Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 13/02/2017
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0016219-72.2008.4.03.6181/SP
2008.61.81.016219-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : RAUL RIBEIRO DA SILVA
: LIGIA MARIA RIBEIRO DA SILVA
ADVOGADO : SP088552 MARIA CLAUDIA DE SEIXAS e outro(a)
No. ORIG. : 00162197220084036181 1P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. DENÚNCIA. REVOGAÇÃO DO RECEBIMENTO. INADMISSIBILIDADE. DECISÃO ANULADA.
1. Recebida a denúncia pelo juiz, este não pode revogar sua decisão. A ação penal é indisponível, de modo que deve prosseguir até seu julgamento, quando então será apreciada a pretensão punitiva à vista da prova produzida na instrução criminal. Ao revogar o recebimento da denúncia, portanto, o juiz cerceia o direito da acusação de ultimar o processo-crime. Por outro lado, é descabido conceder habeas corpus pelo próprio juiz para "trancar" a ação penal, pois não se concebe a concessão de writ contra si mesmo: semelhante fundamentação resolve-se em mera reconsideração do recebimento da denúncia, que não encontra amparo no ordenamento processual.
2. Recurso ministerial provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar provimento ao recurso em sentido estrito do Ministério Público Federal para anular a decisão que rejeitou a denúncia e determinar o retorno dos autos à Vara de origem para o prosseguimento da ação penal contra os recorridos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 06 de fevereiro de 2017.
Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0016219-72.2008.4.03.6181/SP
2008.61.81.016219-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : RAUL RIBEIRO DA SILVA
: LIGIA MARIA RIBEIRO DA SILVA
ADVOGADO : SP088552 MARIA CLAUDIA DE SEIXAS e outro(a)
No. ORIG. : 00162197220084036181 1P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra a decisão que rejeitou a denúncia com fundamento no art. 395, III, do Código de Processo Penal (fls. 614/622).

O recurso está baseado nos seguintes argumentos:

a) nos termos do art. 6º da Lei Complementar n. 105/01 e do art. 8 da Lei n. 8.021/90, é legítima a quebra do sigilo bancário pela Receita Federal;
b) não existe, na Constituição da República, cláusula de reserva de jurisdição para a relativização do sigilo bancário, ao contrário do que se verifica em relação à busca domiciliar, à interceptação telefônica e à prisão;
c) a Receita Federal, ao constatar a prática de infração penal após acessar as informações bancárias do contribuinte, tem o dever legal de comunicá-la ao Ministério Público Federal, encaminhando os elementos probatórios do ilícito, nos quais se incluem eventuais extratos bancários;
d) não se pode admitir a sobreposição do direito à privacidade e à intimidade a qualquer outro direito, a ponto de impedir a concretização do direito coletivo à apuração de ilícitos;
e) havendo justa causa para a ação penal, e não sendo o caso de absolvição sumária dos réus, conforme já admitido pelo próprio Juízo a quo, impõe-se o prosseguimento do processo até seus ulteriores termos (fls. 624/634).

Foram apresentadas contrarrazões (fls. 641/653).

A decisão recorrida foi mantida por seus próprios fundamentos (fl. 659).

A Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. LILIAN GUILHON DORE, manifestou-se pelo provimento do recurso (fls. 665/669).

Feito não sujeito à revisão, nos termos regimentais.

É o relatório.


VOTO

Denúncia. Revogação do recebimento. Inadmissibilidade. Recebida a denúncia pelo juiz, este não pode revogar sua decisão. A ação penal é indisponível, de modo que deve prosseguir até seu julgamento, quando então será apreciada a pretensão punitiva à vista da prova produzida na instrução criminal. Ao revogar o recebimento da denúncia, portanto, o juiz cerceia o direito da acusação de ultimar o processo-crime. Por outro lado, é descabido conceder habeas corpus pelo próprio juiz para "trancar" a ação penal, pois não se concebe a concessão de writ contra si mesmo: semelhante fundamentação resolve-se em mera reconsideração do recebimento da denúncia, que não encontra amparo no ordenamento processual:


