D.E. Publicado em 08/05/2017 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, negar provimento aos embargos infringentes para que prevaleça o voto condutor, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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VOTO-VISTA
Inicialmente, cumpre registrar o respeito e admiração que nutro pelo Eminente Desembargador Federal Maurício Kato, salientando que o meu pedido de vista se assentou na necessidade de uma análise mais detida dos autos para formação de minha convicção.
Trata-se de embargos infringentes opostos por Osvaldo Dionysio Sanzovo (fls. 113/116) contra o acórdão de fls. 111/111v. proferido pela Egrégia 11ª Turma desta Corte que, por maioria, deu parcial provimento ao recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal para receber parcialmente a denúncia, determinando o prosseguimento do feito quanto à conduta de introduzir no país de forma irregular cigarros de procedência estrangeira, nos termos do voto do Desembargador Federal Relator Nino Toldo, acompanhado pelo Desembargador Federal José Lunardelli (fls. 104 e 107/110).
Vencida a Desembargadora Federal Cecília Mello, que negava provimento ao recurso em sentido estrito.
O Eminente Relator destes embargos infringentes, Desembargador Federal Mauricio Kato, votou por acolher os embargos infringentes para que prevaleça o voto vencido.
Data venia, divirjo do Relator no tocante à atipicidade da conduta por incidência do princípio da insignificância.
Cigarros. Contrabando. Configuração. A jurisprudência dos Tribunais Superiores e desta Corte revela que, sob a vigência do art. 334 do Código Penal em sua redação anterior à Lei n. 13.008/14, nas hipóteses em que o agente importou, exportou, transportou, manteve em depósito, vendeu, expôs à venda ou adquiriu, recebeu, ocultou ou utilizou em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial, cigarros de origem estrangeira, produto de importação restrita, resta configurado o crime de contrabando por terem sido atingidos bens jurídicos de natureza diversa (erário, saúde pública, higiene, ordem econômica etc.), afastando-se, em regra, a incidência do princípio da insignificância.
Isso porque as condutas tipificadas pelas alíneas do § 1º do art. 334 do Código Penal, ao se referirem a "fatos assimilados, em lei especial, a contrabando ou descaminho" (alínea b), a "introdução clandestina" e "importação fraudulenta" (alínea c), e a "mercadoria desacompanhada de documentação legal ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos" (alínea d), podem configurar tanto o crime de contrabando como o de descaminho, a depender do objeto material e da forma como praticado o delito: se mercadorias de internalização permitida ou proibida e se acompanhadas de documentos falsos ou não acompanhadas de qualquer documentação legal, seja porque inadmitido em absoluto sua introdução no país, seja porque exigido, para ingresso, o cumprimento de requisitos legais perante as autoridades, fazendária ou sanitária, não observados pelo agente.
Trata-se de decorrência lógica tanto da redação do § 1º, que se referia ao caput de maneira genérica ("incorre na mesma pena quem"), quanto do significado e da própria origem dos vocábulos (do latim clandestinus, que se faz às escondidas, em segredo, e do latim fraus - fraudis, engano malicioso, ação astuciosa, promovidos de má fé para ocultação da verdade ou fuga ao cumprimento do dever). Tanto é assim que a nova redação do art. 334-A do Código Penal, que trata inequivocamente do delito de contrabando, incluiu no inciso II do § 1º a conduta de importar "clandestinamente" mercadorias.
Especificamente no caso de cigarros de origem estrangeira, a ANVISA apresenta as listas das marcas de cigarros, charutos e outros produtos cadastrados na Resolução RDC nº 90/2007, cujo art. 3º estabelece que "é obrigatório o registro dos dados cadastrais de todas as marcas de produtos fumígenos derivados do tabaco fabricadas no território nacional, importadas ou exportadas". As marcas que não constam nas referidas listas divulgadas pela ANVISA ou que tiveram seus pedidos de cadastro indeferidos não podem ser comercializadas no Brasil. Os maços de cigarros estrangeiros não tiveram sua qualidade e conformação a normas sanitárias verificadas pelas autoridades competentes, afora serem desprovidos de selo de controle de arrecadação e apresentarem inscrições em idiomas diversos do português, não possuindo os textos legais exigidos pela legislação vigente como requisito para circulação e comercialização no mercado nacional, em desconformidade com requisitos obrigatórios (Resolução ANVISA - RDC nº 335/2003 e suas alterações).
