D.E. Publicado em 02/03/2017 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação de NELSON CALIL JORGE para excluir a agravante do art. 61, II, g, do Código Penal e reduzir a pena a 1 (um) ano e 9 (nove) meses de detenção e 11 (onze) dias-multa pela prática dos crimes do art. 2º da Lei n. 8.176/91 e do art. 55 da Lei n. 9.605/98, em concurso formal, e, DE OFÍCIO, excluir a condenação ao pagamento do valor mínimo para reparação dos danos, mantendo, no mais, mantida a sentença, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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Data e Hora: | 21/02/2017 13:48:09 |
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RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta por NELSON CALIL JORGE contra a sentença de fls. 448/457, que o condenou a 2 (dois) anos, 1 (um) mês e 20 (vinte) dias de detenção, regime inicial aberto, e 11 (onze) dias-multa, no valor unitário de 1/2 (metade) do salário mínimo, pela prática do delito do art. 2º da Lei n. 8.176/91 em concurso formal com o delito do art. 55 da Lei n. 9.605/98, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos e fixado o valor mínimo para reparação dos danos causados no valor da multa aplicada administrativamente.
Alega-se, em síntese, o seguinte:
A acusação apresentou contrarrazões (fls. 531/541).
A Ilustre Procuradora Regional da República, Drª. Inês Virgínia Prado Soares, manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 544/548).
Dispensada a revisão
É relatório.
VOTO
Imputação. NELSON CALIL JORGE foi denunciado pela prática do crime do art. 55 da Lei n. 9.605/98 em concurso formal com o crime do art. 2º da Lei n. 8.176/91, nos seguintes termos:
Dos delitos. Dispõe o art. 55, caput, da Lei n. 9.605/98:
Dispõe o art. 2º, caput, da Lei n. 8.176/91:
Do caso dos autos. Sustenta a defesa falta de provas da materialidade dos delitos e atipicidade da conduta, pleiteando a absolvição com fundamento no art. 386, incisos II ou III, do Código de Processo Penal. Aduz, em síntese, que a empresa Areia do Vale Extração e Comércio Ltda. não estava em fase de operação, mas de instalação, não tendo se verificado a extração de areia propriamente dita. Alega não ter havido usurpação de bem da União porque a Areia do Vale Extração e Comércio Ltda. mantinha contrato de arrendamento com a Dedone & Silva Ltda., a qual detinha registro de licença válido para a extração, além de ser desnecessária a anuência do Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM para a espécie de contratação estabelecida entre ambas as empresas.
Não lhe assiste razão.
Segundo o Boletim de Ocorrência BOPAmb n. 103888, no dia 14.12.10, durante policiamento ambiental decorrente da Operação Odilon Espíndola, constatou-se que a empresa Areia do Vale Extração e Comércio Ltda. desenvolvia atividade em porto de areia sem a licença ambiental. Relata ter sido verificada a existência de, aproximadamente, 2.100m³ (dois mil e cem metros cúbicos) de areia, os quais, segundo informações de Jaci (Junior), funcionário da empresa, foram extraídos do leito do Rio Mogi-Guaçu, em trecho sob concessão do Porto de Areia Dedone, sendo transportados por barcaças do tipo batelão e descarregados naquele local para, depois, serem carregados por caminhões. A atividade foi embargada e os equipamentos e materiais apreendidos (fl. 6/6v.). Na ocasião, foi lavrado o Auto de Infração Ambiental n. 252759 contra a empresa Areia do Vale Extração e Comercio Ltda. por executar a extração de minerais sem a competente licença da autoridade ambiental (fl. 7).
O laudo pericial de fls. 20/28 foi elaborado, aproximadamente, 6 (seis) meses após a diligência policial e avaliou as atividades de extração minerária na localidade. Refere que, à época da perícia, em 14.06.11, os responsáveis pela empresa Areia do Vale Ltda. informaram que "o funcionamento da mesma, mesmo sem a concessão de lavra, estava amparado em Liminar Judicial e a areia era extraída dentro dos limites do processo 820.542/2007" (fl. 24).
