|
|
|
|
|
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, decidiu não conhecer do agravo retido, negar provimento à apelação e, de ofício, reduzir as penas de multa e o valor do dia-multa, nos termos do voto do Relator e, por maioria, determinar a expedição imediata de mandado de prisão, nos termos do voto do Des. Fed. Valdeci dos Santos, acompanhado do Des. Fed. Hélio Nogueira, vencido o Relator Des. Fed. Wilson Zauhy que determinava a expedição do competente mandado de prisão após certificado o esgotamento dos recursos ordinários no caso concreto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | WILSON ZAUHY FILHO:10067 |
Nº de Série do Certificado: | 54E0977545D2497B |
Data e Hora: | 30/01/2017 18:11:02 |
|
|
|
|
|
RELATÓRIO
O Ministério Público Federal, em 25/10/2010, denunciou IVAL CRIPA, brasileiro, qualificado nos autos, nascido em 13/06/1942, e JOÃO CARLOS GONÇALVES, brasileiro, qualificado nos autos, nascido em 09/04/1934.
IVAL foi denunciado pela prática dos delitos tipificados nos artigos 355; artigo 168,§1º, III; artigo 304 (artigo 299); artigo 29 e artigo 61, II, 'g' e 'h', todos do CP.
JOÃO foi denunciado pela prática dos delitos tipificados nos artigos 355; artigo 168, §1º, III; artigo 29 e artigo 61, II, 'g' e 'h', todos do CP.
Consta da denúncia:
"O denunciado IVAL CRIPA, na condição de advogado de Sebastião Ferreira da Silva, ajuizou, em setembro de 2005, a reclamação trabalhista n° 695/2005-3 perante a Vara do Trabalho em Garça contra João Orsini, Reinaldo Orsini,e Thiago Rafael Araújo, estes representados pelo denunciado JOÃO CARLOS GONÇALVES (fls. 11/16).
A reclamação trabalhista foi sentenciada aos 26/10/2005, tendo sido julgada parcialmente procedente em favor do reclamante (fls. 21/25):
Aos 03/11/2005, as partes (reclamante e reclamados), representados pelos advogados, ora denunciados, juntaram aos autos petição de acordo extrajudicial, no valor total de R$ 5.700,00 (cinco mil e setecentos reais) - fls. 26/28, ao qual o reclamante, pessoalmente, manifestou aquiescência (fl. 29).
No dia 02/12/2005, o reclamante Sebastião Ferreira da Silva compareceu em Juízo, afirmando ter recebido apenas o valor de R$ 350,00 (trezentos reais) do denunciado IVAL CRIPA, requerendo, ainda, uma audiência de tentativa de conciliação haja vista não concordara com os valores pagos a título de honorários advocatícios (fl. 34).
Ante as divergências apresentadas pelas partes, o acordo apresentado não foi homologado pelo Juízo (fl. 41).
Após apresentação de cálculos, o Juízo, em 23/04/2007, fixou como valor principal devido ao reclamante o importe de R$ 10.474,00 (dez mil, quatrocentos e setenta e quatro reais) - fl. 54, intimando-se disso os reclamados (fls. 54/55).
Frise-se que por duas oportunidades, o denunciado JOÃO CARLOS GONÇALVES deixou de se manifestar sobre cálculos apresentados nos autos, apesar de intimado para tanto (fls. 45 e 50).
O reclamado João Orsini, em 05/06/2007, compareceu em Juízo declarando que diante da composição anteriormente efetuada teria pago, mediante cheque, ao denunciado JOÃO CARLOS GONÇALVES o valor de R$ 5.700,00 (cinco mil e setecentos reais) para quitação da dívida com o reclamante (fls. 56/57).
O denunciado IVAL CRIPA compareceu em Juízo, aos 10/06/2007, e declarou ter recebido do denunciado JOÃO CARLOS GONÇALVES apenas o valor de R$ 4.300,00 (quatro mil e trezentos reais), sendo que teria repassado ao seu cliente o valor de R$ 3.850,00 (três mil, oitocentos e cinquenta/reais) - fl. 61.
A Nossa Caixa informou que o valor do cheque emitido por João Orsini foi depositado em duas contas correntes, a primeira de titularidade do denunciado IVAL CRIPA, o valor de R$ 2.600,00 (dois mil e seiscentos reais), e a segunda, do denunciado JOÃO CARLOS GONÇALVES, onde se depositou R$ 3.100,00 (três mil e cem reais) - fl. 185.
