Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0012934-42.2006.4.03.6181/SP
2006.61.81.012934-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal WILSON ZAUHY
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : LAODSE DENIS DE ADREU DUARTE
ADVOGADO : SP152177 ALEXANDRE JEAN DAOUN e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
NÃO OFERECIDA DENÚNCIA : LUIZ LIAN DE ABREU DUARTE
: LUCE CLEO DE ABREU DUARTE
: NELSON DE CASTRO
: ERNESTO ANGEL LAZZARO
No. ORIG. : 00129344220064036181 3P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. TIPICIDADE. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. PRELIMINARES REJEITADAS. MATERIALIDADE COMPROVADA. AUTORIA COMPROVADA. PRESENÇA DE DOLO. DOSIMETRIA.
1. Imputado à parte ré a prática de crime contra a ordem tributária, tipificado no artigo 1º, I e II, e artigo 12, I, ambos da Lei 8.137/90, na forma do artigo 71 do CP.
2. Rejeitadas as preliminares de ocorrência de prescrição e de ofensa a princípios e garantias constitucionais.
3. Devidamente comprovada nos autos a materialidade do delito atribuído à parte ré.
4. Devidamente comprovada nos autos a autoria do delito atribuído à parte ré.
5. Verifica-se que a parte ré teve deliberadamente a intenção de praticar o crime contra a ordem tributária, tipificado no artigo 1º, I e II, da Lei 8.137/90.
6. O não recolhimento de expressiva quantia de tributo atrai a incidência da causa de aumento prevista no artigo 12, I, da Lei 8.137/90, pois configura grave dano à coletividade.
7. Dada a expressividade do montante em referência (R$ 40.085.639,10 em 14/03/2007), cabível a majoração da pena em 1/2.
8. Com relação ao patamar de aumento, tendo em vista que foram 3 exercícios financeiros, de rigor a majoração da pena em patamar de 1/5, inferior portanto ao fixado na sentença.
9. O regime inicial do cumprimento da pena deve ser o semiaberto (artigo 33, §2º, 'b', do CP).
10. Incabível a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos (artigo 44, I, do CP).
11. Apelação do réu parcialmente provida apenas para reduzir a pena-base e o patamar de acréscimo em razão da continuidade delitiva. Apelação do MPF provida para aplicar a causa de aumento do artigo 12, I, da Lei 8.137/90.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do réu apenas para reduzir a pena-base e o patamar de acréscimo em razão da continuidade delitiva, e dar provimento à apelação do MPF para aplicar a causa de aumento do artigo 12, I, da Lei 8.137/90, nos do voto do Relator e, por maioria, determinar a expedição imediata de mandado de prisão, nos termos do voto do Des. Fed. Valdeci dos Santos, acompanhado do des. Fed. Hélio Nogueira, vencido o Relator Des. Fed. Wilson Zauhy que determinava a expedição do competente mandado de prisão após certificado o esgotamento dos recursos ordinários no caso concreto.


São Paulo, 24 de janeiro de 2017.
WILSON ZAUHY
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): WILSON ZAUHY FILHO:10067
Nº de Série do Certificado: 54E0977545D2497B
Data e Hora: 30/01/2017 18:10:55



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0012934-42.2006.4.03.6181/SP
2006.61.81.012934-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal WILSON ZAUHY
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : LAODSE DENIS DE ADREU DUARTE
ADVOGADO : SP152177 ALEXANDRE JEAN DAOUN e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
NÃO OFERECIDA DENÚNCIA : LUIZ LIAN DE ABREU DUARTE
: LUCE CLEO DE ABREU DUARTE
: NELSON DE CASTRO
: ERNESTO ANGEL LAZZARO
No. ORIG. : 00129344220064036181 3P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

O Ministério Público Federal, em 09/12/2009, denunciou LAODSE DÊNIS DE ABREU DUARTE, brasileiro, qualificado nos autos, nascido em 19/06/1943, pela prática do delito tipificado nos artigos 1º, I e II, na sua forma consumada c/c artigo 12, I, ambos da Lei 8.137/90, na forma do artigo 71 do CP. Consta da denúncia:

"1-INTRÓITO

Nobre Excelência, no firme intento de lhe propiciar uma melhor compreensão dos fatos ora narrados nesta peça exordial acusatória, venho, por meio do presente intróito, efetuar uma breve digressão relativa a fatos importantes vinculados ao crime objeto desta persecução penal.

Inicialmente, conforme o apurado, o denunciado LAODSE, manipulando seus irmãos LUCE CLEO DE ABREU DUARTE e LUIZ LIAN DE ABREU DUARTE, dirigia três empresas familiares denominadas SIPASA EMPREENDIMENTOS E COMÉRCIO, JB DUARTE S.A. e DUAGRO S/A ADMINISTRAÇÕES E PARTICIPAÇÕES.

Em que pese o fato de que LUCE e LUIZ figurassem nos quadros societários das referidas empresas com funções de grande poder, ao observarmos o quadro constante a f.04 dos autos, depreende-se que LAODSE possuía certo destaque nas alterações sociais, além de, nos termos de suas próprias declarações, bem como as de seus irmãos (f.103 e 105), sendo o comandante dos negócios das três empresas familiares.

A empresa SIPASA EMPREENDIMENTOS E COMÉRCIO, até 10/1999 era uma sociedade anônima, sendo que LAODSE ocupava na administração desta a relevante função de Diretor Superintendente, ao passo que, após a data referida, a empresa foi transformada em sociedade limitada, na qual havia três sócios a saber, a JB DUARTE S.A., a DUAGRO S/A ADMNISTRAÇÕES E PARTICIPAÇÕES e a ASIAN COMMERCIAL TRADE LIMITED.

Na condução dos negócios sociais da empresa SIPASA EMPREENDIMENTOS E COMÉRCIO foram constatadas práticas dos crimes de prestação de declaração falsa à Receita Federal objetivando a redução de tributos e a simulação de negócio jurídico, ou seja, a perpetração de fraude, no intuito de reduzir a tributação incidente; consoante os fatos narrados a seguir.


II - DOS FATOS

Consta dos autos do incluso inquérito policial que, no período compreendido entre 1999 e 2001, LAODSE, na qualidade de diretor e representante da SIPASA EMPREENDIMENTOS E COMERCIO, prestou declarações falsas de Imposto de Renda de Pessoa Jurídica ao Fisco, nas quais foram omitidas receitas, logrando reduzir e suprimir o pagamento de IRPJ, IRRF, PIS, CSSL e COFINS.