Descreve o laudo que as áreas próximas à empresa Areia do Vale Ltda. têm processos de licenciamento no DNPM em nome da Denone, Silva e Cia. Ltda.: "em consulta ao sítio do DNPM foram localizados, nas proximidades da empresa, os processos 820.543/2007 e 820.551/2007, em fase de requerimento de licenciamento (desde 2007), em nome da empresa Dedone, Silva e Cia. Ltda. e o processo 820.542/2007, em fase de licenciamento (desde 2007), em nome da empresa Dedone, Silva e Cia. Ltda." (fl. 24). Esclarece que a Areia do Vale não tem concessão de lavra para as áreas em sua proximidade (fl. 27).
O boletim de ocorrência e o auto de infração explicitam indícios da prática dos delitos. Por sua vez, o laudo pericial esclarece aspectos relevantes para elucidação dos fatos, permitindo conhecer particularidades acerca da área em que verificados previamente os fatos objeto da ação penal.
Com efeito, o juízo de mérito da ação penal requer a análise do conjunto probatório amealhado ao longo da instrução criminal, o qual pode confirmar os indícios que ensejaram a instauração da ação penal, ensejar a dúvida, a determinar a incidência do princípio in dubio pro reo, ou revelar a improcedência da acusação.
Na espécie, a prova colhida em Juízo robora a prática dos crimes do art. 55 da Lei n. 9.605/98 e do art. 2º da Lei n. 8.176/91.
Em Juízo, a testemunha de defesa JOSÉ CÂNDIDO NETO disse que, na época, realizou as negociações para o réu. Declarou que o réu estava trabalhando sem a licença, uma vez que a licença existia para o porto de areia, mas não para a empresa dele. Declarou que o réu fez o contrato de arrendamento dos portos de areia e começou a extrair a areia, mas, em seguida, parou. Esclareceu que o contrato de arrendamento se tornou nulo, pois o DNPM deixou de aceitar o arrendamento, passando a ser necessária a transferência da titularidade no DNPM para a empresa do réu, mas ninguém quis transferir. Afirmou que, à época, procurava quem quisesse firmar contrato de arrendamento com o réu, mas, posteriormente, souberam que o DNPM não aceitava tal contratação, sendo necessária a transferência da titularidade. Disse que o réu é pessoa idônea e não seguiu com as atividades, tendo os portos de areia retornado a seus antigos proprietários. Esclareceu que, à época da renovação da licença, descobriu-se que o DNPM não permitia mais o arrendamento, sendo que o proprietário do DNPM teria de transferir a titularidade, mas ninguém concordou em transferir (mídia à fl. 238).
Em Juízo, a testemunha de defesa RICARDO ANTONIO DAIDONE disse que esteve com o réu NELSON, no local dos fatos, no início do ano de 2010. Disse que a antiga mineradora tinha licença de instalação e, então, o réu estava levando maquinários para lá para se instalar, mas não para extrair. Declarou que lá havia um monte de areia da antiga mineradora. Afirmou que o réu começou a operar no início de 2011 por força de uma liminar. Esclareceu que a fase de instalação exige teste de decantação, instalação de maquinário, trânsito de caminhões para transbordo e etc. Aduziu que uma pessoa leiga pode confundir essa fase com a de extração de areia (mídia à fl. 258).
Em Juízo, a testemunha de defesa ANDRÉ LUIZ ARAÚJO NOGUEIRA disse que o réu NELSON arrendou uma área de mineração, da qual não era proprietário. Afirmou que o empreendimento funcionava da seguinte forma: NELSON arrendava o direito minerário e a propriedade para extrair areia, mediante contrato entre as partes. Declarou que havia licença de instalação expedida pela CETESB. Disse que era o responsável pela área comercial da empresa e visitava regularmente o porto para levar clientes. Afirmou que, salvo engano, o arrendamento foi feito em janeiro de 2010. Discorreu sobre o funcionamento da atividade de mineração e a fase de extração. Disse que a extração para comercialização demorou muito, tendo iniciado após a concessão de mandado de segurança. Afirmou que, à época da fiscalização, a empresa estava na fase de instalação, aferição e regulagem de equipamentos. Disse que o porto de areia já havia trabalhado no passado e existia estoque antigo de areia no local. Negou que estivessem em operação, pois não detinham a licença de operação, tanto que foi impetrado mandado de segurança para que pudessem operar. Explicou o funcionamento da fase de instalação. Explicitou que a CETESB confere três licenças distintas: prévia, de instalação e de operação. Disse acreditar ter havido confusão em razão da existência de estoque antigo de areia (mídia à fl. 314).