PATROCÍNIO INFIEL
Os denunciados IVAL CRIPA e JOÃO CARLOS GONÇALVES, após serem constituídos para defesa de seus clientes nos autos da Reclamação Trabalhista n° 692/2005-3, traíram o dever profissional que lhes fora confiado por seus constituintes, vindo a prejudicar seus interesses.
As condutas adotadas pelos denunciados no trâmite da reclamação trabalhista demonstram, nitidamente, não terem, na condição de advogados, agido na defesa de seus constituintes. Dentre outras, destacam-se as seguintes: i) denunciado IVAL CRIPA - pagamento a menor feito ao reclamante Sebastião Ferreira da Silva e apresentação de recibo ideologicamente falso (fl. 108) nos autos da reclamação trabalhista; ii) denunciado JOÃO CARLOS GONÇALVES - falta de manifestação nos autos, por duas vezes (fls. 45 e 50); e iii) ambos os denunciados- apropriação de parte do valor pago pelos reclamados (fl. 185).
Confirmando o conluio entre os causídicos a fim de prejudicar interesses de seus clientes, confira-se o afirmado pelo denunciado JOAO CARLOS GONÇALVES em seu depoimento (fl. 116): "QUE o declarante, na época dos fatos, era sócio do advogado IVAL CRIPA, mantendo um escritório em conjunto, na cidade de Garça/SP; ".
Assim agindo, o denunciado IVAL CRIPA, na condição de advogado do reclamante Sebastião Ferreira da Silva e o denunciado JOAO CARLOS GONÇALVES, como advogado dos reclamados João Orsini, Reinaldo Orsini e Thiago Rafael Araújo, traíram o dever profissional, prejudicando interesses cujo patrocínio, em juízo lhes foram confiados.
APROPRIAÇAO INDEBITA
Restou demonstrado, também, que o denunciado IVAL CRIPA apropriou-se de R$ 2.250,00 (dois mil duzentos e cinquenta reais) e o denunciado JOÃO CARLOS GONÇALVES apropriou-se de R$ 3.100,00 (três mil e cem reais), recebidos, mediante cheque, de JOÃO ORSINI (fl. 57), e que tinham a posse em razão da profissão de advogado. Tais valores pertenciam a Sebastião Ferreira da Silva e resultaram da reclamação trabalhista proposta.
O banco Nossa Caixa informou que o valor do cheque (n° 001371) emitido por João Orsini foi depositado em duas contas correntes, a primeira de titularidade do denunciado IVAL CRIPA, o valor de R$ 2.600,00 (dois mil e seiscentos reais), e a segunda, do denunciado JOÃO CARLOS GONÇALVES, onde se depositou R$ 3.100,00 (três mil e cem reais) - fl. 185.
Apesar disso, o reclamante afirmou ter recebido do denunciado IVAL CRIPA tão-somente a quantia de R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais) - fl. 34.
Embora o recibo de fl. 108 indique que o reclamante tenha recebido, ainda, o valor de R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais), isso não ficou comprovado nos autos. Pelo contrário, restou demonstrado que houve preenchimento inverídico do citado recibo.
Os próprios denunciados apresentaram diversas versões sobre o repasse dos valores recebidos, todas incongruentes (fls. 116/117, 135/137 157/161).
Assim agindo, os denunciados apropriaram-se de coisa alheia móvel de que tinham a posse em razão da profissão de advogado, subsumindo-se suas condutas, assim, ao disposto no art. 168, §1°, inciso III, do Código Penal.
USO DE DOCUMENTO FALSO.
Além disso, o denunciado IVAL CRIPA apresentou nos autos da citada reclamação trabalhista o recibo de fl. 108, cujo conteúdo é falso, haja vista que não houve o recebimento do citado valor (R$ 3.500,00) por parte de Sebastião. Segundo o relato de fl. 34, o reclamante teria recebido somente o valor de R$ 350,00, quando foi instado pelo advogado a assinar tal documento.
É certo que o reclamante Sebastião Ferreira da Silva somente tenha assinado o referido recibo, não tendo preenchido os seus demais termos, dada a nítida diferença das letras. Além disso, o laudo de exame documentoscópico feito afirma à fl. 170 que:
Por outro lado, a versão apresentada pelo denunciado IVAL CRIPA em seu depoimento sobre o citado recibo mostra-se fantasiosa (fl. 136).
