Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 02/09/2016
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0011244-31.2013.4.03.6181/SP
2013.61.81.011244-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : ADRIANO SEABRA JUNIOR
ADVOGADO : SERGIO MURILO F M CASTRO (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00112443120134036181 1P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. SEMENTES DE MACONHA. INDÍCIOS DE MATERIALIDADE E AUTORIA. IN DUBIO PRO SOCIETATE.
1. A denúncia ofertada atende aos requisitos previstos no artigo 41 do Código de Processo Penal, e não se vislumbra qualquer das hipóteses previstas no artigo 395 do Código de Processo Penal, que justifique a sua rejeição.
2. Na fase do recebimento da denúncia, o principio jurídico in dubio pro societate deve prevalecer, devendo-se verificar a procedência da acusação e a presença de causas excludentes de antijuridicidade ou de punibilidade no decorrer da ação penal.
3. Não se pode afastar a tipicidade da conduta em relação à pessoa que importa sementes de cannabis sativa. A semente da maconha deve ser considerada matéria-prima para a produção da droga, dado que a germinação da semente é a etapa inicial do crescimento da planta. Precedentes.
4. Recurso ministerial provido. Denúncia recebida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar provimento ao recurso em sentido estrito, para que seja recebida a denúncia oferecida em desfavor de ADRIANO SEABRA JUNIOR, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Vencido o Des. Federal José Lunardelli.


São Paulo, 22 de agosto de 2016.
PAULO FONTES
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 24/08/2016 15:00:02



RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0011244-31.2013.4.03.6181/SP
2013.61.81.011244-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : ADRIANO SEABRA JUNIOR
ADVOGADO : SERGIO MURILO F M CASTRO (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
No. ORIG. : 00112443120134036181 1P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de RECURSO EM SENTIDO ESTRITO interposto pela JUSTIÇA PÚBLICA contra decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal Criminal de S. Paulo/SP, que rejeitou a denúncia ofertada em face de ADRIANO SEABRA JUNIOR pela suposta prática do crime previsto no artigo 33, caput e § 1º, inciso I, c.c. o artigo 40, inciso I, ambos da Lei nº 11.343/06, sob o fundamento de que o fato descrito na inicial é atípico (artigo 395, inciso II, do Código de Processo Penal).

Conforme narrado na exordial acusatória, ADRIANO SEABRA JR., no caso em tela, "importou" 15 (quinze) sementes destinadas ao plantio de cannabis sativa, material que foi apreendido pela Secretaria da Receita Federal em fiscalização de rotina.

Inconformado, o Ministério Público Federal interpôs o presente recurso (fls. 83/86), requerendo a reforma da sentença para o fim de recebimento da denúncia ofertada.

Sustenta, em síntese, que a conduta é típica, adequada ao artigo 33, caput e § 1º, inciso I, c.c. o artigo 40, inciso I, ambos da Lei nº 11.343/06, não cabendo, in casu, tratar a conduta descrita na inicial como contrabando e aplicar a ela o princípio da insignificância, procedendo tampouco a tese de importação da droga com o fim de consumo próprio.

Contrarrazões às fls. 93/103.

Em juízo de retratação, o MM. Juízo de Piso manteve a decisão guerreada (fl. 104).

Após, subiram os autos a esta E. Corte, onde o Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Exmo. Procurador Regional da República, Dr. Paulo Taubemblatt (fls. 107/109), opinou pelo desprovimento do recurso.

É O RELATÓRIO.

Dispensada a revisão, na forma regimental.


VOTO

O recurso comporta provimento.

A hipótese dos autos versa sobre a denúncia ofertada em face de ADRIANO SEABRA JUNIOR pela prática do crime previsto no artigo 33, caput e § 1º, inciso I, c.c. o artigo 40, inciso I, ambos da Lei nº 11.343/06, em decorrência da retenção, pela Receita Federal do Brasil em São Paulo, de encomenda consistente em 15 sementes de Cannabis sativa Lineu, endereçadas ao acusado.

A denúncia foi rejeitada sob o fundamento de que as sementes objeto da importação não podem ser consideradas entorpecentes, pois não possuem em sua composição a substância tetrahidrocannabiol (THC). Demais disso, a conduta do denunciado estaria eventualmente inserida no tipo penal previsto no artigo 334-A do Código Penal, e não se poderia caracterizar, desta maneira, o delito, já que estaria o mesmo abrangido pela aplicação do princípio da insignificância.

