D.E. Publicado em 02/09/2016 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar arguida e dar provimento ao recurso da defesa para absolver a ré da condenação imposta, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de APELAÇÃO CRIMINAL interposta por DOMENICA CRISTINA DA SILVA VIANA em face da sentença de fls. 214/216v, que julgou procedente a pretensão punitiva estatal contida na denúncia para condenar a ré ao cumprimento da pena de 4 (quatro) anos de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 66 (sessenta e seis) dias-multa, fixado o dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do crime previsto no art. 12 c.c. art. 18, inciso I, ambos da Lei n.º 6.368/76.
Salienta-se que a decisão de fl. 223 corrigiu erro material da sentença quanto ao cálculo da pena de multa, para fixá-la em 66 (sessenta e seis) dias-multa, como consta acima.
Em suas razões de recurso (fls. 227/238), busca a defesa, preliminarmente, o reconhecimento de nulidade processual em razão da abertura de vista ao Ministério Público Federal para manifestação a respeito da defesa prévia apresentada. No mérito, requer a absolvição da ré por ausência de provas da autoria delitiva. Em relação à dosimetria da pena, requer a fixação da pena-base no mínimo legal, a aplicação do art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos e a fixação do regime inicial aberto para cumprimento de pena.
Contrarrazões do Ministério Público Federal às fls. 243/252.
Em parecer ministerial, a Exma. Procuradora Regional da República, Dra. Rose Santa Rosa, manifestou-se pelo não provimento do recurso de apelação (fls. 259/261v).
É O RELATÓRIO.
À revisão, na forma regimental.
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VOTO
Do caso dos autos.
Narra a denúncia de fls. 77/78 o que segue:
Preliminarmente, aduz a defesa de DOMENICA CRISTINA DA SILVA VIANA a nulidade absoluta do processo, pois o juízo a quo teria aberto vista ao Parquet para que o órgão se manifestasse acerca do teor da defesa prévia, violando o princípio do devido processo legal, eis que a defesa deveria ter sido a última a se manifestar.
Em que pese o alegado, não se verifica a mácula processual apontada.
Conforme já decidido pelo Excelso Pretório, "apresentada defesa prévia em que são articuladas, até mesmo, preliminares, é cabível a audição do Estado-acusador, para haver definição quanto à sequência, ou não, da ação penal" (HC 105739, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 07/02/2012).
In casu, após a defesa sustentar na resposta preliminar que a garantia constitucional de sigilo de correspondência da investigada havia sido violada, a abertura de vista ao Ministério Público Federal consistiu em mera irregularidade, não acarretando nenhum prejuízo à defesa, visto que no presente feito foi observada a regra segundo a qual a defesa apresenta suas alegações finais por último, de forma que não houve inversão do procedimento previsto em lei.
Nesse sentido, confiram-se diversos precedentes do Superior Tribunal de Justiça e também desta Corte Regional:
Outrossim, além da ausência de prejuízo à parte, que por si só impede o reconhecimento da nulidade (art. 563, CPP), nota-se que a defesa apenas impugnou o ato em sede recursal, de modo que a matéria encontrava-se já preclusa, conforme decidiu esta Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região em caso análogo:
Destarte, não há que se reconhecer a nulidade aventada. Passo a analisar o mérito do recurso interposto.
Do mérito recursal.
A materialidade delitiva restou demonstrada pelos seguintes documentos: Termo de Apreensão de Substâncias Entorpecentes e Drogas Afins (fls. 04/14), Auto de Apreensão (fl. 16) e Laudo de Exame de Substância (Cocaína) (fls. 18/20).
Dentro da embalagem do jogo de futebol de botão, um dos itens constantes da encomenda postal, foram encontrados 48g (quarenta e oito gramas) de cocaína (fls. 10/11).
A prova da autoria, por sua vez, deriva do Laudo de Exame Documentoscópico (Grafoscópico) (fls. 43/45), Auto de Qualificação e Interrogatório (fls. 61/63), interrogatório judicial da ré (mídia à fl. 122) e oitiva de testemunhas (mídias às fls. 156 e 191).