Assim agindo, o denunciado IVAL CRIPA usou documento particular ideologicamente falso (recibo), incidindo sua conduta ao disposto no art. 304 (art. 299) do Código Penal.
Acrescente-se, ainda, que a vítima Sebastião Ferreira da Silva, ostentava, na época dos crimes, 68 anos. Além disso, todas as infrações foram praticadas com violação dos deveres inerentes à profissão de advogado. Por essas razões, aplicam-se as circunstâncias agravantes descritas no art. 61, inciso II, alíneas 'g' e 'h', do Código Penal.
Além disso, os denunciados agiram de forma consciente, sendo que nos dois primeiros delitos estavam com unidade de desígnios e identidade de propósitos."
A denúncia foi recebida em 27/10/2010 (fls. 214).
Decretada extinta a punibilidade do corréu JOÃO CARLOS GONÇALVES, em razão de seu falecimento (fls. 356).
Processado o feito, sobreveio sentença, publicada em 15/04/2013 (fls. 450). Consignou o Juiz:
"Diante de todo o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE A DENÚNCIA, com escora no artigo 387 do CPP, para o fim de condenar IVAL CRIPA, já qualificado, às sanções dos artigos 168, §1°, III (dois anos e oito meses de reclusão); 304 (299) (dois anos de reclusão); 69, todos do Código Penal, absolvendo-o do tipo penal do artigo 355 do mesmo Código e deixando de aplicar as agravantes mencionadas na acusação, conforme fundamentação. Fixo a pena total, inicialmente em regime semi-aberto de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão, além da pena de multa de 60 (sessenta) dias-multa, cada dia-multa no valor de um décimo (1/10) do salário-mínimo. Incabível substituição de pena e aplicação de sursis.
Considerando o falecimento da vítima, deixo de fixar nesta sentença a condenação de reparação civil (art. 387, IV, do CPP), não havendo qualquer indicativo de dano material à Justiça Trabalhista."
Apela o Ministério Público Federal. Sustenta:
Isto porque para o condenado, que cometeu os crimes de apropriação indébita (no exercício da função essencial de advogado maculando moralmente a Advocacia) e de falsidade ideológica (com prejuízos à Administração da Justiça), a pena aplicada não representa retribuição suficiente pelo crime cometido.
Além disso, não pode passar a descoberto que os crimes mencionados ocorreram contra os interesses de seu cliente, desonrando a nobre missão como advogado e induzindo em erro a Administração da Justiça, denotando-se o intuito e o meio antiético por ele utilizado.
Às fls. 482, o réu IVAN CRIPA pediu devolução do prazo para apelar.
Contrarrazões da parte ré às fls. 489, requerendo o desprovimento da apelação.
Às fls. 494, o pedido de reabertura do prazo para recursal foi indeferido.
Às fls. 502, o réu apresentou embargos de declaração, os quais não foram conhecidos às fls. 513.
A Procuradoria Regional da República, nesta instância, opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 517).
Às fls. 519, o réu novamente pediu a devolução de prazo para recorrer, o que foi novamente indeferido às fls. 522.
Às fls. 522, o réu interpôs agravo retido, reiterando o pedido de devolução do prazo para apelar.
É o relatório.
À revisão.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | WILSON ZAUHY FILHO:10067 |
Nº de Série do Certificado: | 54E0977545D2497B |
Data e Hora: | 07/11/2016 18:11:56 |
|
|
|
|
|
VOTO
Consignou o MPF: "Os denunciados IVAL CRIPA e JOÃO CARLOS GONÇALVES, após serem constituídos para defesa de seus clientes nos autos da Reclamação Trabalhista n° 692/2005-3, traíram o dever profissional que lhes fora confiado por seus constituintes, vindo a prejudicar seus interesses. (...) Restou demonstrado, também, que o denunciado IVAL CRIPA apropriou-se de R$ 2.250,00 (dois mil duzentos e cinquenta reais) e o denunciado JOÃO CARLOS GONÇALVES apropriou-se de R$ 3.100,00 (três mil e cem reais), recebidos, mediante cheque, de JOÃO ORSINI (fl. 57), e que tinham a posse em razão da profissão de advogado. Tais valores pertenciam a Sebastião Ferreira da Silva e resultaram da reclamação trabalhista proposta."
