Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 04/11/2016
EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0001173-21.2010.4.03.6004/MS
2010.60.04.001173-6/MS
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
EMBARGANTE : ROSA LUZ JIMENEZ DOMINGUEZ reu/ré preso(a)
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
: DPU
EMBARGADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00011732120104036004 1 Vr CORUMBA/MS

EMENTA

PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA DA PENA. PERCENTUAL DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ARTIGO 33, § 4º, DA LEI 11.343/06. REFORMATIO IN PEJUS.
1. O artigo 33 § 4º da Lei 11.343/06 prevê a redução de 1/6 a 2/3 para o agente que seja primário, possua bons antecedentes e não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa.
2. O dispositivo foi criado a fim de facultar ao julgador ajustar a aplicação e a individualização da pena às múltiplas condutas envolvidas no tráfico de drogas, notadamente o internacional, porquanto não seria razoável tratar o traficante primário, ou mesmo as "mulas", com a mesma carga punitiva a ser aplicada aos principais responsáveis pela organização criminosa que atuam na prática deste ilícito penal.
3. Do fato puro e simples de determinada pessoa servir como "mula" para o transporte de droga não é possível, por si só, inferir a inaplicabilidade da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do artigo 33 da Lei 11.342/2006, por supostamente integrar organização criminosa.
4. No caso em análise, a ré é primária e não ostenta maus antecedentes. Não há prova nos autos de que a embargante se dedica a atividades criminosas, nem elementos para concluir que integra organização criminosa, apesar de encarregado do transporte da droga. Por outro lado, caberia à acusação fazer tal prova, ônus do qual não se desincumbiu. Certamente, estava transportando a droga para bando criminoso internacional, o que não significa, porém, que fosse integrante dele.
5. No que toca ao percentual de redução a ser aplicado em decorrência da aplicação da referida causa de diminuição, não é possível utilizar a natureza e a quantidade da droga apreendida, para fazer incidir o mínimo legal, previsto no referido § 4º, do art. 33, da lei de drogas, haja vista tais circunstâncias já terem sido consideradas na primeira fase da dosimetria.
6. Para o afastamento do benefício em seu percentual máximo, é necessária a existência de outras circunstâncias já referidas na sentença ou trazidas para discussão em sede recursal pela acusação, o que não ocorreu, pois apenas a defesa apelou.
7. A sentença reconheceu a causa de diminuição em tela, mas aplicou o percentual mínimo de 1/6 sem qualquer fundamentação.
8. Não houve recurso da acusação e ausente qualquer fundamentação na sentença apelada, este Tribunal não pode deixar de aplicar a causa de diminuição em seu percentual máximo, pois, do contrário, incorrer-se-ia em reformatio in pejus, ao agregar, de ofício, novos fundamentos à sentença condenatória, com efetivo prejuízo ao réu.
9. Embargos infringentes a que se dá provimento.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, tendo em vista o empate na votação, por unanimidade, aplicar o §1º, do art. 615 do CPP c/c o §1º, do art. 158 do RITRF3R, para dar provimento aos embargos infringentes e de nulidade, nos termos do voto do Desembargador Federal José Lunardelli (Relator). Acompanharam o Relator os Desembargadores Federais Mauricio Kato e Cecilia Mello (pela conclusão). Os Desembargadores Federais Paulo Fontes, Nino Toldo e André Nekatschalow proferiram voto no sentido de negar provimento ao recurso.


São Paulo, 20 de outubro de 2016.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0001173-21.2010.4.03.6004/MS
2010.60.04.001173-6/MS
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
EMBARGANTE : ROSA LUZ JIMENEZ DOMINGUEZ reu/ré preso(a)
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
: DPU
EMBARGADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00011732120104036004 1 Vr CORUMBA/MS

RELATÓRIO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Trata-se de embargos infringentes opostos pela Defensoria Pública da União em favor de Rosa Luz Jimenez Dominguez (fls. 458/461v), contra decisão proferida pela 5ª Turma desta Corte em Questão de Ordem suscitada em apelação criminal interposta por Rosa Luz Gimenez Rodriguez contra a sentença que julgou procedente o pedido e a condenou às penas de 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 486 (quatrocentos e oitenta e seis) dias-multa, pela prática do crime do art. 33, caput, c. c. o art. 40, I, ambos da Lei n. 11.343/06, na forma do art. (fls. 182/187v.).

BREVE HISTÓRICO:

Em sessão de julgamento realizada em 27/01/14, por maioria, a 5ª Turma desta Corte, negou provimento à apelação da defesa, nos termos do relatório e voto do Des. Fed. Luiz Stefanini (fl. 319/319v.):