Em Juízo, a testemunha de defesa MARCELO RICARDO BARRETO disse que é advogado e tinha escritório na cidade de Rincão, onde foi procurado por Odair, funcionário de um porto de areia, para acompanhar a fiscalização. Afirmou que, na época, desconhecia que a propriedade fosse do réu NELSON, conhecendo a mineração como Porto do Cedro. Disse que, no local, havia dois funcionários da empresa e dois policiais militares ambientais e os autos de infração estavam sendo lavrados. Disse que havia depósitos de areia e movimentação de trator no local, sendo que o auto de infração apontava falta de licença de operação. Declarou ser leigo quanto à mineração (mídia à fl. 395).
Em Juízo, a testemunha de acusação FERNANDO CINICIATO, Policial Militar, declarou se recordar da diligência relativa à Areia do Vale, mas não em detalhes. Narrou ter constatado a extração de areia sem o licenciamento da CETESB, sendo que a extração ocorria no curso de água do Rio Mogi-Guaçu, na região de Rincão. Afirmou que a extração se dá por meio de dragas e, depois, o transporte é feito por meio de barcos que encaminham a areia para o depósito da mineradora. Disse não se lembrar da extração de areia por outra empresa, nem da quantidade localizada. Afirmou não ter sido apresentada nenhuma licença, apenas a alegação de que estava em trâmite administrativo. Disse ter comparecido um advogado para resolver a questão. Declarou que, em consulta, verificou que não havia licença para a extração. Esclareceu que já tinha vistoriado o local anteriormente, não por causa dessa mineradora, mas de outras. Afirmou que as antigas mineradoras tinham licenciamento, mas não conseguiram renovação e, por conta disso, as atividades foram paralisadas. Discorreu sobre a diferença entre as fases de instalação e de operação do empreendimento. Narrou que, no momento da fiscalização, a areia já era extraída do curso de água e comercializada, sem a licença de operação para tanto. Afirmou que a atividade era comercial porque já havia caminhões carregados fazendo o transbordo da areia. Esclareceu que a licença prévia é só para extração do minério para estudo. Afirmou que, na fase de instalação, os equipamentos não devem ser ligados, sendo que pode haver movimentação de terra, mas não do minério extraído. Disse que os caminhões tinham minério extraído (mídia à fl. 395).
Interrogado em Juízo, NELSON CALIL JORGE disse que trabalha há 38 anos na mineração e negou a acusação. Afirmou que há despreparo da Polícia e da CETESB e ocorre muita confusão. Afirmou que, depois de adquirir a licença de instalação, se o local não estiver funcionando tecnicamente, não se obtém a licença de operação. Declarou que o fiscal viu um monte de areia e acreditou que estivesse extraindo, mas não estava. Afirmou que não havia caminhão saindo do local, mas apenas o transporte de maquinário, a instalação do necessário e a realização de testes dos equipamentos para posterior obtenção da licença de operação. Afirmou ter obtido a licença de operação por meio da Justiça, mas ter paralisado a atividade em razão de problemas com o proprietário do local. Acrescentou que o leigo pode confundir as fases de instalação e operação. Disse ter ingressado na área por meio do arrendamento, bem como que essa área já havia sido explorada por outra empresa e, quando a arrendou, já havia lá um monte de areia, draga e etc. (mídia à fl. 395).
