Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 05/09/2017
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0008269-57.2015.4.03.6119/SP
2015.61.19.008269-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
APELANTE : EMEKA CLINTON NKEOGAEME reu/ré preso(a)
ADVOGADO : VANESSA CASTRO FIGUEIREDO (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00082695720154036119 6 Vr GUARULHOS/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. USO DE DOCUMENTO FALSO. VISTO CONSULAR. PEDIDO DE REFÚGIO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. INAPLICABILIDADE. SAÍDA DO TERRITÓRIO. FATO TÍPICO. ABSORÇÃO PELO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE. CRIME IMPOSSÍVEL. INOCORRÊNCIA. AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. ANTECEDENTES. AUSÊNCIA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. INCIDÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE CRIME ÚNICO. CONCURSO MATERIAL. APLICABILIDADE. REGIME PRISIONAL. ABERTO. SUSBTIUIÇÃO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. APLICABILIDADE. APELAÇÃO. PARCIAL PROVIMENTO.
1. O artigo 10 da Lei 9.474/97 dispõe que será sobrestado o processo criminal ou o procedimento administrativo instaurado para apurar, especificamente, a entrada irregular do peticionário no território nacional; não cuidando, o artigo em comento, de suspensão de procedimento criminal relativo à saída irregular do Brasil;
2. A conduta de apresentar o passaporte com a inserção de dados falsos às autoridades alfandegárias é fato típico, seja na entrada ou na saída do território, e se enquadra no crime de uso de documento falso na forma consumada, uma vez que essa conduta, por si só, atinge a fé pública e o interesse da União na veracidade dos documentos por ela emitidos;
3. Não há absorção do crime de uso de documento falso pelo crime de tráfico internacional de drogas, seja porque o crime de falso não é meio para a prática do tráfico internacional de drogas, que pode ser cometido com documentos verdadeiros, seja porque a potencialidade lesiva do passaporte adulterado não se exaure com a prática do tráfico e é independente deste;
4. Verifica-se que a falsidade do documento estava apta a ludibriar as autoridades. Portanto, não há que se falar em crime impossível;
5. O apelante possuía plena ciência de que o visto com que procurou entrar e sair do Brasil era falso, destinado a facilitar o crime de tráfico, e, mesmo que não tivesse conhecimento da ilicitude de sua conduta, no mínimo assumiu o risco de praticá-la, configurando o dolo eventual, a ensejar sua condenação nas penas dos artigos 304 c.c. 297, do Código Penal;
6. Não é possível considerar a existência de ações penais em curso ou inquéritos para caracterização de maus antecedentes, conduta social desfavorável nem personalidade voltada para a prática de crime, nos termos da Súmula nº 444 do Superior Tribunal de Justiça;
7. A circunstância de o apelante ter requerido a absolvição sob o fundamento de que agiu com ausência de dolo não implica afastamento do redutor do artigo 65, III, "d", do Código Penal, uma vez que a espontaneidade exigida pela norma prescinde de motivos. São, pois, irrelevantes as razões pelas quais o agente admitiu a prática do crime para que se aplique a atenuante;
8. O caso é de pluralidade de crimes, configurados em condutas distintas e com dolos autônomos. O acusado primeiro aspira entrar no país, para depois, avaliar quando e se sairá do território nacional. São momentos distintos, que, no presente caso, foram separados por um largo lapso temporal, e ocorreram em lugares diferentes, proporcionando uma pluralidade de resultados, devendo ser reconhecido o concurso material;
9. As circunstâncias judiciais subjetivas do réu (antecedentes, conduta social, personalidade e motivo do crime) não foram valoradas negativamente, de maneira que o regime inicial de cumprimento de pena deve ser estabelecido com base na pena fixada em concreto;
10. Com fundamento no artigo 44, I e II do Código Penal, e por constituir medida socialmente recomendável, necessária a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos;
11. Apelação defensiva parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso da defesa para fixar a pena-base no mínimo legal e reconhecer a atenuante da confissão espontânea, de que resulta a pena definitiva de 4 (quatro) anos de reclusão e 20 (vinte) dias-multa, em regime aberto, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 23 de agosto de 2017.
MAURICIO KATO
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0008269-57.2015.4.03.6119/SP
2015.61.19.008269-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
APELANTE : EMEKA CLINTON NKEOGAEME reu/ré preso(a)
ADVOGADO : VANESSA CASTRO FIGUEIREDO (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00082695720154036119 6 Vr GUARULHOS/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelação criminal interposta por Emeka Clinton Nkeogaeme em face da r. sentença de fls. 319/321, que julgou procedente a denúncia, para condená-lo a prática do delito previsto no artigo 304 c.c. o artigo 297 do Código Penal, fixada a pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime fechado de cumprimento de pena e 11 (onze) dias-multa, cada um fixado no mínimo legal de 1/30 (um trigésimo) do valor do salário mínimo vigente à época dos fatos.


