Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 28/02/2018
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003994-27.2003.4.03.6106/SP
2003.61.06.003994-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : WALMY MARTINS
ADVOGADO : SP125065 MILTON VIEIRA DA SILVA e outro(a)
APELANTE : EUGENIO SAVERIO TRAZZI BELLINI
ADVOGADO : SP063250 EUGENIO SAVERIO TRAZZI BELLINI e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
ABSOLVIDO(A) : ALBERTO DONIZETE ALVES DE SOUZA
EXCLUIDO(A) : ALBERTO DE SOUZA E SILVA (desmembramento)
: CLAUDIA SANCHES MAGALHAES TUNES (desmembramento)
No. ORIG. : 00039942720034036106 4 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

EMENTA

PENAL. SIMULAÇÃO DE RECLAMATÓRIAS TRABALHISTAS. ESTELIONATO QUALIFICADO. FORMA TENTADA. EMENDATIO LIBELLI. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA RETROATIVA RECONHECIDA EM RELAÇÃO A UM DOS CORRÉUS. SENTENÇA EXTRA PETITA. PRELIMINAR AFASTADA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOSIMETRIA DA PENA. REDUÇÃO DA PENA DE OFÍCIO EM RAZÃO DA FORMA TENTADA DO DELITO. RECURSO DESPROVIDO.
1. Réus denunciados como incursos nas sanções do artigo 299 do Código Penal. 2. Declarada extinta a punibilidade de WALMY MARTINS, nos termos do artigo 107, IV, artigo, 109, inciso V e artigo 110, §1º, todos do Código Penal, restando prejudicado o respectivo recurso. Decorrido lapso maior que o prescricional entre o recebimento da denúncia e a publicação da sentença.
3. Sentença extra petita no tocante a agravante do artigo 61, I, do Código Penal. Inocorrência. Ainda que não tenha havido pedido expresso da acusação, da situação fática posta na exordial infere-se a descrição implícita da referida agravante, permitindo que seja reconhecida e aplicada na sentença, pois, como consabido, o réu defende-se dos fatos descritos na inicial e não da tipificação legal. Da simples leitura da sentença, conclui-se que o magistrado sentenciante apenas fez referência ao Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil que considera tal conduta infração disciplinar. Aplicação do art. 385 do CPP.
4. Simulação de reclamatórias trabalhistas. Artigo 171, §3º, c.c artigo 14, II, ambos do Código Penal (tentativa de estelionato qualificado). Presentes todas as elementares do tipo de estelionato, vale dizer, a obtenção de vantagem indevida representada por créditos trabalhistas fictícios que visavam impedir que cooperativa respondesse pelos verdadeiros débitos, causando, por conseguinte, prejuízo aos verdadeiros credores, mediante meio fraudulento consubstanciado nas reclamatórias trabalhistas simuladas, que pretendiam induzir a erro o Poder Judiciário. Necessidade da emendatio libelli, de ofício. Possibilidade de emendatio libelli em segunda instância. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça (HC 312.892/AL, DJe 19/10/2015; AgRg no HC 201.343/RS, DJe 10/10/2014).
5. Materialidade e autoria comprovadas. Existência de provas seguras de que o apelante engendrou a fraude perpetrada na tentativa de constituir créditos trabalhistas fictícios, frise-se, preferenciais, no intuito de impedir que os bens da cooperativa viessem a sofrer constrições futuras por parte dos verdadeiros credores, causando-lhes prejuízo, induzindo a erro o Poder Judiciário.
7. Dosimetria da pena. Redimensionamento das penas em razão da reclassificação jurídica dos fatos narrados na inicial. Aplicação, de ofício, da causa de redução da pena referente à tentativa. Pena definitiva reduzida para 03 (três) anos, 08 (oito) meses, 13 (treze) dias de reclusão e pagamento de 35 (trinta e cinco) dias-multa.
8. Declarada extinta a punibilidade de um dos corréus, nos termos do artigo 107, IV, artigo, 109, inciso V e artigo 110, §1º, todos do Código Penal e desprovido o recurso do outro.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, declarar extinta punibilidade de WALMY MARTINS, nos termos do artigo 107, IV, artigo 109, inciso V e artigo 110, §1º, todos do Código Penal, restando prejudicado seu recurso e, de ofício, aplicar o artigo 383 do Código de Processo Penal para reclassificar a conduta delitiva como tentativa de estelionato qualificado e condenar o apelante EUGÊNIO SAVÉRIO TRAZZI BELLINI como incurso no artigo 171, §3º, c.c. artigo 14, II, do Código Penal, em continuidade delitiva, e, por conseguinte, reduzir a pena privativa de liberdade total para de 03 (três) anos, 08 (oito) meses, 13 (treze) dias de reclusão e pagamento de 35 (trinta e cinco) dias-multa e negar provimento ao recurso deste, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Por maioria, determinar a imediata expedição de mandados de prisão, nos termos do voto do Relator, acompanhado pelo des. Fed. Valdeci dos Santos, vencido o Des. Fed. Wilson Zauhy.

São Paulo, 20 de fevereiro de 2017.
HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003994-27.2003.4.03.6106/SP
2003.61.06.003994-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : WALMY MARTINS
ADVOGADO : SP125065 MILTON VIEIRA DA SILVA e outro(a)
APELANTE : EUGENIO SAVERIO TRAZZI BELLINI
ADVOGADO : SP063250 EUGENIO SAVERIO TRAZZI BELLINI e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
ABSOLVIDO(A) : ALBERTO DONIZETE ALVES DE SOUZA
EXCLUIDO(A) : ALBERTO DE SOUZA E SILVA (desmembramento)
: CLAUDIA SANCHES MAGALHAES TUNES (desmembramento)
No. ORIG. : 00039942720034036106 4 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

RELATÓRIO

EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL DR. HÉLIO NOGUEIRA (Relator): Trata-se de Apelações Criminais interpostas por WALMY MARTINS e EUGÊNIO SAVÉRIO TRAZZI BELLINI, advogando em causa própria, contra a sentença (fls. 1.316/1.333 e fls. 1.348-1.348-v) proferida pelo MMº. Juiz Federal da 4ª Vara Federal de São José do Rio Preto, que pela prática do delito previsto no artigo 299 do Código Penal;

- condenou WALMY MARTINS à pena de 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, no regime inicial aberto, e ao pagamento de 200 (duzentos) dias-multa, no valor unitário mínimo legal; e

- condenou EUGÊNIO SAVÉRIO TRAZZI BELLINI à pena de 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses de reclusão, no regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 300 (trezentos) dias-multa, no valor unitário mínimo legal;

- absolveu ALBERTO DONIZETE ALVES DE SOUZA, pois não comprovados os fatos imputados na denúncia.

