Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 09/02/2017
HABEAS CORPUS Nº 0020780-77.2016.4.03.0000/SP
2016.03.00.020780-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
IMPETRANTE : RICARDO PIERI NUNES
: FELIPPE OLIVEIRA BARCELLOS
: THIAGO GUILHERME NOLASCO
PACIENTE : JOSE CASSONI RODRIGUES GONCALVES
ADVOGADO : RJ112444 RICARDO PIERI NUNES
IMPETRADO(A) : JUIZO FEDERAL DA 2 VARA CRIMINAL SAO PAULO SP
No. ORIG. : 00075225720114036181 2P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. MANUTENÇÃO DE DEPÓSITOS NÃO DECLARADOS NO EXTERIOR. ART. 22, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 7.492/86. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA.
1 - Habeas Corpus impetrado com o objetivo de trancar ação penal movida em face do paciente pela suposta prática do crime tipificado no art. 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86.
2 - Alegação de inépcia da denúncia. O trancamento da ação penal por inépcia da denúncia em sede de habeas corpus é medida excepcional, carecendo de irrefutável demonstração dos vícios sustentados na impetração. Precedentes do STF, STJ e desta Corte Regional.
3 - Vício de denúncia. Não descrição da posição dos saldos na data de 31 de dezembro, mas apenas indicação de outras datas. Ainda que não haja a indicação na denúncia dos respectivos saldos bancários na data de 31 de dezembro, o certo que é que a peça acusatória menciona que não houve as respectivas indicações nas informações prestadas às autoridades competentes, dos valores integralmente mantidos no exterior, de modo que a inicial, nesse contexto, não pode ser tachada de inepta.
4 - A acusação ofereceu a denúncia com os elementos mínimos necessários para a instauração da ação penal, sendo certo, ademais, que pugnou pela produção de outros elementos probatórios que corroborem a imputação, não se revelando possível o trancamento da ação penal, uma vez que a sustentada atipicidade da conduta demandará a incursão em profunda análise probatória, inviável na via eleita, além de incorrer em inadmitida usurpação da competência do Juízo natural quanto à apreciação do conjunto probatório.
5 - A questão envolvendo a data limite de 31 de dezembro não pode ser analisada de modo isolado, visto que permitiria a criação de estratagema para evadir-se da incidência da obrigação, conforme já decidiu esta Primeira Turma.
6 - Os impetrantes não trouxeram a estes autos nenhum dos documentos referidos na denúncia e que dariam suporte à imputação, de modo a permitir, como prova pré-constituída que a presente via exige, a aferição de suas alegações.
7 - Vício da denúncia. A imputação de manutenção de depósitos no exterior em relação à conta mantida no Uruguai seria atípica, uma vez que o saldo indicado na denúncia (US$ 56.000,00 - cinquenta e seis mil dólares americanos) seria inferior aos US$ 100.000,00 (cem mil dólares) exigidos pelas normas do Banco Central para obrigatoriedade de declaração.
8 - A míngua de documentos que instruem a impetração impossibilitam o acolhimento da pretensão.
9 - Tomando isoladamente referido saldo, em princípio, seria o caso de acolhimento da pretensão. Contudo, há que se analisar a questão conjuntamente com os demais elementos probatórios que instruíram a denúncia, a fim de apurar se esse era o único saldo mantido à época no exterior.
10 - A denúncia menciona expressamente que tais valores não foram declarados às autoridades fiscais ou monetárias brasileiras. Porém, se haviam outros valores mantidos no exterior, ainda que declarados, que somados aos US$ 56.000,00 constantes na conta no Uruguai superassem os US$ 100.000,00, em tese, essa omissão caracterizará o delito em tela, visto que a norma penal expressa "mantiver depósitos não declarados". Consequentemente, devem-se somar todos os valores mantidos no exterior e se ultrapassado o limite, o agente incorrerá na prática do crime, ainda que a omissão incida sobre parte desse montante e seja essa fração inferior ao limite mínimo estabelecido para fins de declaração às autoridades.
11 - Entender de modo diverso tornaria a lei incriminadora totalmente esvaziada, pois possibilitaria que a pessoa mantivesse no exterior inúmeros depósitos em montante inferior ao limite estabelecido pelas normas das autoridades monetárias, escapando da fiscalização e do dever de prestar informações, bem como se eximindo da responsabilidade penal.
12 - Ordem denegada.



ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, denegar a ordem, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 24 de janeiro de 2017.
HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


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HABEAS CORPUS Nº 0020780-77.2016.4.03.0000/SP
2016.03.00.020780-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
IMPETRANTE : RICARDO PIERI NUNES
: FELIPPE OLIVEIRA BARCELLOS
: THIAGO GUILHERME NOLASCO
PACIENTE : JOSE CASSONI RODRIGUES GONCALVES
ADVOGADO : RJ112444 RICARDO PIERI NUNES
IMPETRADO(A) : JUIZO FEDERAL DA 2 VARA CRIMINAL SAO PAULO SP
No. ORIG. : 00075225720114036181 2P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

O Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA (Relator):

Cuida-se de habeas corpos impetrado por Ricardo Pieri Nunes, Felippe Oliveira Barcellos e Thiago Guilherme Nolasco, em favor de JOSÉ CASSONI RODRIGUES GONÇALVES, apontando como autoridade coatora o Juízo Federal da 2ª Vara Especializada em Crimes contra o Sistema Financeiro e Lavagem de Capitais da Subseção Judiciária de São Paulo.

Pleiteiam, em síntese, a obtenção de ordem de habeas corpus com o fito de reconhecer a inépcia da denúncia ofertada em face do paciente, nos autos do processo nº 0010573-76.2011.403.6181, em relação à imputação da prática do crime tipificado no art. 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86, com o consequente trancamento da ação penal.

Inicialmente, sustentam os impetrantes a prevenção da 11ª Turma desta E. Corte Regional, ao argumento de que esta 1º Turma não mais detém competência em matéria criminal.

Quanto ao mérito, asseveram que a denúncia, na parte que imputa o delito contra o sistema financeiro é inepta, por tratar-se de conduta atípica em razão (i) de não indicar o saldo mantido nas contas no dia 31.12 do respectivo ano e; (ii) imputar o delito quando o saldo constante da conta era inferior a cem mil dólares americanos.

Distribuídos os autos a este Gabinete, às fls. 127 foi reconhecida a prevenção, decisão essa que foi disponibilizada no Diário Eletrônico de 18.11.2016.

A autoridade apontada como coatora prestou as informações de fls. 130/131.

A Procuradoria Regional da República ofertou o parecer de fls. 134/139, no sentido da denegação da ordem.

Os impetrantes retiraram os autos em carga para extração de cópias "do interior teor" (fls. 141/143).

Determinação fossem os impetrantes intimados da inclusão do presente feito em mesa para julgamento na presente sessão (fls. 145).

É o Relatório.

VOTO

O Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA (Relator):

Pretendem os impetrantes o trancamento da ação penal que tramita perante o Juízo Federal da 2ª Vara da Subseção Judiciária de São Paulo e imputa ao paciente, dentre outros delitos, o crime tipificado no art. 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86, sob a alegação de inépcia da peça acusatória.

De início, cumpre anotar que o trancamento da ação penal por inépcia da denúncia em sede de habeas corpus é medida excepcional, carecendo de irrefutável demonstração dos vícios sustentados na impetração.