Apurou-se que, em 06/01/1999, LAODSE simulou efetuar o negócio jurídico de venda de títulos públicos, os quais nunca foram emitidos pelo governo argentino, denominados ARGENTINE GLOBAL BONDS, em valor de R$ 2.255,000,00 (dois milhões, duzentos e cinqüenta e cinco mil reais), à BOMBRIL S/A, objetivando, a partir da fraude, transferir recursos financeiros sem que houvesse a incidência de tributação, iludindo, assim, a Fiscalização Tributária.

Segundo foi apurado, o valor da sonegação fiscal levada à cabo pela denunciado monta, em 05/2005, o estonteante valor de R$ 103.222.084,69 (cento e três milhões, duzentos e vinte e dois mil e oitenta e quatro reais e sessenta e nove centavos), sendo estes divididos em R$ 62.270.022,33 (sessenta e dois milhões, duzentos e setenta mil e vinte dois reais e trinta e três centavos) referentes à IRPJ, R$ 6.095.352,91 (seis milhões, noventa e cinco mil, trezentos e cinqüenta e dois reais e noventa e um centavos) de IRRF, R$ 1.623.075,15 (um milhão, seiscentos e vinte,e três mil e setenta e cinco reais e quinze centavos) relativos ao PIS, R$ 25.742.518,03 (vinte e cinco milhões, setecentos e quarenta e dois mil, quinhentos e dezoito reais e três centavos) de CSSL, por fim, R$ 7.491.116,27 (sete milhões, quatrocentos e noventa e um mil, cento e dezesseis reais e vinte sete centavos) de COFINS.

Apurou-se ainda que a SIPASA possuía cinco contas bancárias em diferentes instituições bancárias, sendo certo que em quatro delas houveram movimentações financeiras de valores superiores aos declarados nas Declarações de Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, senão vejamos:

Na conta corrente de nº 002.990.8, mantida no Banco Safra, nos anos calendário de 2000 e 2001, foram movimentados recursos da ordem R$ 23.548.277 (vinte três milhões, quinhentos e quarenta e oito mil e duzentos e setenta e sete reais) e R$ 10.350.150 (dez milhões, trezentos e cinqüenta mil e cento e cinqüenta reais).

Outrossim, na conta corrente de nº 08.800-50, existente no Banco HSBC, nos anos calendário 2000 e 2001, houve movimentação de valores num total de R$ 5.400.000 (cinco milhões e quatrocentos mil reais) e 10.840.246 (dez milhões, oitocentos e quarenta mil e duzentos e quarenta e seis reais), respectivamente."

De outra banda, na conta de nº 13-002330-1, aberta no antigo Banco Banespa, no ano calendário de 1999, foi movimentado o montante de R$ 21.968.819 (vinte um milhões, novecentos e sessenta e oito mil, oitocentos e dezenove reais).

Por fim, na conta de nº 9716249-8, aberta no Banco Real, nos anos calendários compreendidos entre 1999 e 2001, forma movimentados recursos de montantes de R$ 26.538.613 (vinte seis milhões, quinhentos e trinta e oito mil e seiscentos e treze reais), R$ 2.417.140 (dois milhões, quatrocentos e dezessete mil e cento e quarenta reais) e R$ 985.000,00 (novecentos e oitenta e cinco mil reais), respectivamente.

Contudo, nas Declarações de Imposto de Renda de Pessoa Jurídica referentes aos mesmos períodos foram constatadas grandes discrepâncias, explicitemos:

Ao considerarmos os dados bancários acima, perceberemos que no ano calendário de 1999 a movimentação total de recursos financeiros foi da ordem de R$ 49.767.762 (quarenta e nove milhões, setecentos e sessenta e sete mil e setecentos e sessenta e dois reais), ao passo que na Declaração de Imposto de Renda daquele mesmo ano o denunciado declarou o ínfimo valor de R$ 951.977,00 (novecentos e cinqüenta e um mil, novecentos e setenta e sete reais) como se fosse a totalidade das receitas tributáveis da SIPASA.

Igualmente, no ano calendário de 2000, o denunciado declarou ao Fisco que movimentou recursos totais no montante de R$ 4.255.440,00, (quatro milhões, duzentos e cinqüenta e cinco mil e quatrocentos e quarenta e quatro reais), todavia, consoante os extratos bancários da SIPASA, no mesmo lapso temporal, houve movimentação do vultoso numerário de R$ 32.448.893,00 (trinta e dois milhões, quatrocentos e quarenta oito mil e oitocentos e noventa e três reais).

De outra feita, com relação ao ano calendário de 2001, o denunciado declarou um total de receitas negativas de R$ 2.301.847,00 (dois milhões, trezentos e um mil, oitocentos e quarenta e sete reais), enquanto que, globalmente, sua movimentação de recursos financeiros foi de R$ 22.565.845,00 (vinte e dois milhões, quinhentos e sessenta e cinco mil, oitocentos e quarenta e cinco reais).

Assim, diante de tais dados, vê-se com clareza que o denunciado declarou ao Fisco rendimentos tributáveis da empresa SIPASA a menor no firme proposito de reduzir a carga tributária devida.

Além disso, no ano calendário de 1999, a SIPASA efetuou compra de títulos da República Argentina denominados "ARGENTINE GLOBAL BOND"

Tal negócio jurídico foi firmado com a empresa BOMBRIL S/A, sendo efetuada a referida venda em favor da SIPASA pelo preço de R$ 2.255.000,00 (dois milhões, duzentos e cinqüenta e cinco mil reais).

Porém, em sede de apurações, verificou-se que a República Argentina jamais emitiu tais títulos, sendo tal operação um autêntico expediente fraudulento destinado a ludibriar o Fisco a fim de ocultar a transferência de recursos financeiros, objetivando a supressão do tributo devido.

Nessa seara, restaram comprovadas a materialidade dos delitos pelos documentos de f. 01-17 e 60-83.

Saliento que com tais condutas criminosas da mesma espécie, o denunciado sonegou tributos estimados no estupendo valor de R$ 103.222.084,69 (cento e três milhões, duzentos e vinte e dois mil e oitenta e quatro reais e sessenta e nove centavos), durante os anos já mencionados, aproveitando-se das mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução semelhantes.

Outrossim, segundo foi apurado, a sonegação acarretou grave dano à coletividade devido ao montante na qual se deu."


A denúncia foi recebida em 15/01/2010 (fls. 124).