O Laudo de Exame Documentoscópico realizado concluiu que os lançamentos gráficos apostos na declaração de envio à fl. 06 e no cartão à fl. 07 provieram da apelante.
Interrogada pela autoridade policial, DOMENICA CRISTINA DA SILVA VIANA ALVES inicialmente negou a prática do delito, tendo afirmado que não havia efetuado postagem internacional (fl. 23). Novamente interrogada em sede policial, após o laudo pericial ter confirmado que os lançamentos gráficos no documento postal e no cartão às fls. 06 e 07 partiram do punho da acusada, DOMENICA afirmou o quanto segue (fls. 61/63):
Em juízo (mídia à fl. 122), DOMENICA afirmou que só ficou sabendo que havia droga na encomenda quando foi chamada para depor na Delegacia de Polícia Federal, e até então pensava que havia apenas uma caixa de jogo de futebol de botão, uma camiseta, uma corneta e um gorro, nas cores verde e amarela, pois era ano de Copa do Mundo. A acusada afirmou não conhecer Mariana Jansen, destinatária da encomenda. DOMENICA disse que trabalhava como cabelereira e Maria da Conceição era sua cliente à época, e quando a ré ia até a casa de Maria da Conceição para atendê-la Márcia às vezes se encontrava no local. Márcia pediu a DOMENICA para enviar a encomenda porque esta morava na Zona Sul [de São Paulo/SP], e Maria da Conceição morava na Zona Norte, então Márcia pediu que DOMENICA postasse a encomenda quando estivesse passando pelo Centro. A ré afirmou que "na hora achou meio estranho", mas como não viu nada suspeito pensou que não teria problema. DOMENICA não soube dar mais informações a respeito de Márcia, mas forneceu nome, documento e endereço de Maria da Conceição. A ré afirmou que, após ter prestado declarações na Delegacia de Polícia Federal, procurou Maria da Conceição e esta disse que se recordava de quando Márcia pediu a DOMENICA que postasse a encomenda.
Indagada a respeito da primeira versão fornecida à autoridade policial, na qual negou ter postado encomenda para a Holanda, DOMENICA afirmou que não se lembrava da encomenda postada, pois já havia se passado cerca de um ano, mas se recordou dos fatos quando o Delegado de Polícia Federal leu os autos do inquérito policial. A ré afirmou que não obteve lucro com o auxílio prestado à Márcia, e que esta apenas lhe deu o dinheiro do frete, cerca de R$ 120,00 (cento e vinte reais).
Inquirido em juízo (mídia à fl. 156), a testemunha Alexei Pacheco Borges Righetti afirmou que não se recordava especificamente do fato narrado na denúncia, mas esclareceu que trabalhou por um tempo no setor de fiscalização de remessa expressa da Receita Federal, e com frequência fazia apreensão de drogas. A respeito do modus operandi dessa prática de delito, a testemunha afirmou que geralmente o pagamento do frete é feito em dinheiro e os formulários são preenchidos com nomes falsos, para dificultar a identificação do verdadeiro remetente. Nas palavras da testemunha, "até me causa uma certa surpresa que conseguiram detectar uma pessoa, porque normalmente é nome falso e pagamento em dinheiro, e isso faz com que a gente, lá na Receita, os embarques para determinados países, quando o embarque é pago em dinheiro e pessoa física, a gente seleciona essa carga normalmente para verificação" (04min15s a 04min38s do vídeo).
A testemunha Waldir Patricio Ferreira afirmou em juízo que à época dos fatos trabalhava na empresa FEDEX, na área de segurança, e que a fiscalização das encomendas era mais rigorosa quando se destinavam a países da África e para a Holanda. A testemunha não se recordava dos fatos narrados na denúncia, e afirmou que eram apreendidos por dia cerca de dez pacotes contendo cocaína. A testemunha afirmou que nunca teve contato com os donos das encomendas postadas, e, segundo sua experiência pessoal de anos trabalhando na área de segurança, geralmente as pessoas que enviam drogas são "laranjas", pois o traficante não despacha a droga pessoalmente, mas dá um dinheiro para que um inocente ou contratado entregue a mercadoria na empresa FEDEX ou em postos de atendimento. Mídia à fl. 191.