Consta da denúncia:

(...)ALBERTO DE SOUZA E SILVA, na qualidade de advogado de Jesuel Soares, Iones Maria Bisiaqui, Oswaldo Rodrigues, Geraldo da Silva, Lenira Dutra, Antonio Roberto Gilabet e Divinomar Morais das Neves, e CLAUDIA SANCHES MAGALHAÕES TUNES, na qualidade de advogada de Andrea Perpétua Vieira, Rafael Plaza Neto, Adriano Freitas Neves, Valentim de Siqueira e Carlos Alberto Tofanelli, ajuizaram reclamatórias trabalhistas em face da Cooperativa Agropecuária Mista de Cafeicultores Alta Araraquarense (CAFEALTA), perante a Justiça do Trabalho de São José do Rio Preto/SP, simulando a existência de lide trabalhista entre as partes e pleiteando a condenação da reclamada ao pagamento de verbas trabalhistas descritas nas exordiais, as quais possuíam valores exorbitantes ( fls. 97/115, 113/166, 177/227, 233/254 e 281/291).
Após o ajuizamento das ações, as partes peticionaram ao Juízo do trabalho a homologação de acordos, nos quais a reclamada aceitava pagar 100%(cem por cento) dos valores exorbitantes pleiteados.
Nos entanto, alguns reclamantes afirmaram em Juízo que aqueles acordos já estavam prontos antes da propositura das reclamatórias trabalhistas e, além disso, constatou-se que a reclamada possuía dívidas de elevados valores com outros credores (fls. 331/338), motivos estes que demonstraram a ausência de litígio entre as partes e levaram os processos a serem extintos sem julgamento do mérito.
Posteriormente, apurou-se que ALBERTO, DONIZETE ALVES DE SOUZA e WALMY MARTUINS, dirigentes da CAFEALTA, orientados pelo advogado EUGÊNIO SAVERIO TRAZZI BELLINI, ajustaram com aqueles 12 (doze) reclamantes propositura de ações trabalhistas, com a finalidade de constituir créditos trabalhistas inexistentes e lesar credores (fls. 255/259, 264/266, 302/303, 326/327 e 365/367).
Cosnta dos autos que ALBERTO DONIZETE ALVES DE SOUZA, WALMY MARTINS e EUGENIO SAVERIO TRAZZI BELLINI foram os responsáveis pela contratação dos advogados dos reclamantes e pela elaboração dos cálculos do valores indevidamente pleiteados.
Assim, os direitos trabalhistas descritos nas iniciais não existiam e a intenção dos acusados era constituir créditos trabalhistas fictícios para que aquela empresa não perdesse seus bens nas execuções promovidas pelos credores.
Destarte, os denunciados, de forma deliberada e consciente, visando lesar credores e induzir a erro a justiça do trabalho, simularam as lides trabalhistas e alteraram a verdade sobre fato juridicamente relevante.
É sabido que a simulação, desde que capaz de criar obrigação, prejudicar direito ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, constitui falsidade ideológica".(...)

A denúncia foi recebida em 14/10/2004 (fl. 426) e a sentença, publicada em 22/03/2010 (fl. 1.337).

O feito foi desmembrado em relação aos codenunciados ALBERTO SOUZA E SILVA e CLAUDIA SANCHES MAGALHAES TUNES (fls. 601/602).

Nas razões de recurso de fls. 1.354/1.363, a defesa de WALMY MARTINS pretende a extinção da punibilidade do réu, nos termos do artigo 107, IV do Código Penal, alegando que:

a) a conduta em questão amolda-se ao delito previsto no artigo 179 do Código Penal, devendo ser operada a desclassificação;

b) a ação penal nos crimes de fraude a execução inicia-se mediante queixa por ser de natureza privada, o que não ocorreu in casu;

c) operou-se a decadência do direito de queixa por parte dos credores prejudicados, uma vez que os fatos ocorreram entre os meses de novembro/2001 e dezembro/2001.

Por sua vez, EUGENIO SAVÉRIO TRAZZI BELLINI, advogando em causa própria, às fls. 1.387/1.394, pugna pela absolvição, aduzindo, em apertada síntese, a inexistência de provas de autoria. Subsidiariamente, pretende a redução da pena, alegando ser tecnicamente primário, o descabimento da agravante prevista no artigo 61, I, do Código Penal e da causa de aumento referente à continuidade delitiva.

Por fim, sustenta ser a sentença extra petita, pois para aplicação do artigo 61, II, do Código Penal, invoca o Estatuto da Advocacia, que "além de não constar na denúncia, com efeito não quadra aos autos, pois ao alegar infração ao EOAB, pelo inciso IX e XVII, do artigo 34, equivocadamente invocou o que não tem fundamento, pois o apelante não cometeu qualquer infração disciplinar".

O Ministério Público Federal apresentou contrarrazões às fls. 1.379/1.381-v e fls. 1.435/1.443.

A Procuradoria Regional da República, por seu ilustre representante, Dr. Elton Venturi, manifestou-se pela decretação da extinção de punibilidade do réu WALMY MARTINS, pela prescrição da pretensão punitiva retroativa, bem como pelo desprovimento do recurso de EUGENIO SAVÉRIO TRAZZI BELLINI, devendo ser reduzida, de ofício, a pena que lhe foi imposta, em vista da necessária reclassificação da capitulação jurídica dos fatos para o delito previsto no artigo 171, c.c artigo 14, II, do Código Penal.

É o relatório.

À revisão.

HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003994-27.2003.4.03.6106/SP
2003.61.06.003994-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : WALMY MARTINS
ADVOGADO : SP125065 MILTON VIEIRA DA SILVA e outro(a)
APELANTE : EUGENIO SAVERIO TRAZZI BELLINI
ADVOGADO : SP063250 EUGENIO SAVERIO TRAZZI BELLINI e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
ABSOLVIDO(A) : ALBERTO DONIZETE ALVES DE SOUZA
EXCLUIDO(A) : ALBERTO DE SOUZA E SILVA (desmembramento)
: CLAUDIA SANCHES MAGALHAES TUNES (desmembramento)
No. ORIG. : 00039942720034036106 4 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

VOTO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (Relator):

EUGÊNIO SAVÉRIO TRAZZI BELLINI e WALMY MARTINS foram denunciados, juntamente com ALBERTO DONIZETE ALVES DE SOUZA, ALBERTO DE SOUZA E SILVA e CLAUDIA SANCHES MAGALHÃES TUNES, os três últimos, advogados, assim como o primeiro, por terem simulado reclamatórias trabalhistas com intuito de constituir crédito trabalhistas fictícios em face da Cooperativa Agropecuária Mista de Cafeicultores Alta Araraquarense (CAFEALTA), lesando os verdadeiros credores desta.

Segundo a acusação, WALMY MARTINS, uns dos dirigentes da cooperativa supracitada, orientado pelo corréu e advogado EUGÊNIO SAVÉRIO TRAZZI BELLINI e em conjunto com este último, ajustou com doze funcionários a propositura de ações trabalhistas simuladas, sendo, também, ambos, responsáveis pela contratação de advogados para os reclamantes e pela elaboração dos cálculos dos valores indevidamente pleiteados.

Após regular instrução, o Juízo de primeiro grau os condenou pelo delito de falsidade ideológica, o que ensejou a interposição dos presentes recursos, os quais passo a examinar.

Inicio pela preliminar de prescrição da pretensão punitiva retroativa suscitada pelo Ministério Público Federal em relação ao corréu WALMY MARTINS.

In casu, desconsiderando o acréscimo da continuidade delitiva (Súmula n. 497 do Supremo Tribunal Federal), a pena a ser analisada para efeito da prescrição é de 01 (um) ano e 06 (seis) de reclusão, imposta ao réu WALMY, cujo prazo prescricional é de 04 (quatro) anos, nos termos do artigo 109, inciso V, do Código Penal.

Compulsando os autos, verifico que os fatos ocorreram durante o ano de 2001, quando propostas as reclamatórias trabalhistas simuladas, a denúncia foi recebida em 14/10/2004 (fl.426) e a sentença condenatória publicada em 22/03/2010 (fl. 1.337).