Processado o feito, sobreveio sentença, publicada em 06/05/2013 (fls. 391). Consignou o Juiz:

"Isto posto, JULGO PROCEDENTE a denúncia e CONDENO LAODSE DENIS DE ABREU DUARTE (...) à pena de 4 (quatro) anos de reclusão, a qual substituo por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, filantrópicas ou assistenciais a critério do Juízo das Execuções Penais; e limitações de fim de semana; ambas pelo prazo da condenação, bem como ao pagamento de 20 (vinte) dias-multa, como incursos no art. 1°, I, da Lei n.° 8.137/90, c/c o art. 71, do Código Penal, prejudicadas as demais imputações pelos fundamento acima expostos."


Apela o Ministério Público Federal. Sustenta:

1- seja aplicada a causa de aumento prevista no artigo 12, inciso I, da Lei n° 8.137/90. Não se mostra razoável, do ponto de vista jurídico e social, considerar como grave dano à sociedade apenas a sonegação igual ou superior ao imenso montante de quatrocentos milhões de reais. Ademais, os valores sonegados pelo apelante deveriam ter sido aplicados em tarefas indispensáveis ao bem estar da sociedade, e não o foram pela conduta dolosamente perpetrada.

2- acaso não entenda esse E. Tribunal aplicável a majorante, seja a pena restritiva de direitos de limitação de fim de semana substituída por uma pena de prestação pecuniária, à razão de um salário mínimo por mês, durante todo o período da condenação. (...)a pena restritiva de limitação de final de semana é inexequível, tendo em vista a inexistência de Casa do Albergado no estado de São Paulo.


Apela a parte ré. Sustenta:

1- A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. verifica-se que da data do recebimento da denuncia (15 de janeiro de 2010) até a data da sentença (23 de junho de 2013), houve o lapso temporal de 4 (anos), 5 (cinco) meses e 8 (oito).

Assim, nota-se, portanto, que ultrapassado lapso temporal superior a 4 (anos) que é o prazo prescricional aplicável ao caso em tela deve ser reconhecida e declarada a prescrição da pretensão punitiva estatal; sendo de rigor o seu reconhecimento nos termos do que determina o artigo 107, inciso IV, do Código Penal.

2- DA OFENSA A PRINCIPIOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS - DO AVILTAMNETO AO ARTIGO 5°, INCISO LIV DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. Ainda em matéria preliminar, como é sabido, para indicação de ilícito penal no tocante a sonegação fiscal, imprescindível o esgotamento da discussão da matéria na esfera administrativa/fiscal.

Note-se que no vertente caso que houve instauração de Representação Fiscal para Fins Penais da Receita Federal para fomentar a persecutio criminis ocorrida no Departamento da Polícia Federal, já pressupondo ilicitude penal resultante da operação comercial envolvendo a empresa Sipasa Empreendimentos e Comércio Ltda.

Contudo, conforme se depreende dos autos, não houve a discussão da matéria tributária/fiscal em sua seara própria e de maneira efetiva, como estabelece o regramento jurídico-administrativo e penal.

(...)

A relevância e o prejuízo experimentado pelo Apelante quanto a atuação efetiva no procedimento administrativo/fiscal estava consubstanciada não apenas pela falta de definição da obrigação tributária, de seu quantum mas, principalmente, porque subtraída a possibilidade de pagamento do que seria devido -em tese- sendo essa uma das causas de extinção da punibilidade do agente que permite a legislação penal no art. 34 da Lei n° 9.249/95.

(...)

Frise-se não pode o Apelante ter tomado conhecimento de prazo aberto ou intimação para que o pudesse efetuar o pagamento ou até mesmo requerer o parcelamento da dívida existente antes do recebimento da denúncia, o que também ensejaria extinção da punibilidade, conforme previsto no art. 34 da Lei n° 9.249/95, porquanto a expressão "promover o pagamento" deve ser interpretada como qualquer manifestação concreta no sentido de pagar o tributo tem sido o entendimento pacífico do C. Superior Tribunal de Justiça (RT 776/554).

3- A QUESTÃO DOS ANTECEDENTES E A EVENTUAL EXACERBAÇÃO DE PENA.

Ainda, preliminarmente, tendo em vista o Apelante ser tecnicamente primário, possuir circunstâncias judiciais favoráveis, caso Vossas Excelências entendam, ao final, por eventual condenação, poder-se-á aplicar reprimenda mínima na dosimetria da pena cabível ao caso.

(...)

Analisando-se a r. sentença supõe que o Apelante teria aferido mencionada vantagem milionária, o que não é verdade. Repita-se, a movimentação de valores apesar de real em termos de negócios lastreados em contratos, não supõe a idêntica liquidez em espécie.

(...)

Nota-se que a suposta simulação realizada, em tese, pelo Apelante para efetuar o negócio jurídico de venda de títulos públicos, os quais segundo alegou a acusação, nunca foram emitidos pelo governo argentino, denominados ARGENTINE GLOBAL NONDS, à BOMBRIL, objetivando a partir da fraude, transferir recursos financeiros sem incidência de tributação, refere-se a ÚNICO CRIME, do qual as demais condutas descritas são desdobramentos da principal, ou seja, o raciocínio seria análogo ao conhecido princípio da consunção.

O Apelante supostamente para iludir o Fisco, realizou diversas transações financeiras não declaradas. Nobres Julgadores, nota-se que se trata de crime único, com exaurimento de condutas, jamais continuidade delitiva.

Ademais, o lapso temporal arguido pelo I. Procurador e acatado pelo D. Magistrado de 1° instância, não se enquadra para a caracterização da continuidade delitiva, pois se deram entre os anos de 1999 à 2001.

Desta feita, conforme posicionamento majoritário em relação às condições de tempo pertinentes à continuidade delitiva, a jurisprudência admite a continuidade delitiva até o espaço máximo de trinta dias entre os crimes praticados (RT 750/658,747/689 e 696/371).

Assim, oportuno dizer que o crime imputado ao Apelante é hipótese de crime único, pois mesmo diante da prática de duas ou mais condutas descritas nos incisos do artigo 1°, não haverá concurso de crimes.

4- Refutou integralmente a assertiva acusatória e o teor da sentença ora recorrida, de ilicitude na operação e venda de títulos públicos emitidos pelo governo argentino (Argentine Global Bonds), à Bombril, com o fim específico e vontade livre e consciente de lesar o fisco.

A condição efetiva de o Apelante ser industrial exportador de grãos, igualmente foi corroborada pela prova produzida. Assim, houve prova testemunhal que rechaçou a genérica alegação acusatória de simulação de negócios impossíveis de serem realizados, especialmente pelo porte e volume de negócios da empresas controladas pela J.B. Duarte, qual seja Sipasa.

(...)

