Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 02/09/2016
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0000746-96.2016.4.03.6106/SP
2016.61.06.000746-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : RAFAEL XAVIER SILVA
: HASTHER DE LOURDES ROCHA E SILVA
: GINALDO MAGALHAES TRINDADE
ADVOGADO : SP317590 RODRIGO VERA CLETO GOMES (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00007469620164036106 3 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. CRIME AMBIENTAL. ARTIGO 34, PARÁGRAFO ÚNICO, II, DA LEI Nº 9.605/98. PESCA COM PETRECHOS PROIBIDOS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. RECURSO MINISTERIAL PROVIDO.
1. O bem juridicamente tutelado não se resume na proteção às espécimes ictiológicas, mas ao ecossistema como um todo, que está ligado, intimamente, a política de proteção ao meio ambiente, como direito fundamental do ser humano de ter um meio ambiente ecologicamente equilibrado. A norma cuida, não só da proteção do meio ambiente em prol de uma melhor qualidade de vida para a sociedade hodierna, como também em relação às futuras gerações, em obediência ao princípio da solidariedade àqueles que estão por vir - art. 225 da Carta Magna (direito fundamental de terceira geração).
2. Conclui-se que o direito ao meio ambiente equilibrado é assegurado pela Constituição Federal como um direito fundamental de terceira geração, diretamente relacionado com o direito à vida da presente e das futuras gerações, não podendo o Judiciário violar a intenção do legislador, expressa na lei, que teve como substrato a obrigatoriedade da proteção ambiental, estampado no artigo 225, da Constituição Federal, ao proclamar que o Poder Público e a coletividade devem assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente sadio e equilibrado.
3. A potencialidade lesiva da conduta não pode ser afastada em virtude da quantidade de pescado ou mesmo de sua ausência, tendo em vista o objeto jurídico protegido pela norma, qual seja o meio ambiente.
4. Há, assim, efetiva lesão ao meio ambiente, não se podendo aceitar a incidência do princípio da insignificância à hipótese dos autos.
5. A denúncia contém exposição clara e objetiva dos fatos ditos delituosos, com narração de todos os elementos essenciais e circunstanciais que lhes são inerentes, atendendo aos requisitos descritos no artigo 41, do Código de Processo Penal.
6. Destaque-se, ainda, o teor da Súmula n. 709 do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o provimento de recurso em sentido estrito interposto contra a decisão que rejeita a denúncia importa no seu recebimento.
7. Recurso ministerial provido. Denúncia recebida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso ministerial, a fim de receber a denúncia oferecida em desfavor de RAFAEL XAVIER SILVA, HASTER DE LOURDES ROCHA E SILVA e GINALDO MAGALHÃES TRINDADE, determinando o retorno dos autos ao Juízo de origem para prosseguimento do feito, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 22 de agosto de 2016.
PAULO FONTES
Desembargador Federal


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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0000746-96.2016.4.03.6106/SP
2016.61.06.000746-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : RAFAEL XAVIER SILVA
: HASTHER DE LOURDES ROCHA E SILVA
: GINALDO MAGALHAES TRINDADE
ADVOGADO : SP317590 RODRIGO VERA CLETO GOMES (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00007469620164036106 3 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, contra decisão de fls. 39/40, proferida pelo Juízo da 3ª Vara Federal de São José do Rio Preto/SP, que rejeitou a denúncia ofertada em face de RAFAEL XAVIER SILVA, HASTER DE LOURDES ROCHA E SILVA e GINALDO MAGALHÃES TRINDADE, com base no artigo 395, III, do Código de Processo Penal.

Narra a denúncia (fls. 37/38) que:

