D.E. Publicado em 04/11/2016 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, julgar improcedente a revisão criminal, nos termos do voto do Desembargador Federal José Lunardelli (Relator). Acompanharam o Relator os Desembargadores Federais Paulo Fontes, Nino Toldo, André Nekatschalow (com redução de fundamento) e Cecilia Mello. Vencido o Desembargador Federal Mauricio Kato, que julgava procedente o pedido revisional para anular a ação penal.
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RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL CONVOCADO RICARDO NASCIMENTO:
Trata-se de revisão criminal, ajuizada por Estevam Hernandes Filho e Sônia Haddad de Moraes Hernandes visando a anular condenação transitada em julgado, nos autos de nº 0001487-23.2007.4.03.6181, processo no bojo do qual foram os requerentes condenados pela prática do delito tipificado no art. 22, parágrafo único, primeira parte, da Lei 7.492/86, à pena de três anos de reclusão, em regime inicial aberto, e 120 (cento e vinte) dias-multa, tendo estes o valor unitário de 5 (cinco) salários mínimos. A pena privativa da liberdade foi substituída por penas restritivas de direitos.
Alegam os autores (fls. 02/42), em síntese, que a condenação combatida configuraria bis in idem, pois já teriam eles sido processados e condenados pelos mesmos fatos perante Corte estadunidense (do Southern District of Florida). O mesmo fato, em síntese, teria gerado a condenação definitiva nos Estados Unidos da América e no Brasil.
Em argumento subsidiário, alegam ter havido, na condenação transitada em julgado, violação ao disposto no art. 5º, XLVI e XLVII, da Constituição da República, bem como ao art. 59 do Código Penal, porquanto a fixação das reprimendas teria sido realizada sem obediência aos critérios normativos de individualização da pena. A condição dos autores de líderes religiosos teria sido utilizada para valorar negativamente diversas circunstâncias judiciais; além disso, o valor em tese evadido teria sido considerado de grande porte devido ao fato de se tratarem, os condenados, de pessoas conhecidas, e não pelo montante do numerário. Seria devida, outrossim, a concessão de tutela de urgência, com o fito de suspender a execução da pena nos autos em que se deu a condenação, até o julgamento definitivo da revisão criminal.
Com base nisso, requereram, além da tutela de urgência relatada, a procedência da revisão criminal, para: a) Anular a ação penal autuada sob nº 0001487-23.2007.4.03.6181; b) Subsidiariamente, reduzir a pena naqueles autos cominada ao mínimo legal.
Juntaram documentos.
Manifestação da Procuradoria Regional da República (fls. 187/192v), opinando "pelo não conhecimento, mas, acaso conhecido, no mérito, pela parcial procedência deste pedido revisional, apenas para afastar a circunstância judicial negativa da personalidade, mantendo, contudo, o quantum já fixado para a pena-base e a definitiva (RC 0007490-92.2016.4.03.0000/SP), cumprindo corrigir, contudo, a quantidade de dias-multa para estabelecê-la de modo proporcional à fixação da sanção privativa de liberdade" (fl. 192v).
É o relatório.
Processo sujeito a revisão, nos termos regimentais.
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VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:
Ratifico o relatório.
Acrescento que consta de fls. 177/185 petição dos autores da presente revisão, reforçando os argumentos lançados nas fls. 02/42, bem como aventando a possibilidade de aplicação do artigo 8º do Código Penal ao caso, tendo por consequência concreta reconhecimento de nulidade do processo originário (em que não foi aplicada a disposição legal citada).
A presente revisão criminal visa, ao menos como pleito principal, a anular a ação penal autuada sob nº 0001487-23.2007.4.03.6181, sob o argumento de que a condenação transitada em julgado que ali se exarou configuraria bis in idem, pois os réus já teriam sido condenados definitivamente pelos mesmos fatos em ação penal anterior, ajuizada em face deles perante o Poder Judiciário norte-americano.
O Ministério Público Federal se manifestou no sentido de que a revisão criminal não deveria ser admitida, porquanto haveria mero intuito de rediscussão das conclusões a que se chegou na condenação transitada em julgado cuja anulação se requer, o que é vedado em sede de revisão criminal.