Consignou o Juiz: "Diante de todo o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE A DENÚNCIA, com escora no artigo 387 do CPP, para o fim de condenar IVAL CRIPA, já qualificado, às sanções dos artigos 168, §1°, III (dois anos e oito meses de reclusão); 304 (299) (dois anos de reclusão); 69, todos do Código Penal, absolvendo-o do tipo penal do artigo 355 do mesmo Código e deixando de aplicar as agravantes mencionadas na acusação, conforme fundamentação. Fixo a pena total, inicialmente em regime semi-aberto de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão, além da pena de multa de 60 (sessenta) dias-multa, cada dia-multa no valor de um décimo (1/10) do salário-mínimo. Incabível substituição de pena e aplicação de sursis. Considerando o falecimento da vítima, deixo de fixar nesta sentença a condenação de reparação civil (art. 387, IV, do CPP), não havendo qualquer indicativo de dano material à Justiça Trabalhista."
Apela o MPF.
DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. TIPICIDADE.
PATROCÍNIO INFIEL.
APROPRIAÇÃO INDÉBITA.
USO DE DOCUMENTO FALSO.
Os tipos penais imputados à parte ré são os seguintes:
Imputado à parte ré a prática de patrocínio infiel, tipificado no artigo 355 do CP; apropriação indébita, tipificada no artigo 168, §1º, III, do CP; e uso de documento falso, tipificado no artigo 304 do CP.
PRELIMINAR
Interpõe o réu agravo retido às fls. 522.
Não se pode conhecer de referido agravo, em razão da falta de previsão legal.
Contudo, ainda que se pudesse conhecer, no mérito não teria razão o réu.
Não há qualquer irregularidade nas intimações efetuadas, tendo o réu perdido o prazo para recorrer, sendo inviável devolver-lhe o prazo.
Note-se que, às fls. 455, a sentença foi disponibilizada no Diário Eletrônico da Justiça em 16/05/2013.
Em consulta ao referido Diário, verifica-se ter constado o nome do advogado do réu na publicação (advogado Dr. Tito Marcos Martini), além do nome do réu:
"DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Edição nº 89/2013 - São Paulo, quinta-feira, 16 de maio de 2013
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PUBLICAÇÕES JUDICIAIS I - INTERIOR SP E MS
SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE MARILIA
1ª VARA DE MARÍLIA
Expediente Processual 4085/2013
0000639-18.2008.403.6111 (2008.61.11.000639-2) - MINISTERIO PUBLICO FEDERAL (Proc. 951 - JEFFERSON APARECIDO DIAS) X IVAL CRIPA(SP086561 - TITO MARCOS MARTINI) X JOAO CARLOS GONCALVES(SP057781 - RUBENS NERES SANTANA)Vistos. I - RELATÓRIO: Trata-se de ação(...)"
Com isso, restou atendido o disposto no §1º do artigo 370 do Código de Processo Penal, o qual dispõe:
Art. 370. (...)
§ 1o A intimação do defensor constituído, do advogado do querelante e do assistente far-se-á por publicação no órgão incumbido da publicidade dos atos judiciais da comarca, incluindo, sob pena de nulidade, o nome do acusado.
E ainda, o artigo 392, II, do CPP, faculta que a intimação da sentença seja feita ao réu ou ao defensor quando aquele estiver solto:
Art. 392. A intimação da sentença será feita:
(...)
II - ao réu, pessoalmente, ou ao defensor por ele constituído, quando se livrar solto, ou, sendo afiançável a infração, tiver prestado fiança;
No caso dos autos, o réu também foi intimado.
Por meio de Carta Precatória, foi efetuada a intimação pessoal do réu (fls. 473) em 24/06/2013, não constando qualquer informação a respeito do interesse do réu em recorrer.
Assim, mesmo contando-se o prazo para apelar da data da intimação pessoal do réu (conforme Súmula 710 do STF: "No processo penal, contam-se os prazos da data da intimação, e não da juntada aos autos do mandado ou da carta precatória ou de ordem"), verifica-se que o prazo para apelar terminou em 01/07/2013.
Assim, descabe falar-se em equívoco nas intimações ou em necessidade de devolução do prazo para recurso.