Assim, nos termos dos § 1º do artigo 110 do Código Penal, cumpre reconhecer a prescrição da pretensão punitiva, na modalidade retroativa, entre a data do recebimento da denúncia (14/10/2004) e a publicação da sentença (22/03/2010), pois transcorrido lapso temporal superior ao prescricional.

Desta forma, acolho parecer ministerial e declaro extinta punibilidade de WALMY MARTINS, nos termos do artigo 107, IV, artigo, 109, inciso V e artigo 110, §1º, todos do Código Penal, restando prejudicado o respectivo recurso, conforme Súmula n. 241 do extinto TFR.

Cumpre, pois, analisar o apelo de EUGÊNIO SAVÉRIO TRAZZI BELLINI.

Passo à matéria devolvida.

De início, afasto a alegação de ser a sentença extra petita no tocante a agravante do artigo 61, I, do Código Penal.

Ainda que não tenha havido pedido expresso da acusação, da situação fática posta na exordial infere-se a descrição implícita da referida agravante, permitindo que seja reconhecida e aplicada na sentença, pois, como consabido, o réu defende-se dos fatos descritos na inicial e não da tipificação legal. Ressalte-se que o art. 385 do CPP expressamente permite ao julgador reconhecer eventuais agravantes genéricas na sentença, ainda que não articuladas na exordial acusatória.

Outrossim, da simples leitura da sentença, conclui-se que o magistrado sentenciante ao reconhecer que EUGÊNIO agiu com violação ao dever funcional, apenas fez referência ao Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil que considera tal conduta infração disciplinar.

Deste modo, não emerge dos autos a ausência de correlação entre denúncia e sentença, através do alegado julgamento extra petita, ao contrário, os fatos foram descritos de forma minudente na denúncia, da qual teve a réu o amplo acesso para o exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa.

Prossigo.

Antes, porém, de adentrar no exame da materialidade e autoria, cumpre discorrer sobre a capitulação jurídica dos fatos descritos na denúncia.

O apelante foi denunciado e condenado pelo delito de falsidade ideológica. O magistrado sentenciante ao proferir o decreto condenatório consignou o entendimento de que a inicial trabalhista pode ser objeto do crime em questão, nos seguintes termos:

(...) A inicial simulada não permitia à autoridade judicial a sua verificação objetiva concomitante por parte da autoridade judiciária, tanto que os processos trabalhistas que deram origem a presente ação penal, seguiram até a audiência, quando então a simulação foi identificada. (...)
Ademais, embora a questão da ocorrência ou não da simulação vá ser vista a seguir, soa absurda a este juízo a tese de que propor uma lide simulada perante o Poder Judiciário seja um ato que não ofende o bem jurídico fé pública. Ora, as partes devem vir a juízo com seriedade, lealdade e verdade (CPC art. 14). Portanto, aquele que se presta a usar o Poder Judiciário para almagra suas artimanhas ilícitas comete crime sim. Não o comete se falseia um dado, se mente algum fato, porque neste caso arcará com as consequências processuais cabíveis. Mas não é o caso dos autos. No caso dos autos toda ação era simulada, vale dizer não havia qualquer pretensão insatisfeita, portanto não se aplica a jurisprudência que analisou a gravidade da declaração falsa de um determinado fato no contexto de uma lide real.
(...) tenho que a inicial da ação trabalhista é documento particular passível de conter falsidade ideológica quando simulada ( e esta é a grande diferença da metra falsidade de fatos e dados) e afasto a alegação da defesa neste sentido.(...)

De outro lado, a Procuradoria Regional da República preconiza tratar os fatos narrados na denúncia de estelionato na forma tentada, aduzindo que a petição "inicial não se inclui na definição de documento para fins penais, por meio da qual se criaria obrigação e firmaria verdade sobre fato juridicamente relevante", pois "em seu bojo, não é obrigatória a exposição de fato veraz, bastando a apresentação de meras alegações que serão objeto de dilação probatória no curso do processo judicial", e portanto, afirma ausentes as elementares do delito de falsidade ideológica.

Explicita no parecer, ainda, que no caso dos autos, que tratam de reclamatórias trabalhistas simuladas com pedido de acordo, a homologação do pacto não seria obrigatória, porquanto competiria ao Juízo verificar a convenção das partes, a coerência do pedido e instruir o feito, havendo assim confrontação do Juízo a posteriori, o que elide, in casu, a possibilidade de tratar as petições das reclamatórias trabalhistas como documento para fins penais.

Nesta esteira, sustenta que por meio das lides trabalhistas simuladas, nas quais estavam em conluio advogados, reclamantes e reclamada, tentou-se a obtenção de vantagem indevida em prejuízo de credores da cooperativa CAFEALTA, quais sejam, créditos trabalhistas preferenciais fictícios, induzindo o magistrado trabalhista em erro.

Entendo deva ser acolhido parecer ministerial no ponto.

De fato, estão presentes todas as elementares do tipo de estelionato, vale dizer, a obtenção de vantagem indevida representada por créditos trabalhistas fictícios que visavam impedir que cooperativa respondesse pelos verdadeiros débitos, causando, por conseguinte, prejuízo aos verdadeiros credores, mediante meio fraudulento consubstanciado nas reclamatórias trabalhistas simuladas, que pretendiam induzir a erro o Poder Judiciário.

Curial destacar, ainda, que para caracterização do estelionato não se faz obrigatória a coincidência entre aquele que sofre o prejuízo com o induzido a erro, podendo ser vítimas diversas, como ocorre nos autos, em que o prejuízo seria arcado pelos verdadeiros credores da CAFEALTA e o erro por indução cometido pela Justiça Trabalhista.

Neste sentido, o posicionamento do C. Tribunal Regional Federal da 4ª Região em casos análogos:

PENAL. HABEAS CORPUS. ESTELIONATO ATRAVÉS DO PODER JUDICIÁRIO. ART. 171, § 3º, DO CP. SIMULAÇÃO DE RECLAMATÓRIA TRABALHISTA VISANDO CONSTITUIR CRÉDITO EM PREJUÍZO DE TERCEIROS. FATO TÍPICO. 1. Não é desarrazoado entender que pode o Poder Judiciário ser vítima de meio fraudulento para a configuração do estelionato. É público e notório a atuação de estelionatários nos mais variados segmentos da sociedade, cada vez mais ousados e empenhados em formar estratagemas com fins de obter vantagem fácil, sempre em detrimento de terceiros. 2. O tipo do estelionato exige o prejuízo alheio, o que não implica ser o da pessoa induzida ou mantida em erro, na medida em que inexiste impedimento de que a vítima (terceiros credores), possa ser diferente da pessoa do enganado (Juízos Trabalhista e Federal). 3. Hipótese em que não se revela atípico o alegado crime de estelionato cometido através do Poder Judiciário, quando os denunciados, em conluio, ingressaram com reclamatória trabalhista simulada (ardil) visando obter sentença judicial para constituir formalmente crédito que materialmente inexiste e, assim, obter vantagem ilícita em prejuízo alheio, no caso, outros credores. 4. Ainda que se possa ter a sentença como válida, a vantagem dela advinda deve ser tida como ilícita, não em razão da pessoa de que promana, e sim pelo seu próprio conteúdo, viciado desde a origem, evidenciando a colusão das partes para fraudar a lei (art. 129 do CPC), o que possibilita, inclusive, a superação de eventual coisa julgada, através da ação rescisória (art. 485, III, do CPC), evitando que as partes se sirvam do processo para fins ilícitos. (TRF4, HC 2008.04.00.036635-2, SÉTIMA TURMA, Relator para Acórdão TADAAQUI HIROSE, D.E. 05/11/2008)
HABEAS CORPUS. ESTELIONATO JUDICIÁRIO. SIMULAÇÃO DE RECLAMATÓRIA TRABALHISTA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. - A simulação de relação de trabalho, na qual o suposto empregado é pessoa de confiança, objetivando o esvaziamento dos bens, através da preferência gozada pelo crédito trabalhista, de maneira a inviabilizar as demais execuções, é conduta que se amolda ao tipo penal previsto no artigo 171 do Código Penal. - Ordem denegada.(HC 200604000120056, MARIA DE FÁTIMA FREITAS LABARRÈRE, TRF4 - SÉTIMA TURMA, DJ 21/06/2006 PÁGINA: 444.)