Em suma, a veracidade do quantum alegado neste articulado, se confirma não apenas pelos documentos acostados nestes autos mas, também, pela prova testemunhal produzida na fase instrutória, em consonância com o art. 5°, LV, da Constituição da República. Razão pela qual é de rigor a reforma da r. Sentença condenatória proferida pelo Magistrado de 1° instancia.


Contrarrazões da parte ré às fls. 410, requerendo o desprovimento do recurso do MPF.


Contrarrazões do MPF às fls. 452, requerendo o desprovimento da apelação do réu.


A Procuradoria Regional da República, nesta instância, opinou pelo provimento da apelação do MPF e pelo desprovimento da apelação da defesa.


É o relatório.


À revisão.



WILSON ZAUHY
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): WILSON ZAUHY FILHO:10067
Nº de Série do Certificado: 54E0977545D2497B
Data e Hora: 10/11/2016 17:02:37



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0012934-42.2006.4.03.6181/SP
2006.61.81.012934-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal WILSON ZAUHY
APELANTE : Justica Publica
APELANTE : LAODSE DENIS DE ADREU DUARTE
ADVOGADO : SP152177 ALEXANDRE JEAN DAOUN e outro(a)
APELADO(A) : OS MESMOS
NÃO OFERECIDA DENÚNCIA : LUIZ LIAN DE ABREU DUARTE
: LUCE CLEO DE ABREU DUARTE
: NELSON DE CASTRO
: ERNESTO ANGEL LAZZARO
No. ORIG. : 00129344220064036181 3P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

Consignou o MPF: "Inicialmente, conforme o apurado, o denunciado LAODSE, manipulando seus irmãos LUCE CLEO DE ABREU DUARTE e LUIZ LIAN DE ABREU DUARTE, dirigia três empresas familiares denominadas SIPASA EMPREENDIMENTOS E COMÉRCIO, JB DUARTE S.A. e DUAGRO S/A ADMINISTRAÇÕES E PARTICIPAÇÕES. (...) A empresa SIPASA EMPREENDIMENTOS E COMÉRCIO, até 10/1999 era uma sociedade anônima, sendo que LAODSE ocupava na administração desta a relevante função de Diretor Superintendente, ao passo que, após a data referida, a empresa foi transformada em sociedade limitada, na qual havia três sócios a saber, a JB DUARTE S.A., a DUAGRO S/A ADMNISTRAÇÕES E PARTICIPAÇÕES e a ASIAN COMMERCIAL TRADE LIMITED. Na condução dos negócios sociais da empresa SIPASA EMPREENDIMENTOS E COMÉRCIO foram constatadas práticas dos crimes de prestação de declaração falsa à Receita Federal objetivando a redução de tributos e a simulação de negócio jurídico, ou seja, a perpetração de fraude, no intuito de reduzir a tributação incidente."

Consignou o Juiz: "Isto posto, JULGO PROCEDENTE a denúncia e CONDENO LAODSE DENIS DE ABREU DUARTE (...) à pena de 4 (quatro) anos de reclusão, a qual substituo por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, filantrópicas ou assistenciais a critério do Juízo das Execuções Penais; e limitações de fim de semana; ambas pelo prazo da condenação, bem como ao pagamento de 20 (vinte) dias-multa, como incursos no art. 1°, I, da Lei n.° 8.137/90, c/c o art. 71, do Código Penal, prejudicadas as demais imputações pelos fundamento acima expostos."

Apelam o MPF e o réu.



DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. TIPICIDADE.

CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA.

Os tipos penais imputados à parte ré são os seguintes:

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
(...)
Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Art. 12. São circunstâncias que podem agravar de 1/3 (um terço) até a metade as penas previstas nos arts. 1°, 2° e 4° a 7°:
I - ocasionar grave dano à coletividade;
Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.

Imputado à parte ré a prática de crime contra a ordem tributária, tipificado no artigo 1º, I e II, e artigo 12, I, ambos da Lei 8.137/90, na forma do artigo 71 do CP.



PRELIMINARES

1- Alega o réu em primeiro lugar:

"A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. verifica-se que da data do recebimento da denuncia (15 de janeiro de 2010) até a data da sentença (23 de junho de 2013), houve o lapso temporal de 4 (anos), 5 (cinco) meses e 8 (oito).

Assim, nota-se, portanto, que ultrapassado lapso temporal superior a 4 (anos) que é o prazo prescricional aplicável ao caso em tela deve ser reconhecida e declarada a prescrição da pretensão punitiva estatal; sendo de rigor o seu reconhecimento nos termos do que determina o artigo 107, inciso IV, do Código Penal."

Conclusão:

Observo que entre a data do recebimento da denúncia e a data da publicação da sentença não transcorreram mais de 04 anos, estando equivocada a afirmação da defesa. Além disso, o prazo prescricional seria de 08 anos pela pena aplicada (o réu tinha 69 anos na data da sentença).

De outro lado, ainda que houvesse prescrição retroativa pela pena aplicada na sentença (o que não é o caso dos autos), inviável seria a sua decretação, tendo em vista que o MPF apelou pleiteando a majoração da pena.


2- Alega o réu em segundo lugar:

DA OFENSA A PRINCIPIOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS - DO AVILTAMNETO AO ARTIGO 5°, INCISO LIV DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.

Ainda em matéria preliminar, como é sabido, para indicação de ilícito penal no tocante a sonegação fiscal, imprescindível o esgotamento da discussão da matéria na esfera administrativa/fiscal.

Note-se que no vertente caso que houve instauração de Representação Fiscal para Fins Penais da Receita Federal para fomentar a persecutio criminis ocorrida no Departamento da Polícia Federal, já pressupondo ilicitude penal resultante da operação comercial envolvendo a empresa Sipasa Empreendimentos e Comércio Ltda.

Contudo, conforme se depreende dos autos, não houve a discussão da matéria tributária/fiscal em sua seara própria e de maneira efetiva, como estabelece o regramento jurídico-administrativo e penal.

(...)

A relevância e o prejuízo experimentado pelo Apelante quanto a atuação efetiva no procedimento administrativo/fiscal estava consubstanciada não apenas pela falta de definição da obrigação tributária, de seu quantum mas, principalmente, porque subtraída a possibilidade de pagamento do que seria devido -em tese- sendo essa uma das causas de extinção da punibilidade do agente que permite a legislação penal no art. 34 da Lei n° 9.249/95.

(...)

Frise-se não pode o Apelante ter tomado conhecimento de prazo aberto ou intimação para que o pudesse efetuar o pagamento ou até mesmo requerer o parcelamento da dívida existente antes do recebimento da denúncia, o que também ensejaria extinção da punibilidade, conforme previsto no art. 34 da Lei n° 9.249/95, porquanto a expressão "promover o pagamento" deve ser interpretada como qualquer manifestação concreta no sentido de pagar o tributo tem sido o entendimento pacífico do C. Superior Tribunal de Justiça (RT 776/554).