"Consta nos autos que, no dia 15 de setembro de 2015, por volta das 18h, Policiais Militares Ambientais em serviço de fiscalização visando coibir a pesca predatória, surpreenderam RAFAEL XAVIER SILVA, HASTER DE LOURDES ROCHA E SILVA e GINALDO MAGALHÃES TRINDADE, pescadores amadores, praticando atos de pesca no Rio Grande, município de Paulo de Faria/SP, mediante utilização de petrecho proibido pela legislação ambiental (fls. 05/verso).
No interior da embarcação, foram encontrados 04 arbaletes (03 elite e 01 pksub), descritos as fls. 05/verso, em flagrante desobediência à alínea "g", do artigo 2º da Instrução Normativa nº 26 do IBAMA, artigo 36, § 1º, II, da Resolução SMA 48/2014 e Artigo 34, II, da Lei nº 9.605/98.
Foram encartados o Boletim de Ocorrência (folhas 04/05), o Auto de Infração Ambiental (folhas 06/08), o Termo de Apreensão (folha 09), Termo de Destinação de Animais, Materiais e/ou Produtos Apreendidos (folhas 10).
Ante o exposto, conclui-se que RAFAEL XAVIER SILVA, HASTER DE LOURDES ROCHA E SILVA e GINALDO MAGALHÃES TRINDADE praticaram o delito previsto no artigo 34, parágrafo único, inciso II, da Lei nº 9.605/98, razão pela qual o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer, após recebida a denúncia, sejam os réus citados para responderem aos termos da presente até final condenação, ouvindo-se as testemunhas ao final arroladas".

O Juízo rejeitou a denúncia (fls. 39/40), sob o entendimento de que a conduta praticada seria penalmente irrelevante, pois dela decorreu dano insignificante ao meio ambiente e sua reprovabilidade ao meio social seria praticamente nula, de modo que pode ser considerada atípica, em face dos princípios da insignificância e do processo penal como ultima ratio.

Inconformado, o Ministério Público Federal interpôs o presente recurso (fls. 44/47), requerendo a reforma da decisão recorrida para que a denúncia seja recebida. Sustenta, em síntese, a inaplicabilidade do princípio da insignificância, visto que os acusados causaram efetiva lesão ao meio ambiente, já que utilizaram petrecho cujo uso é vedado pela norma ambiental, independentemente da quantidade pescada.

As contrarrazões foram apresentadas às fls. 66/70.

Em juízo de retratação, o MM. Juízo de primeiro grau manteve a decisão guerreada (fl. 71).

O Exmo. Procurador Regional da República, Márcio Domene Cabrini, manifestou-se pelo provimento do recurso (fls. 79/81).

É O RELATÓRIO.

Dispensada a revisão, na forma regimental.


VOTO

O recurso comporta provimento.

Em que pese a r. decisão de primeiro grau, a ausência da quantidade das espécies apreendidas, por si só, não tem o condão de descaracterizar o crime previsto no artigo 34, parágrafo único, II, da Lei nº 9.605/98.

In casu, os recorridos foram flagrados praticando atos de pesca profissional mediante a utilização de petrechos não permitidos (4 arbaletes) e, conforme as declarações de fls. 4, sabiam da proibição da captura da espécie pintado por meio da pesca subaquática.

É preciso consignar que o bem juridicamente tutelado não se resume na proteção às espécimes ictiológicas, mas ao ecossistema como um todo, que está ligado, intimamente, à política de proteção ao meio ambiente, como direito fundamental do ser humano de ter um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Na verdade, a lei cuida não só da proteção do meio ambiente em prol de uma melhor qualidade de vida da sociedade hodierna, como também das futuras gerações, em obediência ao princípio da solidariedade em relação aos que estão por vir, previsto no artigo 225 da Carta Magna (direito fundamental de terceira geração).

Como ensina, de forma precisa, o professor Alexandre de Moraes:

"(...) protege-se constitucionalmente, como 'direitos de terceira geração' os chamados 'direitos de solidariedade ou fraternidade', que englobam o direito a um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, ao progresso, a paz, a autodeterminação dos povos e a outros direitos difusos, que são, no dizer de José Marcelo Vigliar, os interesses de grupos menos determinados de pessoas, sendo que entre elas não há vínculo jurídico ou fático muito preciso."
(Moraes, Alexandre. Direito Constitucional. 6ª ed., São Paulo, Editora Atlas, 1999).

A Excelsa Corte, perfilhando o mesmo entendimento, afirmou:

"Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado: a consagração constitucional de um típico direito de terceira geração" (RTJ 155/206).

Nesse diapasão, chega-se à conclusão de que o direito ao meio ambiente equilibrado é assegurado pela Constituição Federal como direito fundamental de terceira geração, que está diretamente relacionado com o direito à vida das presentes e das futuras gerações. Não pode, portanto, o Judiciário violar a intenção do legislador, expressa na lei, que teve como substrato a obrigatoriedade da proteção ambiental, estampado no artigo 225 da Constituição Federal, ao proclamar que o Poder Público e a coletividade devem assegurar a todos a efetividade do direito ao meio ambiente sadio e equilibrado.