PENAL. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE DROGA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOSIMETRIA. FIXAÇÃO A PENA-BASE. APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/06 NO MÁXIMO LEGAL. AFASTAMENTO. REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA. CÓDIGO PENAL. APLICABILIDADE. DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE. PENA PECUNIÁRIA.
1. A materialidade foi comprovada pelo laudo de constatação, pelo auto de apreensão e pelo laudo de exame de substância, conclusivos de que se trata de cocaína a substância apreendida.
2. A autoria foi provada pela prisão em flagrante da ré, pelas declarações da acusada e pela prova testemunhal.
3. Nos termos do art. 42 da Lei n. 11.343/06, a natureza (cocaína) e a quantidade da droga apreendida na posse da acusada (4.330 g), são circunstâncias preponderantes na graduação da pena-base, sendo preciso aquilatar o maior desvalor da conduta em função da quantidade e qualidade do entorpecente, nesta fase, pois diz com as consequências potenciais do crime, com os motivos, pois demonstra maior ganância do agente que visa ao lucro com sua conduta, circunstâncias essas próprias da graduação da pena-base, nos termos do art. 59 do Código Penal e do citado art. 42 da Lei n. 11.343/06.
4. A determinação do regime inicial nos delitos de tráfico de entorpecentes deve ser feita com base no art. 33, § 3º, c. c. o art. 59, caput, do Código Penal, pois o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90, com a redação dada pela Lei n. 11.464/07, segundo a qual seria obrigatório o regime inicial fechado (STF, HC n. 113.988, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 04.12.12; EmbDeclAgRgAI n. 779.444, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 30.10.12; HC n. 107.407, Rel. Min. Rosa Weber, j. 25.09.12).
5. A fixação do regime de cumprimento de pena decorre logicamente da pena aplicada e das circunstâncias do art. 59 do Código Penal, de modo que, no caso, entendo deva ser mantido o regime inicial fechado fixado em primeiro grau, tendo em vista as graves consequências que seriam causadas a relevante número de pessoas, em razão da grande quantidade de cocaína apreendida - mais de quatro quilos da droga.
6. O direito de apelar em liberdade para os delitos da Lei n. 11.343/06 é excepcional, desafiando fundamentação própria, não havendo ilegalidade em manter a prisão do réu que nessa condição respondeu a ação penal (STF, HC n. 92612, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 11.03.08; HC n. 101817, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 24.08.10; HC n. 98428, Rel. Min. Eros Grau, j. 18.08.09).
7. A aplicação da pena de multa decorre do preceito secundário expresso no art. 33 da Lei n. 11.343/06 e incide obrigatoriamente em cumulação com a pena privativa de liberdade, independentemente da situação econômica do agente. Destarte, a pena pecuniária deve seguir o critério do art. 43 da Lei n. 11.343/06, levando-se em conta, na primeira fase, as circunstâncias do art. 42 da mesma Lei, conforme apreciado na determinação da pena privativa de liberdade e, na segunda etapa, o critério econômico. Descabe afastar a pena de multa, ressalvada a competência do Juízo das Execuções Penais para analisar a condição econômica do acusado por ocasião da execução da sentença penal condenatória (TRF da 3ª Região, ACr n. 2008.61.19.000026-0, Rel. Des. Federal Henrique Herkenhoff, j. 13.10.09).
8. Apelação desprovida.

Vencida a Juíza Federal Convocada Louise Filgueiras, em substituição ao Des. Fed. André Nekatschalow, que dava parcial provimento à apelação da defesa para aplicar a causa de diminuição do artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, na fração de 5/12 (cinco doze avos) e para estabelecer regime semiaberto de cumprimento de pena.

A defesa interpôs embargos infringentes (fls. 325/332), aos quais, em 16/04/15, por maioria, a 4ª Seção deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região, negou provimento, nos termos do voto do Des. Fed. Relator Maurício Kato. A ementa foi lavrada nos seguintes termos:

PROCESSUAL PENAL. PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. TRÁFICO INTERNACIOAL DE DROGAS. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA. LEI N. 11.343/06, ART. 33, § 4º. REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA. RECURSO DESPROVIDO.
1. Nos termos do artigo 609, parágrafo único, do Código de Processo Penal, os embargos infringentes e de nulidade são restritos à matéria objeto de divergência.
2. Presentes os pressupostos para a incidência da causa de diminuição prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06. Redução da pena no mínimo legal de 1/6 (um sexto)
3. Mantido o regime inicialmente fechado para cumprimento de pena, nos termos do artigo 33, § 3º, c. c. o artigo 59, caput, e inciso III, ambos do Código Penal.
4. Embargos infringentes parcialmente providos. (fl. 365/365v.)

A defesa interpôs recurso especial (fls. 369/375-verso), inadmitido pela Vice-Presidência desta Corte Regional (fls. 384/389-verso).

Em seguida, o Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao agravo interposto pela defesa em face da decisão que não admitiu recurso especial e, de ofício, concedeu habeas corpus para que o "Tribunal de origem proceda à nova análise da dosimetria da pena, utilizando a quantidade de droga apreendida em somente uma das etapas do cálculo da reprimenda" (fls. 424-verso/427-verso).

Redistribuídos os autos ao gabinete do Desembargador Federal André Nekatschalow, este suscitou a Questão de Ordem, na sessão de julgamento ocorrida em 14/03/2016, para a qual foi dispensada a lavratura de Acórdão, nos termos do artigo 84, IV, do Regimento Interno desta Corte e teve o seguinte resultado por maioria (fl. 447):

A QUINTA TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU ACOLHER A QUESTÃO DE ORDEM PARA QUE SE CUMPRA A DETERMINAÇÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA REAPRECIAR A DOSIMETRIA DA PENA. E, POR MAIORIA, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA DEFESA PARA FIXAR A PENA DE 4 (QUATRO) ANOS E 8 (OITO) MESES DE RECLUSÃO E 466 (QUATROCENTOS E SESSENTA E SEIS) DIAS-MULTA, BEM COMO ESTABELECER O REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA SEMIABERTO. DISPENSADA A LAVRATURA DE ACÓRDÃO, NOS TERMOS DO INCISO IV DO ART. 84 DO REGIMENTO INTERNO DO TRIBUNAL, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR DES. FED. ANDRÉ NEKATSCHALOW, ACOMPANHADO PELO DES. FED. PAULO FONTES. VENCIDO O DES. FED. MAURICIO KATO QUE DAVA PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DEFENSIVO, EM MAIOR EXTENSÃO, PARA APLICAR A CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO §4º DO ARTIGO 33 DA LEI Nº 11.343/06 NO MÁXIMO LEGAL (2/3), DO QUE RESULTARIA A PENA DEFINITIVA DE 1 (UM) ANO, 11 (ONZE) MESES, 10 (DEZ) DIAS DE RECLUSÃO E 194 (CENTO E NOVENTA E QUATRO) DIAS-MULTA, EM REGIME INICIAL ABERTO, A QUAL SUBSTITUÍA POR DUAS RESTRITIVAS DE DIREITOS, A SER FIXADAS PELO JUÍZO DA EXECUÇÃO CRIMINAL."

