D.E. Publicado em 04/11/2016 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, julgar improcedentes os pedidos deduzidos na revisão criminal e, de ofício, desconstituir a decisão impugnada no que tange (a) à dosimetria da pena do delito do artigo 89, da Lei n. 8.666/93, reduzindo a respectiva pena para o mínimo legal, ou seja, 3 (três) anos de detenção e 10 (dez) dias-multa; e (b) à pena de multa aplicada ao delito do artigo 1°, I, do Decreto-lei 201/67, ficando a pena pelo delito do artigo 89, da Lei n. 8.666/93, em 3 (três) anos de detenção e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, e a pena do crime do artigo 1°, I, do Decreto-Lei 201/67, em 2 (dois) anos de reclusão. Mantido, no mais, o decisum impugnado, inclusive no que diz respeito ao regime inicial de cumprimento de pena, já que a soma das penas privativas de liberdade é de 05 (cinco) anos, o que impõe a fixação do regime inicial semiaberto, nos termos do artigo 33, §2°, b, do CP, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de REVISÃO CRIMINAL COM PEDIDO LIMINAR, proposta por JOSÉ DIOGO FLORES, que, em primeiro grau, fora condenado ao cumprimento da pena de 02 (dois) anos de reclusão e pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor mínimo legal, por infração ao art. 1º, I, do Decreto Lei n. 201/67, e a 3 (três) anos e 9 (nove) meses de detenção e 30 (trinta) dias-multa, no valor mínimo legal, pela prática do delito previsto no art. 89 da Lei n. 8.666/93. As penas foram unificadas, nos termos do art. 70 do Código Penal (concurso formal imperfeito), fixado o regime semiaberto para início do cumprimento de pena, o que motivou a interposição de apelação pela defesa.
Em julgamento realizado em 13/04/2015, a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região negou provimento ao recurso da defesa, mantendo a sentença recorrida (fl. 392).
Interpostos recurso extraordinário - não admitido (fl. 437) - e recurso especial - admitido (fls. 434/436) -, em 05/08/2015, o Eg. STJ negou-lhe seguimento (fls. 452/454), o que ensejou a interposição de dois agravos regimentais, um não conhecido e o outro desprovido (fl. 464).
O acórdão transitou em julgado em 19/11/2015 (fl. 468vº).
Determinou-se, assim, a extração da Guia de Recolhimento que deu origem à execução penal que se busca suspender neste feito (fl. 469).
Na petição inicial da Revisão Criminal, o requerente sustenta, em síntese, o seguinte:
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(i)Sua defesa técnica não fora realizada em sua amplitude no feito de origem, motivo pelo qual a revisão "visa não só apresentar fatos novos, mas também fundamentos jurídicos que levam a absolvição do reconvindo, indevidamente condenado"; |
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(ii)"o revisionando foi condenado em tipificação diversa a conduta narrada na exordial, e sem quaisquer provas que pudessem fundamentar um édito condenatório"; |
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(iii)"não ficou em momento algum comprovado ou sequer demonstrado o desvio de verbas públicas pelo réu, então Prefeito Municipal, em proveito próprio ou alheio" e, apesar disso, "o revisionando teve sua conduta capitulada no inciso I, do artigo 1° do Decreto Lei 201/67, que prevê os casos em que o agente apropria-se de bens ou rendas públicas em proveito próprio ou alheio, contudo a denúncia não descreve como sendo esta a conduta do acusado, descrevendo a conduta do mesmo como sendo omissivo em relação a dispensa de procedimento licitatório sem o devido dever de cuidado e diligência e sem a observância das formalidades legais"; defende, assim, que tal "conduta encontra-se expressamente prevista no artigo 1° do Decreto Lei 201/67, em seu inciso XI", motivo pelo qual deve ser "julgada procedente a presente revisão para dar a conduta do revisionando a correta tipificação penal, fazendo via de consequência o redicionamento da pena aplicada"; |
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(iv)Haveria bis in idem entre o artigo 89 da Lei 8.666/93 e o artigo 1°, inciso XI, do Decreto-Lei 201/67, devendo prevalecer este último, em atenção ao princípio da especialidade; |
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(v)no caso de não se reconhecer o bis in idem alegado, "é de rigor a absolvição do acusado em relação ao crime previsto no artigo 89 da Lei 8.666/93, ante a ausência de dano ao erário" e também pela não demonstração do dolo específico exigido por tal tipo penal; afirma que inexistem "quaisquer provas nos autos capazes de comprovar o dolo na atitude do réu, ora revisionando em dispensar o procedimento licitatório"; frisa que "o revisionando procedeu a dispensa de procedimento licitatório com base em documento de exclusividade fornecido pela empresa contratada, já acostado aos autos, sendo tal procedimento liberado não só pelo setor jurídico da Prefeitura, mas também pelo setor responsável pelas licitações do município"; |
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(vi)O Tribunal de Contas do Estado teria aprovado as contas apresentadas pelo revisionando, o que corroboraria a ausência de prejuízo ao erário; |
Com base nisso, requer a concessão de medida liminar, com a suspensão do curso da execução da pena. Pede, por fim, que seja acolhido o pedido revisional, para o fim de (a) tipificar a conduta do revisionando no artigo 1°, XI do Decreto-lei 201/67 e não no seu inciso I, que trata da apropriação indébita; (b) reconhecer o bis in idem em relação ao delito do artigo 1°, XI do Decreto-lei 201/67 e o do artigo 89, da Lei 8.666/93; (c) absolver o revisionando em relação ao crime do artigo 89, da Lei 8.666/93, considerando a ausência de dano ao erário, diante da aprovação das contas pelo TCE.
A decisão de fls. 737/740 indeferiu a liminar.
