Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 02/09/2016
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0009786-86.2007.4.03.6181/SP
2007.61.81.009786-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : DOMENICA CRISTINA DA SILVA VIANA
ADVOGADO : MARCOS ANTONIO PADERES BARBOSA (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00097868620074036181 5P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. LEI N.º 6.368/76. REMESSA DE DROGA POR VIA POSTAL. DEFESA PRÉVIA. VISTA AO MPF. MERA IRREGULARIDADE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. NULIDADE NÃO VERIFICADA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DÚVIDAS QUANTO AO ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. ART. 386, VII, CPP. ABSOLVIÇÃO.
1. Após a defesa sustentar na resposta preliminar que a garantia constitucional de sigilo de correspondência da investigada havia sido violada, a abertura de vista ao Ministério Público Federal consistiu em mera irregularidade, não acarretando nenhum prejuízo à defesa, visto que no presente feito foi observada a regra segundo a qual a defesa apresenta suas alegações finais por último, de forma que não houve inversão do procedimento previsto em lei. Precedentes.
2. Além da ausência de prejuízo à parte, que por si só impede o reconhecimento da nulidade (art. 563, CPP), nota-se que a defesa apenas impugnou o ato em sede recursal, de modo que a matéria encontrava-se já preclusa. Precedente.
3. Dentro da embalagem do jogo de futebol de botão, um dos itens constantes da encomenda postal, foram encontrados 48g (quarenta e oito gramas) de cocaína.
4. O Laudo de Exame Documentoscópico realizado concluiu que os lançamentos gráficos apostos na declaração de envio e no cartão provieram da apelante.
5. Ainda que se possa considerar que a acusada foi demasiadamente descuidada ao aceitar remeter encomenda a pedido de terceira pessoa, observa-se que a encomenda em questão continha itens aparentemente idôneos: CD, DVD, camiseta, fantasia e brinquedo. A própria acusada afirmou em seu interrogatório que chegou a balançar a caixa do jogo de futebol de botão e ouviu o barulho das peças. Dada a quantidade de droga apreendida, 48g (quarenta e oito gramas) de cocaína, não se pode dizer que a ré deveria ter suspeitado da massa ou mesmo do volume da encomenda.
6. O crime de tráfico ilícito de entorpecentes tem como elemento subjetivo exclusivamente o dolo, não sendo possível responsabilizar a agente por ter agido com falta de cuidado. Além disso, conforme a própria lição de Francisco de Assis Toledo mencionada na sentença recorrida, para a caracterização do dolo eventual é necessária a certeza de que o agente assumiu o risco da prática delituosa, prevendo o resultado danoso e aceitando sua possível ocorrência. In casu, tenho que não restou demonstrado, acima de qualquer dúvida, que a apelante cogitou estar remetendo droga ao exterior e optou por prosseguir na ação mesmo assim.
7. Considerando todo o conjunto probatório dos autos, deve ser dado provimento ao recurso de apelação da defesa, a fim de que a ré seja absolvida, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, por insuficiência do conjunto probatório no tocante ao elemento subjetivo do tipo, e em homenagem ao princípio in dubio pro reo.
8. Preliminar rejeitada. Recurso provido para absolver a ré da condenação imposta, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar arguida e dar provimento ao recurso da defesa para absolver a ré da condenação imposta, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 22 de agosto de 2016.
PAULO FONTES
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 24/08/2016 14:55:03



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0009786-86.2007.4.03.6181/SP
2007.61.81.009786-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : DOMENICA CRISTINA DA SILVA VIANA
ADVOGADO : MARCOS ANTONIO PADERES BARBOSA (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00097868620074036181 5P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de APELAÇÃO CRIMINAL interposta por DOMENICA CRISTINA DA SILVA VIANA em face da sentença de fls. 214/216v, que julgou procedente a pretensão punitiva estatal contida na denúncia para condenar a ré ao cumprimento da pena de 4 (quatro) anos de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 66 (sessenta e seis) dias-multa, fixado o dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do crime previsto no art. 12 c.c. art. 18, inciso I, ambos da Lei n.º 6.368/76.