A defesa da embargante opôs os presentes embargos infringentes (fls. 458/461), requerendo, em síntese, que prevaleça o voto vencido proferido pelo Desembargador Federal Maurício Kato (fls. 450/454), que aplicou em seu patamar máximo a causa de diminuição prevista no artigo 33, §4°, da Lei n° 11.323/2006, fixando a pena definitiva em 01 (um) ano, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial aberto, substituindo-a por duas penas restritivas de direitos a serem fixadas pelo Juízo da Execução Penal.

Em contrarrazões, o Ministério Público Federal manifestou-se pela manutenção do quantum de 1/6 (um sexto) de diminuição de pena decorrente da incidência do disposto no artigo 33, § 4º, da Lei 11.323/2006 e pelo não provimento dos embargos infringentes (fls. 553).

É o relatório.

À revisão.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0001173-21.2010.4.03.6004/MS
2010.60.04.001173-6/MS
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
EMBARGANTE : ROSA LUZ JIMENEZ DOMINGUEZ reu/ré preso(a)
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
: DPU
EMBARGADO(A) : Justica Publica
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VOTO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

De início, cumpre ressaltar que, em sede de embargos infringentes, o reexame do Acórdão proferido em apelação está restrito à parte em que houver divergência entre os julgadores.

No caso, verifico que o dissenso é parcial, devolvendo, assim, a este órgão jurisdicional, a reapreciação da questão examinada pela Colenda Quinta Turma desta Corte, apenas no que diz respeito ao percentual a ser aplicado na causa de diminuição, prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06.

Portanto, a nova dosimetria da pena restringe-se à sua terceira fase, mais especificamente em relação a essa específica causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06.

O voto vencedor, lavrado pelo Desembargador André Nekatschalow, restou assim lavrado:

"(...) Tendo em vista a decisão do Superior Tribunal de Justiça, passo a rever a dosimetria da pena.
A sentença fixou a pena-base fixou a pena-base em um 1/5 (um quinto) acima do mínimo legal, resultando em 6 (seis) anos de reclusão e 600 (seiscentos) dias-multa.
Reconheceu a incidência da atenuante da confissão espontânea, reduzindo a pena em 1/6 (um sexto), perfazendo 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa.
Majorou a pena em 1/6 (um sexto) pela transnacionalidade do crime, resultando a pena de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa.
Aplicou a causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06, reduzindo a pena na fração de 1/6 (um sexto), perfazendo a pena definitiva de 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 486 (quatrocentos e oitenta e seis) dias-multa.
Arbitrou o valor de cada dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.
Fixou o regime de cumprimento da pena em inicialmente fechado, citando precedente do Supremo Tribunal Federal (HC n. 86.194, Rel. Min. Eros Grau, j. 07.03.06) que deferiu a ordem para reconhecer a possibilidade de progressão de regime de cumprimento de pena pelo crime de tráfico.
A defesa recorre pugnando pela fixação da pena-base no mínimo legal, aplicação da causa de diminuição do art. 33, § 4º da Lei n. 11.343/06 no máximo legal, imposição de regime de cumprimento da pena menos gravoso, substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, concessão do direito de apelar em liberdade, redução da pena de multa proporcionalmente à pena privativa de liberdade.
O recurso merece parcial acolhida.
Nos termos do art. 42 da Lei n. 11.343/06, a natureza (cocaína) e a quantidade da droga apreendida na posse da acusada (4.330 g), são circunstâncias preponderantes na graduação da pena-base, de maneira que é justificável a fixação acima do mínimo legal, mantida nos moldes da sentença, à míngua de recurso da acusação, 1/5 (um quinto) acima do mínimo legal, perfazendo 6 (seis) anos de reclusão e 600 (seiscentos) dias-multa.
Mantida a incidência da atenuante da confissão espontânea, que reduziu a pena em 1/6 (um sexto), resultando a pena de 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa.
Incide a causa de aumento do art. 40, I, da Lei n. 11.343/06, na fração de 1/6 (um sexto), perfazendo 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, e o pagamento de 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa.
O art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 dispõe que no delito de tráfico e nas formas equiparadas, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes e não se dedique às atividades criminosas, nem integre organização criminosa.
Em julgamento de Recurso Extraordinário submetido à Repercussão Geral, o Supremo Tribunal Federal fixou o entendimento de que a natureza e a quantidade da droga apreendida devem ser levadas em consideração apenas em uma das fases do cálculo da pena, vedado o bis in idem (STF, Repercussão Geral no RE com Agravo n. 666.334, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 03.04.14). Assim, devem ser consideradas outras peculiaridades do caso concreto, à vista das provas dos autos, para resolver sobre a aplicabilidade e a gradação da causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/06.
A ré é primária e não tem maus antecedentes (fls. 56, 63/64 e 73).
Desse modo, os elementos fáticos da prática delitiva, em que o agente assume eventualmente a responsabilidade pelo transporte de substância entorpecente em viagens internacionais, com as despesas custeadas por terceiros, não evidenciam que a ré integra organização criminosa voltada à prática de tráfico internacional de drogas ou que se dedica a atividades criminosas.
De fato, as circunstâncias do delito recomendam a incidência da causa de diminuição de pena estabelecida no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06.
A fração a ser aplicada deve considerar as circunstâncias subjacentes à prática delitiva, consistentes no fato de que a ré foi presa em flagrante, no Município de Corumbá (MS), transportando a droga, oculta sob as suas vestes, presa com fitas adesivas.
Há que se ponderar, ainda, a determinação do Superior Tribunal de Justiça e aplicar a causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, na fração de 1/5 (um quinto), perfazendo a pena de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 466 (quatrocentos e sessenta e seis) dias-multa.
Foi fixado o regime inicial de cumprimento de pena fechado.
A defesa apela quanto ao regime inicial de cumprimento de pena, pleiteando que seja fixado regime menos gravoso.
A determinação do regime inicial nos delitos de tráfico de entorpecentes deve ser feita com base no art. 33, § 3º, c. c. o art. 59, caput, do Código Penal, pois o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º, da lei n. 8.072/90, com a redação dada pela lei n. 11.464/07, segundo a qual seria obrigatório o regime inicial fechado.
Assim, o regime inicial de cumprimento de pena é o semiaberto, nos termos do art. 33, § 2º, b, do Código Penal.
Ante o exposto, SUSCITO a presente QUESTÃO DE ORDEM para que se cumpra a determinação do Superior Tribunal de Justiça para reapreciar a dosimetria da pena e DAR PARCIAL PROVIMENTO à apelação da defesa para fixar a pena de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 466 (quatrocentos e sessenta e seis) dias-multa, bem como estabelecer o regime inicial de cumprimento de pena semiaberto. Dispensada a lavratura de acórdão, nos termos do inciso IV do art. 84 do Regimento Interno do Tribunal."