O MPF - Ministério Público Federal requereu a improcedência da revisão criminal (fls. 742/751).
Veio aos autos a informação de que o C. STJ - Superior Tribunal de Justiça suspendeu a execução penal até o julgamento da Revisão Criminal, suspendendo o curso da prescrição da pretensão executória (fls. 755/757).
É o breve relatório.
À revisão.
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VOTO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
As hipóteses em que se admite a revisão criminal estão previstas no artigo 621, do CPP - Código de Processo Penal, o qual estabelece o seguinte:
Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida: |
I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos; |
II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; |
III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena. |
Para além das hipóteses do artigo 621, extrai-se do artigo 626, também do CPP, a possibilidade de revisão criminal quando demonstrada uma nulidade absoluta do processo criminal.
No caso concreto, o requerente ajuizou a presente ação autônoma de impugnação com amparo no artigo 621, III, do CPP, sustentando que "o revisionando foi condenado em tipificação diversa a conduta narrada na inicial, e sem quaisquer provas que pudessem fundamentar um édito condenatório", atribuindo tal fato à insuficiência da defesa técnica levada a efeito no feito originário.
Conforme se passará a demonstrar, razão não assiste ao autor.
DA TIPIFICAÇÃO DA CONDUTA IMPUTADA AO AUTOR - ARTIGO 1°, I, DO DECRETO-LEI 201/1967.
O autor sustenta que foi condenado pela prática do delito previsto no artigo 1°, I, do Decreto-lei 201/67, apesar de a denúncia não ter descrito a conduta prevista em referido tipo penal, mas sim a conduta prevista no artigo 1°, XI, do Decreto-Lei 201/67.
Aduz, ainda, que "não ficou em momento algum comprovado ou sequer demonstrado o desvio de verbas públicas pelo réu, então Prefeito Municipal, em proveito próprio ou alheio" e que, apesar disso, "o revisionando teve sua conduta capitulada no inciso I, do artigo 1° do Decreto Lei 201/67, que prevê os casos em que o agente apropria-se de bens ou rendas públicas em proveito próprio ou alheio, contudo a denúncia não descreve como sendo esta a conduta do acusado, descrevendo a conduta do mesmo como sendo omissivo em relação a dispensa de procedimento licitatório sem o devido dever de cuidado e diligência e sem a observância das formalidades legais". Defende, assim, que tal "conduta encontra-se expressamente prevista no artigo 1° do Decreto Lei 201/67, em seu inciso XI", motivo pelo qual deve ser "julgada procedente a presente revisão para dar a conduta do revisionando a correta tipificação penal, fazendo via de consequência o redicionamento da pena aplicada".
A alegação do requerente não procede.
O artigo 1°, I, do Decreto-Lei 201/67 estabelece o seguinte:
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Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: |
I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio; |
Já o artigo 1°, XI, do Decreto-Lei 201/67 prevê o que segue:
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Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: |
(...) |
XI - Adquirir bens, ou realizar serviços e obras, sem concorrência ou coleta de preços, nos casos exigidos em lei; |
O tipo penal do artigo 1°, I, do Decreto-Lei 201/67, pune, pois, o prefeito municipal que se apropria ou desvia, em proveito próprio ou alheio, verbas públicas.
Já a figura do artigo 1°, inciso XI, do Decreto-Lei 201/67, punia aquele que celebra contratos sem o devido procedimento licitatório, sendo certo que tal dispositivo não mais se afigura aplicável, tendo em vista a superveniência do artigo 89, da Lei 8.666/93, conforme adiante se demonstrará.
No caso concreto, a denúncia imputou ao autor duas condutas, aquela prevista no artigo 1°, I, do Decreto-Lei 201/67, e a conduta prevista no artigo 89, da Lei 8.666/93 - que revogou o artigo 1°, inciso XI, do Decreto-Lei 201/67 -, devendo-se frisar que o libelo acusatório não se limitou a descrever a dispensa da licitação (objeto do artigo 89, da Lei 8.666/93), tendo narrado, também, o desvio da verba pública (objeto do artigo 1°, I, do Decreto-Lei 201/67).
Isso é o que se infere do seguinte trecho da peça acusatória (fl. 214):
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Resta claro, portanto, que o denunciado além de ter considerado inexigível licitação fora das hipóteses previstas em lei, já que a empresa contratada não possuía exclusividade no mercado, desviou em proveito próprio ou alheio verbas públicas federais, pois pagou pelo produto que deveria ter sido licitado valor muito superior ao de mercado, e com especificações diversas da indicada na declaração à folha 16 do apenso II. |
Não prospera, portanto, a alegação deduzida na inicial, no sentido de que a denúncia não teria descrito a conduta prevista no artigo 1°, I, do Decreto-lei 201/67, mas sim a do artigo 1°, XI, do mesmo diploma.
Por outro lado, apesar de o autor não ter fundamentado a presente revisão criminal no artigo 621, I, do CPP, verifico que ele afirmou que "não ficou em momento algum comprovado ou sequer demonstrado o desvio de verbas públicas pelo réu, então Prefeito Municipal, em proveito próprio ou alheio", sugerindo que o julgado deveria ser desconstituído por razões de natureza probatória.
Como se sabe, a legislação de regência só admite a revisão criminal quando a sentença condenatória é contrária à evidência dos autos (artigo 621, I, do CPP).
É dizer, para que a decisão impugnada seja desconstituída por ser contrária à evidência dos autos, é preciso que referido decisum não encontre qualquer apoio na prova produzida no bojo do processo criminal em que proferido.