Conclusão:

Conforme informado às fls. 20 pela Receita Federal, prestando informações sobre o presente processo, o processo administrativo 19515.001196/2005-09 foi resultado de auto de infração (conforme consta das fls. 135, 141, 145, 151 e 156 do Apenso), com data de ciência de 30/05/2005, termo de revelia em 25/05/2006 (fls. 275), desmembrado em cinco inscrições em dívida ativa (inscrições efetuadas em 30/08/2006 e 31/08/2006), tendo como situação àquela data "ativa ajuizada", não tendo sido localizados nos sistemas da arrecadação e conta corrente pagamentos disponíveis que se configurassem as características do crédito tributário inscrito, não havendo ainda outros fatos ou ocorrências que pudessem alterar as inscrições acima.

Desse modo, atendida está a disposição contida na Súmula Vinculante nº 24 do STF:

"Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo."


MATERIALIDADE

Alega a defesa:

"Refutou integralmente a assertiva acusatória e o teor da sentença ora recorrida, de ilicitude na operação e venda de títulos públicos emitidos pelo governo argentino (Argentine Global Bonds), à Bombril, com o fim específico e vontade livre e consciente de lesar o fisco.

A condição efetiva de o Apelante ser industrial exportador de grãos, igualmente foi corroborada pela prova produzida. Assim, houve prova testemunhal que rechaçou a genérica alegação acusatória de simulação de negócios impossíveis de serem realizados, especialmente pelo porte e volume de negócios da empresas controladas pela J.B. Duarte, qual seja Sipasa.

(...)

Em suma, a veracidade do quantum alegado neste articulado, se confirma não apenas pelos documentos acostados nestes autos mas, também, pela prova testemunhal produzida na fase instrutória, em consonância com o art. 5°, LV, da Constituição da República. Razão pela qual é de rigor a reforma da r. Sentença condenatória proferida pelo Magistrado de 1° instancia."


Conclusão:

MATERIALIDADE COMPROVADA.

As alegações da defesa não são suficientes para afastar a conclusão consignada na sentença.

Consignou o Juiz a respeito da materialidade:

"A propósito da materialidade, parecem-me pertinentes as seguintes considerações sobre a natureza jurídica das condutas típicas previstas no art. 1° da Lei n° 8.137/1990, mormente quanto a se os seus incisos I e II constituem crime único ou concurso de crimes, já que a denúncia atribuiu aos réus a prática das condutas previstas nos incisos I e II, do art. 1°, c/c o art. 12, I, da Lei n° 8.137/1990.

A propósito, segundo escreve Andréas Eisele,

'o critério que vai determinar a unidade ou concurso de delitos não é o número de condutas, mas, sim, a quantidade de fatos geradores tributários materiais, em face dos quais se praticam as condutas. Portanto, se forem engendrados atos fraudulentos em relação a mais de um fato imponível, independentemente de estes terem ocorrido em um mesmo ou diversos períodos de apuração do tributo do qual o agente se pretende eximir, ocorre o concurso de crimes.' (Crime contra a Ordem Tributária. Dialética, São Paulo, 1998, p. 153, apud Roberto Delmanto e alii. Leis Penais Especiais Comentadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 274)

A luz desse entendimento, verifico que os fatos gerador tributários materiais que embasaram os lançamentos tributários efetuados pela auditoria da Receita Federal são os mesmos tanto para o IRRF, assim como para a CS, de modo que entendo não ser o caso de concurso material de crimes, mas sim de crime único, que se subsume no inciso I, do art. 1° da Lei n° 8.137/1990, que absorve o inciso II do mesmo dispositivo legal, haja vista a abrangência maior do inciso I.

É que, em síntese, o que o réu praticou, em tese, foi o de prestar declaração falsa à Receita Fiscal, considerando que a conduta específica de simular negócio jurídico de vendas de títulos públicos é absorvida, por sua amplitude, pela de prestar declaração falsa.

Dou, pois, como não caracterizado, no aspecto objetivo, o crime do art. 1°, IV, da Lei n° 8.137/1990, pelo princípio da consunção.

Delimitado, nesses termos, o âmbito cognitivo da acusação, passo a examinar o mérito, limitando-me, tão somente, portanto, à verificação da caracterização objetiva e subjetiva do crime do art. 1°, inciso I, da Lei n° 8.137/1990.

A materialidade do crime encontra-se comprovada pela representação fiscal para fins penais n.° 19515.001611/2005-16 (fls. 01/115), na qual está detalhada a divergência entre as informações prestadas à Receita Federal e a movimentação bancária do réu, que aponta valores muito mais elevados do que seria compatível com as rendas apresentadas nas declarações de imposto de renda.

Constituem a materialidade delitiva no tocante à simulação da compra dos títulos intitulados Argentine Global Bonds o contrato fotocopiados às fls. 53/57 e a informação do Coordenador de Títulos Públicos do Ministério da Economia Argentino juntados às fls. 59.

Também constituem a materialidade o auto de infração relativo ao IRRF (fls. 135/138) e o relativo às contribuições sociais (fls. 141/ 155), lastreados por demonstrativos de apuração.

No processo administrativo 19515-001.196/2005-09, o contribuinte deixou transcorrer o prazo regulamentar sem impugnar o crédito tributário exigido, tampouco apresentou prova de haver interposto ação judicial para anular o lançamento ou suspender a exigibilidade do crédito tributário, tendo sido declarado revel (fls. 275).

Como já visto, a Receita Federal informou que o crédito tributário decorrente do processo administrativo n.° 19515.001196/2005-09 foi definitivamente constituído (fls. 20).

Dou, pois, comprovado o crime do art. 1°, I, da Lei n° 8 137/90 no seu aspecto objetivo."


Conclusão:

Devidamente comprovada nos autos a materialidade do delito atribuído à parte ré.



AUTORIA COMPROVADA.

Consignou o Juiz a respeito da autoria:

"A propósito da configuração subjetiva do crime previsto no art. 1° da Lei n° 8.137/1990, consigno, de início, que a responsabilidade criminal não se confunde com a responsabilidade tributária. A responsabilidade criminal é pessoal e punida, sempre, a título de dolo. Nesse passo, o art. 137, inciso I, do Código Tributário Nacional, que possibilita a responsabilização criminal daqueles que, no exercício regular de administração, mandato, fruição, cargo ou emprego, cometem infrações tributárias, não foi, nessa parte, recepcionado pela atual Constituição da República (art. 5°, XLV). Não há, pois, responsabilidade penal objetiva, mesmo em casos de crimes tributários.