Já o voto vencido, proferido pelo Desembargador Federal Maurício Kato, foi assim tirado:

"(...) Na espécie, divirjo do relator, pois entendo ser o caso de dar parcial provimento ao apelo da defesa em maior extensão que o e. Des. Fed. André Nekatschalow, especificamente quanto à causa de diminuição prevista no §4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/06.
No tocante à revisão da pena determinada pelo Superior Tribunal de Justiça, observo que o r. juízo de 1º grau dosou as penas nos seguintes moldes:

"(...)

Assim sendo, passo a individualizar a pena:

a) Circunstâncias judiciais - art. 59 do Código Penal - na primeira fase de fixação da pena serão analisadas as circunstâncias judiciais aplicáveis ao caso, as quais nortearão a individualização da pena e a fixação da pena-base, quais sejam: culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e conseqüências do crime. Pela análise das certidões de antecedentes criminais e de distribuição de ações acostadas aos autos (fls. 56, 64 e 73), verifico inexistirem registros de condenações em desfavor da ré, a evidenciar tratar-se de pessoa sem antecedentes. No que tange à culpabilidade, conduta social, personalidade do agente, motivos e consequências do crime, não entrevejo a existência de elementos nos autos que desabonem a conduta da ré a ponto de justificar a exasperação da pena-base com relação a essas circunstâncias. Entretanto, verifico que as circunstâncias do crime são desfavoráveis à acusada, com fundamento no artigo 42 da Lei n. 11.343/06. Inicialmente, em razão da quantidade de droga transportada por ROSA (4.330 kg - quatro quilos trezentos e trinta gramas), vislumbro tratar-se de quantia bastante a justificar o aumento de sua pena. Quanto à natureza da droga, é de rigor o aumento de sua pena-base, especialmente pelo fato de o tráfico ter sido de substância cocaína. (...)

Dessa forma, considerando a quantidade e natureza do entorpecente (artigo 42 da Lei nº 11.343/06), fixo a pena-base em 1/5 (um quinto) acima do mínimo legal. Pena-base: 6 (seis) anos de reclusão e 600 (seiscentos) dias-multa, pelo crime descrito no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06.

b) Circunstâncias agravantes - não há;

c) Circunstâncias atenuantes - art. 65, III, "d", do CP - reconheço a ocorrência da confissão espontânea, alegada pela defesa, haja vista que a ré confessou, em Juízo, a prática do delito em comento. A ré optou pela confissão, viabilizando a colheita de maior suporte probatório para a investigação inquisitorial e para a condenação. Dessa forma, por razões de política criminal, tendo em vista que a Administração da Justiça foi favorecida, moralmente é justo que sofra a condenada uma pena menos gravosa, configurando motivo bastante que a confissão seja tão somente voluntária.

(...)Dessa forma, reduzo a pena anteriormente fixada em 1/6 (um sexto), o que totaliza: 5 (cinco) anos, de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa, pelo crime descrito no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06.

d) Causas de aumento - art. 40, I, da Lei 11.343/06 - elevação da pena em 1/6 (um sexto). A internacionalidade do tráfico restou demonstrada. A acusada declara que recebeu a droga de pessoas desconhecidas na cidade de Santa Cruz-BO, cujo destino final seria a cidade de São Paulo-SP, restando comprovado que a droga apreendida com ROSA seria de origem boliviana. Pelas razões acima expostas, exsurge cristalina a transnacionalidade do delito. Ademais, cumpre ressaltar que neste Município não se produz cocaína, sendo esta cultivada e extraída livremente no Peru, na Colômbia e na Bolívia, e, especialmente deste último país, trazida na forma de pasta base, tal como estava o entorpecente apreendido.

(...)Por derradeiro, afasto a causa de aumento de pena prevista no inciso III do artigo 40, da Lei n. 11.343/06, considerando que o transporte público serviu apenas como meio de locomoção da ré ao seu destino, não tendo restado comprovado que utilizaria o coletivo para a traficância em seu interior.

(...)Portanto, elevo a pena provisória da ré em 1/6 (um sexto), perfazendo um total de 5(cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa.

e) Causas de diminuição - Art. 33, 4º, lei n. 11.343/06 - redução de 1/6 a 2/3. Por fim, entendo presente a causa variável de diminuição de pena prescrita pelo artigo 33, 4º, da Lei nº 11.343/06, que exige para sua incidência "que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa". Como a ré, in casu, preenche todos os requisitos relacionados no aludido dispositivo legal aplico em seu favor a causa de redução na fração de 1/6 (um sexto).Pena definitiva: 4(quato) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 486 (quatrocentos e oitenta e seis ) dias-multa.

Fixo o valor do dia-multa, tendo em vista a situação econômica aparente do réu, em 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo à época dos fatos, nos termos do art. 49, 1º, do Código Penal.