Salienta-se que a decisão de fl. 223 corrigiu erro material da sentença quanto ao cálculo da pena de multa, para fixá-la em 66 (sessenta e seis) dias-multa, como consta acima.

Em suas razões de recurso (fls. 227/238), busca a defesa, preliminarmente, o reconhecimento de nulidade processual em razão da abertura de vista ao Ministério Público Federal para manifestação a respeito da defesa prévia apresentada. No mérito, requer a absolvição da ré por ausência de provas da autoria delitiva. Em relação à dosimetria da pena, requer a fixação da pena-base no mínimo legal, a aplicação do art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos e a fixação do regime inicial aberto para cumprimento de pena.

Contrarrazões do Ministério Público Federal às fls. 243/252.

Em parecer ministerial, a Exma. Procuradora Regional da República, Dra. Rose Santa Rosa, manifestou-se pelo não provimento do recurso de apelação (fls. 259/261v).


É O RELATÓRIO.


À revisão, na forma regimental.


PAULO FONTES
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0009786-86.2007.4.03.6181/SP
2007.61.81.009786-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : DOMENICA CRISTINA DA SILVA VIANA
ADVOGADO : MARCOS ANTONIO PADERES BARBOSA (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00097868620074036181 5P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

Do caso dos autos.


Narra a denúncia de fls. 77/78 o que segue:


"(...)
Segundo consta dos autos, em 19 de maio de 2006, a denunciada postou desta capital para destinatária Mariana Jansen, com endereço declarado na Holanda, encomenda que continha em seu interior 48g de substância entorpecente identificada como cocaína, conforme laudo pericial acostado às fls. 18/20. Segundo consta do citado laudo pericial foram utilizados objetos diversos para ocultar as drogas.
Ouvida em sede policial, Domênica negou qualquer conhecimento ou envolvimento com a remessa e forneceu material para a realização de exame grafotécnico.
Realizado o laudo de exame documentoscópico os peritos concluíram pela autenticidade dos lançamentos manuscritos, determinando que partiram do punho de Domênica o que comprova o seu envolvimento com a remessa da substância entorpecente e que não são verdadeiras as suas declarações prestadas perante a autoridade policial.
A denunciada, novamente interrogada às fls. 61/63, mudou sua primeira versão confessando a prática do crime. Afirmou ter sido "contratada" por uma suposta mulher denominada Márcia, amiga de uma antiga cliente. No entanto, Domênica declarou não se lembrar de nenhum dado referente à Márcia.
Dessa forma, autoria e materialidade delitiva estão devidamente comprovadas nos autos, uma vez que a denunciada remeteu para o exterior substância entorpecente sem autorização legal devendo se aplicar ao caso os artigo 12 e 18 inciso I da Lei 6368/76 uma vez que os fatos foram praticado em sua vigência e por ser mais benéfica do que a lei 11343/2006.
(...)"

Preliminarmente, aduz a defesa de DOMENICA CRISTINA DA SILVA VIANA a nulidade absoluta do processo, pois o juízo a quo teria aberto vista ao Parquet para que o órgão se manifestasse acerca do teor da defesa prévia, violando o princípio do devido processo legal, eis que a defesa deveria ter sido a última a se manifestar.

Em que pese o alegado, não se verifica a mácula processual apontada.

Conforme já decidido pelo Excelso Pretório, "apresentada defesa prévia em que são articuladas, até mesmo, preliminares, é cabível a audição do Estado-acusador, para haver definição quanto à sequência, ou não, da ação penal" (HC 105739, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 07/02/2012).