O C. STJ tem reiteradamente decidido que "O acolhimento da pretensão revisional deve ser excepcional, cingindo-se às hipóteses em que a contradição à evidência dos autos seja manifesta, estreme de dúvidas, dispensando, pois, a interpretação ou análise subjetiva das provas produzidas", não sendo a revisão criminal a via processual adequada para se buscar a absolvição por insuficiência ou falta de provas, pois não se trata de um segundo recurso de apelação:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 621, I, DO CPP. REVISÃO CRIMINAL. ABSOLVIÇÃO DO CRIME DE ESTUPRO. FRAGILIDADE PROBATÓRIA. DÚVIDA QUE NÃO PERMITE O JUÍZO RESCISÓRIO. NECESSIDADE DE QUE A CONTRARIEDADE ENTRE A CONDENAÇÃO E AS PROVA S DOS AUTOS SEJA PATENTE. DESPROVIMENTO. 1. Na esteira da jurisprudência do STJ, a revisão criminal não deve ser adotada como um segundo recurso de apelação, pois nada mais é que a desconstituição da coisa julgada em face da prevalência, na seara penal, do princípio da verdade real sobre a verdade formal. 2. O acolhimento da pretensão revisional deve ser excepcional, cingindo-se às hipóteses em que a contradição à evidência dos autos seja manifesta, estreme de dúvidas, dispensando, pois, a interpretação ou análise subjetiva das provas produzidas. 3. O Tribunal a quo, reexaminando o conjunto fático-probatório, acolheu o pedido revisional com fulcro na suposta insuficiência da prova da autoria, o que fere o sistema processual penal. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AGRESP 201102893719 AGRESP - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - 1295387) |
No caso dos autos, não vislumbro uma manifesta contradição entre a decisão impugnada e a evidência dos autos, especialmente no que se refere à prova do desvio de verbas públicas, a qual fundamentou a condenação do requerente na forma do artigo 1°, I, do Decreto-Lei 201/67.
Pelo contrário. Verifico que a decisão atacada está devidamente fundamentada, inclusive no que diz respeito ao "desvio de renda pública", indicando as provas residentes nos autos que amparam a sua conclusão, senão veja-se:
A conduta do réu configurou, ademais, crime de responsabilidade de Prefeito, haja vista que houve desvio de renda pública, o que se comprovou pelo valor original do material proposto para ser usado na alvenaria da obra (R$ 39.535,38), aquele pago pela Prefeitura (R$ 67.500,00) e os valores obtidos no mercado e apresentados pelas empresas Construtor (R$ 54.351,00, material puro, fl. 45), Igapó (R$ 17.550,00, material puro, fl. 47) e Isoluma (R$ 27.000,00, fl. 49). |
Note-se que, no caso da conveniência de utilização de blocos de isopor, poder-se-ia inclusive adquirir tal produto reciclado, cujo valor seria extremante vantajoso à Prefeitura (orçado em R$ 14.850,00 pela empresa Igapó, fl. 47). A possibilidade de uso de material reciclado é informada pelo perito federal às fls. 42/44. |
O delito do art. 1º, I, do Decreto Lei n. 201/67 é assim descrito: |
Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: |
I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio |
(...) |
§ 1º Os crimes definidos neste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos. |
O favorecimento à empresa ISOCRET é patente, à consideração principal da falta de apresentação de justificativa técnica para a alteração do material inicialmente aprovado e que seria utilizado na construção das paredes do centro cultural. |
Lado outro, o autor não demonstrou em que medida a decisão atacada contrariaria, de forma manifesta, a prova residente nos autos.
Por tais razões, não há como se vislumbrar que a decisão impugnada contrarie a evidência dos autos, motivo pelo qual não há como se acolher o pedido formulado pelo requerente para que a decisão revisanda seja desconstituída no que tange à sua condenação pela prática do delito previsto no artigo 1°, I, do Decreto-lei 201/67.
DA NÃO CONFIGURAÇÃO DO ALEGADO BIS IN IDEM CONFLITO APARENTE DE NORMAS. DECRETO-LEI 201/67 E LEI 8.666/93.
O autor alega que haveria bis in idem na sua condenação pela prática dos delitos previstos no artigo 89, da Lei 8.666/93, e no artigo 1°, inciso XI, do Decreto-Lei 201/67, devendo prevalecer este último, em atenção ao princípio da especialidade.
Apesar de o autor não tê-lo indicado expressamente, infere-se que a questão ora examinada encerraria, no seu entender, uma nulidade no julgado, a qual, em tese, seria passível de enfrentamento em sede de revisão criminal.
Nada obstante, não vislumbro o alegado bis in idem, a nulidade suscitada pelo requerente.
Conforme já destacado no tópico precedente, o requerente foi denunciado e condenado pela prática de duas condutas diferentes, quais sejam, (a) dispensa ilegal de licitação (artigo 89, da Lei 8.666/93) e (b) desvio de recursos públicos (artigo 1°, I, do DL 201/67), não procedendo a pretensão do autor para que a sua conduta seja tipificada no artigo 1°, XI do Decreto-lei 201/67 e não no seu inciso I.
Logo, não há que se falar em bis in idem entre o artigo 89 da Lei 8.666/93 e o artigo 1°, inciso XI, do Decreto-Lei 201/67, tendo em vista que este último delito não foi imputado ao requerente.