Desta feita, imperiosa a correção da capitulação legal conferida à situação narrada na inicial, conforme parecer ministerial.

Assim, de ofício, dou aos fatos nova classificação jurídica, a teor dos artigos 383 e 617, ambos do diploma processual penal, subsumindo-os ao tipo descrito no artigo 171, §3º, c.c artigo 14, II, ambos do Código Penal (tentativa de estelionato qualificado).

Sobre a possibilidade de emendatio libelli em segunda instância, colaciono os julgados seguintes:

PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. ARTIGO 121, § 2º, IV, DO CP. HIPÓTESE DE EMENDATIO LIBELLI. POSSIBILIDADE EM SEDE RECURSAL. ORDEM NÃO CONHECIDA.
I - A Primeira Turma do col. Pretório Excelso firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus substitutivo ante a previsão legal de cabimento de recurso ordinário (v.g.: HC n.
109.956/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 11/9/2012; RHC n.
121.399/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 1º/8/2014 e RHC n.
117.268/SP; Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 13/5/2014). As Turmas que integram a Terceira Seção desta Corte alinharam-se a esta dicção, e, desse modo, também passaram a repudiar a utilização desmedida do writ substitutivo em detrimento do recurso adequado (v.g.: HC n.
284.176/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 2/9/2014; HC n. 297.931/MG, Quinta Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 28/8/2014; HC n. 293.528/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 4/9/2014 e HC n. 253.802/MG, Sexta Turma, Rel. Min.
Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 4/6/2014).
II - Portanto, não se admite mais, perfilhando esse entendimento, a utilização de habeas corpus substitutivo quando cabível o recurso próprio, situação que implica o não-conhecimento da impetração.
Contudo, no caso de se verificar configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, recomenda a jurisprudência a concessão da ordem de ofício.
III - O réu se defende dos fatos que são descritos na peça acusatória e não da capitulação jurídica dada na denúncia.
IV - Assim sendo, a adequação típica pode ser alterada tanto pela sentença quanto em segundo grau, via emendatio libelli, ainda que em sede de recurso exclusivo da defesa, mas desde que nos limites do art. 617 do CPP (precedentes).
V - In casu, o eg. Tribunal a quo, no julgamento de recurso em sentido estrito interposto pelo ora paciente, considerou necessária a correção da classificação jurídica do fato, uma vez que "o Ministério Público deveria ter disposto em sua denúncia que o crime foi cometido mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, qualificadora esta prevista no art. 121, § 2º, IV do CP, e não considerar tal fato como agravante, nos termos do art. 61, II, c do CP", razão pela qual o v. acórdão objurgado se enquadra na hipótese do art. 383, do CPP (emendatio libelli), não estando eivado de qualquer nulidade.
Habeas corpus não conhecido.
(HC 312.892/AL, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 01/10/2015, DJe 19/10/2015)
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ALTERAÇÃO DA CLASSIFICAÇÃO DO DELITO. RÉU DENUNCIADO POR EXTORSÃO E CONDENADO POR CONCUSSÃO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. HIPÓTESE DE EMENDATIO LIBELLI.
1. O agravante não apresentou argumentos novos capazes de infirmar os fundamentos que alicerçaram a decisão agravada, razão que enseja a negativa de provimento ao agravo regimental.
2. O réu se defende dos fatos que são descritos na peça acusatória, e não da capitulação jurídica dada na denúncia. Assim sendo, a adequação típica pode ser alterada tanto em primeira instância quanto em segundo grau, via emendatio libelli.
3. Na espécie, embora o Ministério Público tenha capitulado os fatos narrados na denúncia como o delito previsto no art. 158, caput, do Código Penal (extorsão), a descrição contida na exordial acusatória permite a imputação do fato previsto no tipo legal do art. 316, caput, do Código Penal (concussão), razão pela qual a decisão objurgada se enquadra na hipótese do art. 383 do Código de Processo Penal (emendatio libelli), não estando eivada de nenhuma nulidade.
4. Agravo regimental improvido.
(AgRg no HC 201.343/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 10/10/2014)

Assentada tal proposição, volto à matéria devolvida pelo apelante.

A materialidade e autoria encontram-se fartamente demonstradas nos autos.

As cópias dos termos de audiência e as sentenças acostadas às fls. 29/31, 61/63, 67/68, 74/77, 80/82, 91/92, 198 e 205 revelam que os magistrados trabalhistas identificaram a inexistência de lide entre reclamantes e reclamada e a verdadeira intenção por parte da CAFEALTA (reclamada) em proteger seus bens e patrimônio das ações de credores. Confiram-se:

Sentença de fls. 67/68 - Reclamatória trabalhista n. 1820/2001: (...) verifica-se, portanto, no caso em tela, a ausência de litígio, uma vez que a reclamada se dispões a pagar para o autor todas as verbas pleiteadas descritas na exordial. Não concorre, assim, uma das condições da ação, qual seja o interesse processual.
Nota-se, também, que para o pagamento do acordo a reclamada pretendia utilizar-se de parte dos aluguéis que lhe são devidos em decorrência do contrato locatício que mantem com as empresas mencionadas às fls. 15/16, já objeto de penhoras (fl. 51).
Não há como deixar de reconhecer a existência de fortes indícios no sentido de que a avença firmada visa unicamente proteger bens do empregador, com a conivência do empregado. Em suma, vislumbra-se que as partes pretendiam se servir do processo para a prática de ato simulado, com intuito de prejudicar terceiros. (...)
Sentença fl. 80/82 - Reclamatória trabalhista n. 1818/2001-9: (...) dentre as pretensão aduzidas, chama atenção, no caso de Divinomar, a indenização por FGTS não recolhido no importe de R4 31.645,33 e féria vencidas em dobro totalizando R$ 15.643,88.
Na mesma linha de raciocínio o pedido relativo ao FGTS do sr. Antõnio montou em R4 50.741,85 com férias dobradas atingindo R$ 19.781,90. Muito bem. Patrocuinadas pelo mesmo causídico, tiveram suas ações distribuídas em 11.09.2001, uma com valor de R4 135.207,94 e outra de R$ 192.952,95.
Designada a sessão de audiência para fevereiro de 2002 e notificada pelas partes, já em 23.10.2001 vieram aos autos petições de acordo, onde a reclamada reconhece as pretensões veiculadas no petitório de ingresso e se compromete a pagar o débito em trinta e seis parcelas.
Os valores seriam variáveis e pagos diretamente pela empresa Carrefour Indústria e Comércio Ltda. Locatária da ré que comprovaria o pagamento nos autos, em vez de endereça-los a ré. Tendo ainda, que a própria petição de acordo serviria de procuração para que o reclamante promover os recebimentos.
Estranhamos o fato especialmente por haver, em trâmite por esta mesma vara, várias reclamações em face da reclamada desde 1993 e 1994, onde não se obtêm sucesso em penhoras para garantir a execução.
O próprio aluguel que agora se pretende utilizar para saldar os acordos não foi apreendido visto que a locatária MIX Supermercado, antecessora do Carrefour, informou que seriam inteiramente absorvido por abatimentos que seriam feitos em virte de reforma no prédio.
Por outro lado, apenas para exemplificar, no autos n. 1625-94, em que o trabalhou de 7 92, a condenação atualizada em 27.08.2001, atingiu apenas R$ 5.870,47.
Do mesmo modo nos autos de n. 405/93, em que op reclamante trabalhou entre 89 a 92, a condenação em agosto de 2001 atingiu R$ 8.069,34, sendo estes os valores médios dos feitos em andamento.
Diante de todas estas constatações, determinamos o comparecimento dos envolvidos em Juízo a fim de que pudéssemos melhor formar nosso convencimento. Na ocasião todos mostraram anuência à pactuação. Por intermédio do ofício de fls. 76 e mediante contato verbal, tomamos ciência que situação idêntica à aqui noticiada ocorreu perante as duas outras varas locais, onde os acordos deixaram de ser homologados em face da evidência de fraude.
Todos os fatos acima narrados nos induzem à conclusão de que as lides em análise foram simuladas entre as partes. (...)