O regime de cumprimento da pena será inicialmente o fechado, de acordo com os precedentes do Supremo Tribunal Federal (...)" (sublinhei)

Por sua vez, no julgamento subjacente a esta questão de ordem, a dosimetria da pena foi assim fixada pela Turma Julgadora:

"Divirjo da eminente Relatora apenas quanto ao patamar de aplicação do § 4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/2006 e ao regime inicial de cumprimento da pena. Senão vejamos.

Consta das provas constantes dos autos que a apelante Rosa Luiz Jimenez Dominguez foi denunciada e condenada pela prática do delito previsto no art. 33, caput, c. c. o art. 40, I e III, ambos da Lei n. 11.343/06, por ter sido flagrada no dia 1º de novembro de 2010, por volta das 16h, na altura do pedágio da ponte sobre o Rio Paraguai, em um ônibus que saíra de Puerto Suarez/BO com destino ao Rio de Janeiro, com passagem por São Paulo, na posse de vários invólucros contendo 4.330g (quatro mil, trezentos e trinta gramas) de substância identificada posteriormente como cocaína, conforme auto de exibição e apreensão de fl. 13.

Sendo incontroversa a manutenção da condenação da ré, conforme bem fundamentado pela eminente Relatora, tem-se que na dosimetria da pena, atento ao disposto no art. 42 da Lei n. 11.343/06 e no art. 59 do Código Penal, tendo em vista a natureza (cocaína) e a grande quantidade da droga (4.330 g), o MM. Juízo a quo fixou a pena-base um 1/5 (um quinto) acima do mínimo legal, resultando em 6 (seis) anos de reclusão e 600 (seiscentos) dias-multa.

Reconheceu a incidência da atenuante da confissão espontânea, reduzindo a pena em 1/6 (um sexto), perfazendo 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa.

Majorou a pena em 1/6 (um sexto) pela transnacionalidade do crime, resultando a pena de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa.

Aplicou a causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06, reduzindo a pena na fração de 1/6 (um sexto), perfazendo a pena definitiva de 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 486 (quatrocentos e oitenta e seis) dias-multa.

Arbitrou o valor de cada dia-multa em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.

Fixou o regime de cumprimento da pena em inicialmente fechado, citando precedente do Supremo Tribunal Federal (HC n. 86.194, Rel. Min. Eros Grau, j. 07.03.06) que deferiu a ordem para reconhecer a possibilidade de progressão de regime de cumprimento de pena pelo crime de tráfico.

Resumidos os fatos, tenho que a r. sentença deve ser mantida na íntegra.

Com efeito, no tocante exclusivamente à matéria objeto da divergência, entendo justificada a redução da pena imposta no patamar mínimo legal de 1/6 (um sexto), com fundamento no § 4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/2006, tendo em vista a grande quantidade e a natureza da substância entorpecente apreendida com a ré, com potencial de causar danos à saúde e à vida de relevante número de pessoas e famílias.

Esclareço não haver falar-se em bis in idem com a redução das penas no patamar mínimo do art. 33, § 4º, com fundamento na natureza e na quantidade da droga, também utilizados na fixação da pena-base, porquanto tais circunstâncias foram sopesadas na última fase com a finalidade de redução da pena e não de aumento, bem como para adequar a reprimenda final proporcionalmente à conduta praticada pelos réus.

(...)

Com relação ao regime inicial, pelas mesmas razões supra destacadas, deve ser mantido o inicial fechado, único compatível com a prática de crimes extremamente gravosos à sociedade, tal como o verificado no caso presente, tratando-se de apreensão de grande quantidade de cocaína com potencial de causar consequências gravíssimas à saúde e à vida de número indeterminado de pessoas, sendo, pois, desfavoráveis à apelante as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, c.c o art. 33, § 3º, ambos do Código Penal.

Ante o exposto, nego provimento à apelação defensiva."