Por outro lado, quanto ao conflito aparente de normas entre o artigo 89, da Lei 8.666/93, e o artigo 1°, XI, do Decreto-Lei 201/67, o C. STJ tem entendido que prevalece aquele:
RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO POR PREFEITO. CONFLITO APARENTE DE NORMAS. DECRETO-LEI 201/67 E LEI 8.666/90. CRITÉRIO CRONOLÓGICO. 1. Conquanto o Decreto-Lei nº 201/67 seja norma especial porque institui crimes próprios praticados por prefeitos e vereadores, a Lei nº 8.666/90 também é especial porque tipifica os crimes praticados em procedimentos licitatórios, disciplinando especificamente o tema relativo às licitações públicas. 2. Tratando-se de normas com equivalência hierárquica e incidência nos âmbitos municipal, estadual e federal, resta dirimir o conflito aparente de normas pelo critério cronológico, prevalecendo o artigo 89 da Lei nº 8.666/90 para os atos praticados após a sua entrada em vigor. 3. Recurso improvido. (RESP 201102561557 RESP - RECURSO ESPECIAL - 1288855 MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA STJ SEXTA TURMA DJE DATA:29/10/2013) |
Portanto, não há que se falar em nulidade do julgado que condenou o requerente pela prática dos delitos previstos nos artigos 89, da Lei 8.666/93, e 1°, I, do DL 201/67, inexistindo o bis in idem alegado.
DO DELITO DO ARTIGO 89, DA LEI 8.666/93 - COMPROVAÇÃO DO DANO AO ERÁRIO E DO DOLO ESPECÍFICO CONSISTENTE NA INTENÇÃO DE CAUSAR DANO AO ERÁRIO.
O requerente defende que, caso não se reconheça o bis in idem alegado, "é de rigor a absolvição do acusado em relação ao crime previsto no artigo 89 da Lei 8.666/93, ante a ausência de dano ao erário" e também pela não demonstração do dolo específico exigido por tal tipo penal.
Afirma que inexistem "quaisquer provas nos autos capazes de comprovar o dolo na atitude do réu, ora revisionando em dispensar o procedimento licitatório"; frisa que "o revisionando procedeu a dispensa de procedimento licitatório com base em documento de exclusividade fornecido pela empresa contratada, já acostado aos autos, sendo tal procedimento liberado não só pelo setor jurídico da Prefeitura, mas também pelo setor responsável pelas licitações do município".
Apesar de o autor não tê-lo indicado expressamente, infere-se que a questão ora examinada encerraria, no seu entender, contrariedade à prova dos autos e nulidade, as quais, em tese, seriam passíveis de enfrentamento em sede de revisão criminal.
A nulidade suscitada, entretanto, não existe, o que impõe a rejeição da revisão criminal, no particular.
Para a configuração do delito do artigo 89, da Lei 8.666/93, é preciso o "dolo específico", entendido como a intenção de causar dano ao erário, e a efetiva ocorrência de prejuízo aos cofres públicos.
Apesar de o acórdão embargado não ter feito menção à expressão "dolo específico", ele deixa claro que houve a intenção de causar dano ao erário, dano este consubstanciado no prejuízo aos cofres públicos, o qual corresponde ao desvio das verbas públicas em "favorecimento à empresa ISOCRET":
A dispensa de licitação mostrou-se irregular, na medida em que realizada com descumprimento do procedimento legal específico, arts. 25 e 26 da Lei n. 8.666/93, não se mostrando inexigível a licitação. A conduta do réu subsumiu-se, assim, ao tipo previsto no art. 89 da Lei n. 8.666/93: |
Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade: |
Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa. |
Com efeito, o então prefeito justificou a desnecessidade de licitação para adquirir blocos de isopor da empresa ISOCRET por meio da declaração de exclusividade da referida empresa na comercialização de blocos de EPS com as dimensões de 1,19 x 0,30 x 0,14, auto extinguível (tipo F), com densidade de 25,00 kg/m3, documento emitido pelo Sindicato do Comércio Varejista de São Paulo (fl. 79). |
Registro nesse particular que a declaração de exclusividade afirmou atender à solicitação da empresa ISOCRET, tendo sido realizada tão somente com base nos documentos por ela fornecidos, o que enfraquece a idoneidade do conteúdo declarado. |
A nota fiscal de compra do material não faz alusão à densidade dos blocos adquiridos, referida na declaração de exclusividade para justificar o afastamento da licitação. |
Os blocos adquiridos foram periciados pelo Departamento de Engenharia do Município de Altair (fl. 307 do apenso II), sendo constatado que a densidade era efetivamente menor (13,7 kg/m3), a evidenciar a compra de material distinto e de menor valor àquele pago pela Prefeitura (R$ 67.500,00). Tal fato indica, outrossim, o dolo da prática delitiva. |
Acrescente-se que não há exclusividade da empresa ISOCRET nem na produção nem da comercialização de blocos de EPS, conforme se constata dos orçamentos de três empresas distintas que fornecem semelhante material, a preços significativamente menores, conforme se verifica às fls. 45/46, 47/48 e 49, bem como da informação técnica de perito criminal federal (fls. 42/44), a demonstrar a inidoneidade das informações prestadas na declaração de exclusividade e, portanto, a necessidade de licitação. |
Registre-se que os 2.700 (dois mil e setecentos) blocos foram produzidos pela empresa ISOTERM, ao custo total de R$ 9.963,00 (nove mil, novecentos e sessenta e três reais), e vendidas à empresa ISOCRET, conforme notas fiscais de fls. 35/41, que os forneceu à Prefeitura de Altair. |
A conduta do réu configurou, ademais, crime de responsabilidade de Prefeito, haja vista que houve desvio de renda pública, o que se comprovou pelo valor original do material proposto para ser usado na alvenaria da obra (R$ 39.535,38), aquele pago pela Prefeitura (R$ 67.500,00) e os valores obtidos no mercado e apresentados pelas empresas Construtor (R$ 54.351,00, material puro, fl. 45), Igapó (R$ 17.550,00, material puro, fl. 47) e Isoluma (R$ 27.000,00, fl. 49). |
Note-se que, no caso da conveniência de utilização de blocos de isopor, poder-se-ia inclusive adquirir tal produto reciclado, cujo valor seria extremante vantajoso à Prefeitura (orçado em R$ 14.850,00 pela empresa Igapó, fl. 47). A possibilidade de uso de material reciclado é informada pelo perito federal às fls. 42/44. |