EMENTA: PENAL - PROCESSO PENAL - CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE (...) REJEIÇÃO DA DENÚNCIA POR CONSIDERAR A CONDUTA ATÍPICA - IMPOSSIBILIDADE, NO CASO, POR CONSTITUIR AFRONTA AO ART. 650, § 1º DO CPP (...).
(...)
5. Ainda que se admita que o juiz conceda habeas corpus de ofício, quando verificar, no curso do processo, que alguém sofre ou esteja na iminência de sofrer coação ilegal, estará impedido de fazê-lo, se ele for a própria autoridade coatora.
6. Assim, não caberia ao Juízo 'a quo' rejeitar a denúncia que ele mesmo recebeu, sob pena de infração ao artigo 650, § 1º, do Código de Processo Penal."
(TRF da 3ª Região, 5ª Turma, RcCr n. 2002.61.24.001114-2, Rel. Des. Fed. Ramza Tartuce, unânime, j. 18.04.05, DJ 10.05.05, p. 358)
EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. REMESSA OFICIAL E RECURSO EM SENTIDO ESTRITO CONTRA DECISÃO QUE CONCEDEU HABEAS CORPUS DE OFÍCIO PARA TRANCAR AÇÃO PENAL. RECURSO DESPROVIDO.
(...)
- A decisão deve ser anulada. Após o recebimento da denúncia, não pode o juiz rejeitá-la, modificá-la ou desfazê-la. Apenas a instância ad quem pode corrigir o ato. Não pode o magistrado conceder habeas corpus contra ele próprio (STF: RTJ 69/397). Esta corte também tem se manifestado nesse sentido, conforme julgados elencados pelo Ministério Público.
(...).
(TRF da 3ª Região, 5ª Turma, RcCr n. 1999.61.09.001777-5, Rel. Des. Fed. André Nabarrete, unânime, j. 15.10.02, DJ 12.11.02, p. 326)


Do caso dos autos. Em 03.02.15, o Ministério Público Federal denunciou os recorridos LÍGIA MARIA RIBEIRO DA SILVA e RAUL RIBEIRO DA SILVA, pela prática, em tese, do crime previsto no art. 1º, I, c. c. o art. 12, I, ambos da Lei n. 8.137/90.

Narra a denúncia (fls. 445/448), em síntese, que os recorridos, na condição de administradores da empresa Park Hotel Atibaia Ltda., relativamente ao ano-calendário de 2002, omitiram a ocorrência de rendas tributáveis, suprimindo o pagamento de tributos no valor de R$ 4.092.508,67 (quatro milhões, noventa e dois mil quinhentos e oito reais e sessenta e sete centavos), definitivamente constituídos em 28.12.07.

Tendo em vista que o Procedimento Administrativo - Fiscal (PAF) n. 19515.003957/2007-87 que deu origem à denúncia está baseado nas informações bancárias do contribuinte obtidas pela Receita Federal diretamente das instituições financeiras, sem intervenção judicial, tendo como fundamento a Lei Complementar n. 105/01, o Juízo a quo proferiu a decisão recorrida (fls. 614/622), em que rejeitou a denúncia nos termos do art. 395, III, do Código de Processo Penal, sob o fundamento de que a imputação estava amparada em prova ilícita, pois o Fisco não poderia ter repassado as informações bancárias do contribuinte ao Ministério Público Federal sem autorização judicial.

Inconformada, recorre a acusação, pugnando que os extratos bancários referentes ao ano-calendário de 2002, obtidos para instrução do PAF, sem intervenção judicial, sejam validamente considerados como prova da materialidade do delito imputado na denúncia aos recorridos (fls. 624/634).

Merece provimento a irresignação do Parquet Federal.

Conforme se verifica de fls. 449/450v., o MM. Juízo a quo recebeu a denúncia em 13.02.15, tendo, ao depois, rejeitado a defesa preliminar às fls. 528/529. O feito encontra-se em fase instrutória, já colhidas as declarações de algumas das testemunhas arroladas pelos recorridos (cfr. fls. 563 e 591).

Nesse quadro, a rejeição da denúncia após seu recebimento ter se consumado vai de encontro à indisponibilidade da ação penal e cerceia o direito da acusação de ultimar o processo-crime.

Ademais, a denúncia é apta e apresenta justa causa, demonstrada pela existência de indícios suficientes de autoria e materialidade delitivas. O crédito tributário foi definitivamente constituído em 28.12.07 (fl. 429).

Dessa forma, deve ser anulada a decisão recorrida, a fim de que a ação penal prossiga até seus ulteriores termos.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso em sentido estrito do Ministério Público Federal para anular a decisão que rejeitou a denúncia e determinar o retorno dos autos à Vara de origem para o prosseguimento da ação penal contra os recorridos.

É o voto.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): Andre Custodio Nekatschalow:10050
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Data e Hora: 07/02/2017 16:34:44