Em suas razões recursais, a defesa requer a reforma da sentença nos seguintes termos (fls. 339/361):


a) a extinção da punibilidade do réu, tendo em vista sua condição de refugiado, nos termos do artigo10 da Lei 9.474/97;


b) absolvição do réu por impossibilidade de condenação simultânea nos crimes de falsificação de documento público e uso de documento falso;


c) absolvição do réu quanto à conduta de saída do país, sob o fundamento da atipicidade;


d) absolvição do réu sob o fundamento de que o crime em questão teria sido absorvido pelo crime previsto no artigo 33 da Lei 11.343/2006 (Tráfico de drogas);


e) absolvição do réu pelo reconhecimento de crime impossível, nos termos do artigo 386, III do Código de Processo Penal;


f) absolvição do réu sob o fundamento de que agiu com ausência de dolo, nos termos do artigo 20 do Código Penal;


g) a absolvição do réu nos termos do artigo 386, VI do Código de Processo Penal;


h) fixação da pena-base no patamar mínimo;


i) incidência da atenuante da confissão espontânea;


j) reconhecimento de crime único, rejeitando-se a imputação de concurso material de crimes.


Contrarrazões apresentadas às fls.363/370-v.


A Procuradoria Regional da República opinou pelo parcial provimento da apelação (fls. 373/382).


É o relatório.


À revisão.



MAURICIO KATO
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0008269-57.2015.4.03.6119/SP
2015.61.19.008269-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
APELANTE : EMEKA CLINTON NKEOGAEME reu/ré preso(a)
ADVOGADO : VANESSA CASTRO FIGUEIREDO (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00082695720154036119 6 Vr GUARULHOS/SP

VOTO

Consta dos autos que Emeka Clinton Nkeogaeme foi denunciado pela prática do crime previsto no artigo 304 c.c. o artigo 297 do Código Penal, porque apresentou passaporte com visto brasileiro falso às autoridades brasileiras do Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim - Rio de Janeiro/RJ, no dia 23/04/2014 ao entrar no país, e do Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, no dia 22/01/2015, ao sair do país, ocasião em que foi preso ao trazer consigo aproximadamente 2.193g (dois mil cento e noventa e três gramas) de cocaína (fls. 55/58 e 137/138-v - aditamento da denúncia).


Após regular instrução, sobreveio sentença condenatória contra a qual a defesa interpôs apelação.


Passo a matéria devolvida.


Inicialmente, não conheço do pedido de absolvição do réu por impossibilidade de condenação simultânea nos crimes de falsificação de documento público e uso de documento falso, tendo em vista que, no presente caso, o acusado foi denunciado e condenado apenas quanto ao uso de documento falso (artigo 304 do Código Penal) (fls. 137/138-v - aditamento da denúncia).


A defesa requer o reconhecimento da extinção da punibilidade do réu, tendo em vista sua condição de refugiado, nos termos do artigo10 da Lei 9.474/97.


O pedido em questão não deve ser acolhido.


O artigo 10 da Lei 9.474/97 dispõe que será sobrestado o processo criminal ou o procedimento administrativo instaurado para apurar, especificamente, a entrada irregular do peticionário no território nacional; não cuidando, o artigo em comento, de suspensão de procedimento criminal relativo à saída irregular do Brasil.


Apesar de o acusado comprovar o pedido de refúgio à fl. 20, na data de 09/05/2014, é inaplicável tal benefício no tocante ao crime de uso de documento falso para a saída do acusado do território nacional, pois independentemente da regularidade, a partida do território brasileiro é incompatível com o desejo de aqui obter asilo.