Nesse sentido:

(...)VI - O trancamento de ação penal, por via de habeas corpus, é medida excepcional, que somente pode ser concretizada quando o fato narrado evidentemente não constituir crime, estiver extinta a punibilidade, for manifesta a ilegitimidade de parte ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal. VII - Ordem denegada.(HC 92921, RICARDO LEWANDOWSKI, STF.)
(...) 4. É firme a jurisprudência consagrada por esta Corte Suprema no sentido de que a concessão de habeas corpus com a finalidade de trancamento de ação penal em curso só é possível em situações excepcionais, quando estiverem comprovadas, de plano, a atipicidade da conduta, causa extintiva da punibilidade ou ausência de indícios de autoria. 5. Habeas corpus denegado.(HC 94852, MENEZES DIREITO, STF.)
(...) 1. O trancamento da ação penal é medida excepcional, restrita a situações que se reportem a conduta não-constitutiva de crime em tese, ou quando já estiver extinta a punibilidade, ou, ainda, se inocorrentes indícios mínimos da autoria (HC 87.310, HC 91005 e RHC 88.139, da minha relatoria; HC 87.293, da relatoria do ministro Eros Grau; HC 85.740, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowisk; HC 85.134, da relatoria do ministro Marco Aurélio). 2. Quando se trata de apreciar alegação de inépcia de denúncia ou de esqualidez da denúncia por qualquer outra razão, dois são os parâmetros objetivos, seguros, que orientam tal exame: os artigos 41 e 395 do Código de Processo Penal. 3. Na concreta situação dos autos, o paciente se acha processado pelos delitos de tráfico de entorpecentes e de associação para o tráfico. Isto por força de denúncia que lhe increpa a venda de substância entorpecente e a participação em grupo criminoso. Denúncia consistente o bastante para viabilizar o prosseguimento da ação penal. 4. Ordem denegada.(HC 96644, CARLOS BRITTO, STF.)
(...)3. O trancamento da ação penal, em habeas corpus, apresenta-se como medida excepcional, que só deve ser aplicada quando evidente a ausência de justa causa, o que não ocorre quando a denúncia descreve conduta que configura crime em tese. 4. Ordem de Habeas corpus denegada.(HC 87324, CÁRMEN LÚCIA, STF.)
(...)3. O trancamento da ação penal é medida reservada para casos excepcionais quando indiscutível a ausência de justa causa ou quando flagrante a ilegalidade demonstrada em inequívoca prova pré-constituída, o que não se verifica na presente hipótese, em que a denúncia observou os termos do art. 41 do CPP. Precedentes: HC 94.272/SP, Relator Min. Menezes Direito, Primeira Turma; HC 100.637/BA, Relatora Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, Julgamento em 8/6/10, Segunda Turma; HC 97.567/RJ, Relatora Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, Julgamento em 27/4/10.(...)
(HC 103717, LUIZ FUX, STF.)
(...)1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a extinção de ação penal de forma prematura somente se dá em hipóteses excepcionais, quando patentemente demonstrada (a) a atipicidade da conduta; (b) a ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas; ou (c) a presença de causa extintiva da punibilidade. 2. Denúncia que contém a adequada indicação da conduta delituosa imputada ao paciente, apontando os elementos indiciários mínimos aptos a tornar plausível a acusação, o que lhe permite o pleno exercício do direito de defesa. (...).
(HC 110315, TEORI ZAVASCKI, STF.)
(...) 1. O acórdão impugnado está em conformidade com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que "o trancamento da ação penal pela via restrita do habeas corpus é medida excepcional, somente admissível quando transparecer dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade" (RHC 119.607, Rel. Min. Luiz Fux). (...) (HC 108168, ROBERTO BARROSO, STF.)
(...) I - A jurisprudência do excelso Supremo Tribunal Federal, bem como desta Corte, há muito já se firmaram no sentido de que o trancamento da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito.(...)
(RHC 201600765876, FELIX FISCHER, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:29/06/2016 ..DTPB:.)
(...) 2. O trancamento da ação penal, por falta de justa causa, é medida excepcional, só admitida quando, de forma clara e precisa, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, se constate a atipicidade da conduta ou inexistência de indicativos mínimos de autoria.(...)
(HC 201600582088, NEFI CORDEIRO, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:29/06/2016 ..DTPB:.)
(...) 1. O trancamento da ação penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade (STJ, HC n. 56.104-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 13.12.07).(...)
(HC 00092922820164030000, DESEMBARGADOR FEDERAL ANDRÉ NEKATSCHALOW, TRF3 - QUINTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:30/06/2016 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)

No presente caso, os impetrantes apontam vícios na denúncia que, no seu entender, acarretariam em sua inépcia.