Os valores pleiteados indevidamente constam das cópias das inicias trabalhistas e demais peças:

- fls. 23/24 - reclamante Adriano Freitas das Neves, representado pela advogada Cláudia Sanches Magalhães Tunes - valor da causa: R$ 67.621,56 (sessenta e sete mil, seiscentos e vinte e um reais e cinquenta e seis centavos);

- fls. 104/106 - reclamante Jesuel Soares, assinada pelo advogado Alberto Souza e Silva - valor da causa: R$ 107.799,24 (cento e sete mil, setecentos e noventa e nove reais e vinte e quatro centavos);

- fls. 120/122 - reclamante Iones Maria Bisiaqui, assinada pelo advogado Alberto Souza e Silva - valor da causa: R$ 40.849,26 (quarenta mil, oitocentos e quarenta e nove reais e vinte e seis centavos);

- fls. 129/136 - reclamante Andréia Perpétua Vieira, assinada pela advogada Cláudia Sanches Magalhães Tunes - valor da causa: R$ 95.865,30 (noventa e cinco mil, oitocentos e sessenta e cinco reais e trinta centavos);

- fls. 143/145 - reclamante Lenira Dutra, assinada pelo advogado Alberto Souza e Silva - valor da causa: R$ 193.571,15 (cento e noventa e três mil, quinhentos e setenta e um reais e quinze centavos);

- fls. 152/159 - reclamante Carlos Alberto Tofanelli, assinada pela advogada Cláudia Sanches Magalhães Tunes - valor da causa: R$ 94.456,17 (noventa e quatro mil, quatrocentos e cinquenta e seis reais e dezessete centavos);

- fls. 184/186 e fls. 199/203- inicial trabalhista e ação cautelar incidental de arresto em nome do reclamante Divinomar Morais das Neves, assinada pelo advogado Alberto Souza e Silva - valor da causa: R$ 135.207,94 (cento e trinta e cinco mil, duzentos e sete reais e noventa e quatro centavos);

- fls. 192/193 - reclamante Antonio Roberto Gilabet, inicial de Ação Cautelar Incidental de Arresto assinada pelo advogado Alberto Souza e Silva - valor da causa: R$ 192.952,95 (cento e noventa e dois mil, novecentos e cinquenta e dois reais e noventa e cinco centavos);

- fls. 207/209 - reclamante Geraldo da Silva, assinada pelo advogado Alberto Souza e Silva - valor da causa: R$ 12.077,17 (doze mil, setenta e sete reais e dezessete centavos);

- fls. 220/222 - reclamante Oswaldo Rodrigues, assinada pelo advogado Alberto Souza e Silva - valor da causa: R$ 14.064,50 (quatorze mil, sessenta e quatro reais e cinquenta centavos);

- fls. 227/234 - reclamante Rafael Plaza Neto, assinada pela advogada Cláudia Sanches Magalhães Tunes - valor da causa: R$ 67.621,56 (sessenta e sete mil, seiscentos e vinte e um reais e cinquenta e seis centavos);

- fls. 242/249 - reclamante Valentim de Siqueira, assinada pela advogada Cláudia Sanches Magalhães Tunes - valor da causa: R$ 102.875,96 (cento e dois mil, oitocentos e setenta e cinco reais e noventa e seis centavos).

Do mesmo modo, inconteste a autoria. A prova oral produzida converge, indubitavelmente, no sentido da participação do acusado nos delitos que lhe foram imputados na denúncia.

Perante a autoridade policial (fls. 392/393), o apelante EUGÊNIO SAVÉRIO negou os fatos e disse ter sido procurado por funcionários da cooperativa CAFEALTA que buscavam receber verbas trabalhistas não pagas e que tais funcionários propuseram que os direitos trabalhistas que tinham a receber da CAFEALTA fossem compensados com valores que dispunha a Cooperativa COLAR, que, aparentemente, sucedeu a CAFEALTA. Confirmou o réu a ocorrência de uma reunião em seu escritório com os funcionários da cooperativa, entretanto, negou ter indicado ou providenciado advogado para patrocinar as causas dos funcionários, bem como ter solicitado tal providência à ex-estagiária LILLIAN GRACE COELHO.

Em Juízo (fls. 605/606), voltou a negar os fatos e informou que, quando procurado por uma das testemunhas arroladas para propor ação trabalhista contra a cooperativa CAFEALTA, recusou, tendo em vista que era advogado da cooperativa COLAR, cujo presidente era o mesmo da CAFEALTA. Asseverou, ainda, nunca ter participado de reunião para tratar de rescisões da CAFEALTA, desmentido a própria versão apresentada na fase extrajudicial.

De outro turno, os depoimentos das testemunhas de acusação são uníssonos em relação à ocorrência de conluio entre o apelante e os demais codenunciados, dentre ele, o presidente da cooperativa em questão, visando a simulação de reclamatórias trabalhistas para tentar proteger os bens e patrimônio da CAFEALTA da cobranças de suas dívidas.

Todas as testemunhas arroladas pela acusação, em Juízo (fls. 837/843), confirmaram integralmente os depoimentos prestados perante a autoridade policial, nos quais revelaram (aqueles que eram funcionários à época dos fatos) que foram levados a ingressarem com reclamatórias trabalhistas pelo próprio presidente da cooperativa como única saída para livrar a cooperativa de dívidas e poderem receber seus salários e manter seus empregos. Alguns informaram que foram ao escritório do apelante EUGÊNIO SAVÉRIO TRAZZI BELLINI onde assinaram os documentos para a propositura das reclamatórias.