A defesa recorre para fixar a pena-base no mínimo legal, aplicar da causa de diminuição do artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 no máximo legal, impor regime de cumprimento da pena menos gravoso, substituir a pena privativa de liberdade por restritivas de direito, conceder direito de apelar em liberdade e reduzir a pena de multa proporcionalmente à pena privativa de liberdade.
O recurso defensivo merece parcial acolhida.
Acompanho o e. relator quanto à fixação da pena-base em 1/5 acima do mínimo legal, em função da natureza e quantidade de droga apreendida (4.330 g de cocaína), o que perfaz a pena de 6 (seis) anos de reclusão e 600 (seiscentos) dias-multa.
Igualmente, mantenho e acompanho a incidência da atenuante da confissão espontânea que reduziu a pena em 1/6 (um sexto), de modo a resultar 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa.
Ainda, incide a causa de aumento do artigo 40, I, da Lei nº 11.343/06, na fração de 1/6 (um sexto), do que soma 5 (cinco) anos, 10 (dez) meses de reclusão e pagamento de 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa.
No que diz respeito ao artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, o e. relator, embora tenha afirmado a primariedade e ausência de maus antecedentes da ré, bem como ponderado que a assunção de responsabilidade pelo transporte de substância entorpecente em viagens internacionais, com as despesas custeadas por terceiros, "não evidencia que a ré integra organização criminosa voltada à prática de tráfico internacional de drogas ou que se dedica a atividades criminosas", entendeu que as circunstâncias subjacentes à prática delitiva autorizam a fixação da fração de diminuição em 1/5 (um quinto), no caso o transporte de drogas oculta em suas roupas, presas com fitas adesivas.
A despeito do voto por mim proferido em sede de embargos infringentes, revejo meu posicionamento no tocante à aplicabilidade do §4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/06.
A natureza e a quantidade da droga apreendida, consideradas na primeira fase da dosimetria, não poderiam ter sido valoradas novamente na terceira etapa, tal como determinado pelo Superior Tribunal de Justiça (fls. 424-verso/427-verso).
O §4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/06 prevê a redução da pena de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços) desde que o agente seja primário, possua bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa.
No julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo nº 666.334/AM, com repercussão geral reconhecida, o Supremo Tribunal Federal decidiu que, em caso de condenação por tráfico ilícito de entorpecentes, a natureza e a quantidade da droga apreendida devem ser levadas em consideração tão somente em uma das fases da dosimetria da pena, vedada a sua aplicação cumulativa, que acarretaria bis in idem (STF, Plenário, Rel. Min. Gilmar Mendes, RE com Agravo nº 666.334/AM, j. 03/04/2014).
Com efeito, não é possível que a natureza e a quantidade de droga sejam duplamente valoradas na primeira e na terceira fases da dosimetria. Tais elementos não podem, ao mesmo tempo, ensejar a exasperação da pena-base (como circunstância judicial desfavorável) e justificar a incidência da causa de diminuição em patamar diferente do máximo previsto se preenchidos os requisitos legais.
No particular, se as circunstâncias relativas à natureza e à quantidade de droga motivaram o aumento da pena-base, se a acusada é primária, tem bons antecedentes e se, da prova dos autos, concluir-se que ela não se dedica a atividades criminosas nem integra organização criminosa, aplica-se a causa de diminuição em seu grau máximo (2/3).
Ademais e aqui reside minha divergência, afastada a valoração das circunstâncias relativas à natureza e à quantidade da droga da terceira fase (uma vez que foram consideradas na aplicação da pena-base), o acréscimo de outros fundamentos para justificar a redução da pena em menor grau implica reformatio in pejus, vedada pelo ordenamento jurídico, por se tratar de recurso exclusivo da defesa.
Assim, reduzo a pena em 2/3 (dois terços) em razão da incidência da causa de diminuição prevista no §4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/06, do que resulta a pena definitiva de 1 (um) ano, 11 (onze) meses, 10 (dez) dias de reclusão e 194 (cento e noventa e quatro) dias-multa.
A defesa pretende a fixação de regime inicial de cumprimento menos gravoso, no que lhe assiste razão, pois o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/07, segundo a qual seria obrigatório o regime inicial fechado (STF, HC n. 113.988, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 04.12.12; EmbDeclAgRgAI n. 779.444, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 30.10.12; HC n. 107.407, Rel. Min. Rosa Weber, j. 25.09.12), razão pela qual, remanesceram os critérios previstos pelo artigo 33, § 3º c. c. o artigo 59, caput, do Código Penal, para a fixação do regime inicial para o cumprimento de pena decorrente do tráfico de entorpecentes.
No particular, atento ao fato de ser a ré primária, com bons antecedentes e com pena fixada em 1 (um) ano, 11 (onze) meses, 10 (dez) dias de reclusão e 194 (cento e noventa e quatro) dias-multa, tenho que sua pena privativa de liberdade poderá ser cumprida no regime inicial aberto, a teor do artigo 33, § 2º, c, do Código Penal.
Em atenção ao artigo 44 do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, a ser fixadas pelo juízo da execução penal.
Ante o exposto, divirjo do e. relator e dou parcial provimento ao recurso defensivo, em maior extensão, para aplicar a causa de diminuição do §4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/06 no máximo legal (2/3), do que resulta a pena definitiva de 1 (um) ano, 11 (onze) meses, 10 (dez) dias de reclusão e 194 (cento e noventa e quatro) dias-multa, em regime inicial aberto, a qual substituo por duas restritivas de direitos, a ser fixadas pelo juízo da execução criminal."


1ª fase da dosimetria


No julgamento da Questão de Ordem, a Quinta Turma desta Corte reapreciou a dosimetria, como determinado pelo Superior Tribunal de Justiça e, à unanimidade, manteve a pena-base fixada em primeiro grau, com o seguinte fundamento, verbis:


"Nos termos do art. 42 da Lei n. 11.343/06, a natureza (cocaína) e a quantidade da droga apreendida na posse da acusada (4.330 g), são circunstâncias preponderantes na graduação da pena-base, de maneira que é justificável a fixação acima do mínimo legal, mantida nos moldes da sentença, à míngua de recurso da acusação, 1/5 (um quinto) acima do mínimo legal, perfazendo 6 (seis) anos de reclusão e 600 (seiscentos) dias-multa."

Assim, como determinado pelo Superior Tribunal de Justiça, bem com já decidido pelo plenário do E. Supremo Tribunal Federal (RE com Agravo nª 666.334/AM, j. 03/04/2014), a natureza e a quantidade da droga apreendida só podem ser levadas em consideração em uma das fases da dosimetria da pena, vedada sua aplicação cumulativa, sob pena de incidir em bis in idem.


2ª fase da dosimetria


Na segunda fase, reconheceu a atenuante da confissão espontânea:

"Mantida a incidência da atenuante da confissão espontânea, que reduziu a pena em 1/6 (um sexto), resultando a pena de 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa."

3ª fase da dosimetria


Aplicada a causa de aumento de pena, prevista no art. 40, inciso I, da lei de drogas, no percentual de 1/6 (um sexto), a pena restou fixada em 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa.

Com relação à aplicação e ao percentual relativo ao art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, o voto vencedor dispôs que "a fração a ser aplicada deve considerar as circunstâncias subjacentes à prática delitiva, consistentes no fato de que a ré foi presa em flagrante, no Município de Corumbá (MS), transportando a droga, oculta sob as suas vestes, presa com fitas adesivas.

Há que se ponderar, ainda, a determinação do Superior Tribunal de Justiça e aplicar a causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, na fração de 1/5 (um quinto), perfazendo a pena de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 466 (quatrocentos e sessenta e seis) dias-multa."


É nesse ponto que divergiu o voto vencido, ao considerar que:

"Ademais e aqui reside minha divergência, afastada a valoração das circunstâncias relativas à natureza e à quantidade da droga da terceira fase (uma vez que foram consideradas na aplicação da pena-base), o acréscimo de outros fundamentos para justificar a redução da pena em menor grau implica reformatio in pejus, vedada pelo ordenamento jurídico, por se tratar de recurso exclusivo da defesa.
Assim, reduzo a pena em 2/3 (dois terços) em razão da incidência da causa de diminuição prevista no §4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/06, do que resulta a pena definitiva de 1 (um) ano, 11 (onze) meses, 10 (dez) dias de reclusão e 194 (cento e noventa e quatro) dias-multa."