Da análise dos autos, contudo, entendo merecer reforma a r. sentença recorrida.

Com efeito, não se pode afastar a tipicidade da conduta. A semente da maconha deve ser considerada matéria-prima para a produção da droga, dado que a germinação da semente é a etapa inicial do crescimento da planta.

E, no sentido de que a semente da maconha corresponde à matéria-prima destinada à preparação de substância entorpecente - sendo, portanto, de comercialização proibida no território nacional - já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:


PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. APREENSÃO DE SEMENTES DE CANNABIS SATIVA. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA.
ORDEM DENEGADA.
1. Incorre no tráfico de entorpecentes quem importa ou exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe à venda ou oferece, fornece ainda que gratuitamente, tem em depósito, transporta, traz consigo ou guarda matéria-prima destinada à preparação de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica (art. 12, § 1º, I, da Lei 6.368/76).
2. No caso, o fato narrado na denúncia, ou seja, a apreensão, na residência do paciente, de 170 sementes de cannabis sativa, amolda-se perfeitamente ao tipo penal "ter em depósito" e "guardar" matéria-prima destinada a preparação de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica (art. 12, § 1º, I, da Lei 6.368/76), não podendo se falar em atipicidade da conduta.
3. Ordem denegada.
(HC 100437/SP, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe 02/03/2009)

Ainda venho a destacar decisão de minha lavra, proferida nos autos nº 0002180-45.2011.4.03.6123/SP, cujo acórdão foi lavrado por unanimidade na sessão de julgamento desta E. Quinta Turma ocorrida em 30.06.2014:


PENAL. PROCESSUAL PENAL. IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE MACONHA. MATÉRIA-PRIMA PARA PRODUÇÃO DA DROGA. ILÍCITO PENAL. DENÚNCIA REJEITADA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PROVIDO.
1. A semente da maconha corresponde à matéria-prima destinada à preparação de substância entorpecente. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e das Cortes Federais.
2. Evidente, portanto, que a semente, em seu estado natural, é a matéria-prima para a produção de uma planta; no caso da maconha, há que se apurar, no âmbito de uma ação penal se sua importação é igualmente proscrita e configura ilícito penal, haja vista que sua internalização em território nacional poderá gerar futura produção de substância entorpecente proscrita.
3. A denúncia contém exposição clara e objetiva dos fatos ditos delituosos, com narração de todos os elementos essenciais e circunstanciais que lhes são inerentes, atendendo aos requisitos descritos no artigo 41 do Código de Processo Penal.
4. A materialidade do delito restou comprovada pelo Termo de Apreensão de Substâncias Entorpecentes e Drogas Afins, pelo Auto de Apresentação e Apreensão, e pelo Laudo de Perícia Criminal Federal (Química Forense).
5. Os indícios da autoria podem ser extraídos do fato de que o acusado é o destinatário da remessa interceptada nos Correios pela Polícia Federal.
6. Questões como a pequena quantidade de sementes, no presente caso, constituem matéria de mérito, a ser analisada oportunamente no contexto dos elementos que advierem à instrução.
7. Recurso provido. (grifei).

Evidente, portanto, que, nos termos da jurisprudência que vem se consolidando, a semente, em seu estado natural, é a matéria-prima para a produção de uma planta; no caso da maconha, há que se apurar, no âmbito de uma ação penal, se a importação da semente é igualmente proscrita e configura ilícito penal, haja vista que sua internalização em território nacional poderá gerar futura produção de substância entorpecente proscrita.

No mais, a denúncia contém exposição clara e objetiva dos fatos ditos delituosos, com narração de todos os elementos essenciais e circunstanciais que lhes são inerentes, atendendo aos requisitos descritos no artigo 41 do Código de Processo Penal.

A materialidade do delito restou comprovada pelo Termo de Apreensão de Substâncias Entorpecentes e Drogas Afins (fl. 04), pelo Auto de Apresentação e Apreensão (fl. 06) e pelo Laudo de Perícia Criminal Federal (fls. 17/24) - conclusivo no sentido de se tratar o material apreendido de Cannabis Sativa Linneu (planta comumente conhecida como maconha).

