aos atos praticados sob a égide da lei revogada, não havendo que se falar em retroação da lei nova, eis que deve prevalecer a incidência da lei vigente na data da prolação dos recursos cabíveis contra decisão ou sentença.
Esse é o juízo de valor utilizado no presente caso, sob a vigência do novo diploma processual, para identificar, topicamente, uma hipótese excepcional de ultratividade do CPC de 1973, que autoriza a sua aplicação ao julgamento do presente recurso, amparada nos precedentes jurisprudenciais que o cercava e pela norma do artigo 14 do CPC de 2015, nos seguintes termos: "A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada".
Veja-se, nesse sentido, o magistério de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, in verbis:
Nesse diapasão, acrescente-se que, no atual contexto, o Plenário do Colendo Superior Tribunal de Justiça fez editar, em 9.3.2016, por meio de sessão, cuja ata foi publicada em 11.3.2016, o enunciado administrativo, nos seguintes termos: "Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça" (Enunciado Administrativo n. 2, E. Plenário do C. STJ, em 9/3/2016).
Registre-se a manifestação da Colenda Corte Superior de Justiça admitindo a aplicação da lei vigente à época da decisão impugnada, no que toca à interposição e ao julgamento do recurso, conforme a seguinte ementa, in verbis:
Isso não bastasse, verifico, ainda, que o preparo da apelação interposta pela CETESB foi recolhido de forma irregular, haja vista que o pagamento efetivou-se no Banco do Brasil e não na Caixa Econômica Federal (fls. 2.475/2.477), consoante determina o art. 2º da Lei 9.289/1996, que apenas excetua tal obrigação caso na localidade não exista agência da CEF disponível, o que, à toda evidência, não é o caso da Subseção Judiciária de Araraquara. Trata-se de outro óbice para o conhecimento desse apelo, para além da ausência de reiteração supracitada. Veja-se, a propósito do tema, a jurisprudência:
Outrossim, esclarece-se que a apelação da União Federal não foi recebida pelo MM. Juízo a quo, decisão não combatida pelo recurso próprio, tendo sido, dessa forma, alcançada pela preclusão, razão pela qual esse apelo também não será conhecido.
Prosseguindo, não merece acolhida a alegação acerca de incompetência da Justiça Federal para o julgamento da causa.
Isso porque o autor e ora recorrido Ministério Público Federal, órgão da União, é legitimado ativo para a propositura de ação civil pública (arts. 6º, VII, "b" e 39, II e III da Lei Complementar nº 75/93 e art. 5º, I, da Lei 7.347/85), o que se mostra determinante para a fixação da competência da Justiça Federal in casu, independentemente da natureza da relação litigiosa travada. Nesse diapasão, vide aresto do C. Superior Tribunal de Justiça:
Ademais, a presença do IBAMA - Autarquia Federal (art. 2º da Lei 7.735/89) - no polo passivo constituiu outro fator a, mais uma vez nos termos do art. 109, I, da Constituição da República, assentar a competência da Justiça Federal para a resolução deste feito.
Nessa esteira, também não prospera o argumento segundo o qual o IBAMA não seria parte legítima para figurar no polo passivo desta demanda.
Com efeito, busca o Parquet, em essência, um provimento judicial que imponha ao IBAMA o dever de atuar supletivamente na fiscalização e combate à queima da palha de cana-de-açúcar em São Paulo, mormente em relação à ausência de EIA/RIMA para a concessão das licenças ambientais, tendo em vista uma indigitada omissão da Autarquia quanto ao cumprimento de suas obrigações nessa seara.
Ora, o IBAMA, como órgão executor da Política Nacional do Meio Ambiente, possui como atribuições, segundo os ditames da Lei 6.938/81 e Resolução CONAMA 237/97, entre outras, os deveres de promover a preservação, conservação e uso racional, fiscalização, controle e fomento dos recursos ambientais. Aliás, o art. 4º da Resolução CONAMA 237/97 dispõe, in verbis:
E não há dúvidas de que, potencialmente, a atividade consistente em queima de palha de cana-de-açúcar pode acarretar significativos impactos ambientais que ultrapassam os limites da localidade em que praticado, destacando-se, consoante narrado pelo Ministério Público ao longo dos autos, os respectivos efeitos no aquecimento global pela liberação de dióxido de carbono, dispersão de material particulado (causando danos às funções e estruturas do aparelho respiratório) ou de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos ou HPA's (substâncias mutagênicas). A efetiva ocorrência, ou não, desses danos, constituiu matéria que ultrapassa os limites possíveis para a aferição das condições da ação, inserindo-se no mérito da lide.