No crime do inciso I do art. 1° da Lei n° 8.137/1990, assim como nas demais condutas delitivas constantes do mesmo artigo, o tipo subjetivo requisita o dolo, que consiste na vontade livre e consciente de praticar as condutas aí previstas.

A primeira conduta delitiva do inciso I é omitir informações. Portanto, é elementar que o agente disponha das informações exigidas pelo Fisco, sem o que não há falar na conduta omissiva de que trata esse inciso. A segunda conduta delitiva, prestar declarações falsas, exige que o agente tenha conhecimento de que as declarações prestadas são falsas, pois sem a consciência, por parte do agente, da falsidade dessas declarações, não há que se falar em dolo.

Feitas essas considerações, passo a analisar o aspecto subjetivo do delito em relação ao acusado.

A autoria é certa.

LAODSE ocupava o cargo de Diretor Superintendente da SIPASA S.A. Empreendimentos e Administração até 22/10/1999, quando a empresa foi transformada em sociedade limitada (fls. 44/48 do apenso I). A partir dessa data, LAODSE constou como sócio, ocupando o cargo de gerente delegado e representando indústrias JB Duarte S/A e Duagro S/A, assinando pela empresa. Além disso, segundo os depoimentos das testemunhas arroladas pela própria defesa, efetivamente era visto como a pessoa à frente dos negócios, como se extrai dos depoimentos das testemunhas de defesa que afirmam tratar dos assuntos da empresa diretamente com LAODSE, bem como terem sido contratadas por ele.

Luiz Carlos Guezine afirmou ter sido contratado por LAODSE para atuar, em processo administrativo junto à OAB, em favor da SIPASA, dizendo "fiz o recurso do Sr. Laodse contra o advogado que perdeu o prazo e gerou a falência da SIPASA, na OAB".

Sebastião de Barros Júnior apenas confirmou que LAODSE era administrador do grupo ao afirmar "que foi advogado da Industria JB Duarte em São Paulo, sendo que Laodse era diretor superintendente desta empresa".

Vê-se também que as empresas - ainda que existentes diversas pessoas jurídicas, JB DUARTE, DUAGRO, SIPASA e ASIAN TRADE COMERCIAL - eram todas partes do mesmo grupo, administradas pelo réu. Com efeito, como afirma a testemunha Miriam Saeta, nas ações trabalhistas em que a JB DUARTE era a reclamada, a SIPASA era solidária. É o que se verifica de suas afirmações "não sei por que o reclamante quis habilitar o crédito na falência da SIPASA, já que ação era contra a JB" e "não sou empregada da JB Duarte. Já ouvi falar da DUAGRO. Em algumas ações, elas estão juntas". O mesmo é confirmado pelas afirmações de Luiz Carlos: "as empresas do grupo são a Duagro, a SIPASA e a Montemor. O carro chefe era a JB Duarte."

O próprio réu esclareceu em seu interrogatório que sempre foi diretor superintendente da empresa JB DUARTE S/A, uma empresa de capital aberto, e também presidente do seu Conselho de Administração. Disse ainda que a SIPASA, da qual a JB DUARTE era sócia, era uma empresa patrimonial que administrava imóveis do grupo. E também realizava operações financeiras de mercado.

Em que pese ter o réu tentado atribuir a Nelson de Castro a responsabilidade pela administração do grupo, é certo que o próprio réu, em Juízo, admitiu que supervisionava o grupo. Disse, ainda, que o gerente-geral, Nelson de Castro, ingressou na empresa como diretor em 1998, quando ainda era uma sociedade anônima, e, em 2000, tomou-se gerente geral, quando a empresa foi transformada em sociedade limitada. Logo, ainda que Nelson de Castro fosse um dos diretores à época dos fatos, é certo que somente em 2000 ascendeu a um posto mais alto, o de gerente-geral. Tais afirmações estão em compasso com aquelas feitas pelo réu em sede policial, ocasião em que declarou que "participou da administração da empresa SIPAS EMPREENDIMENTOS E COMÉRCIO LTDA entre 1983 e 31/08/2000" e "que a administração das finanças e dos negócios da empresa era realizada exclusivamente pelo declarante, sem a participação de LUCE CLEO ou de LUIZ LIAN". Ainda afirmou na fase inquisitiva que "NELSON DE CASTRO desde 1998 atuava como administrador financeiro junto ao declarante, mas somente em 2000 passou ao título de gerente".

Além disso, verifico ter sido LAODSE quem assinou o contrato de compra e venda de ativos (fls. 56/57 do apenso), como se percebe pelo simples confronto entre as assinaturas de fls. 57 (do apenso), 91 e 257, ao lado de LUCE CLEO, a qual o próprio réu afirmou não ter participação na administração da SIPASA.

Tal contrato se revelou simulado, na medida em que inexistentes os títulos da dívida argentina de que tratavam. Tal simulação tinha, à evidência, a finalidade de omitir lucro auferido pela SIPASA, com o intuito de diminuir o IRPJ devido e seus consectários, como descritos na denúncia.

Assim, em que pese o Fisco ter aplicado multa proporcional de 75% e não de 150% ao lavrar Autos de Infração, entendo manifesta a caracterização da má-fé e, portanto, do dolo por parte do réu na conduta a ele atribuída.

É de ver, ademais, que os valores movimentados nas contas bancárias da empresa SIPASA, sob responsabilidade de LAODSE, em muito superam aquilo que foi declarado para fins de incidência de imposto sobre a renda. As afirmações da defesa de que teriam sido considerados como renda os valores que estiveram nas contas de passagem não merecem crédito. Isso porque incumbe ao contribuinte informar os valores a crédito e a débito, de forma que fique claro que valores devem ser liquidados por diferença. De qualquer modo, houve o procedimento para apuração do quanto devido a título de tributos, conforme o processo administrativo l9515-001.196/2005-09, cujo crédito foi definitivamente constituído, quedando-se, porém, o contribuinte, inerte, pois deixou de comprovar que os valores exigidos pelo Fisco são indevidos por se basearem em presunções.

Caracterizado, pois, o crime em análise no seu aspecto subjetivo, a condenação é de rigor, já que não se verificam circunstâncias que excluam o crime ou isente o réu da pena."


Conclusão:

Devidamente comprovada nos autos a autoria do delito atribuído à parte ré.



PRESENÇA DE DOLO.

Sendo o dolo, na comum lição da doutrina, a vontade livre e consciente de praticar a conduta proibida pelo tipo penal, é inegável a sua presença na hipótese dos autos.