Conquanto seja verdadeira a assertiva de que a revisão criminal não se presta ao mero reexame de acervo fático-probatório (salvo, por óbvio, se for caso de comprovação de que a condenação se lastreou fundamentalmente em prova comprovadamente falsa - Código de Processo Penal, art. 621, II) ou à exclusiva rediscussão de teses, entendo que o pleito em questão não configura uma tal hipótese. Com efeito, o pedido é de que se reconheça que a condenação feriu expressa disposição normativa, qual seja, a cláusula de vedação ao bis in idem (Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, internalizado pelo Decreto 592/92, art. 14, item 7). Portanto, não se tem caso em que se postula (ainda que sub-repticiamente) simples reapreciação de provas, mas sim de aferição a respeito da moldura fática dos dois processos, trazida pelas acusações que os inauguraram.
Note-se: não estão os autores a falar que em verdade não se comprovou a prática objetiva de evasão de divisas, ou a autoria do crime, ou a existência de dolo com base nas provas dos autos, mas sim que os fatos descritos na inicial (e com base em cuja comprovação se deu a condenação) já haviam ensejado processamento e punição anteriores. Se correta a tese dos autores, poder-se-á caracterizar descumprimento de expressa previsão legal; se incorreta, não restará configurada hipótese de procedência da revisão criminal. Seja qual for a hipótese, trata-se de exame de mérito, bastando em sede de admissibilidade que se afira se há o preenchimento dos pressupostos processuais cabíveis e, em tese, a formulação de pleito que se adeque às hipótese arroladas nos incisos do art. 621 do Código de Processo Penal.
Por tais fundamentos, e preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade da ação, admito-a, e passo ao exame de seu teor.
Como já esclarecido acima, a tese principal dos autores da presente revisão criminal é a de que seu processamento e sua condenação se deram com lesão ao postulado que veda o bis in idem, pois ambos já teriam sido condenados anteriormente, nos Estados Unidos da América. Pelos mesmos fatos. Dessa forma, é essencial para o deslinde da controvérsia que se faça o cotejo analítico das molduras fáticas a partir das quais correram ambos os processos-crime. É o que passo a fazer.
O termo de indictment (instituto jurídico estadunidense que se assemelha à pronúncia, embora seja de uso mais amplo que esta) dos autores consta de fls. 138/143. A acusação formalizada pelo Grand Jury da corte distrital do Southern District of Florida imputa, em síntese, as seguintes práticas aos ora autores, todas ocorridas no dia 8 de janeiro de 2007, no Aeroporto Internacional de Miami, condado de Miami-Dade:
a) A de terem ingressado em território norte-americano trazendo do exterior numerário superior a dez mi dólares estadunidenses (especificamente, cinquenta e seis mil dólares estadunidenses), valor escondido em artigos de bagagem;
b) A de terem conscientemente preenchido com conteúdo falso uma declaração oficial (documento público), declarando nela que portavam em conjunto vinte e um mil dólares estadunidenses;
c) Quanto a Sonia Haddad Moraes Hernandes, que esta teria declarado falsamente em documento apresentado ao Department of Homeland Security, United States Customs and Border Protection (agência executiva norte-americana) que tinha consigo quantia inferior a dez mil dólares estadunidenses.
Já a moldura fática do processo cuja análise se requer se cinge às seguintes imputações (denúncia com cópia nas fls. 49/51 - fls. 02/04 dos autos de origem, que se encontram apensados a este feito):
- A de terem saído do Brasil sem declarar que portavam quantia superior a dez mil dólares estadunidenses, incorrendo na prática de evasão de divisas;
- A de não terem preenchido declaração de porte de valores na saída do país, o que caracterizaria (na visão do órgão acusatório) crime de falsidade ideológica.
A condenação se deu apenas pela prática de evasão de divisas, tendo em vista que não houve qualquer declaração por parte dos acusados na saída do Brasil.