Pois bem, analisemos a causa de diminuição prevista no artigo 33 § 4º da Lei 11.343/06, que prevê a redução de 1/6 a 2/3 para o agente que seja primário, possua bons antecedentes e não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa.

O dispositivo foi criado a fim de facultar ao julgador ajustar a aplicação e a individualização da pena às múltiplas condutas envolvidas no tráfico de drogas, notadamente o internacional, porquanto não seria razoável tratar o traficante primário, ou mesmo as "mulas", com a mesma carga punitiva a ser aplicada aos principais responsáveis pela organização criminosa que atuam na prática deste ilícito penal.

Dos elementos coligidos nos autos, constata-se que a conduta da embargante se enquadra no que se convencionou denominar no jargão do tráfico internacional de droga de "mula", isto é, pessoa que funciona como agente ocasional no transporte de drogas, pois não se subordina de modo permanente às organizações criminosas nem integra seus quadros. Trata-se, em regra, de mão-de-obra avulsa, esporádica, de pessoas que são cooptadas para empreitada criminosa sem ter qualquer poder decisório sobre o modo e o próprio roteiro do transporte, cabendo apenas obediência às ordens recebidas. Pouco ou nada sabem a respeito da organização criminosa.

Sobre o papel das "mulas" no narcotráfico e sua hipotética integração em organizações criminosas, bem apreciou essa questão o TRF- 5ª Região, asseverando que:


"A etimologia do léxico "integrar" remete a íntegro, inteiro, conjunto. Muitas são as acepções da palavra, mas na frase objeto do nosso estudo, pertine àquela de incluir-se como elemento do conjunto, como membro da quadrilha.
O apelante - ficou claro - foi utilizado como "mula".
No âmbito do tráfico, o termo "mula" não foi adotado à toa. Nomeou-se assim o indivíduo que se faz de correio de drogas, especialmente em viagens internacionais. Para tanto é remunerado e apenas segue ordens. São tão menosprezados pelos escalões superiores das organizações criminosas do tráfico que não raro os próprios traficantes que contratam as "mulas" as denunciam aos órgãos de segurança e imigração, com intuito de, para efetuarem a prisão, os policiais não poderem revistar outros indivíduos, também "mulas", estes transportando maiores quantidades de entorpecentes.
São pessoas aliciadas, que participam do fato delituoso em condição vexatória e com grande risco para a vida, quando conduzem a droga dentro de suas próprias vísceras.
Reconheço que o só fato de ser o responsável pelo transporte da droga não importa, necessariamente, não integrar a organização criminosa. Todavia, alguém que exerce esse papel pela primeira vez, como é o caso, segundo a própria sentença, não deve ser considerado membro da organização criminosa, que na verdade "terceirizou" a arriscada atividade." (TRF - 5ª R. - APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2007.81.00.007277-3 - rel. JOSÉ MARIA LUCENA - j. 13.11.2008 - DJU 02.12.2008).

Em suma, do fato puro e simples de determinada pessoa servir como "mula" para o transporte de droga não é possível, por si só, inferir a inaplicabilidade da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do artigo 33 da Lei 11.342/2006, por supostamente integrar organização criminosa.

No caso em análise, a ré é primária e não ostenta maus antecedentes. Não há prova nos autos de que a embargante se dedica a atividades criminosas, nem elementos para concluir que integra organização criminosa, apesar de encarregada do transporte da droga. Caberia à acusação fazer tal prova, ônus do qual não se desincumbiu.

Certamente, a acusada estava transportando a droga para bando criminoso internacional, o que não significa, porém, que fosse integrante dele, pois a circunstância do transporte de entorpecente é ínsita ao tipo penal de tráfico, ou seja, ao transportar a droga, a conduta do agente se subsume a um dos verbos do tipo descritos no art. 33, caput, da Lei n.º 11.343/06.

No que toca ao percentual de redução a ser aplicado em decorrência da aplicação da referida causa de diminuição, não é possível utilizar a natureza e a quantidade da droga apreendida, para fazer incidir o mínimo legal, previsto no referido § 4º, do art. 33, da lei de drogas, haja vista tais circunstâncias já terem sido consideradas na primeira fase da dosimetria.

De outra parte, para o afastamento do benefício em seu percentual máximo de 2/3 (dois terços), revendo posicionamento anterior, entendo ser necessária a existência de outras circunstâncias já referidas na sentença ou trazidas para discussão em sede recursal, não encontradas no caso dos autos.

Com efeito, a sentença reconheceu a causa de diminuição em tela, mas aplicou o percentual mínimo de 1/6, sem qualquer fundamentação, nos seguintes termos:

"Por fim, entendo presente a causa variável de diminuição de pena prescrita pelo artigo 33, 4º, da Lei nº 11.343/06, que exige para sua incidência "que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa". Como a ré, in casu, preenche todos os requisitos relacionados no aludido dispositivo legal aplico em seu favor a causa de redução na fração de 1/6 (um sexto)."

De outro lado, não houve recurso da acusação e ausente qualquer fundamentação na sentença apelada, conclui-se que este Tribunal não pode deixar de aplicar a causa de diminuição em seu percentual máximo, pois, do contrário, incorrer-se-ia em reformatio in pejus, ao agregar, de ofício, novos fundamentos à sentença condenatória, com efetivo prejuízo ao réu.