Está demonstrada a extração de areia na área explorada pela empresa Areia do Vale Extração e Comércio Ltda., em 14.12.10, na cidade de Rincão (SP). Os indícios da extração de minério explicitados por meio do boletim de ocorrência e do auto de infração foram confirmados pelo depoimento do Policial Militar FERNANDO CINICIATO que, tendo participado da diligência policial, confirmou, perante o Juiz, a efetiva extração de minério do curso de água do Rio Mogi-Guaçu.
Os depoimentos das testemunhas de defesa RICARDO ANTONIO DAIDONE e ANDRÉ LUIZ ARAÚJO NOGUEIRA, assim como o interrogatório do réu, são no sentido de não ter se verificado a extração do minério, mas mera preparação do local, em fase de instalação, para aguardar a concessão da licença de operação, quando, então, seria iniciada a efetiva extração da areia. Declararam que o monte de areia localizado pela fiscalização era antigo e estava lá ainda em razão das atividades da antiga mineradora que operava naquele local. Discorreram sobre a possibilidade de a pessoa leiga quanto à mineração confundir as fases de instalação e de operação do empreendimento.
Observo, no entanto, que nenhuma das testemunhas ou o próprio réu estava presente no local dos fatos no dia da fiscalização ambiental, enquanto o Policial Militar, ouvido como testemunha, foi um dos responsáveis pela autuação e confirmou a atividade para efetiva extração de areia.
Destaque-se não ter sido apenas encontrado um monte de areia, mas testificada a atividade extrativa minerária, roborando a prévia lavratura do auto de infração com o embargo da atividade. Ademais, o Policial Militar não é pessoa leiga quanto à atividade minerária, uma vez que atua justamente na equipe de policiamento ambiental e esclareceu já ter fiscalizado a região em outras oportunidades, não restando demonstrada a suposta confusão entre as fases de instalação e de operação do empreendimento.
Igualmente, a falta da competente licença para extração de recursos minerais está evidenciada. Refere o boletim de ocorrência que a CETESB confirmou não haver licença de operação para a empresa Areia do Vale Ltda. (fl. 6v.). Consta do auto de infração que a empresa foi autuada por falta de licença da autoridade ambiental (fl. 7). Em Juízo, o Policial Militar FERNANDO CINICIATO relatou que, durante a fiscalização, nenhuma licença foi apresentada e, em consulta, verificou que não existia licença para extração. Igualmente, o relato das testemunhas de defesa confirma que não havia licença de operação para realização da extração de areia.
Realizada, portanto, a extração de recursos minerais sem a competente licença do órgão ambiental (licença de operação), tem-se caracterizada a prática do crime do art. 55 da Lei n. 9.605/98.
Outrossim, resta demonstrada a usurpação de bem pertencente à União.
A empresa Areia do Vale Extração e Comércio Ltda. mantinha contrato particular de arrendamento com a Dedone & Silva Ltda., proprietária de porto de areia, com prazo de vigência para o período de 21.01.10 a 21.01.20, para proceder à mineração de areia, pedras, pedregulhos e cascalhos nas áreas relativas aos Processos DNPM 820.551/07, 820.542/07, 820.543/07 e 820.173/10, de titularidade da Dedone & Silva Ltda. (fls. 182/187).
Contudo, o contrato de arrendamento não foi submetido ao Departamento Nacional de Produção Mineral.
A defesa argumenta que o contrato de arrendamento firmado pela Areia do Vale Extração e Comércio Ltda. independe de autorização prévia e averbação perante o DNPM. Aduz que o contrato é regido pela Lei n. 6.567/78 e discorre sobre as portarias do DNPM que seriam aplicáveis à espécie, sustentando a validade do arrendamento a justificar a legalidade da extração de areia.
No entanto, os elementos dos autos não permitem concluir que a Areia do Vale Extração e Comércio Ltda. tenha observado a legislação pertinente à extração de recursos minerais vigente à época dos fatos.
Com efeito, a Lei n. 6.567/78 não dispensa o interessado no aproveitamento das substâncias minerais pelo regime de licenciamento da obtenção da licença específica e da efetivação do registro no DNPM (arts. 1º, 2º, 3º e 6º).