Esclarecedor o depoimento de Jesuel Soares, então funcionário da cooperativa, às fls. 264/267, confira-se;

(...) que o declarante trabalha na Cooperativa Agropecuária Mista de Cafeicultores da alta araraquarense (CAFEALTA) desde setembro de 1987; que atualmente o nome da cooperativa é Cooperativa de Laticínios da região de São José do Rio Preto, sendo que o presidente desta Cooperativa é o sr. ALBERTO DONIZETE ALVES DE SOUZA (...) que no início do mês de setembro de 2001, o declarante bem como os outros funcionários da cooperativa foram chamados por seu presidente acima mencionado, para ter uma conversa reservada numa sala; que nessa conversa foi exposto aos funcionários, inclusive ao declarante, que a cooperativa respondia por várias dívidas, especialmente perante ao INSS, o Banco do Brasil e outros credores; que por conta dessas dívidas, vários bens da cooperativa, inclusive imóveis, encontravam-se penhorados para a satisfação dos débitos; que, foi dito, então, aos funcionários, que concordassem com a propositura de reclamações trabalhistas contra a cooperativa a fim de constituir crédito privilegiado num eventual concurso de credores; que tal situação foi exposta aos funcionários em tom de ameaça, ou seja, os funcionários foram pressionados a ingressar com as ações, sob pena de perderem seus empregos; que assim, foi exposto pelo sr. ALBERTO que advogados contratados pela própria cooperativa cuidaram de elaborar os documentos necessários à propositura de ações, bem como os cálculos que basearam os pedidos nessas ações, que deveriam ser assinados por cada um dos funcionários; que acredita que em torno de dez funcionários tenham proposto ações trabalhistas neste termos; que algumas das ações propostas por um mesmo advogado, no caso do declarante, o advogado ALBERTO SOUZA E SILVA, profissional este que foi contratado pela própria cooperativa, e que também patrocinou a ação ajuizada pela colega do declarante, IONE MARIA BISIAQUI; que pelo que pode perceber o declarante tal advogado foi arrumado por indicação do principal a advogado da cooperativa , EUGENIO BELINI SAVERIO TRAZZI; que além do presidente da cooperativa, estavam envolvidos nessas simulações o sr. WALMY MARTINS, que era diretor da cooperativa e responsável por assinar quaisquer documentos relativos as questões trabalhistas dos funcionários; que por estar ameaçado seu emprego, o declarante aceitou assinar os documentos que seriam elaborados pelos advogados da cooperativa; que recorda-se ter assinado diversos documentos já preenchidos por tais advogados; dentre os quais a petição de fls. 98/100 e a procuração de fl. 101; Que tendo em vista que tais documentos foram assinados exatamente no dia 11.09.2001, data do atentado contra as torres gêmeas em Nova Iorque, tal fato ficou marcado na mente do declarante; que esclarece que nesse dia o declarante foi chamado ao escritório do advogado principal da cooperativa, Dr. EUGENIO, à época localizado na Avenida Bady Bassit, próximo à Basílica, para assinar os documentos; que na ocasião, além do declarante estavam presentes nesse escritório, com certeza, todos os funcionários, cerca de dez pessoas, que ingressariam com reclamatórias trabalhistas contra a cooperativa e preservariam os respectivos empregos; que além dessas pessoas, também estavam presentes no dia o sr. ALBERTO, presidente da cooperativa, o Dr. ALBERTO DE SOUZA E SILVA, advogado que patrocinou a causa do declarante e da funcionária IONE, além de outra advogada que patrocinaria as ações propostas pelos demais funcionários; que recorda-se que o nome dessa advogada é CLAUDIA SANCHES MAGALHAES TUNES, também presente no escritório do dr. EUGENIO, nessa ocasião; recorda-se que tal encontro se deu na parte da manhã, próximo ao horário do referido atentado; que pelo que soube o declarante, em outras ocasiões vários colegas seus também forma chamados ao mesmo escritório para assinar documentos subscritos também por outros advogados, cujos nomes não se recorda, a fim de que pudessem ingressar com ações trabalhistas nos mesmos moldes acima descritos; que nesse mesmo dia foi acertado o valor pelo qual seria fechado o acordo nos autos do processo, referente a cada funcionário; que ao declarante coube a importância aproximada de R$ 107.000,00, tendo em conta que principalmente o longo período em que trabalhou na cooperativa; que observa, no entanto, que tal valor foi calculado pelos próprios advogados, sendo certo que o declarante não participou, em momento algum, da elaboração desses cálculos, nem tampouco dos inúmeros pedidos constantes da petição inicial de sua ação; que pelo que foi informado pelos dirigentes da cooperativa, seria pago com dinheiro dos aluguéis recebidos do Carrefour, em decorrência do contrato de locação de um imóvel da cooperativa, onde se encontra instalado o supermercado Champion, na Rua Pedro Amaral, nesta cidade; que mesmo após a propositura de sua reclamação trabalhista o declarante continuou trabalhando normalmente na cooperativa, sem solução de continuidade; que pode afirmar com certeza, que também os funcionários ADRIANO FREITAS DAS NEVES; RAFAEL PLAZA NETO; LENIRA DUTRA; ANDREA PERPETUIA VIEIRA, ANTONIO ROBERTO GILABET e DIVINOMAR MORAES DAS NEVES propuseram reclamações trabalhistas nos mesmos termos que o declarante propôs e continuaram trabalhando normalmente na empresa, sendo que quase todos, até os dias atuais; que desde a celebração do acordo na justiça do trabalho, o declarante nem os outros colegas de trabalho seus, receberam qualquer importância relativa a estes processos , havendo comentários que tais processos forma arquivados, uma vez que os Juízes trabalhistas rejeitaram os acordos, por concluírem serem o s mesmos fraudulentos; que ressalta o declarante que anteriormente a abordagem feita pelo sr. ADALBERTO (sic), jamais havia procurado qualquer advogado, especialmente o dr. 'ADALBERTO' (sic) DE SOUZA E SILVA , para ajuizamento de reclamatória trabalhista; que assim, apenas teve acesso a esse advogado por intermédio do presidente da cooperativa e de seu principal advogado, Dr. EUGENIO. (...)

A também funcionária Iones Maria Bisiaqui (fls. 267/268), perante autoridade policial, confirmou a atuação de EUGENIO e a ocorrência da reunião no escritório deste:

(...) que também participou da reunião havida no escritório do DR. EUGENIO, advogado da Cafealta, em 11.09.2001, na qual se encontravam vários funcionários da cooperativa; que foi nessa reunião que a declarante assinou os documentos de fls. 114/117; que esclarece que em momento algum participou da elaboração dos cálculos que resultaram na formulação do pedido de R$ 40.849,26, deduzido na ação; (...) que, indagada se não achou estranho a cooperativa ter concordado em pagar 100% do valor pedido, respondeu ' acho que sim, principalmente porque não é comum uma empresa quebrada aceitar o pagamento do valor integral"; (...0 que o dr. EUGENIO era o principal advogado da CAFEALTA; que, no encontro ocorrido no dia 11.09.2001, no escritório do dr. EUGÊNIO, também estavam presentes o advogado dr. ALBERTO SOUZA E SILVA, o presidente da Cafealta, ALBERTO, bem como outros funcionários da empresa; que, tanto o Dr. ALBERTO estava lá, que era advogado de várias pessoas que entraram com ação contra a Cafealta (...)