O delito do art. 1º, I, do Decreto Lei n. 201/67 é assim descrito: |
Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: |
I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio |
(...) |
§ 1º Os crimes definidos neste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos. |
O favorecimento à empresa ISOCRET é patente, à consideração principal da falta de apresentação de justificativa técnica para a alteração do material inicialmente aprovado e que seria utilizado na construção das paredes do centro cultural. |
Não prospera a alegação da defesa de que não foi provado o dolo do cometimento dos crimes. |
O réu, em suas declarações, procurou afastar sua responsabilidade ao afirmar inicialmente que realizou a troca do material por indicação de José Eudes, representante da empresa Lopes Engenharia, responsável pelo projeto e sua execução. José Eudes teria informado que não haveria alteração do valor disposto no cronograma. Disse que o Ministério da Cultura foi consultado verbalmente, sendo informado que não haveria problema caso não houvesse alteração dos valores para a realização da obra. Admitiu que não encaminhou ao departamento jurídico da Prefeitura a declaração de exclusividade da empresa ISOCRET, usada para justificar a não realização de licitação dos blocos de EPS. Asseverou não ter conhecimento do procedimento legal previsto na Lei n. 8.666/93 para os casos de dispensa/inexigibilidade de licitação em obras públicas. Posteriormente, aduziu ter recebido o aval da advogada da Prefeitura para realizar a compra, o que não logrou comprovar (fls. 95/96 e 243). |
O ato da compra foi realizado pelo filho do réu, Flávio Rogério Flores, funcionário da Prefeitura, encarregado à época da compra de materiais. |
Flávio disse que fora a Brasília com José Eudes, onde se reuniram no Ministério da Cultura para tratar da troca do material, tendo sido informado que não haveria problema caso fosse mantido o valor inicial da obra. Mencionou que não houve consulta formal ao Ministério da Cultura nem ao departamento jurídico da Prefeitura, não se recordando da data em que esteve em Brasília e com quem haviam se reunido (fls. 68/90). Tal versão não foi provada. |
Nelson Mariano de Souza, engenheiro concursado da Prefeitura de Altair, esclareceu que sempre opinava no que se referia à parte técnica das obras do município, inclusive na fiscalização dos cronogramas, sendo que não foi consultado sobre o projeto de construção do centro cultural e dos materiais a serem utilizados. Salientou que faz parte de suas atribuições a manifestação em obras e licitações (fls. 6/7 e 243). |
Francisco Orlando, funcionário da Prefeitura, dirigia o setor de licitações durante os anos de 2007 a 2008, na gestão do réu como Prefeito de Altair, tendo afirmado que durante sua presidência na comissão de licitação não havia chegado às suas mãos procedimento formal de dispensa ou inexigibilidade de licitação (fls. 93/94 e 243). |
A prova documental e testemunhal reunida é clara no sentido de que a troca do material a ser utilizado na construção das paredes do centro cultural foi realizada exclusivamente pelo réu, com a ajuda de seu filho, sem a participação dos órgãos da Prefeitura responsáveis pela execução e fiscalização de obras municipais e em claro descumprimento dos procedimentos legais específicos. |
A compra do material ocorreu em 23.07.08, no último ano do mandato do réu como prefeito de Altair, de modo que não se mostra razoável a alegação de que desconhecia os procedimentos para a realização da compra de matérias para obras no município. |
A responsabilidade do réu exsurge cristalina do material coligido no feito, não sendo produzida nenhuma prova em sentido contrário. |
Veja-se que, nos termos do convênio assinado pelo réu com o Ministério da Cultura, dispõe a cláusula terceira competir ao convenente, itens c e d, observar nas aquisições os procedimentos estabelecidos para as licitações, previstos na Lei n. 8.666/93, bem como executar fielmente o convênio de acordo com as cláusulas pactuadas, o que afasta a alegação da defesa de desconhecimento do réu acerca do procedimento regular a ser realizado no caso de alteração da execução da obra. |
Portanto, não há que se falar em nulidade tampouco em contrariedade à evidência dos autos, no particular, eis que a decisão impugnada pelo requerente encontra-se devidamente fundamentada e amparada na prova processual, tendo evidenciado que houve a intenção de ("dolo específico") causar dano ao erário, dano este consubstanciado no prejuízo aos cofres públicos decorrente do favorecimento à empresa ISOCRET.
DOS DOCUMENTOS NOVOS TRAZIDOS PELO AUTOR NA REVISÃO CRIMINAL. DEPOIMENTO PRESTADO POR TESTEMUNHA. DECISÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO.
O autor alega, ainda, que os documentos novos por ele trazidos nesta Revisão Criminal autorizariam a desconstituição do julgado, na forma do artigo 621, III, do CPP.
Defende que a informação prestada no depoimento judicial do senhor Nelson Mariano de Souza seria "inverídica, pois conforme consta nos documentos ora anexados, o próprio depoente Engenheiro Nelson Mariano de Souza que afirma não ter tido qualquer contato com o projeto que deu ensejo a presente demanda, assina os atestados de visitas para tomada de preço para a construção do Centro Cultural das empresas de engenharia que concorreram na licitação para a construção do prédio", restando "absolutamente cristalina a intenção da testemunha em esquivar-se de uma possível coautoria da acusação feita ao então Prefeito Municipal, negando qualquer suposta participação na elaboração do Centro Cultural de Altair/SP, que agora resta completamente desmentida pelos novos documentos trazidos por esta revisão, os quais constam a assinatura do depoente, que na época dos fatos era o engenheiro responsável do Município".