MATERIALIDADE E AUTORIA
Consignou o Juiz a respeito da materialidade e da autoria:
"Afirma-se na acusação que IVAL CRIPA teria se apropriado da quantia de R$ 2.250,00 (dois mil, duzentos e cinquenta reais), que recebeu, mediante cheque, de João Orsini, cuja posse decorreu da profissão de advogado. Essa quantia, ao que consta, deveria ser entregue a SEBASTIAO FERREIRA DA SILVA, como forma de adimplemento de acordo celebrado entre Sebastião (reclamante) e João Orsini (reclamado). No entanto, a quantia repassada ao constituinte circunscreveu-se a R$ 350,00.
As testemunhas de acusação não souberam precisar a participação de IVAL CRIPA na apropriação de valores, tendo a testemunha Reinaldo Orsini (registro de fl. 384) apenas mencionado ter ouvido boatos que os corréus Ival e João Carlos Gonçalves trabalhavam juntos. Porém, essa informação, fundada em meros boatos, não tem escopo de identificar concurso criminoso de IVAL CRIPA nos fatos.
Porém, o que resta evidente para a sua condenação, é que a quantia de RS 2.600,00 (dois mil e seiscentos reais) foi depositada, mediante endosso (fls. 178/179), na conta corrente de IVAL CRIPA (fl. 186), que apenas repassou a quantia de R$ 350,00 (fls. 88, 97/98, 176/179, 186, 190/191) a seu cliente.
Assim, recebeu valores e esteve na posse desses na condição de advogado, porém ao tomá-los para si, apropriou-se indevidamente do referido numerário, configurando o tipo penal de apropriação. Embora, dinheiro seja um bem fungível, o valor recebido deveria ser destinado a terceiro, o ofendido. Assim que o réu deixou claro que nada tinha a pagar ao reclamante, além da quantia de R$ 350,00, configurou o crime. Por mais que as testemunhas de acusação, ao serem ouvidas em juízo, não pudessem precisar esse fato, a prova documental mostra-se robusta o suficiente para essa constatação.
As versões apresentadas em defesa do aludido réu não convencem. De início, afirmou-se que houve o repasse da quantia de R$ 350,00 e, logo após, a quantia de R$ 3.500,00 (fls. 61/62). Posteriormente, em seu interrogatório judicial, disse que apenas repassou ao reclamante a quantia remanescente do que lhe fora entregue pelo corréu João Carlos, atualmente falecido.
Essas versões, totalmente órfãs de elementos de prova, cedem para o contexto probatório demonstrado nos autos. O depósito da quantia de R$ 2.600,00 em favor do réu é inconteste (fls. 178, 179 e 186).
Neste mesmo contexto, observo a alegação da defesa no tocante ao crime de falsidade ideológica imputado. O recibo apresentado nas fls. 62 e 108, visivelmente, apenas foi firmado por Sebastião, sendo os demais dados preenchidos por terceiro. Neste ponto a perícia técnica de fls. 169/174 conclui de forma insofismável que ao menos duas tintas diferentes foram utilizadas no preenchimento do anverso do documento. As tintas refletem de maneira diferente no comprimento de onda utilizado, conforme demonstrado em um retângulo de cor verde. O valor expresso em algarismos e assinatura não refletem a luz, enquanto a tinta utilizada nos outros campos reflete (fl. 171).
Portanto, acolho a versão constante na fl. 34 de que Sebastião apenas assinou o recibo, sem ter certeza de seu conteúdo.
Resta evidente, desta forma, que o referido recibo é falso, falsidade ideológica, porquanto atestou falsamente o recebimento de um valor que o reclamante não recebeu. Ao que se vê, o recibo apenas assinado pelo constituinte não foi apossado pelo réu, mas estava em suas mãos por confiança de seu cliente (fl. 34), neste caso, portanto, a falsidade é ideológica e não material. O uso desse documento particular impõe ao réu a condenação pela pena do artigo 299, segunda parte do preceito secundário.
Assim, do conteúdo destes autos, resta suficientemente comprovada a materialidade e autoria do crime de apropriação indébita (art. 168, §1°, III, do CP), consumado em 10/07/2007 (fl. 61), momento em que o réu inverteu a posse do numerário, recebido em razão da condição de advogado do reclamante.