Esse, em suma, o quadro fático-normativo das condenações. Segundo os autores, seriam essas acusações idênticas, ocorrendo, pois, bis in idem.
É indiscutível a importância da cláusula de vedação ao bis in idem como direito inalienável dos indivíduos reconhecido por nosso ordenamento, e expresso, anoto novamente, no texto do art. 14, item 7, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (internalizado pelo Decreto 592/92). Porém, cumpre dar a tal cláusula fundamental os devidos contornos, para que não se extraia dela privilégio ou extensão que nela não se contém.
O bis in idem ocorre quando um mesmo agente é processado criminalmente por mais de uma vez devido à prática da mesma conduta, é dizer, exatamente do mesmo fato. Cito precedentes elucidativos do STJ a respeito:
Na mesma linha, cito precedente relevante do STF:
Há uma questão da maior relevância no que toca ao tema. Bis in idem significa o duplo processamento pela prática, exatamente, da mesma conduta, e não de condutas diversas praticadas em um mesmo contexto fático, ou diversas condutas que são juridicamente amoldáveis ao mesmo tipo penal. No que tange a esta última hipótese, parece-me que não há necessidade de explicação: trata-se de casos de crime continuado ou, a depender do contexto, concurso material de crimes "idênticos" (é dizer, condutas que se subsumem ao mesmo tipo).
Já a questão relativa a um mesmo contexto fático, conquanto igualmente clara em termos jurídicos, necessita maior explanação. "Fato" e "contexto fático" são coisas diversas. Evidentemente, poder-se-ia utilizar nomenclatura diversa; importam neste ponto não os significantes, mas os significados. Por fato deve-se entender uma conduta una, um evento empírico pontual produzido por ser humano. Por contexto fático, devem-se entender os elementos que cercam uma conduta, inclusive outras condutas atribuíveis a um agente ou a terceiros.
Exemplifico. Se se diz "o réu X praticou, na data e momento Y, a conduta Z (suponha-se: matar alguém)", está-se a descrever uma conduta e seu autor, pois há o traço da individualidade fática, da unidade fenomênica que caracteriza a conduta, o "fato". Já uma descrição composta por diversas ações de um agente, bem como outros elementos que as circundaram, está a tratar de um "contexto fático" (a não ser que esse conjunto de ações forme um só fato típico, o que dependerá do tipo penal em questão e da complexidade de execução que ele admite no plano empírico).
Faço o registro porque ele me parece essencial para pontuar a que se refere a cláusula de vedação ao bis in idem: esta, reafirmo após as linhas explicativas acima, veda a dupla punição pelo mesmo fato, não por qualquer coisa relacionada a um mesmo contexto fático (o qual, a depender de cada circunstância e rede de eventos, pode ser composto por um sem-número de condutas de autoria de uma ou mais pessoas).
Colocados esses aclaramentos liminares, e traçada a moldura fática dos processos relevantes para a solução desta revisão criminal, passo ao deslinde do caso concreto.
Os réus foram condenados, no processo cuja anulação se requer, por evasão de divisas, na modalidade prevista na primeira parte do parágrafo único do art. 22 da Lei 7.492/86. Cito o dispositivo, sublinhando a parcela dela pertinente ao feito originário:
No processo que correu junto ao Poder Judiciário norte-americano, a condenação se deu pelo delito de ingressar no território dos Estados Unidos com numerário acima do valor a partir do qual se exige declaração expressa (dez mil dólares estadunidenses - United States Code, Título 31, seção 5.332, ilícito punido penalmente nos termos da subseção (a) do mesmo dispositivo), bem como por prestar declaração falsa a autoridades estadunidenses (crime punido nos termos do Título 18, seção 1001, subseção (a), do United States Code).
Vistos e revistos os fatos e os enquadramentos normativos pertinentes, tem-se que os próprios momentos de consumação de cada delito demonstram, de per si, que os fatos pelos quais foram processados, julgados e condenados os ora autores são diversos.