Ressalto, ainda, que esta Egrégia Corte já se posicionou de forma contrária à aplicação do principio da insignificância em casos análogos, confira-se:


"PENAL. PROCESSO PENAL. AMBIENTA . LEI N. 9.605 /98, ART. 34. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA . INAPLICABILIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. APELO DESPROVIDO.
1. Os crimes ambientais são, em princípio, de natureza formal: tutelam o meio ambiente enquanto tal, ainda que uma conduta isoladamente não venha a prejudicá-lo. Busca-se a preservação da natureza, coibindo-se, na medida do possível, ações humanas que a degenerem. Por isso, o princípio da insignificância não é aplicável a esses crimes. Ao se considerar indiferente uma conduta isolada, proibida em si mesma por sua gravidade, encoraja-se a perpetração de outras em igual escala, como se daí não resultasse a degeneração ambiental, que muitas vezes não pode ser revertida pela ação humana. Precedentes do STJ e do TRF da 3ª Região.
2. Materialidade e autoria delitivas amplamente demonstradas.
3. As circunstâncias em que o réu foi surpreendido praticando atos de pesca em local proibido, aliadas aos depoimentos colhidos, tanto na fase policial como judicial, confirmam, de forma precisa e harmônica, a ocorrência dos fatos e a responsabilidade do apelado.
4. Apelação desprovida." (TRF3 - ACR 60371 (Proc. 00087867720104036106) - 5ª Turma - rel. Des. Fed. ANDRÉ NEKATSCHALOW, j. 11/05/2015, v.u., e-DJF3 Judicial 1 18/05/2015)
"PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. PESCA COM PETRECHO PROIBIDO. PRESCRIÇÃO RETROATIVA: INOCORRÊNCIA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: INAPLICABILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.
(...)
4. No direito penal ambiental vige o princípio da prevenção ou precaução, e assim, em regra, não é cabível a aplicação do princípio da insignificância nos crimes contra o meio ambiente. Precedentes.
5. Apenas em hipóteses excepcionais, é cabível a aplicação do princípio da insignificância com relação ao crime do artigo 34 da Lei nº 9.065/1998. No caso dos autos, não há nenhuma excepcionalidade que justifique a aplicação de tal entendimento.
6. Apelação desprovida." (TRF3 - ACR 52622 (Proc. 00094952020074036106) - 1ª Turma - rel. Des. Fed. HÉLIO NOGUEIRA, j. 14/04/2015, v.u., e-DJF3 Judicial 1 22/04/2015)

É inaplicável, pois, o princípio da insignificância aos crimes ambientais, que são, em princípio, de natureza formal, ou seja, tutelam o meio ambiente enquanto tal, ainda que a ação isolada não o venha a prejudicar.

A potencialidade lesiva da conduta não pode ser afastada em virtude da quantidade de pescado ou mesmo de sua ausência, tendo em vista o objeto jurídico protegido pela norma, qual seja o meio ambiente.

Não há que se falar, portanto, em atipicidade da conduta pela sua insignificância.

Desta feita, merece ser reformada a decisão recorrida para que a ação penal tenha seu regular curso, máxime quando a denúncia preenche os requisitos formais elencados no artigo 41, do Código de Processo Penal, não restando caracterizadas, de seu turno, nenhuma das causas impeditivas previstas no artigo 395, do Código de Processo Penal.

Destaque-se, ainda, o teor da Súmula n. 709 do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o provimento de recurso em sentido estrito interposto contra a decisão que rejeita a denúncia importa no seu recebimento:

"Súmula 709: Salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela".

Ante o exposto, dou provimento ao recurso ministerial, a fim de receber a denúncia oferecida em desfavor de RAFAEL XAVIER SILVA, HASTER DE LOURDES ROCHA E SILVA e GINALDO MAGALHÃES TRINDADE, determinando o retorno dos autos ao Juízo a quo para o prosseguimento do feito.


É como voto.


PAULO FONTES
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): Paulo Gustavo Guedes Fontes:10067
Nº de Série do Certificado: 55DD429704881053FA1DF33F8C7D3FAA
Data e Hora: 24/08/2016 14:59:59