Por tal motivo, eventual referência na denúncia à "ausência de documentos comprobatórios de regular importação" tem justamente a finalidade de apontar a não comprovação da submissão dos produtos aos controles nacionais e a realização de cálculo de "tributos iludidos" por parte da Secretaria da Receita Federal do Brasil não faz presumir que estaria caracterizado o crime de descaminho. Referida avaliação tem fins estatísticos, como apontado nas próprias manifestações daquela Secretaria nos autos referentes ao crime envolvendo cigarros no sentido de que são "valores estimados que incidiriam em uma importação regular, para fins meramente estatísticos para a Secretaria da Receita Federal" (cf., a título de exemplo, fls. 99/101 dos autos da ACr n. 2009.61.08.009428-8, Rel. Des. Fed. Maurício Kato, j. 06.02.17), mesmo porque não se concebe a incidência de tributos na internalização de mercadorias objeto de contrabando, tanto quanto na internalização de drogas no crime de tráfico transnacional de entorpecentes. Não há, assim, cálculo dos tributos iludidos stricto sensu, mas aferição do "valor de mercado" dos cigarros e do impacto financeiro advindo da conduta criminosa à economia nacional em decorrência da introdução irregular de cigarros estrangeiros, indicando-se, ainda, o valor de tributos que seriam incidentes sobre a eventual importação regular de cigarros que fossem de internalização permitida.
Assim, como os arts. 2º e 3º do Decreto n. 399/68 equiparavam ao crime do art. 334 do Código Penal as condutas de adquirir, transportar, vender, expor à venda, ter em depósito e possuir cigarros de procedência estrangeira, a jurisprudência admite sua tipificação como contrabando com fundamento no art. 334, § 1º, b, do Código Penal (STJ, AgRg no Ag em REsp n. 697456, Rel Min. Nefi Cordeiro, j. 11.10.16; TRF da 3ª Região, ACR n. 00014644420124036006, Rel. Des Fed. André Nekatschalow, j. 06.02.17; ACR n. 0007988-64.2011.4.03.6112, Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira, j. 25.10.16; ACr n. 0004330-32.2011.4.03.6112, Rel. Des. Fed. Peixoto Júnior, j. 20.09.16; ACr n. 00000804120154036006, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, j. 22.08.16; ACr n. 00000446720134036006, Rel. Des. Fed. Cecília Mello, j. 16.02.16; ACr n. 00031384620104036000, Rel. Des. Fed. Maurício Kato, j. 01.02.16; TRF da 4ª Região, ACr n. 0001823.63.2006.404.7109, Rel. Des. Fed. Leandro Paulsen, j. 17.07.15). No caso de cigarros de origem estrangeira introduzidos clandestinamente e importados fraudulentamente, resta também caracterizado o contrabando, nos termos da alínea c do art. 334 do Código Penal (TRF da 3ª Região, ACr n. 0000663-30.2014.4.03.6113, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, j. 23.01.17; ACR n. 00002595320084036124, Des. Fed. Cecília Mello, j. 28.09.16; ACR n. 00003476020144036131, Des. Fed. José Lunardelli, j. 01.09.16; ACR n. 0006003-12.2010.4.03.6107, Rel. Des. Fed. Souza Ribeiro, j. 08.11.16). Por fim, na hipótese de cigarros de origem estrangeira desacompanhados de documentação legal ou acompanhados de documentos falsos, conforme a alínea d do art. 334 do Código Penal, configura-se igualmente o contrabando (STJ, AgRg no HC n. 129382, Rel. Min. Luiz Fux, j. 23.08.16; TRF da 3ª Região, ACr n. 0004330-32.2011.4.03.6112, Rel. Des. Fed. Peixoto Júnior, j. 20.09.16; ACR n. 0007988-64.2011.4.03.6112, Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira, j. 25.10.16; ACr n. 0007603-59.2010.4.03.6110, Rel. Des. Fed. Wilson Zauhy, j. 13.09.16).