In casu, após a defesa sustentar na resposta preliminar que a garantia constitucional de sigilo de correspondência da investigada havia sido violada, a abertura de vista ao Ministério Público Federal consistiu em mera irregularidade, não acarretando nenhum prejuízo à defesa, visto que no presente feito foi observada a regra segundo a qual a defesa apresenta suas alegações finais por último, de forma que não houve inversão do procedimento previsto em lei.

Nesse sentido, confiram-se diversos precedentes do Superior Tribunal de Justiça e também desta Corte Regional:


"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA (ARTIGO 339 DO CÓDIGO PENAL). ALEGADA NULIDADE DO PROCESSO. MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO APÓS A RESPOSTA À ACUSAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. MERA IRREGULARIDADE. 1. Conquanto não encontre previsão legal, a manifestação do ministério público acerca do conteúdo da resposta à acusação não implica na nulidade do processo, caracterizando mera irregularidade. Precedentes do STJ e do STF. (...)"
(STJ. RHC 201400937395. Relator Ministro Jorge Mussi. Quinta Turma. DJe Data:19/08/2014) (grifos nossos)
"AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. 1. JULGAMENTO POR DECISÃO MONOCRÁTICA DE RELATOR. OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. ART. 557 DO CPC E ART. 34, XVIII, DO RISTJ. 2. RESPOSTA À ACUSAÇÃO. OITIVA INDEVIDA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. MANIFESTAÇÃO EM RÉPLICA SOBRE AS TESES DA DEFESA. MERA IRREGULARIDADE. 3. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. (...) 2. A manifestação do Ministério Público logo após a apresentação da resposta à acusação e antes do juiz decidir sobre as teses da defesa não é causa de nulidade do processo. 3. Agravo regimental a que se nega provimento."
(STJ. AGRHC 201200774909. Rel. Min. Marco Aurélio Belizze. Quinta Turma. DJe 03/09/2013) (g.n.)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. IMPOSSIBILIDADE. NULIDADE DECORRENTE DO FATO DA ABERTURA DE VISTA AO MINISTÉRIO PÚBLICO APÓS O OFERECIMENTO DA RESPOSTA À ACUSAÇÃO. COAÇÃO ILEGAL NÃO CARACTERIZADA. (...) 3. A manifestação do Ministério Público logo após a apresentação da resposta à acusação e antes de o juiz decidir sobre as teses da defesa não implica a nulidade do processo. 4. Agravo regimental a que se nega provimento."
(STJ. Sexta Turma. AGRHC 201200235979. Rel. Min. Og Fernandes. DJE DATA:01/10/2013) (g.n.)

"PROCESSUAL PENAL E PENAL: HABEAS CORPUS. DELITO TIPIFICADO NO ARTIGO 171, §3º, DO CP. DENÚNCIA. REQUISITOS. NULIDADE AFASTADA. VISTA À ACUSAÇÃO ACERCA DA RESPOSTA ESCRITA. PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. OBSERVÂNCIA. (...) III - Diante das preliminares arguidas pela defesa afigura-se natural oportunizar ao Ministério Público Federal a apresentação de manifestação a respeito das teses da defesa, uma vez que a acusação também tem direito ao contraditório. IV - Não houve, portanto, inversão do procedimento, ofensa ao contraditório ou qualquer vício ensejador de nulidade do rito. V - Ordem denegada."
(HC 00066152520164030000, DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO, TRF3 - DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/05/2016 ..FONTE_REPUBLICACAO:.) (g.n.)

"APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 299 DO CÓDIGO PENAL. PRELIMINARES REJEITADAS. MÉRITO. DOLO ESPECÍFICO. NÃO COMPROVAÇÃO. ABSOLVIÇÃO. APELAÇÃO PROVIDA. (...) A manifestação do órgão ministerial acerca do conteúdo da resposta à acusação, sem posterior abertura de vista à defesa, não consubstancia violação aos princípios da ampla defesa, contraditório e devido processo legal, e, embora não haja previsão legal, não configura nulidade do processo. (...)"
(ACR 00000716820094036110, DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, TRF3 - DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:22/04/2015 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)(g.n.)