De qualquer maneira, os motivos que supostamente obrigaram o estrangeiro a servir-se de documento falso para ingressar no Brasil, de fato, não estariam mais presentes no momento em que o apresentou para deixá-lo, não havendo que se falar em extinção da punibilidade em função da existência pedido de refúgio.


Em seguida, a defesa requer o reconhecimento da atipicidade da segunda conduta descrita na inicial acusatória, momento em que o acusado tentava deixar o país, em 22/01/2015, por supostamente, não haver a necessidade de apresentação de visto na saída do território nacional.


Não merece acolhimento tal alegação.


É interesse do estado brasileiro que se mantenha a fiabilidade de seus documentos públicos, de maneira que a utilização de passaporte genuíno com qualquer tipo de contrafação, ou aposição de visto inautêntico, por si só, vilipendia a fé pública tutelada pelo Código Penal.


Portanto, por trata-se de delito formal, a conduta de apresentar o passaporte com a inserção de dados falsos às autoridades alfandegárias, seja na entrada ou na saída do território, se enquadra no crime de uso de documento falso na forma consumada, uma vez que essa conduta, por si só, atinge a fé pública e o interesse da União na veracidade dos documentos por ela emitidos, independentemente de resultado naturalístico, ou se a autoridade brasileira efetivamente checou ou fiscalizou o visto na ocasião da saída do acusado do país.


Também não há absorção do crime de uso de documento falso pelo crime de tráfico internacional de drogas, seja porque o crime de falso não é meio para a prática do tráfico internacional de drogas, que pode ser cometido com documentos verdadeiros, seja porque a potencialidade lesiva do passaporte adulterado não se exaure com a prática do tráfico e é independente deste.


No que tange à materialidade delitiva, registro que está demonstrada pelos seguintes elementos: a) Auto de Prisão em Flagrante (fls. 02/05); b) Laudo de Perícia Criminal Federal nº 1186/2015 (documentoscopia) (fls. 90/97) e c) Auto de Apresentação e Apreensão nº 0017/2015-4-DPF/AIN/SP (fls. 21/22).


De fato, concluiu-se que o passaporte da República Federal da Nigéria em nome do acusado é materialmente legítimo, porém o visto brasileiro de número 063193MG é inautêntico (fl. 96).


Outrossim, em que pese a defesa pleitear a absolvição do acusado, mediante o reconhecimento de crime impossível, por ter sido grosseira a falsificação, entendo que não merece acolhimento tal pedido.


Verifica-se que a falsidade do documento estava apta a ludibriar as autoridades, tanto que o acusado ingressou no país pelo Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim - Rio de Janeiro/RJ, no dia 23/04/2014, utilizando tal documento sem qualquer dificuldade. Portanto, não há que se falar em crime impossível.


A autoria foi evidenciada pela oitiva das testemunhas de acusação e pelo interrogatório judicial do acusado (fls. 02/05 e 391).


Sustenta a defesa, no entanto, a ausência de dolo na conduta do réu-apelante.


Em sede judicial o réu confirmou a prática delitiva. Disse, contudo, que ignorava a falsidade empreendida, pois quem teria providenciado o seu visto teria sido um agente contratado por sua família. Alegou que na Nigéria a maneira comum de se obter esse tipo de documento é através de agentes pagos, e que acreditou, por este motivo, que o documento era verdadeiro (fl. 391).


Ora, a própria declaração do réu de que não compareceu a nenhuma repartição oficial de imigração para obter seu visto brasileiro, contratando um agente para tal intento, indica que o apelante possuía plena ciência de que o visto com que procurou entrar e sair do Brasil era falso, destinado a facilitar o crime de tráfico, e, mesmo que não tivesse conhecimento da ilicitude de sua conduta, no mínimo assumiu o risco de praticá-la, configurando o dolo eventual, a ensejar sua condenação nas penas dos artigos 304 c.c. 297, do Código Penal.