Foi nessa data, em que, perante o Juízo do Trabalho, o réu afirmou que já teria pago o reclamante com a quantia de R$ 3.500,00, demonstrando de forma insofismável que tomou para si o valor que recebeu em depósito em 01/11/2005 (fl. 62). Foi na referida audiência que o réu deixou claro que não tinha a pretensão de restituir a quantia remanescente a seu cliente.
Foi também em 10 de julho de 2007 (fl. 61), o uso do documento falso, porquanto neste momento que o réu apresentou ao Juízo trabalhista o recibo ideologicamente falso.
Em ambos os delitos imputados, o elemento subjetivo do tipo resta evidente. No delito de apropriação, o depósito demonstrado da quantia de R$ 2.600,00, em conta do réu, e o repasse de quantia inferior ao seu cliente, evidencia a vontade livre e consciente de tomar para si, como bem próprio, valor destinado a terceira pessoa, cuja posse detinha em razão da profissão de advogado.
De outra volta, a vontade livre e consciente de utilizar recibo que sabia ser ideologicamente falso revela-se no fato de o réu ter apresentado o recibo para que fosse assinado pelo reclamante e apresentado nos autos do processo trabalhista n° 692/2005 (fl. 61), com o fito de assegurar o delito de apropriação. Aliás, a apresentação do documento, no âmbito trabalhista (Justiça Federal do Trabalho), é que mantém a justificativa da competência deste juízo (art. 109, IV, CF).
Logo, a condenação pelos dois tipos penais é medida de rigor.
No entanto, não entrevejo causa para condenação pelo tipo penal do artigo 355 do CP. A apropriação qualificada de valores em desfavor de seu cliente, valendo-se da profissão de advogado já inclui, na sua configuração, o patrocínio infiel, restando este delito absorvido no tipo penal do artigo 168, §1°, III, do CP.
Além do mais, não restou evidenciada a qualidade de sócio ou de associado do réu com o advogado dos reclamados daquela ação trabalhista."
Conclusão:
Devidamente comprovadas nos autos a materialidade e a autoria dos delitos de apropriação indébita e de uso de documento falso atribuídos à parte ré.
PRESENÇA DE DOLO.
Sendo o dolo, na comum lição da doutrina, a vontade livre e consciente de praticar a conduta proibida pelo tipo penal, é inegável a sua presença na hipótese dos autos.
Conclusão:
Verifica-se que a parte ré teve deliberadamente a intenção de praticar os crimes de apropriação indébita e de uso de documento falso, tipificados nos artigos 168, §1º, III, e 304, ambos do CP.
DOSIMETRIA.
Consignou o Juiz a respeito da dosimetria:
"As circunstâncias judiciais mostram-se desfavoráveis ao réu. Não visualizo antecedentes desfavoráveis, porque meros processos em andamento e condenações proferidas em data posterior aos fatos (fl. 428) não podem contaminar os antecedentes do réu.
Todavia, a culpabilidade do réu, que, na condição de advogado, deveria zelar pelos interesses seu cliente (primeira circunstância desfavorável) e honrar a nobre missão de acompanhar e orientar o leigo (segunda circunstância desfavorável) nos trâmites burocráticos do processo, ferindo o disposto no art. 33, IX, XX e XXV, do Estatuto da OAB, além de ter a vontade livre e consciente de praticar tal delito perante Judiciário, induzindo em erro a Administração da Justiça (terceira circunstância desfavorável), impõe maior reprovação de sua conduta, por três vezes.
Com base nisso, considerando cada circunstância judicial em seis meses, para o tipo penal do artigo 168 do CP fixo a pena-base em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses. E para o tipo penal do artigo 304 (art. 299), fixo a pena-base em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses.
Aplico a atenuante do artigo 65, I, do CP, pois o réu já possui 70 anos de idade e assim, reduzo a pena em 6 (seis) meses.
Logo, fixo a pena em 2 (dois) anos para cada tipo penal.
Para o tipo penal do artigo 168, não se aplica a agravante do artigo 61, II, g, porquanto essa circunstância já qualifica o crime no aumento de pena do §1°. A aplicação da agravante da letra 'h' também não se aplica, pois em concurso com a atenuante volta à idade do réu (art. 65, I, CP), que prevalece, na linha do artigo 67 do CP.