No mesmo sentido, as declarações de Valentim de Siqueira (fls. 335/336), corroborada em Juízo (fl. 843), quando confirmou a ocorrência da reunião entre os dirigentes da cooperativa e os advogados dos reclamantes e reclamada no escritório do apelante EUGÊNIO:

(...) que começou a trabalhar na Cafealta no ano de 1997; que trabalhava na função de fabricação de manteiga, tendo como último salário R$ 590,00 mensais; que de fato, em 2001 foi chamado pelo presidente da cooperativa, ALBERTO DONIZETE, que lhe explicou que seria dada baixa do contrato de trabalho em sua CTPS, mas o declarante continuaria trabalhando na empresa, tendo sido explicada ainda, que a mesma estria sendo terceirizada; que na mesma época foi a um escritório do advogado da cooperativa, conhecido como BELLINI, onde assinou documentos permitindo a propositura da reclamatória trabalhista contra a Cafealta; que jamais teve a intenção de ajuizar reclamatória trabalhista contra a Cafealta; que na época em que isso ocorreu tinha um crédito perante a cooperativa de cerca de R4 10.000,00, conforme lhe fora dito pelo próprio presidente ALBERTO; que não sabe dizer onde foi obtido o valor de R$ 102.875,96, constante da petição inicial que assinou para ajuizamento da ação trabalhista; (...)

Ouvida às fls. 352/353 e fl. 840, a advogada Elisa de Chico Coelho, que atuou na homologação dos acordos, esclareceu que esporadicamente realizava audiências para o então colega de profissão Dr. EUGÊNIO, nos impedimentos deste, pois o conhecia pelo fato da filha estagiar no escritório daquele. Esclareceu que no caso das reclamatórias contra a CAFEALTA, EUGÊNIO pediu para que realizasse as audiências apenas para homologação de acordos representando a CAFEALTA junto com o preposto Sr. WALMY (corréu). Asseverou ter estranhado que a cooperativa concordasse integralmente com valores pedidos, negou ter participado de reunião no escritório do apelante, bem como asseverou desconhecer que os funcionários haviam sido pressionados a ingressarem com as reclamatórias.

Por sua vez, a ex-estagiária de EUGENIO SAVÉRIO TRAZZI BELLINI, Lilian Greyce Coelho, às fls. 374/376 e fl. 839, revelou que o apelante lhe pediu indicação de um advogado que pudesse representar os funcionários da CAFEALTA em reclamatórias trabalhistas, razão pela qual indicou uma colega de faculdade, CLAUDIA SANCHES MAGALHÃES TUNES. Disse que o réu EUGÊNIO quem redigiu as iniciais da reclamatória que foram passadas a advogada CLAUDIA TUNES. Asseverou que apenas tomou conhecimento de que as ações eram simuladas quando a sua mãe, a advogada Elisa Chico Coelho, ao realizar uma das audiências a pedido de EUGÊNIO, assim constatou. Confira-se o excerto do depoimento:

(...) que por volta de 2000 ou 2001 a cooperativa Colar passou a ser cliente do escritório; que indagada sobre as pessoas que tratavam dos interesses da Colar junto ao escritório, tem a esclarecer que, na maioria das vezes quem comparecia ao escritório era o sr. Alberto, PRESIDENTE DA Colar e, por vezes, VALMY MARTINS, também diretor da cooperativa, ou ainda o sr. João, também diretor da Colar; que esclarece a declarante que cuidava mais da parte dos empregados, razão pela qual não tem tantas informações sobre os clientes pessoa jurídica que erma recebidos pelo dr. BELLINI; que em determinada época o dr. BELLINI chegou para declarante e disse que vários empregados que estavam saindo da Cafealta pretendiam ingressar na Justiça do trabalho "para homologar acordos" com a cooperativa; que nessa ocasião, o dr. BELLINI solicitou a declarante se não conhecia alguma advogada que pudesse representar os empregados, já que os mesmos não poderiam ser representados pelo escritório, dada a contrariedade dos interesses com a cliente Cafealta; que "por não achara errado"a declarante chegou a indicar a amiga, a advogada CLAUDIA TUNES; que o próprio dr. BELLINI encarregou-se de redigir as petições iniciais e repassá-las a advogada CLAUDIA TUNES por intermédio da declarante; que posteriormente o dr. BELLINI solicitou a declarante que indicasse outro advogado para representar a Cafealta nas audiências que seriam feitas as homologações dos acordos; que nesta ocasião BELLINI disse que nem ele poderia fazer "porque estava com muito serviço", nem a advogada da Cafealta, "esta não sei porque"; que a advogada da Cafealta à época era EDINÉIA MARIA GONÇALVES; que a declarante não participou de nenhuma reunião com funcionários da Cafealta dentro do escritório que trabalhava; que a dra. CLAUDIA TUNES , embora tenha sido a advogada que formalmente ajuizou diversas ações trabalhistas, não teve qualquer participação na redação das petições iniciais nem na elaboração dos cálculos, ou ainda qualquer contato com os empregados que figuravam nessas ações; que o contato com esses reclamantes ocorreu apenas no dia em que designadas as audiências de homologações dos acordos; que a declarante apenas ficou sabendo que as ações eram fraudulentas quando sua mãe, ELISA DE CHICO COELHO, presente a uma das audiências de homologação de acordo, verificou que um dos reclamantes, embora tivesse na inicial de sua ação registrado de que tivesse trabalhado por vinte anos na Cafealta, ao ser indagado pelo juiz trabalhista, disse haver trabalho por apenas cinco anos na cooperativa, sendo discrepante o valor contido em seu pedido com aquele que efetivamente fazia jus; (...) que "quando estourou a bomba" referente a essas ações trabalhistas, esta declarante disse a BELLINI que nem sua mãe, nem sua amiga continuariam atuando nas referidas ações; que em razão disso o doutor BELLINI arranjou outro advogado para desempenhar o papel, sendo esta a pessoa do dr. ALBERTO SOUZA E SILVA, ' que é um coitado também"; que pelo que pode observar o assunto referente a propositura das ações trabalhistas dos funcionários da Cafealta foi planejado pelo dr. BELLINI, juntamente com os diretores da Cooperativa Colar, senhores ALBERTO, WALMY e JOÃO(...)

Ademais, como bem pontuou a acusação em parecer (fl. 1.401-v):

(...) Cai por terra a alegação de sua defesa de que no sentido de que não teve responsabilidade por nenhuma das ações fraudulentamente propostas, porquanto demonstrado pelos documentos inicialmente mencionados, ratificados pelas testemunhas ouvidas em juízo, que articulou todo o esquema ilícito por meio de contratação de advogados para ambas as partes, para melhor simular proposta dos acordos que seriam formulados em Juízo.
É nítido, outrossim, que com as fraudes o advogado EUGÊNIO, juntamente ao corréu WALMY, na qualidade de dirigente da empresa CAFEALTA -, lograriam constituir créditos trabalhistas preferenciais em detrimento de inúmeros credores desta (...)

Por todo o exposto, entendo que há provas seguras de que o réu EUGÊNIO SAVÉRIO TRAZZI BELLINI engendrou a fraude perpetrada na tentativa de constituir créditos trabalhistas fictícios, frise-se, preferenciais, no intuito de impedir que os bens da cooperativa viessem a sofrer constrições futuras por parte dos verdadeiros credores, causando-lhes prejuízo, induzindo a erro o Poder Judiciário.

Assim sendo, aplico a emedatio libelli e condeno EUGÊNIO SAVÉRIO TRAZZI BELLINI pela prática do delito previsto no artigo 171, §3°, do Código Penal, nas formas tentada e continuada.

Passo à dosimetria da pena.