Outrossim, um dos pontos destacados pelo Parquet nesta ação consiste exatamente na inadequação da legislação estadual Paulista ao não prever a exigência de EIA/RIMA no procedimento de expedição de licença para a queima da palha de cana-de-açúcar, fato esse que, nos temos na norma supraexposta, reclama uma atuação supletiva do IBAMA.
Logo, considerado todo esse quadro fático a atrair, nos termos da legislação incidente, um efetivo desempenho do IBAMA, ainda que de forma indireta, esta C. Corte Regional, com supedâneo em jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça, vem decidindo que essa Autarquia Federal possui legitimidade passiva nas causas de responsabilização civil por danos ambientais, mormente quando lhe é imputada omissão no seu dever administrativo-fiscalizatório. Confira-se:
Ademais, conquanto não existisse à época do ajuizamento da ação a Lei Complementar 140/2011 - que fixou normas para a cooperação entre os entes federados no exercício da competência constitucional comum relativa à proteção do meio ambiente -, tem-se que a aludida norma sedimentou todo o entendimento supraexposto acerca da atribuição supletiva do IBAMA em matéria de licenciamento ambiental (art. 3º, I; art. 13, § 3º e art. 15), reforçando toda a fundamentação a respeito.
No mais, também não prospera a alegação de que a ação civil pública constituiria instrumento processual inadequado para que veiculadas as pretensões ora deduzidas.
De fato, a apontada inconstitucionalidade das leis estaduais, na parte em que dispõem sobre a queima da palha de cana-de-açúcar, não consubstanciou objeto principal deste feito - o que, decerto, não seria possível, sob pena de usurpação da competência exclusiva do C. Supremo Tribunal Federal - mas, isso sim, pleito incidental, sob forma de controle difuso de constitucionalidade incidenter tantum, perfeitamente cabível no âmbito da ação civil pública. Por sinal, esse o entendimento consolidado no Pretório Excelso:
No que diz respeito ao mérito, verifica-se que a questão ora debatida, com todas as suas minúcias, já foi objeto de diversas análises e decisões neste E. Tribunal, inclusive nesta C. Sexta Turma, sem que houvesse substanciais divergências quanto aos desfechos anunciados.
Inicialmente, e para que se possa compreender, ainda que de modo sucinto, o tema em debate, anoto que a prática da queima da palha da cana tem como principal mote a periodicidade desse cultivo e o escopo econômico, sendo verificada antes da colheita e tendo por objetivo principal eliminar, por combustão, folhas secas ("palhas") e vegetações localizadas nas adjacências da plantação.
Assim se procede, segundo os defensores desse método, porque a matéria vegetal alheia à cana não possui qualquer utilidade, sendo que a respectiva eliminação antes da colheita desonera o custo do transporte entre o canavial e a usina ou outra unidade de destino (pois a carga torna-se menos pesada). Essa queima também auxilia o corte manual da cana, tanto porque afasta os animais que comumente são encontrados nos canaviais (abelhas, aranhas, cobras, etc), como também porque colabora na atenuação do esforço físico dos trabalhadores, propiciando uma melhor visualização da área e reduzindo os riscos de acidente de trabalho, comumente ocasionados pelo uso de "facão" associado à fadiga.
Pois bem. Destaca-se que a proteção do meio ambiente foi erigida pela Constituição da República como condicionante à atividade econômica e à função social da propriedade, todos tendo direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, sendo que as condutas e atividades consideradas lesivas sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados (arts. 23, VI, 186, II e 225).
Outrossim, incumbe à Administração exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente (ou seja, como condicionante ao licenciamento), estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade, bem como controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente (CFR, art. 225, § 1º, IV e V).
Daí porque, ainda segundo os precedentes desta E. Corte, a falta de EIA/RIMA no procedimento de licenciamento de queima controlada em canavial, em princípio, não é inconstitucional, devendo-se analisar se a atividade imporá riscos à saúde e ao meio ambiente.