A consumação do crime de evasão de divisas, nos termos da legislação brasileira e da condenação dos aqui requerentes, se deu assim que eles se evadiram do território nacional, isto é, quando eles saíram do território brasileiro. É este o momento de consumação da evasão de divisas na modalidade do art. 22, parágrafo único, primeira figura, tema a respeito do qual não paira controvérsia doutrinária específica (v., por todos, Cézar Roberto Bittencourt e Juliano Breda, Crimes Contra o Sistema Financeiro & Contra o Mercado de Capitais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 277). A saída do território nacional se deu no curso de voo com destino a Miami, Estados Unidos da América, no dia 7 de janeiro de 2007.
Já os delitos praticados pelos réus em território estadunidense, pelos quais foram condenados pelas autoridades daquele país, ocorreram todos no dia 8 de janeiro de 2007, "at Miami International Airport, in Miami-Dade County" (fls. 138, 140, 141 e 142), ou seja, já em solo norte-americano, nas dependências do Aeroporto Internacional de Miami. É evidente que isso só poderia se dar várias horas após os réus saírem do território nacional portando - sem declaração alguma ou mecanismo exigível na legislação - divisas acima do limite individual de dez mil reais (Lei 9.069/95, art. 65), o que configurou a prática delitiva que ensejou sua condenação pelo Poder Judiciário brasileiro.
Recapitulo. Assim que os réus saíram do país com valores superiores a dez mil reais por pessoa sem obediência aos trâmites pertinentes a essa conduta, praticaram eles o crime de evasão de divisas, na modalidade descrita no art. 22, parágrafo único, primeira figura, da Lei 7.492/86. Várias horas depois, ao tentarem ingressar no território norte-americano portando essas divisas, inclusive fraudando documentos que deveriam preencher declarando os valores, foram eles flagrados, processados e condenados por tais práticas.
Os fatos, em suma, são nitidamente diversos. Não se trata de duplo processamento criminal pelos mesmos fatos, mas de duas condenações diversas por fatos diversos acontecidos ao longo da mesma viagem dos ora autores. Embora a questão já exsurja cristalina e estreme de dúvida neste ponto, faço comparação hipotética, utilizando para isso crimes de configuração empírica facilmente verificável. Se alguém pratica um furto no Brasil, toma um voo na sequência e tenta praticar furto em território francês (suponha-se, v.g., em aeroporto internacional), fica ainda mais evidente que se trata de fatos diversos, que têm como único ponto de conexão o agente e o deslocamento por ele efetivado. No caso concreto, ocorre o mesmo, mas com crime mais complexo e cuja consumação não se mostra (sem análise jurídica mínima) de tão fácil constatação.
Outro fator que por si eliminaria qualquer dúvida a respeito é pensar que os fatos pelos quais foram condenados os réus em cada país nem sequer foram considerados relevantes pela outra jurisdição. No caso estadunidense, nem sequer se assinalou que eles já haviam praticado um crime de acordo com a legislação brasileira (o de sair do território nacional nas circunstâncias descritas no art. 22, par. ún., primeira figura, da Lei 7.492/86), mas apenas - por óbvio - os fatos penalmente relevantes sob o prisma do ordenamento jurídico daquele país, quais sejam, o de ingressar nos Estados Unidos, sem declaração ou obediência aos procedimentos ali em vigor, com valores superiores a dez mil dólares por pessoa, e fraudar o conteúdo de declaração de valores apresentada a autoridades estadunidenses.
Já na denúncia que inaugura o processo-crime instaurado contra os então réus no Brasil, o que se imputa aos réus e o que se tem de penalmente relevante é a saída do país portando valores superiores aos previstos no art. 65 da Lei 9.069/95 sem obediência aos procedimentos obrigatórios para fazê-lo, o que caracteriza a já reiteradamente citada modalidade específica de evasão de divisas. As referências à prisão em flagrante dos réus em território dos Estados Unidos da América se dão a claro título de contextualização fática, e não de imputação criminal, inclusive por não constituir crime na legislação brasileira o ingresso em território estrangeiro com algum valor específico em divisas e sem declarar tal valor. A rigor, nem mesmo o ingresso no Brasil com altos valores sem declaração caracteriza crime específico (embora a partir disso se possam descobrir eventuais práticas, e.g., de sonegação fiscal, lavagem de dinheiro ou mesmo evasão anterior das mesmas divisas).