Conclusão:

Verifica-se que a parte ré teve deliberadamente a intenção de praticar o crime contra a ordem tributária, tipificado no artigo 1º, I e II, da Lei 8.137/90.

ALEGAÇÃO DO MPF

Alega o MPF:

seja aplicada a causa de aumento prevista no artigo 12, inciso I, da Lei n° 8.137/90. Não se mostra razoável, do ponto de vista jurídico e social, considerar como grave dano à sociedade apenas a sonegação igual ou superior ao imenso montante de quatrocentos milhões de reais. Ademais, os valores sonegados pelo apelante deveriam ter sido aplicados em tarefas indispensáveis ao bem estar da sociedade, e não o foram pela conduta dolosamente perpetrada.


Consignou o Juiz a respeito:

"Antes, porém, de passar à dosimetria das penas, consigno que deixo de aplicar o art. 12, I, da Lei n° 8.137/1990 pelas razões a seguir expostas, considerando os valores sonegados apenas como uma das circunstâncias judiciais, atinente às consequências do crime.

É que, a meu ver, a hipótese dos autos não chegou a ocasionar grave dano à coletividade, na medida em que não chegou a impactar o mercado como um todo ou, ao menos, parte relevante dele, pois não chegou a determinar alteração de preços, variação de câmbio ou falência de empresas, com graves repercussões à coletividade.

Nesse passo, entendo que a Lei n° 12.529/2011, que revogou a Lei n° 8.884/1994, além de alterar, entre outros dispositivos legais, o art. 4° da Lei n° 8.137/1990, fornece subsídios para estabelecer alguns parâmetros para quantificar a magnitude de lesão à coletividade de que fala o art. 12, I, da Lei n° 8.137/1990, porquanto, de acordo com o art. 88 dessa Lei, ao controle do Conselho Administrativo de Defesa Econômica - Cade se submetem os atos de concentração econômica de empresas, somente quando, cumulativamente, pelo menos um dos grupos envolvidos na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais), e, pelo menos um outro grupo envolvido na operação tenha registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais).

A magnitude desses valores, que devem ser considerados cumulativamente, embora possam ser adequados, por indicação do Cade, por portaria interministerial dos Ministros de Estado da Fazenda e da Justiça (art. 88, § 1°), mostra quando uma operação societária é considerada efetivamente impactante a um mercado relevante de bens ou serviços e, por conseguinte, passa a interessar não só às próprias partes envolvidas, mas também à coletividade como um todo, atraindo a atuação do órgão fiscalizador da livre concorrência.

Dessa forma, levando-se em conta uma nítida correlação existente entre as Leis n° 12.529/2011 e n° 8.137/1990, por cuidarem, ambas, de infrações à ordem econômica, razoável me parece considerar que só há lesão grave à coletividade quando o crime de sonegação fiscal envolve efetivamente quantias vultosas à luz do direito concorrencial, materializado na Lei n° 12.529/2011, atingindo, no mínimo, R$ 400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais), haja vista a vagueza e imprecisão do inciso do art. 12 da Lei n° 8. 137/ 1990, que recomenda a sua aplicação com cautela e parcimônia.

Registre-se, ademais, que o valor de R$ 400.000.000,00, como parâmetro, já estava previsto na revogada Lei n° 8.884/1994, não se tratando, por conseguinte, de uma novidade introduzida pela Lei n° 12.529/2011.

Por fim, é de se consignar que o valor total constante do Demonstrativo Consolidado do Crédito Tributário do Processo - R$ 103.222.084,69 - (fls. 115 do apenso), referido pelo Ministério Público Federal como sendo o valor dos tributos sonegados, inclui juros de mora e multa. Esse valor não deve ser considerado automaticamente como sendo o valor do tributo sonegado. E que tal valor inclui, além do principal, os acréscimos legais como as multas, juros e correção monetária, os quais não foram sonegados, mas acrescidos ao valor do tributo sonegado, para fins de inscrição em dívida ativa e cobrança judicial. Mas, para fins penais, só reputo relevante o "quantum" do tributo efetivamente sonegado, isto é, reduzido ou suprimida.

Daí a não aplicação do art. 12, I, da Lei n° 8.137/1990, como causa de aumento, à espécie dos autos."


Conclusão:

Com razão o MPF.

O não recolhimento de expressiva quantia de tributo atrai a incidência da causa de aumento prevista no artigo 12, I, da Lei 8.137/90, pois configura grave dano à coletividade.

Neste sentido:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. CAUSA DE AUMENTO DE PENA (ART. 12, I, DA LEI 8.137/1990). EXPRESSIVO VALOR DO TRIBUTO SONEGADO. GRAVE DANO À COLETIVIDADE. INCIDÊNCIA. PRECEDENTES. DISCUSSÃO SOBRE O VALOR SONEGADO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Restou apurado que o crédito tributário sonegado, à época da denúncia, envolvia diversos tributos e era de R$ 1.156.819,70, valor ainda não atualizado, não sendo possível identificar, sem o revolvimento de aspectos fáticos-probatórios, o montante inicial devido, como pretende a agravante (Súmula 7/STJ).
2. Este Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que o não recolhimento de expressiva quantia de tributo atrai a incidência da causa de aumento prevista no art. 12, inc. I, da Lei 8.137/90, pois configura grave dano à coletividade.
3. Agravo Regimental desprovido. ..EMEN:(AGRESP 201303762068, REYNALDO SOARES DA FONSECA, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:25/08/2015 ..DTPB:.)

(destaquei)


No caso dos autos, os débitos principais somavam R$ 40.085.639,10 em 14/03/2007 (fls. 25, 27, 29, 31 e 34), sendo aplicável a causa de aumento prevista no artigo 12, I, da Lei 8.137/90.


DOSIMETRIA.

Consignou o Juiz a respeito da dosimetria:

"LAODSE não ostenta antecedentes criminais. Sua culpabilidade é intensa, sendo a conduta altamente reprovável, tendo em vista os artifícios empregados para a sonegação fiscal, mediante a utilização de simulação de contratos e, ainda, com lançamentos falsos, tudo de modo a ludibriar o Fisco. As consequências do crime são graves, porquanto os valores que deixaram de ser recolhidos a título de IRRF e contribuição social são razoavelmente expressivos, ultrapassando R$ 103.222.084,69 (cento e três milhões, duzentos e vinte e dois mil, oitenta e quatro reais e sessenta e nove centavos), de acordo com a consolidação realizada em 30/05/2005 (fls. 116/122 do apenso I), muitíssimo superior ao considerado insignificante pela Fazenda Nacional. Por fim, não há maiores dados sobre as demais circunstâncias judiciais.