Nesse sentido, já decidiram os Tribunais Superiores:


HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. CONDENAÇÃO CONFIRMADA EM SEDE DE APELAÇÃO. TRÂNSITO EM JULGADO. OCORRÊNCIA. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE REVISÃO CRIMINAL. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA. DOSIMETRIA. PENA-BASE. FUNDAMENTAÇÃO. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA. INOVAÇÃO PELO TRIBUNAL A QUO. REFORMATIO IN PEJUS. OCORRÊNCIA. ATENUANTE DA CONFISSÃO. AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA. COMPENSAÇÃO. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas
corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem como substitutiva de revisão criminal.
2. O acórdão de apelação que, julgando recurso exclusivo da defesa, agrega novos fundamentos ao decisum condenatório, invocando a quantidade e a natureza da droga, não consideradas pelo Magistrado sentenciante, para fixar a pena-base acima do mínimo legal, incorre em reformatio in pejus.
3. A Terceira Seção desta Corte consolidou o entendimento de que a atenuante da confissão espontânea, por envolver a personalidade do agente, deve ser compensada com a agravante da reincidência (EREsp n.º 1.154.752-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 23.5.2012).
4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, apenas para fixar a pena-base no mínimo legal, bem como compensar a atenuante da confissão espontânea com a agravante da reincidência, reduzindo a pena privativa de liberdade imposta ao paciente para 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa, mantidos os demais termos do acórdão. (STJ - HC 226.446 - ES - Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 05/11/2013). Negritei.

EMENTA Habeas corpus. Penal e Processual Penal. Impetração dirigida contra decisão monocrática do relator de habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça. Decisão não submetida ao crivo do colegiado. Ausência de interposição de agravo interno. Não exaurimento da instância antecedente. Precedentes. Extinção do writ. Tráfico de drogas. Regime inicial fechado. Imposição, na sentença, com fundamento exclusivamente no art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90. Incidência desse dispositivo afastada, em grau de apelação, pelo Tribunal de Justiça. Hipótese, todavia, em que o regime prisional mais gravoso foi mantido, em sede de recurso exclusivo da defesa, com fundamentos inovadores, em substituição à motivação adotada em primeiro grau de jurisdição. Ratificação desse entendimento pelo Superior Tribunal de Justiça. Inadmissibilidade. Precedente. Ilegalidade flagrante. Constrangimento ilegal manifesto. Ordem concedida de ofício. 1. A jurisprudência contemporânea do Supremo Tribunal não vem admitindo a impetração de habeas corpus que se volte contra decisão monocrática do relator da causa no Superior Tribunal de Justiça que não tenha sido submetida ao crivo do colegiado por intermédio do agravo interno, por falta de exaurimento da instância antecedente (HC nº 118.189/MG, Segunda Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 24/4/14).
2. É vedada, em recurso exclusivo da defesa, a utilização de fundamentos inovadores, após o afastamento daquele adotado na decisão recorrida, para justificar a adoção do regime prisional mais gravoso, sob pena de reformatio in pejus.
3. A sentença que condenou o paciente à pena de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de reclusão, como incurso nas sanções do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06, fixou o regime inicial fechado com fundamento exclusivamente no art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90. Logo, não poderia o Tribunal, ao reconhecer, em recurso exclusivo da defesa, a inconstitucionalidade daquele dispositivo, afirmar que não seria razoável nem socialmente recomendável a fixação do regime semiaberto, "com base na expressiva quantidade e natureza extremamente nociva da droga apreendida (408 buchas de crack)". 4. habeas corpus extinto, por inadequação da via eleita. Ordem, todavia, concedida de ofício. (STF - HC 121449 / RS -Rel. Min. Dias Tóffoli - Dje Public 07/10/2014).

Por tais razões, deve prevalecer o voto vencido em seu inteiro teor, inclusive quanto às consequências do redimensionamento da pena, tais como regime inicial de cumprimento e substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos nos exatos termos lá delineados:

"Assim, reduzo a pena em 2/3 (dois terços) em razão da incidência da causa de diminuição prevista no §4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/06, do que resulta a pena definitiva de 1 (um) ano, 11 (onze) meses, 10 (dez) dias de reclusão e 194 (cento e noventa e quatro) dias-multa.
A defesa pretende a fixação de regime inicial de cumprimento menos gravoso, no que lhe assiste razão, pois o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/07, segundo a qual seria obrigatório o regime inicial fechado (STF, HC n. 113.988, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 04.12.12; EmbDeclAgRgAI n. 779.444, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 30.10.12; HC n. 107.407, Rel. Min. Rosa Weber, j. 25.09.12), razão pela qual, remanesceram os critérios previstos pelo artigo 33, § 3º c. c. o artigo 59, caput, do Código Penal, para a fixação do regime inicial para o cumprimento de pena decorrente do tráfico de entorpecentes.
No particular, atento ao fato de ser a ré primária, com bons antecedentes e com pena fixada em 1 (um) ano, 11 (onze) meses, 10 (dez) dias de reclusão e 194 (cento e noventa e quatro) dias-multa, tenho que sua pena privativa de liberdade poderá ser cumprida no regime inicial aberto, a teor do artigo 33, § 2º, c, do Código Penal.
Em atenção ao artigo 44 do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, a ser fixadas pelo juízo da execução penal.
Ante o exposto, divirjo do e. relator e dou parcial provimento ao recurso defensivo, em maior extensão, para aplicar a causa de diminuição do §4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/06 no máximo legal (2/3), do que resulta a pena definitiva de 1 (um) ano, 11 (onze) meses, 10 (dez) dias de reclusão e 194 (cento e noventa e quatro) dias-multa, em regime inicial aberto, a qual substituo por duas restritivas de direitos, a ser fixadas pelo juízo da execução criminal."

Posto isso, DOU PROVIMENTO aos embargos infringentes, para que prevaleça o voto vencido.

Expeça-se alvará de soltura clausulado.

Comunique-se o Juízo da Execução para as providências cabíveis, haja vista o provável cumprimento integral da pena privativa de liberdade pela condenada, que foi presa em flagrante em 01/11/2010.

É o voto.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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