Isso posto, tem-se que a competência direta para o licenciamento de atividades cujo desenvolvimento se mostra apto a propiciar riscos ao meio ambiente é, inicialmente, do órgão estadual responsável, cabendo ao IBAMA a possibilidade de intervenção supletiva, nos casos de inércia ou negligência do Estado-membro (art. 10, § 3º, da Lei 6.938/81 na redação anterior à LC 140/2011).
No que tange especificamente ao uso do fogo nas florestas e demais formas de vegetação, observa-se que o art. 27 da Lei 4.771/65 (Código Florestal vigente na época do ajuizamento) proibia tal prática, mas de forma relativa, pois o respectivo parágrafo único preconizava que se peculiaridades locais ou regionais justificassem o emprego do fogo em práticas agropastoris ou florestais, a permissão poderia ser concedida pelo poder Público, desde que devidamente delimitadas as áreas e estabelecidas normas de precaução.
A seu turno, o Decreto 2.661/98 regulamentava o supracitado art. 27 do antigo Código Florestal, determinando que o emprego do fogo, como método despalhador e facilitador do corte de cana-de-açúcar em áreas passíveis de mecanização da colheita, seria eliminado de forma gradativa (art. 16 e ss.).
Por sua vez, a Resolução CONAMA 237/97, editada nos parâmetros do poder normativo conferido ao Órgão pela Lei 6.938/81, além de ratificar a competência supletiva do IBAMA para o licenciamento de atividades na hipótese em que os impactos ambientais dela decorrentes ultrapassarem os limites da localidade (art. 4º, III, § 2º), definiu no respectivo Anexo "1" as atividades ou empreendimentos sujeitos a licenciamento ambiental, não englobando a prática da queima da palha de cana-de-açúcar.
No âmbito do Estado de São Paulo, foram editadas as Leis Estaduais 10.547/2000 e 11.241/02 que, dentre outras disposições, proibiram o emprego do fogo nas florestas e demais formas de vegetação, excetuadas as atividades agrícolas, pastoris ou florestais, dentre as quais se insere a queima controlada da palha de cana-de-açúcar, técnica que, por outro lado, e de acordo com essa mesma legislação, deveria ser eliminada de forma gradativa, impondo-se, inclusive, um calendário de extinção.
Regulamentando essa legislação Paulista, veio à baila o Decreto Estadual 45.869/01, pelo qual definidos procedimentos, proibições e regras de execução e medidas de precaução a serem obedecidas quando do emprego do fogo no corte de açúcar, a serem estipuladas mediante requerimento detalhado do interessado junto ao órgão responsável.
Ocorre que, como já adiantado, tanto pela jurisprudência, como pelos dados concretos extraídos da prova coligida nos autos, a prática da queima da palha de cana de açúcar, se procedida sem as necessárias cautelas, pode acarretar ou incrementar reais e graves riscos à saúde humana e ao meio ambiente, pelo lançamento de partículas de fuligem (material particulado) na atmosfera, composta também por gases tóxicos que, entre o mais, agravam os efeitos decorrentes do efeito estufa e induzem a doenças respiratórias, havendo estudos que, inclusive, apontam consequências mais gravosas, como a potencialização de doenças cancerígenas.
A respeito dos danos que a queima da cana provoca ao meio ambiente, já se pronunciou o C. Superior Tribunal de Justiça:
As consequências potencialmente danosas da queima da cana já foram também reconhecidas pelo C. Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 586224/SP, Relator Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 05/03/2015, com repercussão geral. Com efeito, nesse julgamento, discorreu-se, obter dictum, sobre os aspectos negativos da queima e mecanização da cana-de-açúcar, muito embora a questão principal tratasse de tema parcialmente diverso do ora deduzido, qual seja, os limites da competência dos municípios para legislar sobre o meio ambiente junto com a União e Estado-membro.
Os corréus, por outro lado, ao longo da instrução, insistiram que os efeitos supostamente nocivos da queima da cana não estão devidamente comprovados, razão pela qual não haveria óbice para que a respectiva prática seguisse na forma cautelosa imposta pela legislação Paulista, até que finalmente se consumasse a sua eliminação.
