Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 20/09/2016
MANDADO DE SEGURANÇA CRIMINAL Nº 0014168-26.2016.4.03.0000/SP
2016.03.00.014168-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
IMPETRANTE : SWISS INTERNATIONAL AIRLINES AG
ADVOGADO : SP154675 VALÉRIA CURI DE AGUIAR E SILVA STARLING
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 8 VARA CRIMINAL SAO PAULO SP
INTERESSADO(A) : Justica Publica
: FRIDAY ANIAGU PAUL
: OKWUNNA HENRY ANIAWONWA
: BAN NICUSOR IULIAN
No. ORIG. : 00005339320154036181 8P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. CONSTATAÇÃO DE PLANO. NECESSIDADE. PROCESSO PENAL. TERCEIRO. COMPANHIA AÉREA. NÃO CABIMENTO DA ORDEM JUDICIAL DE REEMBOLSO DE PASSAGEM AÉREA NÃO UTILIZADA PELO RÉU DA AÇÃO PENAL. CONCESSÃO DA SEGURANÇA.
1. O mandado de segurança pressupõe que o direito invocado seja líquido e certo. A segurança somente será concedida quando comprovado de plano o direito líquido e certo, não se admitindo dilação probatória. Precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ, EDcl no RMS n. 24137-RS, Rel. Min. Denise Arruda, j. 06.08.09).
2. A Seção entendeu que o terceiro que não é parte do processo penal pode intentar mandado de segurança, pois não há, para ele, recurso admissível contra a decisão proferida por juiz no curso do processo penal, pois o art. 577 do Código de Processo Penal diz que o recurso pelo MP, pelo querelante, ou pelo réu, seu procurador ou seu defensor, o que, segundo a Seção, excluiria o terceiro (empresa aérea que se insurge contra a determinação judicial para o reembolso do bilhete utilizado por traficante) (TRF da 3ª Região, 1ª Seção, MS n. 2002.03.00.018376-9, Rel. Des. Fed. André Nabarrete, unânime, j. 05.05.03).
3. O bilhete aéreo localizado em poder do réu é objeto físico cuja apreensão interessava ao desfecho da ação penal. Não se confunde, todavia, com o valor relativo à sua aquisição, o qual, isoladamente considerado, não é coisa ilícita e diz respeito à relação consumerista estabelecida entre o réu e a impetrante.
4. Segurança concedida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, conceder a segurança para cassar a decisão judicial de reembolso do valor correspondente ao bilhete de passagem aérea não utilizada pelo réu Ban Nicusor Iulian, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 12 de setembro de 2016.
Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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MANDADO DE SEGURANÇA CRIMINAL Nº 0014168-26.2016.4.03.0000/SP
2016.03.00.014168-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
IMPETRANTE : SWISS INTERNATIONAL AIRLINES AG
ADVOGADO : SP154675 VALÉRIA CURI DE AGUIAR E SILVA STARLING
IMPETRADO : JUIZO FEDERAL DA 8 VARA CRIMINAL SAO PAULO SP
INTERESSADO(A) : Justica Publica
: FRIDAY ANIAGU PAUL
: OKWUNNA HENRY ANIAWONWA
: BAN NICUSOR IULIAN
No. ORIG. : 00005339320154036181 8P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de mandado de segurança impetrado pela Swiss International Airlines AG contra ato do Juízo da 8ª Vara Federal de São Paulo (SP), para que seja cassada a decisão judicial que ordena o depósito do "valor referente ao trecho do bilhete de passagem aérea não utilizado pelo Réu da Ação Penal" (cfr. fl. 2).