Outrossim, além da ausência de prejuízo à parte, que por si só impede o reconhecimento da nulidade (art. 563, CPP), nota-se que a defesa apenas impugnou o ato em sede recursal, de modo que a matéria encontrava-se já preclusa, conforme decidiu esta Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região em caso análogo:


"PENAL. LEI N. 8.137/90, ART. 1°, I. PRELIMINARES. SIGILO BANCÁRIO. QUEBRA. PROCESSO ADMINISTRATIVO. NULIDADE. MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL SOBRE A RESPOSTA À ACUSAÇÃO. MATERIALIDADE. AUTORIA. DOLO. TIPICIDADE. DOSIMETRIA. PENA-BASE. GRAVIDADE DO DANO. ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. PENA DE MULTA E PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. FIXAÇÃO DO VALOR MÍNIMO PARA REPARAÇÃO DOS DANOS CAUSADOS PELA INFRAÇÃO. (...) 5. O MM. Magistrado a quo não encerrou a apreciação do mérito das teses defensivas na decisão a que alude o art. 397 do Código de Processo Penal. Ainda que se entenda que a vista ao Ministério Público Federal após a resposta à acusação não seria necessária, não causou nenhum prejuízo à defesa, que em nenhuma oportunidade anterior à prolação da sentença suscitou a matéria, sendo também o caso de se reconhecer a preclusão. (...)"
(ACR 00095908220084036181, DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRÉ NEKATSCHALOW, TRF3 - QUINTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:16/06/2015 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)

Destarte, não há que se reconhecer a nulidade aventada. Passo a analisar o mérito do recurso interposto.


Do mérito recursal.


A materialidade delitiva restou demonstrada pelos seguintes documentos: Termo de Apreensão de Substâncias Entorpecentes e Drogas Afins (fls. 04/14), Auto de Apreensão (fl. 16) e Laudo de Exame de Substância (Cocaína) (fls. 18/20).

Dentro da embalagem do jogo de futebol de botão, um dos itens constantes da encomenda postal, foram encontrados 48g (quarenta e oito gramas) de cocaína (fls. 10/11).

A prova da autoria, por sua vez, deriva do Laudo de Exame Documentoscópico (Grafoscópico) (fls. 43/45), Auto de Qualificação e Interrogatório (fls. 61/63), interrogatório judicial da ré (mídia à fl. 122) e oitiva de testemunhas (mídias às fls. 156 e 191).

O Laudo de Exame Documentoscópico realizado concluiu que os lançamentos gráficos apostos na declaração de envio à fl. 06 e no cartão à fl. 07 provieram da apelante.

Interrogada pela autoridade policial, DOMENICA CRISTINA DA SILVA VIANA ALVES inicialmente negou a prática do delito, tendo afirmado que não havia efetuado postagem internacional (fl. 23). Novamente interrogada em sede policial, após o laudo pericial ter confirmado que os lançamentos gráficos no documento postal e no cartão às fls. 06 e 07 partiram do punho da acusada, DOMENICA afirmou o quanto segue (fls. 61/63):