Sopesando tais circunstâncias judiciais, francamente desfavoráveis, fixo a pena-base acima do mínimo legal em 3 (três) anos de reclusão, a qual, à míngua de atenuantes ou agravantes, aumento em 1/3 (um terço) em face da continuidade delitiva, portanto, acima do mínimo legal, levando-se em conta que a prática do crime perdurou por 3 (três) exercícios fiscais, dos anos-calendário de 1999 a 2001, resultando a pena definitiva de 4 (quatro) anos de reclusão, já que ausentes outras causas de aumento ou de diminuição.

Iniciará o cumprimento da pena em regime aberto, podendo apelar em liberdade.

Presentes os requisitos legais, substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em: a) prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, filantrópicas ou assistenciais a critério do Juízo das Execuções Penais; e b) limitações de fim de semana; ambas pelo prazo da condenação, sem prejuízo da pena pecuniária adiante fixada.

Considerando o quantum da pena corporal, que adoto como parâmetro, fixo a pena pecuniária em 20 (vinte) dias-multa à razão de 10 (dez) salários mínimos mensais, no valor vigente à época dos fatos, diante de sua situação econômica (fls. 338/375).

A multa deverá ser liquidada com atualização monetária até o efetivo pagamento.

Deixo de fixar valor mínimo para indenização ao Fisco, já que este poderá ser ressarcido por meio das execuções fiscais que tem ajuizado em face do réu."


Alega o réu:

Ainda, preliminarmente, tendo em vista o Apelante ser tecnicamente primário, possuir circunstâncias judiciais favoráveis, caso Vossas Excelências entendam, ao final, por eventual condenação, poder-se-á aplicar reprimenda mínima na dosimetria da pena cabível ao caso.

(...)

Analisando-se a r. sentença supõe que o Apelante teria aferido mencionada vantagem milionária, o que não é verdade. Repita-se, a movimentação de valores apesar de real em termos de negócios lastreados em contratos, não supõe a idêntica liquidez em espécie.

(...)

Nota-se que a suposta simulação realizada, em tese, pelo Apelante para efetuar o negócio jurídico de venda de títulos públicos, os quais segundo alegou a acusação, nunca foram emitidos pelo governo argentino, denominados ARGENTINE GLOBAL NONDS, à BOMBRIL, objetivando a partir da fraude, transferir recursos financeiros sem incidência de tributação, refere-se a ÚNICO CRIME, do qual as demais condutas descritas são desdobramentos da principal, ou seja, o raciocínio seria análogo ao conhecido princípio da consunção.

O Apelante supostamente para iludir o Fisco, realizou diversas transações financeiras não declaradas. Nobres Julgadores, nota-se que se trata de crime único, com exaurimento de condutas, jamais continuidade delitiva.

Ademais, o lapso temporal arguido pelo I. Procurador e acatado pelo D. Magistrado de 1° instância, não se enquadra para a caracterização da continuidade delitiva, pois se deram entre os anos de 1999 à 2001.

Desta feita, conforme posicionamento majoritário em relação às condições de tempo pertinentes à continuidade delitiva, a jurisprudência admite a continuidade delitiva até o espaço máximo de trinta dias entre os crimes praticados (RT 750/658,747/689 e 696/371).

Assim, oportuno dizer que o crime imputado ao Apelante é hipótese de crime único, pois mesmo diante da prática de duas ou mais condutas descritas nos incisos do artigo 1°, não haverá concurso de crimes.


Conclusão:

A pena-base deve ser reduzida para que se considere a questão do valor omitido na terceira fase da dosimetria.

Assim, presente apenas a circunstância negativa referente ao alto grau de reprovabilidade da conduta em razão da utilização de simulação de contratos e, ainda, com lançamentos falsos, de rigor a fixação da pena-base em 02 anos e 04 meses de reclusão (pena-base de 02 anos + 1/6).


Não houve agravantes nem atenuantes.


Na terceira fase incide a causa de aumento do artigo 12, I, da Lei 8.137/90, conforme consignado acima.

Tal dispositivo prevê:

Art. 12. São circunstâncias que podem agravar de 1/3 (um terço) até a metade as penas previstas nos arts. 1°, 2° e 4° a 7°:
I - ocasionar grave dano à coletividade;

Dada a expressividade do montante em referência (R$ 40.085.639,10 em 14/03/2007), cabível a majoração da pena em 1/2, passando a ser de 03 anos e 06 meses de reclusão.

Sustenta o réu não ter havido continuidade delitiva. Contudo, como bem destacou o MPF em suas contrarrazões, "a continuidade delitiva restou configurada nos documentos acostados aos autos e comprovada pelo período que abrangeu os anos de 1999 a 2001, o que resultou que o apelante, em mais de uma ação e omissão, praticou mais de um crime da mesma espécie, que, pelas condições de tempo, lugar e forma de omissão devem ter ocorrido como continuação do primeiro delito perpetrado".

Com relação ao patamar de aumento, tendo em vista que foram 3 exercícios financeiros, de rigor a majoração da pena em patamar de 1/5, inferior portanto ao fixado na sentença.

Assim, a pena deve ser acrescida de mais 1/5, totalizando 04 anos, 02 meses e 12 dias de reclusão.


O regime inicial do cumprimento da pena deve ser o semiaberto (artigo 33, §2º, 'b', do CP).


Incabível a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos (artigo 44, I, do CP).


A pena de multa, à mingua de recurso do MPF, deve permanecer a mesma da sentença, qual seja, "20 (vinte) dias-multa à razão de 10 (dez) salários mínimos mensais, no valor vigente à época dos fatos, diante de sua situação econômica (fls. 338/375)."


DISPOSITIVO

Ante todo o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação da defesa, somente para reduzir a pena-base e o patamar de acréscimo em razão da continuidade delitiva; e DOU PROVIMENTO à apelação do MPF para aplicar a causa de aumento do artigo 12, I, da Lei 8.137/90.


Tendo em conta o quanto decidido pelo STF no HC nº 126.292 e nas ADCs 43 e 44, em que se afirmou a possibilidade de imediato cumprimento do decreto condenatório exarado por colegiado, de que não caiba mais recurso ordinário, entendo que a expedição do competente mandado de prisão deve ser feita após seja certificado o esgotamento dos recursos ordinários no caso concreto.


É o voto.




WILSON ZAUHY
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): WILSON ZAUHY FILHO:10067
Nº de Série do Certificado: 54E0977545D2497B
Data e Hora: 30/01/2017 18:10:52