Alega-se o quanto segue:

a) houve ação penal contra Ban Nicusor Iulian, preso em flagrante ao tentar embarcar em voo da Swiss International Airlines, com destino à Suíça, portando drogas;
b) no momento da detenção, o réu tinha consigo a reserva de bilhete emitido para o voo Swiss LX 0790, sendo essa a única relação da impetrante com o acusado;
c) houve sentença condenatória, sobrevindo pena de perdimento contra a impetrante, a qual não teve oportunidade para se manifestar previamente nos autos;
d) a decisão de perdimento consiste na ordem de reembolso do bilhete de passagem aérea não usada pelo réu da ação penal;
e) a impetrante é estranha à lide, de forma que a decisão não deve ter eficácia contra si;
f) é cabível o mandado de segurança, haja vista a irrecorribilidade da ordem e a tempestividade da ação, pois a impetrante recebeu a ordem de reembolso em março de 2016;
g) a impetrante é terceira de boa-fé e a jurisprudência é favorável a seu pedido;
h) com base na Lei n. 11.343/06 e no art. 91, II, a, do Código Penal, a pena de perdimento só pode ser declarada aos instrumentos do crime, "que consistem em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito" (cfr. fl. 7), que não é o caso de uso, porte ou detenção de bilhete aéreo;
i) a decisão não observou os direitos fundamentais de propriedade, devido processo legal e contraditório;
j) consoante o art. 10 da Portaria n. 676/GC-5 do Comando da Aeronáutica, o bilhete aéreo não foi usado por culpa do réu, de forma que não faria jus ao reembolso e, além disso, tratava-se de bilhete emitido com tarifa promocional não reembolsável;
k) a ordem de reembolso em favor da União não é aceitável do ponto de vista da legalidade, pois foi criado procedimento próprio sem previsão legal;
l) estão demonstrados o fumus boni iuris, pois no caso não há o direito de reembolso do valor do bilhete, e o periculum in mora, haja vista que, se não proceder ao reembolso, poderá a impetrante tornar-se ré em ação de execução fiscal e a autoridade coatora considerá-la praticante do crime de desobediência (fls. 2/18).

Foram juntados documentos (fls. 19/837).

Deferido o pedido liminar para suspender o cumprimento da ordem de reembolso (fls. 839/841).

Requisitadas as informações, as quais foram prestadas (fls. 845/846).

O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. Paulo Taubemblatt, manifestou-se pela concessão da segurança, confirmando-se a liminar deferida, para que seja cassada a decisão de reembolso do valor relativo ao bilhete aéreo apreendido (fls. 869/870).

Dispensada a revisão, nos termos regimentais.

É o relatório.


VOTO

Direito líquido e certo. Constatação de plano. Necessidade. O mandado de segurança pressupõe que o direito invocado seja líquido e certo. A segurança somente será concedida quando comprovado de plano o direito líquido e certo, não se admitindo dilação probatória. Precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ, EDcl no RMS n. 24137-RS, Rel. Min. Denise Arruda, j. 06.08.09).

Processo penal. Terceiro. A Seção entendeu que o terceiro que não é parte do processo penal pode intentar mandado de segurança, pois não há, para ele, recurso admissível contra a decisão proferida por juiz no curso do processo penal, pois o art. 577 do Código de Processo Penal diz que o recurso pelo MP, pelo querelante, ou pelo réu, seu procurador ou seu defensor, o que, segundo a Seção, excluiria o terceiro (empresa aérea que se insurge contra a determinação judicial para o reembolso do bilhete utilizado por traficante) (TRF da 3ª Região, 1ª Seção, MS n. 2002.03.00.018376-9, Rel. Des. Fed. André Nabarrete, unânime, j. 05.05.03).

Do caso dos autos. A impetrante pede a cassação da ordem de reembolso por trecho de passagem aérea não utilizada por Ban Nicusor Iulian, indivíduo romeno acusado de tráfico internacional de drogas após ter sido preso em flagrante no dia 22.11.14, momentos antes de embarcar no voo LX 0780 com destino à Bélgica, passando por Zurique, Suíça, com 511,3g (quinhentos e onze gramas e três decigramas) de cocaína (fls. 190/193).