"QUE, a Interrogada deseja retificar a versão anteriormente apresentada por ocasião de sua oitiva em Declarações nesta especializada em 13/06/2007, constante à fls. 23; QUE, foi a Interrogada quem preencheu os documentos manuscritos de fls. 05/07; QUE a Interrogada trabalhava como cabeleireira e atendia uma cliente em domicílio de nome CONCEIÇÃO, não se recordando o seu sobrenome, a qual residia na Vila Nova Cachoeirinha, não sabe declinar no momento a rua e nem o número; QUE às vezes estava presente uma pessoa de nome MÁRCIA, a qual era amiga de CONCEIÇÃO; QUE não sabe o sobrenome de MÁRCIA e nem seu endereço, apenas que residia em uma travessa da Rua Américo Brasiliense, no bairro de Santo Amaro; QUE não tinha amizade com MÁRCIA, sendo esta apenas sua conhecida; QUE no dia 19 de junho de 2006 estava atendendo CONCEIÇÃO em sua casa e MÁRCIA perguntou-lhe se poderia entregar uma encomenda tipo FEDEX no Centro; QUE a Interrogada concordou e MÁRCIA entregou-lhe uma caixa fechada de um jogo de futebol de botão, sendo que reconhece referida caixa na fotografia de fls. 10/11, bem como um CD, uma camiseta da Copa do Mundo de Futebol, que estavam dentro de uma sacola; QUE não viu nenhuma substância de cor branca no meio da encomenda; QUE não abriu a caixa mas achou a mesma leve, pesando menos de um quilograma; QUE a mesma repassou-lhe cerca de R$ 100,00 ou R$ 200,00 (duzentos reais) para a postagem, a qual se deu na empresa FEDEX situada na Avenida São Luiz, no Centro desta capital; QUE MÁRCIA disse à Interrogada para preencher o envelope e os documentos referentes à encomenda para a destinatária MARIANA JANSEN, com endereço na Holanda, sendo esses dados constavam de um papel que MÁRCIA repassou-lhe; QUE MÁRCIA disse que MARIANA JANSEN era uma amiga dela que residia na Holanda, com a qual sempre estava em contato e que estava enviando aquela encomenda por ser ano de Copa do Mundo; QUE não estranhou o fato da mesma gastar cerca de R$ 100,00 ou R$ 200,00 para remeter um brinquedo para aquele país; QUE sobre os dados constantes do campo "FULL DESCRIPTION OF GOODS" esclarece que informou a atendente da FEDEX o que continha a encomenda, e ela escreveu em inglês em um papel para que a Interrogada transcrevesse no aludido documento; QUE quanto aos dados do Remetente a Interrogada fez constar o seu nome e um endereço que não era o seu, igualmente fornecido por MÁRCIA, acreditando que se tratava do endereço onde ela residia na época; QUE não viu nada de estranho no fato de preencher um documento no qual declarava seu nome e um endereço que não era o seu; QUE os dizeres do cartão de fls. 07 também foram preenchidos pela Interrogada, por indicação de MÁRCIA; QUE também não viu nada de anormal no fato de que MÁRCIA estivesse encaminhando um cartão e outros objetos para uma amiga sem que constasse o nome da própria MÁRCIA em lugar nenhum; QUE apenas preencheu os documentos seguindo as instruções de MÁRCIA; QUE não recebeu nada em troca do favor que alega ter feito; QUE não postou nenhuma outra encomenda internacional como esta apurada no presente Inquérito; QUE quando negou seu envolvimento na postagem da encomenda, o fez por ter esquecido que tinha enviado tal encomenda a pedido de sua amiga e não reconheceu sua própria letra; QUE há dois anos não vê MÁRCIA e se compromete a fornecer por telefone o endereço, telefone e outros dados qualificativos de MÁRCIA; QUE nunca esteve envolvida em prática criminosa, muito menos em tráfico internacional de entorpecentes; (...)"

Em juízo (mídia à fl. 122), DOMENICA afirmou que só ficou sabendo que havia droga na encomenda quando foi chamada para depor na Delegacia de Polícia Federal, e até então pensava que havia apenas uma caixa de jogo de futebol de botão, uma camiseta, uma corneta e um gorro, nas cores verde e amarela, pois era ano de Copa do Mundo. A acusada afirmou não conhecer Mariana Jansen, destinatária da encomenda. DOMENICA disse que trabalhava como cabelereira e Maria da Conceição era sua cliente à época, e quando a ré ia até a casa de Maria da Conceição para atendê-la Márcia às vezes se encontrava no local. Márcia pediu a DOMENICA para enviar a encomenda porque esta morava na Zona Sul [de São Paulo/SP], e Maria da Conceição morava na Zona Norte, então Márcia pediu que DOMENICA postasse a encomenda quando estivesse passando pelo Centro. A ré afirmou que "na hora achou meio estranho", mas como não viu nada suspeito pensou que não teria problema. DOMENICA não soube dar mais informações a respeito de Márcia, mas forneceu nome, documento e endereço de Maria da Conceição. A ré afirmou que, após ter prestado declarações na Delegacia de Polícia Federal, procurou Maria da Conceição e esta disse que se recordava de quando Márcia pediu a DOMENICA que postasse a encomenda.