Desta forma, não merece guarida o pleito defensivo pela absolvição do réu, ante a atipicidade da conduta a ele imputada, em razão da configuração de erro de tipo ou, ao menos, ante a fundada dúvida sobre a sua existência, nos termos do artigo 20, caput, do Código Penal, pois ficou demonstrada a intenção do acusado de burlar a lei brasileira e enganar a fiscalização, ao utilizar um visto falso, de forma livre e consciente, perpetrando conduta típica e antijurídica.


Assim, demonstradas a autoria e a materialidade delitivas, bem como o dolo, a manutenção da condenação de Emeka Clinton Nkeogaeme pelo cometimento do crime do artigo 304 c.c. 297 do Código Penal é medida de rigor.


O Magistrado de primeiro grau aplicou as penas com a seguinte fundamentação:

4) Passo a dosar-lhe a pena: A pena-base prevista para as infrações dos artigos 297 e 304 do Código Penal estão compreendidas, respectivamente, entre 02 (dois) a 06 (seis) anos de reclusão e multa. Tendo em conta que das circunstâncias previstas no art. 59 do CP entendo desfavoráveis ao condenado as atinentes aos seus antecedentes conforme passarei a expor. Realmente, há antecedentes criminais em desfavor do increpado, sendo que este magistrado não adotará, até pronunciamento definitivo do STF, o teor da súmula nº 444 do STJ, uma vez que o condenado foi condenado a uma reprimenda corporal de 07 (sete) anos de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 700 (setecentos) dias-multa nos autos da ação penal nº 0000355-39.2015.403.6119 (fls. 194/202). De fato, o STF, nos autos dos Habeas Corpus nº 94.620 e 94.680, sinalizou no sentido de que a análise desta questão será reaberta, agora em sede de repercussão geral, podendo ser acolhida a exegese que sustenta o anacronismo da citada súmula, considerada a flagrante ofensa ao princípio da isonomia, na medida em que tal entendimento não permite um juízo de censura penal mais agudo em relação ao condenado que conta com inúmeras ações penais e inquéritos policiais instaurados em seu desfavor, igualando-o àquele que delinquiu por apenas uma única vez. Portanto, enquanto esta temática não estiver definitivamente dirimida pelo Excelso Pretório, este magistrado sopesará, em desfavor dos condenados, o número de ações penais e inquéritos policiais propostos em desfavor dos denunciados, quando da primeira etapa da fixação da pena-base. Assim, nesta etapa, a reprimenda deverá ser elevada em UM SEXTO, totalizando o percentual de 02 (dois anos) e 04 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa.O valor unitário de cada dia-multa corresponderá a um trigésimo do valor do salário mínimo vigente na data dos fatos. Na segunda fase de aplicação da pena, verifica-se a ausência de circunstâncias agravantes. Não o aproveita, todavia, a atenuante prevista no art. 65, III, "d" do CP, porquanto o acusado alegou desconhecimento sobre a contrafação inserta no seu passaporte nigeriano, objetivando retirar o elemento subjetivo do tipo legal, o que não se coaduna com o arrependimento sincero caracterizador desta benesse penal.Tal prática é classificada pela doutrina como confissão qualificada, que é aquela em que o indivíduo, a princípio, admite como verdadeiro o fato que lhe é imputado, mas invoca, a seu favor, alguma circunstância que exclua a sua responsabilidade ou diminua a sua pena. No mais, o réu foi preso em flagrante, fato esse que obstaculiza o reconhecimento desta benesse penal. Nesse passo, admitir-se a confissão nas hipóteses de flagrante delito transferiria ao réu uma verdadeira prerrogativa de modular a dosimetria da sua reprimenda, conferindo-lhes um direito potestativo sem previsão legal.

(...)