Registro que a demonstração de que a condenação americana e o processo-crime brasileiro tratavam de fatos rigorosamente diversos foi feita de maneira irretocável na própria sentença dos autos transitados em julgado. Cito o trecho pertinente (cópia na fl. 65; fl. 434 dos autos originários):
No mesmo caminho foi o bem lançado parecer da Procuradoria Regional da República.
Acrescento que os mesmos fundamentos mostram não ser pertinente ao caso concreto a consideração ao artigo 8º do Código Penal. Não olvido a existência de controvérsia a respeito de sua eficácia, tendo em vista a própria vedação ao bis in idem assumida por nosso ordenamento (proteção maior - aos réus - conferida pelo ordenamento em relação ao comando do artigo 8º do estatuto penal, que apenas abranda, mas não exclui, a dupla punição penal pelo mesmo fato em caso de condenação pela Justiça brasileira que se suceda a condenação definitiva anterior e exarada por Poder Judiciário alienígena). Ocorre que, assim como a cláusula de vedação ao bis in idem, a regra contida no enunciado normativo do artigo 8º do CP tem seu âmbito de incidência restrito a casos em que há dupla condenação penal definitiva (uma em âmbito nacional, e uma anterior em âmbito internacional) pelos mesmos fatos - a respeito do significado disso, remeto aos fundamentos supra. Como demonstrei, não há no caso dos autos dupla condenação pelo mesmo fato; portanto, não é nem mesmo em tese aplicável a disposição do art. 8º do CP, posto que o contexto concreto foge ao seu âmbito semântico de incidência.
Por tais fundamentos, rejeito o pleito de anulação do processo autuado sob nº 0001487-23.2007.4.03.6181 e da condenação transitada em julgado nele contida, por serem hígidos e não terem incorrido em qualquer violação da cláusula de vedação ao bis in idem.
Os autores apresentam pleito "alternativo" (em verdade, subsidiário, tendo em vista a natureza do pedido rejeitado supra) de redução da pena, pois teria havido violação ao art. 59 do Código Penal e aos incisos XLVI e XLVII da Constituição da República. Teria havido, em síntese, violação ao princípio da individualização da pena; a mera condição de líderes religiosos dos réus teria sido utilizada em seu desfavor a título de valoração negativa de diversas circunstâncias judiciais. A punição teria sido estabelecida além do mínimo legal, em última análise, por se tratar de pessoas notórias.
A argumentação não procede.
Por primeiro, lembro que, conforme jurisprudência consolidada deste TRF-3, a revisão criminal não é ação que se preste ao amplo reexame da dosimetria ou à rediscussão de critérios subjetivos dos órgãos prolatores de condenação transitada em julgado. Esse posicionamento se encontra em firme consonância tanto com as hipóteses de cabimento da revisão criminal quanto com o respeito à coisa julgada, fator da maior relevância em qualquer ordenamento jurídico, e que, no Brasil, foi traduzido em comando constitucional (Constituição da República, art. 5º, XXXVI). Cito precedentes elucidativos deste Tribunal:
Portanto, não há espaço nesta sede para rediscussão de critérios e majorações específicas de reprimendas, desde que amparadas na legislação em vigor e em provas constantes dos autos. As circunstâncias do crime foram valoradas negativamente nos seguintes termos (fl. 653v):
A personalidade dos réus foi considerada negativa, para fins de dosimetria penal, nos seguintes termos (fls. 653v/654):
Nota-se que não foram valorados os mesmos fatores, embora sejam eles parcialmente conexos. Nas circunstâncias do crime, os elementos fáticos que ensejaram valoração negativa foram o uso da bagagem de um filho menor de idade e do livro sagrado da religião cristã (a Bíblia) para portar parcela considerável das divisas ocultadas. Há menção ao fato de serem líderes religiosos; no entanto, tal condição não foi utilizada, por si, para majorar a pena. O que se asseverou na condenação é que o fato de se tratar de líderes religiosos de grande porte torna ainda mais reprovável o uso do respectivo livro sagrado como instrumento para porte do objeto de um crime, mormente diante da respeitabilidade social que ostentam tais líderes. É difícil a um agente público, ainda que não professe a mesma crença ou crença alguma, acreditar que um líder religioso utilizaria o maior símbolo de sua respectiva religião (o livro que contém os ensinamentos e as bases doutrinárias sacras para os fiéis) como um instrumento desse jaez - tal constatação é facilmente explicável do ponto de vista da valoração concreta da conduta, e não caracteriza bis in idem na primeira fase da dosimetria. Já a reprovabilidade do uso da bagagem de um menor (o filho dos autores) para transporte de divisas evadidas é evidente, inclusive porque malas de crianças viajando em família não costumam ser foco de atenção dos agentes públicos (como, por certo, calcularam os agentes).