Para o tipo penal do artigo 304, não se aplica a agravante da letra 'h', pois o uso de documento falso visou ludibriar o Estado-Juiz e não diretamente a vítima idosa. E, nos termos do artigo 67 do CP, prevalece a atenuante em face da agravante da letra 'g'.
Não visualizo causa de diminuição de pena. A importância apropriada não é de ser considerada pequeno valor, considerando o salário do ofendido de R$ 450,00 (fl. 43), não sendo o caso de aplicação do artigo 170 do CP na hipótese.
Visualizo, outrossim, causa de aumento para o tipo do artigo 168 apenas.
Por conta do disposto no §1°, III, do artigo 168, acrescento um terço da pena, tornando-a definitiva para o referido tipo penal em 2 (dois) anos e 8 (oito) meses. Mantenho para o tipo penal do artigo 304, a pena de 2 (dois) anos. Em concurso material (art. 69) a pena total resta fixada em 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão a ser descontado inicialmente em regime semi-aberto (art. 33, §2°, b, do CP).
Embora ocorrentes na mesma data, as condutas de apropriação e de uso do documento falso são distintas. Logo inaplicável o concurso formal do artigo 70 do CP. E como os delitos não são da mesma espécie, não aplico o artigo 71 do CP.
Quanto à pena de multa, valendo-se das mesmas circunstâncias do artigo 59 do CP, fixo-a, para cada tipo penal, em 30 dias-multa, cada dia no valor de um décimo (1/10) do salário-mínimo, considerando a importância apropriada pelo réu na época dos fatos. As multas dos delitos em concurso devem ser somadas (art. 72 do CP) e, portanto, totalizam 60 (sessenta) dias-multa.
Considerando o montante de pena fixado, incabível a substituição de pena, bem assim, incabível o sursis."
Alega o MPF:
Isto porque para o condenado, que cometeu os crimes de apropriação indébita (no exercício da função essencial de advogado maculando moralmente a Advocacia) e de falsidade ideológica (com prejuízos à Administração da Justiça), a pena aplicada não representa retribuição suficiente pelo crime cometido.
Além disso, não pode passar a descoberto que os crimes mencionados ocorreram contra os interesses de seu cliente, desonrando a nobre missão como advogado e induzindo em erro a Administração da Justiça, denotando-se o intuito e o meio antiético por ele utilizado.
Conclusão:
Sem razão o MPF.
Conforme bem consignou a Procuradoria da República em seu parecer:
"O apelante, porém, limitou-se a alegar que a pena aplicada não atende ao caráter preventivo e retributivo, sem, conudo, apontar as circunstâncias que concretamente justificariam a sua majoração, nos termos do artigo 59 do CP.
(...)
Em relação às circunstâncias, o que fundamentaria a sua análise desfavorável (praticar os crimes no exercício da função de advogado contra os interesses dos clientes e induzir em erro a administração da Justiça) já foi considerado no aumento levado a efeito em razão da culpabilidade."
Desse modo, verifica-se suficiente a elevação da pena-base como efetuada na sentença.
Há que se alterar somente, de ofício, as penas de multa fixadas para que fiquem proporcionais às penas privativas de liberdade.
Assim, a pena do crime de apropriação indébita deve ser de 26 dias-multa, e a do crime de uso de documento falso deve ser de 20 dias-multa, num total de 46 dias-multa.
O valor do dia-multa também deve ser reduzido, pois deve levar em conta, nos termos do artigo 60 do CP, a situação econômica do réu. À mingua de informações, deve o dia-multa ser fixado em 1/30 do salário mínimo.
No mais, nada há para alterar na dosimetria.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, NÃO CONHEÇO do agravo retido, NEGO PROVIMENTO à apelação, e, DE OFÍCIO, reduzir as penas de multa e o valor do dia-multa.
Tendo em conta o quanto decidido pelo STF no HC nº 126.292 e nas ADCs 43 e 44, em que se afirmou a possibilidade de imediato cumprimento do decreto condenatório exarado por colegiado, de que não caiba mais recurso ordinário, entendo que a expedição do competente mandado de prisão deve ser feita após seja certificado o esgotamento dos recursos ordinários no caso concreto.
É o voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | WILSON ZAUHY FILHO:10067 |
Nº de Série do Certificado: | 54E0977545D2497B |
Data e Hora: | 30/01/2017 18:10:59 |