A alegação não procede.
Inicialmente, observo que o autor, em verdade, impugna o depoimento prestado pela testemunha Nelson Mariano de Souza, ao fundamento de que este teria faltado com a verdade, o que, em tese, autorizaria a revisão criminal, na forma do artigo 621, II, do CPP.
Logo, para que tal pretensão fosse acolhida, seria necessário que o autor demonstrasse (a) a falsidade do depoimento e (b) que essa prova falsa constitui o único ou principal fundamento da decisão impugnada.
No caso concreto, verifico que o depoimento judicial que o autor alega ser falso não é o único nem o principal fundamento da decisão impugnada, o que, de logo, enseja a improcedência do pedido.
Realmente, a decisão impugnada concluiu, a partir do depoimento da testemunha Nelson Mariano de Souza e de outros elementos probatórios residentes nos autos (documentais e testemunhais), que o autor, com a ajuda de seu filho, promoveu "a troca do material a ser utilizado na construção das paredes do centro cultural", em "claro descumprimento dos procedimentos legais específicos", como forma de beneficiar a empresa ISOCRET em detrimento da municipalidade:
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O favorecimento à empresa ISOCRET é patente, à consideração principal da falta de apresentação de justificativa técnica para a alteração do material inicialmente aprovado e que seria utilizado na construção das paredes do centro cultural. |
Não prospera a alegação da defesa de que não foi provado o dolo do cometimento dos crimes. |
O réu, em suas declarações, procurou afastar sua responsabilidade ao afirmar inicialmente que realizou a troca do material por indicação de José Eudes, representante da empresa Lopes Engenharia, responsável pelo projeto e sua execução. José Eudes teria informado que não haveria alteração do valor disposto no cronograma. Disse que o Ministério da Cultura foi consultado verbalmente, sendo informado que não haveria problema caso não houvesse alteração dos valores para a realização da obra. Admitiu que não encaminhou ao departamento jurídico da Prefeitura a declaração de exclusividade da empresa ISOCRET, usada para justificar a não realização de licitação dos blocos de EPS. Asseverou não ter conhecimento do procedimento legal previsto na Lei n. 8.666/93 para os casos de dispensa/inexigibilidade de licitação em obras públicas. Posteriormente, aduziu ter recebido o aval da advogada da Prefeitura para realizar a compra, o que não logrou comprovar (fls. 95/96 e 243). |
O ato da compra foi realizado pelo filho do réu, Flávio Rogério Flores, funcionário da Prefeitura, encarregado à época da compra de materiais. |
Flávio disse que fora a Brasília com José Eudes, onde se reuniram no Ministério da Cultura para tratar da troca do material, tendo sido informado que não haveria problema caso fosse mantido o valor inicial da obra. Mencionou que não houve consulta formal ao Ministério da Cultura nem ao departamento jurídico da Prefeitura, não se recordando da data em que esteve em Brasília e com quem haviam se reunido (fls. 68/90). Tal versão não foi provada. |
Nelson Mariano de Souza, engenheiro concursado da Prefeitura de Altair, esclareceu que sempre opinava no que se referia à parte técnica das obras do município, inclusive na fiscalização dos cronogramas, sendo que não foi consultado sobre o projeto de construção do centro cultural e dos materiais a serem utilizados. Salientou que faz parte de suas atribuições a manifestação em obras e licitações (fls. 6/7 e 243). |
Francisco Orlando, funcionário da Prefeitura, dirigia o setor de licitações durante os anos de 2007 a 2008, na gestão do réu como Prefeito de Altair, tendo afirmado que durante sua presidência na comissão de licitação não havia chegado às suas mãos procedimento formal de dispensa ou inexigibilidade de licitação (fls. 93/94 e 243). |
A prova documental e testemunhal reunida é clara no sentido de que a troca do material a ser utilizado na construção das paredes do centro cultural foi realizada exclusivamente pelo réu, com a ajuda de seu filho, sem a participação dos órgãos da Prefeitura responsáveis pela execução e fiscalização de obras municipais e em claro descumprimento dos procedimentos legais específicos. |
A compra do material ocorreu em 23.07.08, no último ano do mandato do réu como prefeito de Altair, de modo que não se mostra razoável a alegação de que desconhecia os procedimentos para a realização da compra de matérias para obras no município. |
A responsabilidade do réu exsurge cristalina do material coligido no feito, não sendo produzida nenhuma prova em sentido contrário. |
Veja-se que, nos termos do convênio assinado pelo réu com o Ministério da Cultura, dispõe a cláusula terceira competir ao convenente, itens c e d, observar nas aquisições os procedimentos estabelecidos para as licitações, previstos na Lei n. 8.666/93, bem como executar fielmente o convênio de acordo com as cláusulas pactuadas, o que afasta a alegação da defesa de desconhecimento do réu acerca do procedimento regular a ser realizado no caso de alteração da execução da obra. |
Portanto, comprovadas a materialidade e a autoria delitiva, a manutenção da condenação é de rigor. |
Portanto, ainda que tal depoimento fosse falso, não haveria como se desconstituir o julgado, eis que este se encontra fundamentado em outros elementos probatórios, os quais, por si só, são suficientes para manter o édito condenatório combatido.
Além disso, verifico que o requerente não demonstrou a falsidade do depoimento prestando pela testemunha ouvida em juízo e que a documentação juntada nestes autos, ao contrário do quanto afirmado pelo autor, não infirma o depoimento prestado pelo testigo.
De fato, nos termos da decisão impugnada, "Nelson Mariano de Souza, engenheiro concursado da Prefeitura de Altair, esclareceu que sempre opinava no que se referia à parte técnica das obras do município, inclusive na fiscalização dos cronogramas, sendo que não foi consultado sobre o projeto de construção do centro cultural e dos materiais a serem utilizados. Salientou que faz parte de suas atribuições a manifestação em obras e licitações (fls. 6/7 e 243)".