O primeiro vício estaria constituído no fato de a denúncia não descrever a posição dos saldos na data de 31 de dezembro, mas apenas indicar outras datas.

Com efeito, ao descrever o delito de evasão de divisas, o Ministério Público Federal indica a data em que foi constatada existência de depósitos no exterior (18.07.2011 e 06.10.2008), conforme elementos probatórios até então colhidos no curso das investigações.

Note-se, conforme consta da denúncia que no tocante à existência de contas mantidas nos Estados Unidos, Itália e Mônaco, a imputação toma por base arquivo enviado pelo corréu Thiago Cassoni Rodrigues Gonçalves aos demais acusados, no dia 18.07.2011, do qual consta a indicação de contas nas referidas localidades. Essas informações, conforme está objetivamente descrito na denúncia, foram corroborados "pela apreensão, no armário do clube social frequentado pelo bando familiar, de farta documentação comprobatória da abertura e movimentação das seguintes contas bancárias mantidas atualmente fora do país: ...".

E a denúncia prossegue:

"Ainda que parte dos créditos depositados em contas bancárias no exterior registrados no arquivo 'MuchMoney' constem das declarações de rendimentos dos denunciados, resta a eles provar a origem da TOTALIDADE dos valores lá depositados, em razão da discrepância de R$ 6.227.346,36 (seis milhões duzentos e vinte e sete mil, trezentos e quarenta e seis reais e vinte e seis centavos) apurada entre o valor declarado à Receita Federal e o valor declarado no arquivo 'MuchMoney', conforme demonstrativo constante da tabela acima."

Por seu turno, em relação ao outro delito de mesma natureza imputados aos acusados, a denúncia orientou-se por documento, datado de 06.10.2008, pertinente à conta bancária mantida no Uruguai.

E quanto a este fato narra em negrito:

"Nem a conta bancária mantida no Uruguai, nem os valores nela depositados, foram declarados pelos denunciados às autoridades fiscais ou monetárias brasileiras, consoante atestam as declarações de rendimentos anexadas aos autos."

Portanto, ainda que não haja a indicação na denúncia dos respectivos saldos bancários na data de 31 de dezembro, o certo que é que a peça acusatória menciona que não houve as respectivas indicações nas informações prestadas às autoridades competentes, dos valores integralmente mantidos no exterior, de modo que a inicial, nesse contexto, não pode ser tachada de inepta.

Salutar, ademais, destacar que a denúncia, reputada viciada pelos impetrantes, ainda menciona: "Os valores depositados no exterior na data da deflagração da Operação (04.08.11) serão posteriormente juntados aos autos, tão logo sejam encaminhadas as respostas aos pedidos de cooperação jurídica internacional já formulados."

Vê-se, assim, que a acusação ofereceu a denúncia com os elementos mínimos necessários para a instauração da ação penal, sendo certo, ademais, que pugnou pela produção de outros elementos probatórios que corroborem a imputação, não se revelando possível o trancamento da ação penal, uma vez que a sustentada atipicidade da conduta demandará a incursão em profunda análise probatória, inviável na estreita via eleita, além de incorrer em inadmitida usurpação da competência do Juízo natural quanto à apreciação do conjunto probatório.