Ban Nicusor Iulian foi processado e condenado por prática do crime do art. 33, caput, c. c. o art. 40, I, da Lei n. 11.343/06 (fls. 583/622). De sua sentença consta o seguinte comando, direcionado à companhia aérea ora impetrante:


Oficie-se à companhia aérea respectiva a fim de que seja realizado o reembolso do trajeto não utilizado, remetendo-se o bilhete aéreo apreendido para tanto (fls. 36/37), deixando-se memória nos autos. (fl. 621)

A impetrante requer a cassação da decisão.

Assiste-lhe razão.

Os seguintes precedentes deste Tribunal já trataram da questão, admitindo a impetração em casos análogos para conceder a segurança em favor das companhias aéreas:


MANDADO DE SEGURANÇA - PROCESSO PENAL - PENAL - CABIMENTO DO MANDAMUS - TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES - PRAVA NECESSÁRIA AO DESLINDE DO PROCESSO - RESTITUIÇÃO DE VALORES REFERENTES À PASSAGEM AÉREA UTILIZADA EM PRÁTICA DELITUOSA - TERCEIRO DE BOA-FÉ - IMPOSSIBILIDADE - ORDEM CONCEDIDA.
1 - A questão relativa à admissibilidade do mandado de segurança impetrado por terceiros contra ato judicial sujeito a recurso próprio encontra amparo no texto da Súmula nº 202, do E. Superior Tribunal de Justiça.
2 - A admissibilidade do presente mandamus exsurge do fato de que a decisão impugnada vai de encontro a entendimento dessa Corte Regional, que reconhece a ilegalidade do ato que exige da empresa aérea o reembolso do valor correspondente a bilhete aéreo apreendido com acusado de tráfico de entorpecentes.
3 - Nenhuma razão assiste à União Federal no que tange às alegações de que o valor pecuniário da passagem aérea interessaria ao deslinde processo, restando óbvio que a simples juntada do bilhete físico já se mostra suficiente como elemento de prova nas questões relativas à internacionalidade do delito, ao meio de transporte utilizado e outras relacionadas à viagem que seria realizada pelo réu.
4 - No mérito, verifica-se que a impetrante não é parte na ação penal, sendo certo que, para isso, não foi convocada pelo magistrado. Seu envolvimento no delito, por assim dizer, decorre do só fato de ter sido a transportadora aérea eleita pelo acusado para fazer sua viagem com destino a Zurique.
5 - No caso dos autos, a boa-fé da impetrante é inegável, o que ressalva a expropriação dos instrumentos do crime, como previsto na legislação criminal, e eventuais discussões acerca da propriedade, da utilidade concernente ao valor do bilhete, deverão ser formuladas e respondidas no campo da jurisdição cível, perante a autoridade competente, onde as partes deverão debater a validade do negócio jurídico e a extensão do eventual direito de sub-rogação da União.
6 - Segurança concedida.
(TRF 3ª Região, MS n. 0037085-49.2010.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal Paulo Fontes, j. 06.06.2013)
PENAL. PROCESSO PENAL. MANDADO DE SEGURANÇA. DIREITO DE TERCEIRO INTERESSADO QUE NÃO FIGUROU NA AÇÃO PENAL. DECISÃO JUDICIAL QUE DETERMINOU O REEMBOLSO DE VALOR CORRESPONDENTE A BILHETE AÉREO APREENDIDO COM ACUSADO DE TRÁFICO DE ENTORPECENTE. CABIMENTO DO WRIT. DECISUM QUE AFRONTA O DEVIDO PROCESSO LEGAL, A AMPLA DEFESA E O CONTRADITÓRIO. BEM OBJETO DE PERDIMENTO QUE NÃO MAIS PERTENCE À IMPETRANTE. LIMINAR DEFERIDA. ORDEM CONCEDIDA. I - Mandado de segurança é medida cabível para a defesa de interesse de terceiro que não figurou na ação penal e que, portanto, não possui legitimidade recursal. II - A impetrante não teve assegurado, diante do decisum, os princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. III - A passagem aérea, bem objeto de perdimento, não mais pertence à empresa aérea, que não pode ser compelida a restituir o valor do bilhete. IV - A Constituição Federal não exige que o bem seja ilícito para a apreensão (art. 243, parágrafo único). V - A impetrante não é apenas terceira de boa-fé, mas também interessada na relação processual. VI - Liminar deferida. Ordem concedida.
(TRF da 3ª Região, MS n. 00274241220114030000, Rel. Desembargadora Federal Cecilia Mello, DJe. 29.10.2012)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO CONTRA ATO JUDICIAL QUE DETERMINOU O REEMBOLSO DE VALOR CORRESPONDENTE A BILHETE DE PASSAGEM AÉREA APREENDIDO EM PODER DE RÉU DENUNCIADO PELA PRÁTICA DE TRÁFICO DE DROGAS. CABIMENTO. DECISÃO QUE VIOLA OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. TERCEIRA INTERESSADA NA RELAÇÃO PROCESSUAL. SEGURANÇA CONCEDIDA. I - O mandado de segurança é a via judicial adequada para que terceiro interessado questione a validade de ato praticado nos autos de ação penal, pois o artigo 577 do Código de Processo Penal não prevê a sua legitimidade recursal e por se tratar, no presente caso, de matéria exclusivamente de direito. II - Ato judicial que viola os princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, uma vez que inova ao estabelecer um procedimento de "alienação por reembolso" e atinge pessoa jurídica que não foi parte na ação penal. III - Mandado de segurança conhecido. Segurança concedida.
(TRF da 3ª Região, MS n. 00258907220074030000, Rel. Des. Cotrim Guimarães, DJe 28.05.2012)