Não há indicativos de ter a interessada - Areia do Vale Extração e Comércio Ltda. - efetuado qualquer requerimento perante o DNPM nos termos da Portaria DNPM n. 266/08, que regulamentou a Lei n. 6.567/78.
Igualmente, a Portaria DNPM n. 269/08, que regulamentava a anuência prévia, a averbação e a extinção de contratos de arrendamento de concessão de lavra e de manifesto de mina, a qual admitia a aplicação subsidiária de dispositivos da Portaria DNPM n. 199/06, que regulamentava questões atinentes ao pedido de concessão de anuência prévia e averbação de cessão de direitos minerários, dispõe sobre o dever de submeter o contrato de arrendamento à anuência prévia e averbação (art. 2º).
Ainda, a Portaria DNPM n. 269/08 destacou permanecerem em vigor os contratos de arrendamento de direitos minerários, em outros regimes de aproveitamento, até o termo final de sua averbação, vedada a prorrogação (art. 26).
No entanto, o contrato entre as empresas Areia do Vale Ltda. e Dedone & Silva Ltda. foi firmado apenas em janeiro de 2010, enquanto a Portaria DNPM n. 269/08 foi publicada em 11.07.08, não estando, portanto, abrangido por tal previsão normativa, a qual, mais uma vez, refere a necessidade de averbação.
A invalidade do contrato em questão foi roborada pela prova testemunhal.
O relato da testemunha de defesa JOSÉ CÂNDIDO NETO, que intermediava contratos de arrendamento para a empresa do réu, confirma que a área fiscalizada passou a ser explorada pela empresa Areia do Vale com base em contrato de arrendamento, sendo que haveria licença para a exploração do porto de areia naquela localidade, mas em nome de outra empresa. Esclareceu a testemunha que, posteriormente, o contrato de arrendamento foi anulado, pois o Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM passou a não permitir tal espécie de contratação, mas a exigir a transferência da titularidade da lavra, o que não foi realizado pelos proprietários dos portos de areia (mídia à fl. 238).
Para além da controvérsia sobre o contrato particular de arrendamento, não está demonstrada a existência de qualquer licença válida para exploração de minério no local dos fatos em 14.12.10.
É notório que a Areia do Vale Extração e Comércio Ltda. não detinha autorização do Departamento Nacional de Produção Mineral para explorar matéria-prima pertencente à União. Todos os processos existentes no DNPM para autorização de extração de recursos minerais nas áreas próximas ao local dos fatos referiam-se à empresa Dedone & Silva Ltda..
Os documentos de fls. 189/190 e 430/438 demonstram que os títulos de licenciamento da empresa Dedone, Silva e Cia. Ltda. foram outorgados posteriormente aos fatos: Processo DNPM 820.173/2010, outorga em 10.08.11; Processo DNPM 820.543/2007, outorga em 26.06.12; Processo DNPM 820.542/2007, outorga em 02.03.11 e Processo DNPM 820.551/2007, outorga em 26.06.12.
Tampouco está demonstrado que alguma licença estivesse válida em dezembro de 2010 com base na alegada prorrogação automática.
As afirmações do réu e da testemunha RICARDO ANTONIO DAIDONE, no sentido de ter sido desempenhada, posteriormente, no ano de 2011, a atividade minerária com amparo em decisão judicial, não descaracterizam a prática delitiva consumada em dezembro de 2010.
Consta dos autos ter a Dedone, Silva e Cia. Ltda. impetrado mandado de segurança em que foi deferida medida liminar para autorizar a continuidade de suas atividades de extração de areia (fls. 90/91). Porém, referido mandado de segurança foi distribuído apenas em 29.04.11 e não representa nem sequer início de prova de eventual autorização para extração de areia pela Areia do Vale Ltda., não restando evidenciado, pela documentação dos autos, que o contrato de arrendamento tenha sido submetido ao crivo do Judiciário e apreciado no writ.