O juízo de primeiro grau condenou a acusada ao entender que esta teria agido, no mínimo, com dolo eventual. Segue excerto da sentença que concluiu pela responsabilidade da apelante pelos fatos narrados na exordial acusatória:
Aduz a defesa, nas suas razões recursais, que não há provas suficientes para amparar o édito condenatório.
Merece provimento o apelo defensivo.
Analisando os elementos de prova constantes dos autos, observo, inicialmente, que há indícios que pesam em desfavor da acusada, como o fato de ter inicialmente negado que havia despachado a encomenda, e só ter confessado que havia preenchido os formulários da FEDEX e escrito a mensagem no cartão de fl. 07 após a perícia já ter concluído que DOMENICA era a autora dos lançamentos gráficos examinados. Ademais, causa estranheza o fato de ter escrito um cartão para pessoa que nem mesmo conhecia, conforme sustentou em sede policial e também em juízo.
Por outro lado, não há como dizer que a acusada foi evasiva em seu interrogatório judicial. Pelo contrário, nota-se a verossimilhança de sua versão dos fatos, tanto que buscou fornecer dados para que a pessoa que podia confirmar sua versão, Maria da Conceição dos Reis, fosse encontrada. Ocorre que, conforme consta dos autos, Oficiala de Justiça dirigiu-se ao local declinado, mas a genitora da testemunha informou que Maria da Conceição dos Reis residia na Espanha, de modo que a defesa técnica desistiu de sua oitiva (fls. 167 e 171/172). Na fase do art. 402 do CPP, a defesa requereu novamente a oitiva da testemunha, indicando o mesmo endereço informado anteriormente (fl. 199), e o pedido foi indeferido pelo juízo cf. fl. 200.
Outrossim, ainda que se possa considerar que a acusada foi demasiadamente descuidada ao aceitar remeter encomenda a pedido de terceira pessoa, observa-se que a encomenda em questão continha itens aparentemente idôneos: CD, DVD, camiseta, fantasia e brinquedo (fl. 06). A própria acusada afirmou em seu interrogatório que chegou a balançar a caixa do jogo de futebol de botão e ouviu o barulho das peças. Dada a quantidade de droga apreendida, 48g (quarenta e oito gramas) de cocaína, não se pode dizer que a ré deveria ter suspeitado da massa ou mesmo do volume da encomenda.
Portanto, a despeito dos indícios em desfavor da ré, reputo que não há prova cristalina de que DOMENICA CRISTINA DA SILVA VIANA agiu com dolo, seja direto, seja eventual.
Ressalta-se que o crime de tráfico ilícito de entorpecentes tem como elemento subjetivo exclusivamente o dolo, não sendo possível responsabilizar a agente por ter agido com falta de cuidado. Além disso, conforme a própria lição de Francisco de Assis Toledo mencionada na sentença recorrida, para a caracterização do dolo eventual é necessária a certeza de que o agente assumiu o risco da prática delituosa, prevendo o resultado danoso e aceitando sua possível ocorrência. In casu, tenho que não restou demonstrado, acima de qualquer dúvida, que DOMENICA CRISTINA DA SILVA VIANA cogitou estar remetendo droga ao exterior e optou por prosseguir na ação mesmo assim.
Logo, considerando todo o conjunto probatório dos autos, deve ser dado provimento ao recurso de apelação da defesa, a fim de que DOMENICA CRISTINA DA SILVA VIANA seja absolvida, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, por insuficiência do conjunto probatório no tocante ao elemento subjetivo do tipo, e em homenagem ao princípio in dubio pro reo.
Ante o exposto, rejeito a preliminar arguida e dou provimento ao recurso de apelação de DOMENICA CRISTINA DA SILVA VIANA, para absolvê-la da condenação imposta pela prática do crime previsto no artigo 12 c.c. artigo 18, inciso I, ambos da Lei n.º 6.368/76, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
É COMO VOTO.
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