Nessa linha de entendimento:

HABEAS CORPUS. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA. 1. A jurisprudência desta Corte firmou entendimento no sentido de que a extinção da ação penal, de forma prematura, pela via do habeas corpus, somente se dá em hipóteses excepcionais, nas quais seja patente (a) a atipicidade da conduta; (b) a ausência de indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas; ou (c) a presença de alguma causa extintiva da punibilidade. 2. A inicial acusatória narrou de forma individualizada e objetiva as condutas atribuídas ao paciente, adequando-as, em tese, aos tipos descritos na peça acusatória. 3. Não há como avançar nas alegações postas na impetração, que, a rigor, pretende o julgamento antecipado da ação penal, o que configuraria distorção do modelo constitucional de competência, cabendo ao juízo natural da instrução criminal, com observância ao princípio do contraditório, proceder ao exame das provas. Além disso, para o deslinde das controvérsias relativas às autorizações e às licenças necessárias para a posse das armas e munições, seria necessário o revolvimento de fatos e provas, o que é inviável em sede de habeas corpus. 4. Ordem denegada. (g.n.)
(HC 117635, TEORI ZAVASCKI, STF.)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. ADULTERAÇÃO DO MEDIDOR DE ENERGIA. VÍTIMA. EMPRESA CONCESSIONÁRIA. PARCELAMENTO DO VALOR CORRESPONDENTE À ENERGIA SUBTRAÍDA. ADIMPLEMENTO. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ANALÓGICA DAS LEIS 9.249/1995 E 10.684/2003. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. OCORRÊNCIA. RECURSO PROVIDO. 1. O trancamento da ação penal, é medida excepcional, só admitida quando restar provada, de forma clara e precisa, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade. 2. Pago o débito de energia antes do oferecimento da denúncia, resolvido está o ilícito civil, não se justificando a persecução penal. Precedentes. 3. Na hipótese, o recorrente celebrou acordo com a concessionária de energia elétrica, parcelando o débito decorrente da subtração de energia elétrica que lhe foi imputada, com o seu posterior adimplemento, circunstância que enseja a extinção de sua punibilidade. 4. Recurso provido para trancar a ação penal instaurada em face do recorrente. ..EMEN:(RHC 201501898542, NEFI CORDEIRO, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:01/07/2016 ..DTPB:.)

Não se pode olvidar que a questão envolvendo a data limite de 31 de dezembro não pode ser analisada de modo isolado, visto que permitiria a criação de estratagema para evadir-se da incidência da obrigação, conforme já decidiu esta Primeira Turma:

PENAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. ART. 22, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 7.492/86. MANUTENÇÃO DE DEPÓSITOS NO EXTERIOR NÃO DECLARADOS AO BANCO CENTRAL DO BRASIL. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO DIREITO À INTIMIDADE (ART. 5º, INCISO X DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO ENTRE AS CONDUTAS PREVISTAS NAS LEIS NºS. 7.492/86 E 8.137/90. NÃO APLICAÇÃO. ART. 22 DA LEI Nº 7.492/86. NORMA PENAL EM BRANCO. REGRAMENTO POR CIRCULARES DO BACEN. INOBSERVÂNCIA DOS LIMITES TRAÇADOS PELAS CIRCULARES DO BACEN. CONDENAÇÃO MANTIDA. 1. Inexistência de violação, no caso, ao art. 5º, inc. X, da Constituição Federal de 1988, porquanto não há inconstitucionalidade no tipo em questão, podendo a lei exigir a declaração dos valores mantidos no exterior, sem que ocorra afronta ao direito de propriedade ou de locomoção, em relação à saída de bens do país, nos termos do inc. XV do art. 5º da Constituição Federal. 2. Reconhece-se também a plena vigência do art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86, uma vez que não foi ele derrogado pelo art. 1º da Lei nº 8137/90. 3. Com efeito, a norma prevista na Lei nº 7.492/86 tem por escopo a proteção do Sistema Financeiro Nacional, enquanto a Lei nº 8.137/90 está direcionada ao Sistema Tributário, tutelando bens jurídicos de naturezas distintas. 4. No que diz com o mérito propriamente dito da demanda, o acusado foi condenado, por força da sentença de primeiro grau, porquanto manteve depósitos na conta Ergus n. 60.68.90 no Delta National Bank - NY, entre 2001 e 2004, não declarados às autoridades brasileiras. 5. No ordenamento pátrio, existem uma autarquia e um órgão do Ministério da Fazenda que exigem que as pessoas físicas e jurídicas domiciliadas no país declarem a existência de depósitos mantidos no exterior: o Banco Central do Brasil - Bacen (art. 1º do Decreto-lei nº 1.060, de 1969 c.c. Circular n.º 2.911, de 29.11.2001, c.c. Circular n.º 3.071, de 07.12.2001 e as que lhe sucederam) e a Secretaria da Receita Federal do Brasil - SRFB (art. 25, § 4º, da Lei n.º 9.250/95; arts. 798 e 804 do Decreto nº 3.000, de 26.03.1999). 6. O voto do eminente relator, estribando-se no "norte do arcabouço infranormativo complementar da norma penal em branco acima delineado" - vale dizer, de normas complementares ao artigo 22 da Lei nº. 7.492/86, considerou apenas os depósitos existentes "na data exata de 31 de dezembro de cada um dos períodos mencionados - conforme previsão das referidas normas complementares", para aferir se os limites estabelecidos na Circulares do Banco Central que elenca foram ultrapassados. 7. Ocorre que não é esse o espírito da norma traçada pelo artigo 22 da Lei nº. 7.492/96. Esse artigo, embora reclame complementação - por ser norma penal em branco -, não faz qualquer alusão em termos de corte temporal, para o fim de consideração do quantum mantido em depósito no exterior. Apenas em seu caput tipifica "efetuar operação de câmbio não autorizada com o fim de promover evasão de divisas do País", para, no seu parágrafo único, enquadrar nesse tipo penal quem "promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente". 8. Conforme se percebe, na lei não há qualquer menção às datas em que essas operações financeiras e os consequentes depósitos no exterior foram feitos; e, aliás, nem poderia fazê-lo, pois o seu escopo, conforme reconhece a doutrina colacionada, é proteger o sistema tributário e as reservas cambiais do País, o que se tornaria inócuo, se considerado apenas os depósitos existentes em 31/12 de cada exercício fiscal, diante da possibilidade do estabelecimento de um verdadeiro trampolim, com o levantamento de tais depósitos nos dias que se aproximam do final do ano, com a volta deles logo no início do ano seguinte - o que, aliás, teria acontecido no presente caso, conforme notou o e. Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA em seu voto divergente. 9. Assim, considero que as circulares do BACEN, em questão, apenas complementam o artigo 22 da Lei nº. 7.492/86, no sentido de estabelecer limites para isenção da obrigação de comunicar àquela instituição a existência de depósitos no exterior, sendo que a data de "31 de dezembro do ano-calendário" serve para se fazer a conversão da moeda estrangeira, em Reais, para os fins a que se destina, inclusive de declaração de rendimentos, nos termos do § 4º do artigo 25 da Lei 9.250/95, também anteriormente transcrito. As comunicações à Receita Federal e ao Bacen, entretanto, devem ser feitas com base no maior volume de depósitos em moeda estrangeira mantido durante todo o ano, convertido pela cotação cambial do Real em 31/12. 10. No presente caso, conforme bem observado pelo MMº Juiz prolator da sentença, o exame dos documentos que constam dos autos - demonstrativos de transferências eletrônicas - (fls. 48/49 do apenso VI - 31/10/01 - fl.54, em 30/11/01, fl.56 em 31/12/01, fl.57 em 31/01/02, e dos demais documentos, todos encartados no volume VI do inquérito policial 9-0386/2009), mostra a existência de valores bastante superiores ao estabelecido nas Circulares e Resoluções poucos dias antes do ano base, momento em que os valores eram transferidos, retornando às contas poucos dias após a passagem do ano, fato que evidencia que em 31 de dezembro do ano base tais valores ainda se encontravam fora do país. 11. Desse modo, flagrante o estratagema adotado pelo acusado a fim de burlar, de camuflar o cometimento da infração, o que não pode beneficiá-lo, sob pena de abrir-se grave precedente para a impunidade. 12. Nesse passo, de relevo salientar-se que o crime em comento é permanente, porque prevê a modalidade de manter o depósito nas contas. A exemplo, cito as jurisprudências que a essa natureza se reportam (STJ HC 6.611, Felix Fischer, 5ª Turma, DJ 8/6/98; TRF3 AC200361810046790, Cotrim Guimarães, 2ª Turma, 2/3/2010) e assim considerando há que se ater ao cenário fático-jurídico mostrado pela universalidade dos depósitos, em sua visão conglobante. 13. Com relação à continuidade delitiva, é descabido falar-se em tal modalidade para o crime de evasão de divisas, tipificado no art. 22, parágrafo único, parte final, da Lei n.º 7.492/86, eis que, segundo pacífico entendimento doutrinário, se trata de crime permanente (ACR n.º 2002.61.81.003540-4, in DJE de 05.03.2015). 14. Recursos improvidos. (g.n.)(ACR 00154780320074036105, JUIZ CONVOCADO RENATO TONIASSO, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/12/2015 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)