Analisados os autos, está demonstrado que a decisão judicial afeta a pessoa jurídica estranha à relação processual penal, sem que lhe tenha sido garantido o exercício dos direitos inerentes à defesa de seu interesse em manter o valor pago pelo acusado em contraprestação ao serviço aéreo contratado.

O bilhete localizado em poder do réu é objeto físico cuja apreensão interessava ao desfecho da ação penal, pois demonstrava a internacionalidade do delito imputado ao acusado. Esse objeto não se confunde, todavia, com o valor relativo à sua aquisição, o qual, isoladamente considerado, não é coisa ilícita e diz respeito à relação consumerista estabelecida entre o réu e a impetrante. Nessa ordem de ideias, não cabe ao Juízo criminal requisitar o depósito por reembolso de valor ao qual o réu talvez não faça jus, e discutir essa questão, na demanda penal, é extrapolar os limites de sua competência.

Convém transcrever o seguinte trecho da manifestação da Ilustre Procuradoria Regional, favorável à concessão da segurança:


Nesses termos, percebe-se que a impetrante, pessoa jurídica de direito privado, não figurou em nenhum momento como parte na ação penal principal e não tem qualquer relação com o réu além da de consumo.
Sendo assim, efetivamente a ordem de reembolso do valor dos bilhetes à União acaba por ultrapassar a pessoa do condenado e atingir quem sequer tinha ciência do tramitar da ação penal.
Ainda que a ordem de reembolso fosse direcionada ao próprio réu, a decisão tomada pelo Juízo seria nula por incompetência absoluta para decidi-la em razão da matéria, que evidentemente se trata de Direito Civil. (fl. 870)

Ante o exposto, CONCEDO a segurança, confirmando a liminar, para cassar a ordem judicial de reembolso do valor correspondente ao bilhete de passagem aérea não utilizada pelo réu Ban Nicusor Iulian, contida no Ofício n. 247/16 da 8ª Vara Criminal Federal de São Paulo (SP).

É o voto.



Andre Nekatschalow
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): Andre Custodio Nekatschalow:10050
Nº de Série do Certificado: 6FF489872CB26B896143FFEC7333ABCE
Data e Hora: 14/09/2016 13:58:05