Contrabando de cigarros. Insignificância. Excepcionalidade. Revejo meu entendimento para reconhecer a inaplicabilidade, em regra, do princípio da insignificância ao delito de contrabando envolvendo cigarros, consoante a jurisprudência desta Corte e dos Tribunais Superiores (STF, HC n. 118359, Rel. Min. Cármen Lúcia, 2ª Turma, j. 05.11.13; HC n. 118858, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, j. 03.12.13; STJ, AgRg no REsp n. 1399327, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 27.03.14; AgRg no AREsp n. 471863, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, j. 18.03.14; TRF da 3ª Região, 5ª Turma, RSE n. 0002523-24.2013.4.03.6106, Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho, j. 30.06.14; 5ª Turma, RSE n. 0002163-04.2013.4.03.6102, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, j. 30.06.14; 2ª Turma, ACR n. 0012022-40.2009.4.03.6181, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos, j. 08.10.13).
Em casos de apreensão de número ínfimo de cigarros e que correspondam a valores irrisórios, o princípio da insignificância é aplicável em caráter excepcional. No julgamento do Recurso Especial n. 1.112.748-TO, selecionado como repetitivo nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil, e do art. 1º e parágrafos da Resolução n. 8, de 07.08.08 expedida pelo Superior Tribunal de Justiça, houve a aplicação do princípio da insignificância em caso de apreensão de 120 (cento e vinte) maços de cigarros estrangeiros (STJ, REsp n. 1.112.748/TO, Rel. Min. Felix Fischer, j. 09.09.09, para fins do art. 543-C do Código de Processo Civil).
Do caso dos autos. Osvaldo Dionysio Sanzovo foi denunciado pela prática do delito do art. 334, § 1º, c, do Código Penal, porque em 14.06.12 foi surpreendido transportando e guardando em depósito 15.000 (quinze mil) maços de cigarros de origem estrangeira, irregularmente internalizados, assim como diversas outras mercadorias.
O Juízo a quo rejeitou a denúncia por ausência de justa causa para a ação penal, com fundamento no art. 395, III, do Código de Processo Penal, mediante a aplicação do princípio da insignificância (fls. 54/63).
Interposto recurso em sentido estrito pelo Ministério Público Federal, a 11ª Turma, por maioria, deu-lhe parcial provimento para receber a denúncia quanto à imputação referente aos cigarros de origem estrangeira, considerando que tal conduta configura o crime de contrabando, o qual não admite a incidência do princípio da bagatela, mantendo a rejeição da denúncia quanto às demais mercadorias, nos termos do voto vencedor.
A Desembargadora Federal Cecilia Mello, que proferiu o voto vencido, votou pela manutenção da sentença recorrida por seus próprios fundamentos.
Pretende o embargante que prevaleça o voto vencido.
Os embargos infringentes não merecem provimento.
A denúncia narra o transporte, a ocultação e a guarda em depósito para venda da significativa quantidade de 15.000 (quinze mil) maços de cigarros da marca "Eight", produtos de origem paraguaia e não submetidos ao controle fiscal e sanitário, a caracterizar o delito de contrabando, consoante condutas tipificadas no art. 334, § 1º, b, c e d do Código Penal, na redação anterior à Lei n. 13.008/14, c. c. os arts. 2º e 3º do Decreto n. 399/68.