É dos autos que não havia, em 14.12.10, autorização legal para a empresa Areia do Vale Extração e Comércio Ltda. extrair recurso mineral da União, a evidenciar a usurpação de seu patrimônio, conduta tipificada no art. 2º da Lei n. 8.176/91.
Logo, resta satisfatoriamente comprovada a materialidade dos delitos, não havendo que se falar em atipicidade da conduta.
Autoria. Os interrogatórios das fases policial e judicial evidenciam que réu NELSON CALIL JORGE é sócio e administrador da empresa Areia do Vale Extração e Comércio Ltda. (fls. 81 e mídia à fl. 395). Igualmente, a prova testemunhal torna indubitável sua condição de responsável pelo empreendimento.
Em que pese tenha negado a prática de crimes, o conjunto probatório demonstra que procedeu à exploração de areia sem as autorizações legais necessárias, contrariando as normas ambientais e usurpando bem da União, por meio da atividade desempenhada pela empresa Areia do Vale Extração e Comércio Ltda. em Rincão (SP).
Comprovadas a materialidade, a autoria e o dolo da conduta, mantém-se a condenação de NELSON CALIL JORGE pela prática dos crimes do art. 55 da Lei n. 9.605/98 e do art. 2º da Lei n. 8.176/91.
Usurpação de bens da União. Revogação pela lei ambiental. Inexistência. O delito de usurpação de bens da União (Lei n. 8.176/91, art. 2º, caput) constitui crime contra o patrimônio. Sendo assim, não foi revogado pela Lei n. 9.605/98, art. 55, caput, que protege o meio ambiente ao sancionar a conduta de extração irregular de recursos minerais, consoante se infere dos seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
Os seguintes precedentes deste Tribunal não discrepam da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça acima indicada:
Do caso dos autos. Apela a defesa, pugnando pela incidência, exclusivamente, do art. 55 da Lei n. 9.605/98. Sustenta haver conflito de normas entre o disposto no art. 2º Lei n. 8.176/91 e no art. 55 da Lei n. 9.605/98, prevalecendo o último com base no princípio da especialidade.
Não merece prosperar o recurso.
Conforme acima exposto, o delito de usurpação de bem da União descrito no art. 2º da Lei n. 8.176/91, crime contra o patrimônio, não foi revogado pelo art. 55 da Lei n. 9.605/98, que tutela o meio ambiente, não havendo se falar em conflito de normas.
Há o concurso formal de delitos uma vez que, mediante uma só ação (extração de areia), o réu praticou dois delitos que atingiram bens jurídicos distintos (CP, art. 70, 1ª parte).
Dosimetria. Considerando as circunstâncias do art. 59 do Código Penal, o Juízo a quo ponderou, negativamente, a culpabilidade do réu para fixar a pena-base dos delitos acima do mínimo legal:
Para o delito do art. 2º da Lei n. 8.176/91, fixou a pena-base em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de detenção e 10 (dez) dias-multa.
Para o delito do art. 55 da Lei n. 9.605/98, fixou a pena-base em 8 (oito) meses de detenção e 10 (dez) dias-multa.
Sem atenuantes.
Reconheceu a agravante do art. 61, II, g, do Código Penal, por ter o réu praticado o delito com a violação de deveres inerentes ao ofício, majorando as pena de cada delito em 4 (quatro) meses.
A pena do delito do art. 2º da Lei n. 8.176/91 resultou em 1 (um) ano e 10 (dez) meses de detenção.
A pena do delito do art. 55 da Lei n. 9.605/98 resultou em 1 (um) ano de detenção.
Sem causas de diminuição.
Reconheceu o concurso formal de delitos para aplicar a pena mais grave (art. 2º da Lei n. 8.176/91) aumentada na fração de 1/6 (um sexto), resultando em 2 (dois) anos, 1 (um) mês e 20 (vinte) dias de detenção e 11 (onze) dias-multa, que tornou definitiva.
Fixou o valor unitário do dia-multa em 1/2 (metade) do salário mínimo.
Regime inicial aberto (CP, art. 33, § 2º, c).