Anoto, inicialmente, que diante da reclassificação dos fatos narrados na inicial para o delito previsto no artigo 171, §3º, c.c artigo 14, II, ambos do Código Penal, bem como à falta de recurso da acusação, deve ser observado o quantum das penas fixadas pelo magistrado de primeira instância, a teor do princípio do non reformatio in pejus.

A pena do réu EUGÊNIO SAVÉRIO foi fixada nos seguintes termos (fls. 1.332/1.332-v):

(...) Observando a circunstâncias do art. 59 do Código Penal, fixo a pena-base pelo cometimento do crime previsto no artigo 299 caput do Código Penal em UM ANO E SEIS MESES DE RECLUSÃO, um pouco acima do mínimo considerando a circunstância de o réu ter praticado o crime se utilizando do Poder Judiciário do Trabalho, o que evidencia audácia e periculosidade que ensejam a majoração. Aplico também uma agravante descrita no art. 61, inciso II, letra "g", pelo fato de ter agido com violação de dever inerente ao seu ofício e a sua profissão, majorando a pena para dois anos de reclusão. Aplico também uma agravante descrita no art. 61, inciso I, pelo fato de ser reincidente (fls. 473/474), majorando a pena para DOIS ANOS E SEIS MESES DE RECLUSÃO. A MULTA fica fixada em 180 dias-multa, fixado outrossim o dia-multa no valor 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, devendo ser corrigido monetariamente tal valor ao azo do pagamento, nos termos do art. 49 e e 50 e , do Código Penal.Considerando o reconhecimento do crime continuado, consignado no artigo 71 do Código Penal, aumento a pena fixada em 2/3, conforme fundamentação, fixando-a em QUATRO ANOS E DOIS MESES DE RECLUSÃO E 300 DIAS MULTA, pena esta que torno definitiva à míngua de outras causas de aumento ou diminuição. O regime inicial de cumprimento de pena será o REGIME SEMI-ABERTO. Considerando as circunstâncias em que o crime foi cometido, bem como a agravante reconhecida, entendo não presentes os requisitos do artigo 44 do Código Penal Brasileiro. Nos termos do artigo 804 do Código de Processo Penal, o réu arcará ainda, com as custas processuais. Após o trânsito em julgado, lance-se o nome do réu no rol dos culpados. Havendo recurso, comunique-se ao I.N.I. e I.I.R.G.D. antes do processamento; não havendo, comunique-se após o transito em julgado. (...)

Pleiteia o apelante, advogando em causa própria, a redução da pena, alegando ser tecnicamente primário, o afastamento da agravante prevista no artigo 61, I, do Código Penal e da causa de aumento referente à continuidade delitiva.

Na primeira fase da dosimetria da pena, verifico que o MMº Juiz a quo mensurou negativamente as circunstâncias do delito e fixou a pena-base ligeiramente acima do mínimo legal, o que não merece reparo.

Considerando que o delito pelo qual o réu foi condenado em primeira instância (artigo 299 do Código Penal) possui a mesma pena-base do delito de estelionato, mantenho a pena-base em 01 (um) ano e 06 (seis) meses de reclusão.

Na segunda fase da dosimetria da pena, o magistrado sentenciante reconheceu as circunstâncias agravantes previstas no artigo 61, inciso I e inciso II, alínea "b" do Código Penal, respectivamente, reincidência e violação de dever inerente à profissão, aumentando a pena para 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, o que fica mantido, a teor da certidão de fl. 473, bem como pelo fato do réu ser advogado e ter usado suas faculdades para cometimento das fraudes. Nesse sentido:

" PENAL. PROCESSUAL PENAL. FALSO TESTEMUNHO. CRIME DE MÃO PRÓPRIA. PARTICIPAÇÃO DE ADVOGADO. POSSIBILIDADE. APELO MINISTERIAL PROVIDO.
1. O crime de falso testemunho é crime de mão própria, admitindo, contudo, a participação de terceiro. Precedentes doutrinários e jurisprudenciais.
2. A denúncia narra que o apelado, na condição de advogado, em ação trabalhista, orientou e instruiu a testemunha a fazer afirmações inverídicas no curso da instrução, persuadindo a testemunha a concretizar o crime de falso testemunho.
3. Materialidade e autoria comprovadas.
4. A alegação do apelado de que não conversou com a testemunha antes da audiência trabalhista não encontra respaldo probatório, estando isolada nos autos, além de restar infirmada pelos demais elementos colhidos.
5. Dosimetria da pena. Pena-base majorada. Considerando que o apelado já suportou condenação com trânsito em julgado por crime tipificado no art. 129 do CP e contravenção penal tipificada no art. 32 da LCP, apesar de não configurarem reincidência, ante o decurso do prazo depurador, considero os apontamentos como caracterizadores de maus antecedentes.
6. Tratando-se o apelado de advogado e perpetrado o delito no exercício de sua profissão, o que acarreta maior reprovação da conduta, aplica-se a agravante do art. 61, inc. II, "g", do CP, aumentando-se a pena em 1/6.
7. Apelo ministerial provido.
(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, ACR 0000740-14.2006.4.03.6115, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO SARAIVA, julgado em 03/03/2015, e-DJF3 Judicial 1 DATA:10/03/2015)

Na terceira fase, considerando o iter criminis percorrido, aplico a causa de diminuição referente à tentativa em 1/3 (um terço), o que resulta na pena de 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão.

Incide, também na terceira fase, a causa de aumento prevista no §3º do artigo 171 do Código Penal, o que soma a pena de 02 (dois) anos, 02 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão.

Por fim, mantenho o quantum de aumento decorrente da continuidade delitiva à razão de 2/3 (dois terços), em vista da quantidade de reclamatórias trabalhistas simuladas ajuizadas (12 (doze) reclamatórias, sendo que em 11 (onze) delas reconheceu-se a simulação, conforme anotado na sentença), o que totaliza a pena definitiva de 03 (três) anos, 08 (oito) meses, 13 (treze) dias de reclusão.

No que tange à pena de multa, aplico o mesmo critério utilizado no cálculo da pena privativa de liberdade e a redimensiono para 35 (trinta e cinco) dias-multa, mantido o valor unitário mínimo legal.

Mantenho o regime inicial de cumprimento de pena no semiaberto, nos termos do artigo 33, §1º, "b" e §3º, do Código Penal.

Incabível a substituição do artigo 44 do Código Penal, tendo em vista o não cumprimento dos requisitos subjetivos.

Por estes fundamentos, declaro extinta punibilidade de WALMY MARTINS, nos termos do artigo 107, IV, artigo, 109, inciso V e artigo 110, §1º, todos do Código Penal, restando prejudicado seu recurso e, de ofício, aplico o artigo 383 do Código de Processo Penal para reclassificar a conduta delitiva como tentativa de estelionato qualificado e condenar o apelante EUGÊNIO SAVÉRIO TRAZZI BELLINI como incurso no artigo 171, §3º, c.c artigo 14, II, do Código Penal, em continuidade delitiva, e, por conseguinte, reduzo a pena privativa de liberdade total para de 03 (três) anos, 08 (oito) meses, 13 (treze) dias de reclusão e pagamento de 35 (trinta e cinco) dias-multa e nego provimento ao recurso deste.

Anoto que, diante da pena aplicada a EUGENIO, não se verifica o advento da prescrição da pretensão punitiva estatal.

Nos termos do entendimento firmado pelo STF no HC 126.292 e ADCs 43 e 44, expeça-se o competente mandado de prisão, nos termos do entendimento do STF, com prazo de validade até 21/03/2018.

É o voto.


HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


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