Não é aplicável, em regra, o princípio da insignificância ao delito de contrabando de cigarros estrangeiros, consoante entendimento jurisprudencial acima explicitado, impondo-se a reforma da sentença absolutória para o prosseguimento da ação penal contra Dionysio Sanzovo.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO aos embargos infringentes (divirjo do Relator) para que prevaleça o voto condutor.
É o voto.
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RELATÓRIO
Trata-se de embargos infringentes opostos pela defesa de Osvaldo Dionysio Sanzovo (fls. 113/116) contra o acórdão de fls. 111/111-verso proferido pela Egrégia Décima Primeira Turma desta Corte que, por maioria, deu parcial provimento ao recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal para receber parcialmente a denúncia, determinando ao juízo de origem o prosseguimento do feito quanto à conduta importar de forma irregular cigarros de procedência estrangeira, nos termos do voto do Relator Desembargador Federal Nino Toldo, acompanhado pelo Desembargador Federal José Lunardelli (fls. 104 e 107/110).
Vencida a Desembargadora Federal Cecília Mello que negava provimento ao recurso em sentido estrito.
O acórdão foi assim ementado:
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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. REJEIÇÃO DE DENÚNCIA. INTERNAÇÃO IRREGULAR DE CIGARROS DE PROCEDÊNCIA ESTRANGEIRA E OUTRAS MERCADORIAS. ADEQUAÇÃO TÍPICA. CONTRABANDO E DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE AOS CIGARROS. DENÚNCIA PARCIALMENTE RECEBIDA. |
1. A imputação ao recorrido refere-se à internação de cigarros de procedência estrangeira desacompanhados da respectiva documentação comprobatória de sua regular introdução no país configurando, em tese, o crime de contrabando. |
2. A tipicidade do delito de contrabando, nos casos que envolvem a importação de cigarros, não está circunscrita apenas às hipóteses em que eles foram produzidos no Brasil com destinação exclusiva à exportação. A análise acerca da configuração desse crime não se limita à mercadoria em si, mas também à forma de sua exportação ou sua introdução no território nacional. |
3. A proibição não envolve apenas o objeto material da conduta (cigarros), impondo-se que seu ingresso ou saída do país obedeça aos trâmites legalmente previstos para sua importação ou exportação. Não basta, por isso, que os cigarros sejam de origem estrangeira e, a princípio, passíveis de ingressar regularmente no país, para se afirmar que, caso internalizados sem o pagamento dos tributos devidos, seriam objeto do delito de descaminho. |
4. A importação irregular do cigarro - que, inclusive, se submete a uma extensa normatização por parte da Receita Federal, do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - torna proibido o seu ingresso no território nacional. Noutras palavras, o cigarro é mercadoria de proibição relativa, sendo que somente será permitida sua importação se forem atendidas todas as exigências legais para tanto, não bastando que se trate de cigarro produzido no Brasil sem destinação exclusiva a exportação ou fabricado no exterior. |
5. Tratando-se do delito de contrabando, o mero valor do tributo iludido não pode ser utilizado como parâmetro para eventual aplicação do princípio da insignificância, pois a questão relativa à evasão tributária é secundária. Aqui, o bem jurídico tutelado é, notadamente, a saúde pública, razão pela qual o princípio da insignificância não tem, em regra, aplicação. Precedentes. |
6. Quanto às demais mercadorias apreendidas, a conduta do recorrido configura, também em tese, o delito de descaminho, de sorte que o valor dos impostos iludidos autoriza a aplicação do princípio da insignificância, estando correta a rejeição da denúncia neste ponto. |
7. Recurso em sentido estrito parcialmente provido para afastar a aplicação do princípio da insignificância relativamente à internação dos cigarros de procedência estrangeira e receber parcialmente a denúncia, apenas em relação a essa conduta. |
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A defesa opôs embargos infringentes, requereu a juntada do voto vencido proferido pela Desembargadora Federal Cecilia Mello e pleiteou o acolhimento de seu voto, com a manutenção da decisão que rejeitou a denúncia (fls. 113/116).