Ou seja, segundo o acórdão guerreado, a testemunha Nelson Souza esclareceu que não fora consultado tampouco se manifestara sobre a obra objeto dos autos, inclusive no que diz respeito aos materiais nela utilizados, apesar de habitualmente se manifestar sobre tais questões técnicas relacionadas às obras contratadas pelo município.
O autor, de seu turno, sustenta que tais esclarecimentos prestados pela testemunha seriam inverídicos, "pois conforme consta nos documentos ora anexados, o próprio depoente Engenheiro Nelson Mariano de Souza que afirma não ter tido qualquer contato com o projeto que deu ensejo a presente demanda, assina os atestados de visitas para tomada de preço para a construção do Centro Cultural das empresas de engenharia que concorreram na licitação para a construção do prédio".
Noutras palavras, segundo o autor, a testemunha teria faltado com a verdade quando afirmou que não teve qualquer contato com o projeto relacionado aos delitos subjacentes aos autos, eis que os documentos de fls. 565/567 comprovariam o contrário: que referida testemunha tivera sim participado do projeto.
Ocorre que, ao contrário do quanto afirmado pelo requerente, a testemunha, em nenhum momento, negou ter tido qualquer participação no projeto. Ela disse que sua participação se limitara a "acompanhar a visita técnica dos interessados assumir a obra", frisando, contudo, 'que não foi consultado sobre o projeto de construção do centro cultural e dos materiais a serem utilizados".
Frise-se que no depoimento de fl. 131/132, prestado à autoridade policial, referida testemunha disse "que, na época ouviu que tramitava algo na Prefeitura sobre a construção de referida obra e o único contato que teve antes de a empresa assumir a construção foi acompanhar a visita técnica dos interessados assumir a obra".
Ora, o fato de a testemunha ter acompanhado a visita técnica dos interessados na obra (provado pelos documentos de fls. 565/567) não significa que ela tenha opinado quanto a parte técnica da obra, tampouco fiscalizado seus cronogramas ou sido consultado sobre o projeto de construção do centro cultural e dos materiais a serem utilizados (o que ela disse em seus depoimentos judicial e policial), donde se conclui que os documentos de fls. 565/567 não infirmam os depoimentos da testemunham.
Vê-se, assim, que os documentos juntados na revisão criminal às fls. 565/567, por não trazerem nenhum elemento novo, são irrelevantes para o deslinde do feito, sendo certo que, até por isso, eles não são suficientes para evidenciar a inocência do autor.
O mesmo deve ser dito em relação aos documentos de fls. 569/593 ("decisão do TCE/SP - Tribunal de Contas do Estado de São Paulo aprovando as contas relativas ao ano de 2008 do Município de Altair/SP"), os quais não são suficientes a comprovar a inocência do requerente.
Primeiro, porque há independência entre as instâncias administrativa e penal, de modo que, ainda que o requerente tivesse sido absolvido naquela, haveria a possibilidade de condenação no plano penal.
Além disso, constata-se que as verbas debatidas no feito criminal sob análise eram de origem federal, de sorte que a prestação de contas respectiva é apreciada pelo TCU - Tribunal de Contas da União e pelo Ministério da Cultura - e não pelo TCE/SP, sendo de se frisar que o TCU rejeitou a justificativa apresentada pelo município quanto ao numerário sub judice.
Destaco que na justificativa de fl. 49 do apenso III, o Município de Altair esclareceu ao Ministério da Cultura que "não houve execução da obra" e que fora "restituído ao órgão concedente o valor do recurso repassado abatido do valor utilizado para aquisição de 2.700 blocos de tijolos em formato EPS (isopor), o qual aguarda desfecho na Ação Civil Pública condenatória também já mencionada visando o ressarcimento integral dos prejuízos causados ao patrimônio público".
O documento de fl. 50 do apenso III faz menção à "instauração de Tomada de Contas Especial junto ao Tribunal de Contas da União, no que tange ao valor de R$67.500,00 (...) utilizados para a aquisição de blocos de tijolos EPS, eis que tal gasto foi realizado em desacordo com o plano de trabalho, bem como ante ao fato de "não ter havido o alcance dos objetivos do convênio e conclusão do objeto".
Conforme se infere do ofício de fl. 58/60 do apenso III, a justificativa de fl. 49 não foi acolhida pelo Ministério da Cultura, "sobretudo por tratar-se de fato ocorrido em consequência do custeio de despesa não inclusa no Plano de Trabalho aprovado - aquisição de 2.700 blocos de tijolo, em formato EPS (isopor) - infringindo os termos pactuados, ademais", tendo se reafirmado "a necessidade de que seja procedido o recolhimento ao Erário, dos valores pendentes, atualizados".
Vê-se, assim, que os documentos de fls. 569/593 ("decisão do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo aprovando as contas relativas ao ano de 2008 do Município de Altair/SP"), ao contrário do quanto afirmado pelo requerente, não provam a sua inocência, motivo pelo qual não procede o pedido de desconstituição do julgado, na forma do artigo 621, III, do CPP.
DA DOSIMETRIA DA PENA
A sentença de origem condenou o autor a 2 (dois) anos de reclusão e a 10 (dez) dias-multa, no valor mínimo legal, pelo delito do artigo 1º, I, do Decreto Lei n. 201/67 e, pelo delito do art. 89 da Lei n. 8.666/93, a 3 (três) anos e 9 (nove) meses de detenção e 30 (trinta) dias-multa, no valor mínimo legal. As penas foram unificadas, nos termos do art. 70 do Código Penal, sendo fixado o regime semiaberto de cumprimento de pena.