Saliente-se, outrossim, que a pretensa confissão traduziu-se em assunção de autoria delitiva impossível de ser negada, razão pela qual a sua ocorrência foi de somenos importância para o deslinde da lide penal. Ausentes causas de aumento e de diminuição da pena, a pena permanece em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa, para os delitos tipificados nos art. 297 e 304 do CP. (grifo nosso)

Em sede de Embargos de Declaração, o Magistrado de primeiro grau realizou a seguinte modificação de seu julgado:


De fato, houve a omissão apontada pelo Ministério Público Federal, ora embargante, quanto à ausência de pronunciamento jurisdicional no que tange à consideração de dois crimes de uso de documento falso, o primeiro ocorrido no dia 23.04.2014, quando o acusado ingressou no Brasil apresentando passaporte com visto brasileiro falso e o segundo em 22.01.2015, ao apresentar o mesmo passaporte ao deixar o país. Em razão disso, passo à análise do concurso material de crimes para o delito previsto no artigo 304 c.c 297, ambos do Código Penal.Conforme destacado na sentença proferida às fls. 194-203 e verso, a materialidade e autoria restaram demonstradas pelo conjunto probatório acostado aos autos, especialmente pelo Laudo Documentoscópico de fls. 90-97 e pelo depoimento das testemunhas ouvidas em juízo.No tocante ao uso do documento falso em duas oportunidades, uma quando da entrada em território brasileiro, em 23.04.2014, e outra na ocasião da saída, em 22.01.2015, tem-se que os fatos foram satisfatoriamente provados.Com efeito, verifica-se do passaporte acostado aos autos que o réu o apresentou às autoridades alfandegárias brasileiras no dia 23.04.2014 (fl. 06).Do mesmo modo, consta de fls. 02-07 do Auto de Prisão em Flagrante que o réu usou o passaporte com o visto brasileiro falso no momento dos procedimentos de controle migratório, ao ser preso em flagrante no dia 22 de janeiro de 2015.Nesse prisma, é despicienda a efetiva transposição das fronteiras nacionais para a caracterização do crime em questão, uma vez que as circunstâncias fáticas indicavam sua intenção de usar o passaporte com visto brasileiro falso para sair do país, tanto que fez uso de tal documento ao ser abordado nos procedimentos de controle migratório.
(...)
Pelas razões apresentadas, afasto a tese defensiva de inexistência de concurso material entre os dois crimes de uso de documento falso, porquanto, embora desnecessária a apresentação do visto brasileiro falso para sair do país, o passaporte com o visto falso foi novamente apresentado às autoridades brasileiras de controle alfandegário.Ademais, devido ao tempo transcorrido entre a primeira e segunda apresentação do passaporte, superior a 30 dias, não é o caso de se considerar a continuidade delitiva, mas sim o concurso material, considerados os desígnios autônomos apresentados na execução das condutas tipificadas no nosso Código Penal.Superada essa questão, prossigo na dosimetria da pena. Nesse ponto, deve ser mantida a reprimenda alcançada nas três fases da dosimetria da pena, pois não houve alterações aptas a influenciar o quantum fixado nessas etapas.Contudo, em virtude do concurso material, as penas devem ser somadas, restando definitivamente fixada em 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 22 (vinte e dois) dias-multa.Em razão disso, o dispositivo da sentença passa a constar da seguinte forma: DISPOSITIVO Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE A PRETENSÃO PUNITIVA LANÇADA NA DENÚNCIA PARA CONDENAR EMEKA CLINTON NKEOGAEME, com qualificação nos autos, a cumprir a pena privativa de liberdade de 04 (quatro) anos e 08 (oito) meses de reclusão por crimes capitulados nos artigos 297 e 304 do Código Penal, na forma do artigo 69 do mesmo diploma legal, no regime inicial fechado e a pagar 22 (vinte e dois) dias-multa, sendo cada dia-multa fixado em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, devidamente corrigido desde então e até o efetivo pagamento, nos termos do artigo 49, parágrafo 2º, do Código Penal. (grifo nosso)

Passo à dosimetria da pena.


A defesa sustenta a redução da pena-base aplicada para o mínimo legal.


Com razão.


Na primeira fase da dosimetria, o artigo 59 do Código Penal estabelece as circunstâncias judiciais que devem ser consideradas na fixação da pena: culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime e comportamento da vítima.


Constata-se que o juízo valorou negativamente os antecedentes do réu. Para isso, se valeu do processo criminal de número 0000355-39.2015.4.03.6119, em que foi apurado o delito de tráfico de drogas, ocorrido na mesma oportunidade em que o réu cometeu o delito ora apreciado nestes autos (saída do país em 22/01/2015).