Substituiu a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes no pagamento de prestação pecuniária no valor de dois salários mínimos e na prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas pelo prazo da pena substituída.
Apela a defesa para redução das penas ao mínimo legal, visto ter a sentença considerado circunstâncias inerentes ao tipo penal para majorar a pena-base e aplicar a agravante de violação de dever de ofício (CP, art. 61, II, g), havendo bis in idem.
Prospera, em parte, a apelação da defesa.
As penas-base dos delitos devem ser mantidas acima do mínimo legal.
Observo que o Juízo a quo considerou elevado o grau de reprovabilidade da conduta do réu por se tratar de pessoa que sempre atuou no ramo da mineração. De fato, em interrogatório judicial, NELSON CALIL JORGE declarou atuar no ramo há 38 (trinta e oito) anos, em diferentes localidades. A ampla experiência do acusado no desempenho de atividade de extração de recurso mineral denota a acentuada culpabilidade na prática dos delitos, a justificar o aumento da pena-base, não se verificando bis in idem.
Nesse sentido, parecer da Procuradoria Regional da República:
Por outro lado, excluo da dosimetria da pena a agravante de violação dos deveres inerentes ao ofício (CP, art. 61, II, g).
Competia ao acusado, enquanto empresário do ramo da mineração, providenciar as licenças necessárias ao desempenho da atividade de extração de areia de modo lícito, o que não se verificou. Entretanto, a extração sem as autorizações legais constitui elementar dos delitos, a inviabilizar a incidência da circunstância agravante do art. 61, II, g, do Código Penal, sob pena de bis in idem.
Mantenho as penas-base dos delitos acima do mínimo legal.
Para o delito do art. 2º da Lei n. 8.176/91, em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de detenção e 10 (dez) dias-multa.
Para o delito do art. 55 da Lei n. 9.605/98, em 8 (oito) meses de detenção e 10 (dez) dias-multa.
Sem atenuantes, agravantes ou causas de diminuição.
Incide a causa de aumento decorrente do concurso formal para majorar a mais grave das penas (art. 2º da Lei n. 8.176/91) na fração de 1/6 (um sexto), totalizando 1 (um) ano e 9 (nove) meses de detenção e 11 (onze) dias-multa, que torno definitiva.
Mantidos o regime inicial, o valor unitário do dia-multa e a substituição da pena nos termos estabelecidos na sentença.
No tocante à fixação do valor mínimo para a reparação de danos causados pela infração, com base no art. 387, IV do CPP, é de ser reconhecida a necessidade de pedido expresso de condenação nesse sentido, o que não ocorreu.
Ressalvado meu entendimento de que se trata de norma processual, define a competência do juiz criminal para determinar um valor mínimo, o Superior Tribunal de Justiça entende que a fixação de valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, prevista no art. 387, IV, do Código de Processo Penal, com a redação da Lei n. 11.719/08, é norma de direito material, não tem efeitos retroativos e exige que seja deduzido pedido a fim de garantir o contraditório e o devido processo legal (STF, ARE n. 694.158, Rel. Min. Luiz Fux, j. 25.03.14; STJ, REsp n. 1.265.707, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 27.05.14; AgRg no REsp n. 1.383.261, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 17.10.13 e AgRg no AREsp n. 389.234, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 08.10.13).
Com efeito, não consta pedido expresso de condenação à reparação de danos causados pela infração pelo Ministério Público Federal, seja na denúncia (fls. 122/124), seja em alegações finais (fls. 422/429), do que resulta a inadequação da sua estipulação pelo Juiz, sem garantir o contraditório e o devido processo legal.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação de NELSON CALIL JORGE para excluir a agravante do art. 61, II, g, do Código Penal e reduzir a pena a 1 (um) ano e 9 (nove) meses de detenção e 11 (onze) dias-multa pela prática dos crimes do art. 2º da Lei n. 8.176/91 e do art. 55 da Lei n. 9.605/98, em concurso formal, e, DE OFÍCIO, excluo a condenação ao pagamento do valor mínimo para reparação dos danos. No mais, mantida a sentença.
É o voto.
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