Imperioso destacar, ademais, que os impetrantes não trouxeram a estes autos nenhum dos documentos referidos na denúncia e que dariam suporte à imputação, de modo a permitir, como prova pré-constituída que a presente via exige, a aferição de suas alegações.

Consequentemente, nesta trilha, impõe-se a denegação da ordem.

Outra tese sustentada pelos impetrantes seria que a imputação de manutenção de depósitos no exterior em relação à conta mantida no Uruguai seria atípica, uma vez que o saldo indicado na denúncia (US$ 56.000,00 - cinquenta e seis mil dólares americanos) seria inferior aos US$ 100.000,00 (cem mil dólares) exigidos pelas normas do Banco Central para obrigatoriedade de declaração.

É certo que a denúncia ao descrever a conduta menciona referida quantia inferior aos cem mil dólares americanos constantes como o limite mínimo nos normativos do Banco Central.

Contudo, à míngua de documentos que instruem a impetração resta impossibilitado o acolhimento da pretensão.

Deveras, tomando isoladamente referido saldo, em princípio, seria o caso de deferimento da ordem.

Contudo, há que se analisar a questão conjuntamente com os demais elementos probatórios que instruíram a denúncia, a fim de apurar se esse era o único saldo mantido à época no exterior.

A denúncia menciona expressamente, conforme transcrito anteriormente, que tais valores não foram declarados às autoridades fiscais ou monetárias brasileiras.

Porém, se haviam outros valores mantidos no exterior, ainda que declarados, que somados aos US$ 56.000,00 constantes na conta no Uruguai superassem os US$ 100.000,00, em princípio, essa omissão caracterizará o delito em tela, visto que a norma penal expressa "mantiver depósitos não declarados".

Consequentemente, devem-se somar todos os valores mantidos no exterior e se esse ultrapassar o limite, o agente incorrerá na prática do crime, ainda que a omissão incida sobre parte desse montante e seja inferior ao limite mínimo estabelecido para fins de declaração às autoridades.

Entender de modo diverso tornaria a lei incriminadora totalmente esvaziada, pois possibilitaria que a pessoa mantivesse no exterior inúmeros depósitos em montante inferior ao limite estabelecido pelas normas das autoridades monetárias, escapando da fiscalização e do dever de prestar informações, bem como se eximindo da responsabilidade penal.

E diante da ausência de elementos probatórios mínimos que demonstrem de forma cabal a inexistência de depósitos outros, que somados, não atingiriam a quantia de US$ 100.000,00 (cem mil dólares), inviável revela-se a concessão do "writ", cabendo ao Juízo natural, no momento oportuno, ao analisar o conjunto probatório produzido na ação penal, aferir efetivamente os fatos.

Diante do todo o exposto, denego a ordem.

É o voto.

HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


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