A pena do delito do artigo 1º, I, do Decreto Lei n. 201/67, foi fixada no mínimo legal.
Já a pena-base do crime do artigo 89, da Lei n. 8.666/93, foi fixada em 3 anos e 9 meses de detenção, tendo em vista que "o réu não apenas deixou de observar as formalidades impostas pela legislação para a inexigibilidade de licitação quanto inexigiu licitação fora das hipóteses previstas". Nada foi sopesado nas segundas e terceiras fases da dosimetria.
Somadas as penas, resultou um total de 5 anos e 9 meses de prisão, motivo pelo qual foi fixado o regime semiaberto para início de cumprimento de pena.
O acórdão impugnado manteve a dosimetria fixada na sentença, tendo em vista a ausência de recurso quanto ao tema.
Verifico, contudo, que a decisão revisanda revela-se manifestamente nula no que tange à dosimetria do delito do artigo 89, da Lei 8.666/93, tendo em vista que elementares do tipo penal foram valoradas negativamente como circunstâncias judiciais.
Realmente, a pena-base do crime do artigo 89, da Lei n. 8.666/93, foi fixada em 3 anos e 9 meses de detenção, ao fundamento de que "o réu não apenas deixou de observar as formalidades impostas pela legislação para a inexigibilidade de licitação quanto inexigiu licitação fora das hipóteses previstas".
Ocorre que a inobservância das formalidades legais quanto ao procedimento licitatório e a dispensa de licitação fora das hipóteses legais compõem elementares do delito telado, conforme se infere do artigo 89, da Lei 8.666/93:
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Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade: |
Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa. |
Logo, não poderiam tais elementares serem valoradas negativamente na primeira fase da dosimetria da pena, conforme se infere da jurisprudência do C. STJ:
PROCESSUAL E PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO. (1) IMPETRAÇÃO CONTRA ACÓRDÃO DE REVISÃO CRIMINAL. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. (2) CONTINUIDADE DELITIVA. MATÉRIA NÃO DECIDIDA/VENTILADA NO ACÓRDÃO ATACADO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. (3) DOSIMETRIA. ILEGALIDADE. RECONHECIMENTO. (4) WRIT NÃO CONHECIDO. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. |
1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem contra acórdão de revisão criminal, como se fosse um sucedâneo recursal. |
2. Não suscitada na inicial da revisão e, por isso mesmo, não decidida no acórdão ora atacado, a matéria referente à continuidade delitiva não merece conhecimento, sob pena de supressão de instância. |
3. A dosimetria somente pode ser revista em habeas corpus se denotada ilegalidade na sua fixação, ocorrente na espécie em duas circunstâncias judiciais valoradas negativamente, com base em afirmações genéricas ou pelas próprias elementares do tipo (roubo). |
4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, apenas para reduzir a pena final, especificamente com relação à ação penal n. 2.005.0000.0359-1/0, para para 7 (sete) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, além do pagamento de 17 (dezessete) dias-multa, mantidos os demais termos da condenação. |
(STJ SEXTA TURMA HC 201102341484 HC - HABEAS CORPUS - 220263 MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA) |
Por tais razões, mister se faz desconstituir a decisão impugnada apenas no que tange à dosimetria da pena do delito do artigo 89, da Lei n. 8.666/93, afastando as circunstâncias judiciais que nela foram negativamente valoradas.
Por conseguinte, fica a pena do delito do artigo 89, da Lei n. 8.666/93, no mínimo legal, ou seja, 3 (três) anos de detenção e 10 (dez) dias-multa.
Por fim, verifico que a decisão recorrida, ao fixar pena de multa, para o delito do artigo 1°, I, do Decreto-Lei 201/67, violou expressamente o artigo 1°, §1°, do referido diploma, o qual não prevê a pena de multa para tal delito.
De fato, o artigo 1°, §1°, do Decreto-Lei 201/67, estabelece que "Os crimes definidos nêste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos", não estabelecendo, portanto, qualquer pena de multa.
Logo, constata-se que a decisão impugnada afigura-se manifestamente nula, no particular, impondo-se a sua revisão e consequente afastamento da pena de multa relativa ao delito do artigo 1°, I, do Decreto-Lei 201/67.
No mais, fica mantido o decisum impugnado, inclusive no que diz respeito ao regime inicial de cumprimento de pena, já que a soma das penas privativas de liberdade é de 05 (cinco) anos, o que impõe a fixação do regime inicial semiaberto, nos termos do artigo 33, §2°, b, do CP.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, voto por julgar improcedentes os pedidos deduzidos na revisão criminal e, de ofício, desconstituir a decisão impugnada no que tange (a) à dosimetria da pena do delito do artigo 89, da Lei n. 8.666/93, reduzindo a respectiva pena para o mínimo legal, ou seja, 3 (três) anos de detenção e 10 (dez) dias-multa; e (b) à pena de multa aplicada ao delito do artigo 1°, I, do Decreto-lei 201/67, ficando a pena pelo delito do artigo 89, da Lei n. 8.666/93, em 3 (três) anos de detenção e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, e a pena do crime do artigo 1°, I, do Decreto-Lei 201/67, em 2 (dois) anos de reclusão. Mantido, no mais, o decisum impugnado, inclusive no que diz respeito ao regime inicial de cumprimento de pena, já que a soma das penas privativas de liberdade é de 05 (cinco) anos, o que impõe a fixação do regime inicial semiaberto, nos termos do artigo 33, §2°, b, do CP.
Comunique-se o teor do presente julgamento ao e. Relator do habeas corpus referido às fls. 755/757, em trâmite no C. STJ.
É como voto.
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