No que tange à personalidade, fez-se valoração que, ainda que pudesse, nos autos de origem, ser questionada, se amolda em tese ao teor semântico das prescrições do art. 59 do Código Penal. Neste ponto, expôs-se na condenação que o fato de serem os ora autores líderes religiosos de grande porte, reconhecidos como modelos de conduta e de princípios cristãos - com as responsabilidades extremas que daí advém sociologicamente -, e ainda assim delinquirem, é algo que denota personalidade negativa para fins de dosimetria.
Nota-se que em ambas as circunstâncias, fez-se exame do contexto concreto e de aspectos absolutamente individualizados e específicos dos então réus. Assim, não se vislumbra qualquer lesão ao princípio constitucional da individualização da pena, mas, ao contrário, atenção ao comando normativo no sentido de se examinarem as circunstâncias objetivas e subjetivas relevantes para o estabelecimento da reprimenda concreta. O que se insere no interior da margem de subjetividade concedida pelo ordenamento aos órgãos jurisdicionais, repiso, foge ao escopo da revisão criminal, não se enquadrando em qualquer de suas hipóteses de cabimento. Analisar tais fatores significaria, para além de escapar do rol taxativo do art. 621 do Código de Processo Penal, ferir a coisa julgada, um dos institutos mais relevantes do ordenamento jurídico pátrio.
O mesmo se dá, por fim, no que tange à culpabilidade. A referida circunstância judicial foi valorada negativamente com a seguinte fundamentação (fls. 653/653v):
Conquanto, a meu sentir, não se trate de fatores que levem à exasperação da pena em concreto, tenho que a fundamentação acima não foge aos limites semânticos e ao campo potencial de incidência das prescrições do art. 59 do Código Penal, em especial quando se tem em vista que se trata da culpabilidade, entendida como reprovabilidade concreta da ação em sentido amplo, é dizer, dos aspectos subjetivos e objetivos atinentes à conduta e ao contexto em que esta se deu (e de quem a praticou). Estando em sede de revisão criminal, só se pode alterar aspecto da dosimetria penal se um tal aspecto escapar por completo do campo semântico da norma em que, em tese, se baseou a majoração penal, sob pena de se converter este instrumento processual específico e extraordinário em verdadeira possibilidade de re-julgamento, o que, ao fim e ao cabo, configuraria lesão à coisa julgada e ao manto protetor com que esta acoberta as decisões definitivas do Poder Judiciário. Remeto, quanto ao ponto, às considerações que teci parágrafos acima a respeito do instrumento da revisão criminal e seus limites.
Posto isso, rejeito o pleito de alteração da pena também no que toca a isso, e mantenho integralmente a dosimetria do acórdão transitado em julgado nos autos de origem.
Julgo prejudicado o pleito de antecipação parcial de tutela (pedido de suspensão provisória da execução da pena cominada nos autos de origem, até julgamento definitivo desta revisão criminal).
Posto isso, julgo improcedente a revisão criminal, mantendo integralmente o acórdão exarado nos autos de nº 0001487-23.2007.4.03.6181, nos termos supra.
É como voto.
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