Os embargos infringentes foram admitidos pelo relator (fl. 124), ocasião em que os autos foram remetidos ao gabinete da Desembargadora Federal Cecilia Mello, para a tomada de providências quanto à juntada do voto vencido.
Em despacho de fls. 126/126-verso, a Desembargadora Federal deixou de acostar o voto divergente, ao argumento de que sua ausência não impediu a oposição do recurso pela defesa, que "identificou a divergência de forma cristalina, opondo, inclusive os respectivos embargos infringentes de maneira fundamentada" (fls. 126/126-verso).
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O recurso foi redistribuído a minha relatoria, nos termos do artigo 266, § 2º, do Regimento Interno desta Corte (fl. 127).
A Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 129/132).
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
O recurso comporta provimento.
Nos termos do artigo 609, parágrafo único, do Código de Processo Penal, os embargos infringentes e de nulidade são restritos à matéria objeto de divergência.
No presente caso, a discordância cinge-se à configuração do crime de descaminho e à possibilidade de reconhecimento de atipicidade da conduta, com a consequente rejeição da denúncia, mediante a aplicação do princípio da insignificância.
Passo a analisar a questão que foi devolvida a esta Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região por meio dos embargos infringentes.
O voto vencedor, ao dar parcial provimento ao recurso em sentido estrito, recebeu a denúncia no tocante à conduta de internar irregularmente no País cigarros de origem estrangeira, nos seguintes termos:
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A imputação ao recorrido refere-se à internação de cigarros de procedência estrangeira desacompanhados da respectiva documentação comprobatória de sua regular introdução no país, configurando, em tese, o crime de contrabando. |
A tipicidade do delito de contrabando, nos casos que envolvem a importação de cigarros, não está circunscrita apenas às hipóteses em que eles foram produzidos no Brasil com destinação exclusiva à exportação. A análise acerca da configuração desse crime não se limita à mercadoria em si, mas também à forma de sua exportação ou sua introdução no território nacional. |
Em outras palavras, a proibição não envolve apenas o objeto material da conduta (cigarros), impondo-se que seu ingresso ou saída do país obedeça aos trâmites legalmente previstos para sua importação ou exportação. Não basta, por isso, que os cigarros sejam de origem estrangeira e, a princípio, passíveis de ingressar regularmente no país, para se afirmar que, caso internalizados sem o pagamento dos tributos devidos, seriam objeto do delito de descaminho. |
A importação irregular do cigarro - que, inclusive, se submete a uma extensa normatização por parte da Receita Federal, do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - torna proibido o seu ingresso no território nacional. Noutras palavras, o cigarro é mercadoria de proibição relativa, sendo que somente será permitida sua importação se forem atendidas todas as exigências legais para tanto, não bastando que se trate de cigarro produzido no Brasil sem destinação exclusiva a exportação ou fabricado no exterior. |
Ademais, tratando-se do delito de contrabando, o mero valor do tributo iludido não pode ser utilizado como parâmetro para eventual aplicação do princípio da insignificância, pois a questão relativa à evasão tributária é secundária. Aqui, o bem jurídico tutelado é, notadamente, a saúde pública, razão pela qual o princípio da insignificância não tem, em regra, aplicação. |
(...) |
A internação irregular de cigarros estrangeiros configura, enfim, crime de contrabando, sendo inaplicável o princípio da insignificância. |
Não obstante, quanto às demais mercadorias apreendidas, listadas a fls. 30/33, a conduta do recorrido configura, também em tese, o delito de descaminho, de sorte que o valor dos impostos iludidos autoriza a aplicação do princípio da insignificância, estando correta a rejeição da denúncia neste ponto (STF, HC 120.139/PR, Primeira Turma, v.u., Rel. Min. Dias Toffoli, j. 11.03.2014, DJe 28.03.2014). |