Os indícios da autoria podem ser extraídos do fato de que o acusado é o destinatário da remessa interceptada pelas autoridades competentes, assim como constante no Termo de Apreensão e da cópia de envelope de fls. 05 e 07.

Ademais, perante a autoridade policial, confessou o denunciado que adquiriu as sementes de maconha diretamente através do sítio eletrônico www.sementesdemaconha.com, do qual não possui mais nenhuma referência ou outro dado para acesso, e que teria efetuado a compra com cartão de crédito internacional, sem intermediação de terceiros (fl. 54).

Demais disso, no caso concreto, a denúncia ofertada atendeu a todos os requisitos previstos no artigo 41 do Código de Processo Penal, e não se vislumbra qualquer das hipóteses previstas no artigo 395 do Código de Processo Penal, a justificar sua rejeição.

Por tais fundamentos é que se determina, nesta primeira etapa, de mero juízo de delibação, a observância do princípio in dubio pro societate, não se impondo a mesma certeza necessária para eventual condenação, quando então vige o princípio in dubio pro reo.

Nesse sentido é o entendimento deste E. Tribunal, em consonância com a Jurisprudência pátria. Senão, vejamos:


"PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ESTELIONATO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. INÉPCIA DA DENUNCIA AFASTADA. INDÍCIOS DE AUTORIA DELITIVA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. 1. Recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra decisão que rejeitou denúncia em que se imputa ao acusado a prática do crime tipificado no artigo 171, §3º, do Código Penal, ao fundamento de que ausência de justa causa e inépcia da denúncia. 2. A denúncia contém exposição clara e objetiva dos fatos ditos delituosos, com narração de todos os elementos essenciais e circunstanciais que lhes são inerentes, atendendo aos requisitos descritos no artigo 41 do Código de Processo Penal, bem como permitindo ao réu o exercício pleno do direito de defesa assegurado pela Constituição Federal. 3. Os fatos descritos na denúncia evidenciam a ocorrência de fato típico, qual seja, a obtenção fraudulenta de benefício previdenciário por meio de documentos falsos. 4. Na fase inicial da ação penal vigora o princípio in dubio pro societate, cumprindo ao juiz a verificação da prova da existência do crime e indícios de autoria, bastando para o recebimento da denúncia a mera probabilidade de procedência da ação penal. A rejeição da denúncia somente se justifica diante da absoluta ausência de indícios de autoria, posto que se existente a prova indiciária, ainda que mínima, a dúvida deve ser resolvida, nesse momento processual, em favor da acusação. Precedentes. 5. Demonstrados indícios suficientes de autoria e da materialidade delitiva, pressupostos da ação penal e elementos motivadores da justa causa para seu início, bem como inexistindo qualquer das hipóteses descritas no artigo 43 do Código de Processo Penal, há elementos suficientes para a instauração da ação penal. 6. Recurso provido." (RSE 00061603020054036181, JUIZ CONVOCADO SILVIO GEMAQUE, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/08/2010 PÁGINA: 93 ..FONTE_REPUBLICACAO:.) (grifos e negritos nossos)

Dessa forma, o recebimento da denúncia com o consequente prosseguimento da persecutio criminis é de rigor, inclusive sob o pálio da regra in dubio pro societate, que vigora neste momento processual. Havendo eventuais dúvidas acerca da correta tipificação penal da conduta do denunciado, deve prosseguir a ação penal para que, ao final, conclua-se acerca da definição jurídica adequada.

Destaque-se, ainda, o teor da Súmula n. 709 do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o provimento de recurso em sentido estrito interposto contra a decisão que rejeita a denúncia importa no seu recebimento:


"Súmula 709. Salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela".

Diante do exposto, dou provimento ao recurso ministerial, a fim de receber a denúncia proposta em desfavor de ADRIANO SEABRA JUNIOR, determinando o retorno dos autos ao Juízo a quo para o prosseguimento da ação penal em relação a todos os fatos delitivos apontados na exordial acusatória.

É COMO VOTO.


PAULO FONTES
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): Paulo Gustavo Guedes Fontes:10067
Nº de Série do Certificado: 55DD429704881053FA1DF33F8C7D3FAA
Data e Hora: 24/08/2016 15:00:06