Indagada a respeito da primeira versão fornecida à autoridade policial, na qual negou ter postado encomenda para a Holanda, DOMENICA afirmou que não se lembrava da encomenda postada, pois já havia se passado cerca de um ano, mas se recordou dos fatos quando o Delegado de Polícia Federal leu os autos do inquérito policial. A ré afirmou que não obteve lucro com o auxílio prestado à Márcia, e que esta apenas lhe deu o dinheiro do frete, cerca de R$ 120,00 (cento e vinte reais).

Inquirido em juízo (mídia à fl. 156), a testemunha Alexei Pacheco Borges Righetti afirmou que não se recordava especificamente do fato narrado na denúncia, mas esclareceu que trabalhou por um tempo no setor de fiscalização de remessa expressa da Receita Federal, e com frequência fazia apreensão de drogas. A respeito do modus operandi dessa prática de delito, a testemunha afirmou que geralmente o pagamento do frete é feito em dinheiro e os formulários são preenchidos com nomes falsos, para dificultar a identificação do verdadeiro remetente. Nas palavras da testemunha, "até me causa uma certa surpresa que conseguiram detectar uma pessoa, porque normalmente é nome falso e pagamento em dinheiro, e isso faz com que a gente, lá na Receita, os embarques para determinados países, quando o embarque é pago em dinheiro e pessoa física, a gente seleciona essa carga normalmente para verificação" (04min15s a 04min38s do vídeo).

A testemunha Waldir Patricio Ferreira afirmou em juízo que à época dos fatos trabalhava na empresa FEDEX, na área de segurança, e que a fiscalização das encomendas era mais rigorosa quando se destinavam a países da África e para a Holanda. A testemunha não se recordava dos fatos narrados na denúncia, e afirmou que eram apreendidos por dia cerca de dez pacotes contendo cocaína. A testemunha afirmou que nunca teve contato com os donos das encomendas postadas, e, segundo sua experiência pessoal de anos trabalhando na área de segurança, geralmente as pessoas que enviam drogas são "laranjas", pois o traficante não despacha a droga pessoalmente, mas dá um dinheiro para que um inocente ou contratado entregue a mercadoria na empresa FEDEX ou em postos de atendimento. Mídia à fl. 191.

O juízo de primeiro grau condenou a acusada ao entender que esta teria agido, no mínimo, com dolo eventual. Segue excerto da sentença que concluiu pela responsabilidade da apelante pelos fatos narrados na exordial acusatória:


"Em seu interrogatório, a acusada não negou que remeteu o material apreendido. Aduziu, entretanto, que remetera a encomenda a pedido de TERCEIRA PESSOA. A tese defensiva de erro de tipo, porém, não prospera. Foi ela evasiva em seu depoimento, não fornecendo esclarecimentos que permitissem a sua defesa, fato que corrobora os indícios seguros de culpabilidade colacionados aos autos.
Se não agiu com dolo direto, com certeza estava imbuída de dolo eventual. Consoante as explicações do saudoso Assis Toledo, ocorrendo o dolo eventual, "o agente não só prevê o resultado danoso como também o aceita como uma das alternativas possíveis. É como se pensasse: vejo o perigo, sei de sua possibilidade, mas apesar disso, dê no que der, vou praticar o ato arriscado" (Princípios Básicos de Direito Penal, 1994, 5ª ed., Saraiva, p. 303)." - fls. 215 e verso, destaques no original

Aduz a defesa, nas suas razões recursais, que não há provas suficientes para amparar o édito condenatório.