Sucede que, como bem assinalado na r. sentença, o princípio da prevenção, extraível da proteção integral que constitucionalmente recai sobre o meio ambiente (art. 225 CRF), impõe a realização de EIA/RIMA como condicionante ao licenciamento de todas atividades que potencialmente venham a acarretar danos ambientais, ainda que a constatação dessa lesividade advenha de probabilidade e não seja certa a sua ocorrência.
Dessa forma, tratando-se de atividade com significante impacto ambiental, com potencial de extrapolar os limites da localidade em que praticada, se mostra correta e afinada com os ditames da Carta Magna e da Política Nacional do Meio Ambiente a condenação da CETESB e do Estado de São Paulo para que se abstenham a conceder novas licenças de queima controlada da palha de cana-de-açúcar na área compreendida pela Subseção Judiciária de Araraquara, sem prévio EIA/RIMA. Nessa esteira, impõe-se reconhecer, na mesma medida, o acerto da condenação do IBAMA para que fiscalize a exigência de licenciamento e prévio EIA/RIMA para as atividades da espécie desenvolvidas no território da referida Subseção.
Em relação à condenação acerca de danos morais difusos, mais uma vez se vislumbra o acerto da r. sentença.
Com efeito, tem-se caracterizado o dano moral difuso, passível de ser pleiteado mediante ação civil pública, quando o fato transgressor seja de razoável significância que desborde os limites da tolerabilidade, sendo grave o suficiente para produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva. Nesse sentido: REsp 1221756/RJ, Rel. Min. Massami Uyeda, 3ªT, DJe 10/02/2012; REsp 1291213/SC, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3ªT, DJe 25/09/2012.
Em substancioso voto condutor proferido no REsp 1057274/RS, julgado em 01.12.2009, a Exma. Ministra Eliana Calmon, do C. Superior Tribunal de Justiça, não bastasse esmiuçar com precisão todos os requisitos necessários para a configuração do dano coletivo latu sensu, pontuou que a respectiva caracterização prescindiria até de comprovação de dor, sofrimento e de abalo psicológico. Assim explicou Sua Excelência (verbis):
No caso ora sob apreciação, resta patente a conduta antijurídica dos órgãos públicos que, atrelados às correspondentes atribuições, deveriam zelar pela preservação do meio ambiente e, especificamente, exigirem a elaboração do EIA/RIMA para que, eventualmente, fosse concedida licença para a atividade de queima da cana, sendo que a violação a esses deveres configurou afronta direta ao art. 225, caput, § 1º, incisos IV e V, da Constituição da República.
Tal conduta, no mais, consubstanciou ofensa a interesses jurídicos fundamentais, de natureza extrapatrimonial, titularizados por uma coletividade latu sensu, que inegavelmente foram expostas a todos os malefícios que a prática da queima da palha de cana-de-açúcar pode acarretar, tanto os potenciais como os já comprovados. E descabe falar-se em tolerabilidade desse comportamento em razão do que dispõe a legislação estadual, eis que a Carta Magna não deixa dúvidas sobre a necessidade de licenciamento para as atividades da espécie, bem como a obrigação de controle sobre técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.
Derradeiramente, no que tange ao dano moral difuso, desnecessária a aferição de culpa dos entes públicos envolvidos, em razão da responsabilidade objetiva a que estão submetidos pelo disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, sendo que o valor fixado na r. sentença - R$ 500.000,00 - a ser revertido ao Fundo Federal de Direitos Difusos, não representou exagero ou demasia, sendo esse montante, inclusive, inferior ao arbitrado em outro caso análogo julgado nesta E. Sexta Turma, como se verá a seguir.
Repisa-se que todo o entendimento supraexposto, tanto no que diz respeito às questões prejudiciais, como as de mérito, bem como em relação ao dano moral difuso, sintetizam o entendimento desta E. Sexta Turma sobre o tema, pelo que, a seguir, passo a transcrever as correspondentes ementas:
Logo, é o caso de se manter a r. sentença, também pelos respectivos fundamentos, acolhido o parecer do Ministério Público Federal com atribuição nesta instância.
Isto posto, não conheço dos apelos da União e da CETESB, bem como nego provimento à remessa necessária e às demais apelações.
É como voto.
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