Ora, não é possível considerar a existência de ações penais em curso ou inquéritos para caracterização de maus antecedentes, conduta social desfavorável nem personalidade voltada para a prática de crime, nos termos da Súmula nº 444 do Superior Tribunal de Justiça.


Assim, o aumento com base nos maus antecedentes do agente deve ser descartado. Desta maneira, fixo a pena-base no mínimo legal de 2 anos de reclusão e 10 dias-multa.


Na segunda fase da dosimetria, a defesa requer a incidência da atenuante da confissão espontânea.


Deve prosperar o pedido da defesa, pois o acusado admitiu o cometimento do crime na fase judicial (fls. 391).


A circunstância de o apelante ter requerido a absolvição sob o fundamento de que agiu com ausência de dolo não implica afastamento do redutor do artigo 65, III, "d", do Código Penal, uma vez que a espontaneidade exigida pela norma prescinde de motivos. São, pois, irrelevantes as razões pelas quais o agente admitiu a prática do crime para que se aplique a atenuante.


Ademais, a confissão serviu de fundamento ao decreto condenatório.


Na segunda fase da dosimetria, reconheço a atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, "d" do Código Penal), e reduzo a pena em 1/6 (um sexto), o que, por não haver possibilidade de ser fixada abaixo do mínimo legal, nos termos da súmula 231 do STJ, resulta em 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.


Na terceira fase da dosimetria, a existência de causas de aumento ou diminuição não foi objeto de recurso interposto na Superior Instância, razão pela qual fixo a pena em 2 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.


A defesa também pleiteia o reconhecimento de crime único e o afastamento do concurso material de crimes quanto às condutas de entrar e a de sair do território nacional mediante apresentação de documento falso.


Não há como reconhecer essa unicidade.


O caso é de pluralidade de crimes, configurados em condutas distintas e com dolos autônomos. O acusado primeiro aspira entrar no país, para depois, avaliar quando e se sairá do território nacional. São momentos distintos, que, no presente caso, foram separados por um intervalo de quase 9 (nove) meses, e ocorreram em lugares diferentes, proporcionando uma pluralidade de resultados.


Portanto, tendo em vista não se tratar de crime único, deve ser reconhecido o concurso material (artigo 69 do Código Penal) e somadas as penas dos 2 (dois) delitos de uso de documento falso cometidos pelo réu, do que resulta a pena definitiva de 4 (quatro) anos de reclusão e 20 (vinte) dias-multa.


A pena privativa de liberdade será executada de forma progressiva, nos termos do artigo 33, §2º, caput, do Código Penal.


Para a fixação do regime prisional, devem ser observados os seguintes fatores: a) modalidade de pena de privativa de liberdade, ou seja, reclusão ou detenção (art. 33, caput, CP); b) quantidade de pena aplicada (art. 33, §2º, alíneas a, b e c, CP); caracterização ou não da reincidência (art. 33, §2º, alíneas b e c, CP) e d) circunstâncias do artigo 59 do Código Penal (art. 33, §3º, do CP).


Aqui, considerando que as circunstâncias judiciais subjetivas do réu (antecedentes, conduta social, personalidade e motivo do crime) não foram valoradas negativamente, o regime inicial de cumprimento de pena deve ser estabelecido com base na pena fixada em concreto.


No particular, a pena concretamente aplicada (4 anos) e as circunstâncias judiciais autorizam a fixação do regime aberto, nos termos dos artigos 33, §2º, c, do Código Penal.


Com fundamento no artigo 44, I e II do Código Penal, e por constituir medida socialmente recomendável, substituo a pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços comunitários a entidade assistencial a ser definida pelo Juízo da Execução e em prestação pecuniária, também destinada a entidade definida pelo Juízo da Execução Penal, no valor de um salário mínimo, à mingua de elementos acerca da atual situação financeira do acusado que permitam sua majoração.


Mantida, no mais, a sentença condenatória.


Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso da defesa para fixar a pena-base no mínimo legal e reconhecer a atenuante da confissão espontânea, de que resulta a pena definitiva de 4 (quatro) anos de reclusão e 20 (vinte) dias-multa, em regime prisional aberto, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos.


É como voto.


MAURICIO KATO
Desembargador Federal


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