Merece provimento o apelo defensivo.

Analisando os elementos de prova constantes dos autos, observo, inicialmente, que há indícios que pesam em desfavor da acusada, como o fato de ter inicialmente negado que havia despachado a encomenda, e só ter confessado que havia preenchido os formulários da FEDEX e escrito a mensagem no cartão de fl. 07 após a perícia já ter concluído que DOMENICA era a autora dos lançamentos gráficos examinados. Ademais, causa estranheza o fato de ter escrito um cartão para pessoa que nem mesmo conhecia, conforme sustentou em sede policial e também em juízo.

Por outro lado, não há como dizer que a acusada foi evasiva em seu interrogatório judicial. Pelo contrário, nota-se a verossimilhança de sua versão dos fatos, tanto que buscou fornecer dados para que a pessoa que podia confirmar sua versão, Maria da Conceição dos Reis, fosse encontrada. Ocorre que, conforme consta dos autos, Oficiala de Justiça dirigiu-se ao local declinado, mas a genitora da testemunha informou que Maria da Conceição dos Reis residia na Espanha, de modo que a defesa técnica desistiu de sua oitiva (fls. 167 e 171/172). Na fase do art. 402 do CPP, a defesa requereu novamente a oitiva da testemunha, indicando o mesmo endereço informado anteriormente (fl. 199), e o pedido foi indeferido pelo juízo cf. fl. 200.

Outrossim, ainda que se possa considerar que a acusada foi demasiadamente descuidada ao aceitar remeter encomenda a pedido de terceira pessoa, observa-se que a encomenda em questão continha itens aparentemente idôneos: CD, DVD, camiseta, fantasia e brinquedo (fl. 06). A própria acusada afirmou em seu interrogatório que chegou a balançar a caixa do jogo de futebol de botão e ouviu o barulho das peças. Dada a quantidade de droga apreendida, 48g (quarenta e oito gramas) de cocaína, não se pode dizer que a ré deveria ter suspeitado da massa ou mesmo do volume da encomenda.

Portanto, a despeito dos indícios em desfavor da ré, reputo que não há prova cristalina de que DOMENICA CRISTINA DA SILVA VIANA agiu com dolo, seja direto, seja eventual.

Ressalta-se que o crime de tráfico ilícito de entorpecentes tem como elemento subjetivo exclusivamente o dolo, não sendo possível responsabilizar a agente por ter agido com falta de cuidado. Além disso, conforme a própria lição de Francisco de Assis Toledo mencionada na sentença recorrida, para a caracterização do dolo eventual é necessária a certeza de que o agente assumiu o risco da prática delituosa, prevendo o resultado danoso e aceitando sua possível ocorrência. In casu, tenho que não restou demonstrado, acima de qualquer dúvida, que DOMENICA CRISTINA DA SILVA VIANA cogitou estar remetendo droga ao exterior e optou por prosseguir na ação mesmo assim.

Logo, considerando todo o conjunto probatório dos autos, deve ser dado provimento ao recurso de apelação da defesa, a fim de que DOMENICA CRISTINA DA SILVA VIANA seja absolvida, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, por insuficiência do conjunto probatório no tocante ao elemento subjetivo do tipo, e em homenagem ao princípio in dubio pro reo.

Ante o exposto, rejeito a preliminar arguida e dou provimento ao recurso de apelação de DOMENICA CRISTINA DA SILVA VIANA, para absolvê-la da condenação imposta pela prática do crime previsto no artigo 12 c.c. artigo 18, inciso I, ambos da Lei n.º 6.368/76, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.


É COMO VOTO.


PAULO FONTES
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 24/08/2016 14:55:07