Logo, é o caso de afastar a aplicação do princípio da insignificância relativamente à internação irregular dos cigarros de procedência estrangeira e receber parcialmente a denúncia, apenas em relação a essa conduta. |
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Por sua vez, em manifestação de fls. 126/126-verso, a Desembargadora Federal Cecilia Mello, que proferiu o voto vencido, consignou:
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A par disso, o voto vencido que proferi negava provimento ao recurso, vale dizer, confirmava a decisão recorrida e, à falta de expressa ressalva no dispositivo do acórdão, deve-se entender que adotei a ratio esposada na decisão objurgada e os fundamentos constantes das peças processuais que defendem sua manutenção. |
Consta dos autos que Osvaldo Dionysio Sanzovo foi denunciado pela prática do delito previsto no artigo 334, §1º, alínea "c", do Código Penal, nos seguintes termos:
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Segundo extrai-se dos autos, em 14 de junho de 2012, em fiscalização de rotina realizada por policiais militares em Bauru/SP, foram localizados, no interior do veículo de Osvaldo Dionysio Sanzovo, pacotes de cigarro de origem estrangeira, que estavam em dois sacos de lixo sobre o banco traseiro, sendo que, naquela oportunidade, assumiu ele ser o proprietário daqueles maços de cigarro. Consta ainda que, logo após, o denunciado disse aos policiais que havia mais produtos em sua residência, localizada na Rua Doze de Outubro, nº 14-14, Jardim Bela Vista, Bauru/SP, local em que foram localizados e apreendidos mais maços de cigarro, bem como mercadorias estrangeiras, todos sem qualquer documentação comprobatória de sua regular introdução no país. |
A materialidade do delito previsto no artigo 334, § 1º, c, do Código Penal, restou devidamente comprovada pelo Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal de Mercadorias nº 0810300/00866/2012 e pelo demonstrativo presumido de tributos, elaborados pela Delegacia da Receita Federal do Brasil em Bauru/SP (fls. 30/33). |
De acordo com tais documentos, as mercadorias apreendidas em poder do ora denunciado foram avaliadas em R$ 7.364,82. Segundo o Demonstrativo Presumido de Tributos de fl. 33, a importação irregular dessas mercadorias importou na sonegação de R$ 4.640,64. |
A autoria do crime também restou demonstrada nos autos, não só pelo depoimento dos policiais militares que fizeram a apreensão do produto do crime em poder do investigado (fls. 10/11 e 12/3) e pelo AITAGF nº 0810300/00866/2012, elaborado pela Delegacia da Receita Federal de Bauru - que indicou Osvaldo Dionysio Sanzovo como proprietário das mercadorias apreendidas - mas, principalmente, pelo depoimento do próprio indicado que, ouvido às fls. 14/15, afirmou ser o responsável por todas as mercadorias apreendidas. |
O Juízo de primeiro grau rejeitou a denúncia por ausência de justa causa para a ação penal, com fundamento no artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal e mediante aplicação do princípio da insignificância (fls. 54/63).
Interposto recurso em sentido estrito pelo Ministério Público Federal, a Turma Julgadora deu-lhe parcial provimento para receber a denúncia quanto à conduta de importar irregularmente cigarros de origem estrangeira, considerando que esta conduta amolda-se ao tipo penal do contrabando, que não admite incidência do princípio da bagatela.
De acordo com o princípio da correlação entre a acusação e a sentença, deve haver identidade entre o objeto da imputação e o da sentença, com vistas a preservar os princípios da ampla defesa e do contraditório. Isto porque o acusado, no processo penal, defende-se dos fatos imputados e não da qualificação jurídica dada aos fatos.
O artigo 383, caput, do Código de Processo Penal trata do instituto da emendatio libelli ao estabelecer que o juiz, sem modificar a descrição do fato contida na peça acusatória, pode atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que tenha de aplicar pena mais grave.
De fato, há entendimento jurisprudencial no sentido de que, ainda que se verifique, no início do processo, erro na capitulação jurídica, a denúncia deve ser recebida, postergando-se para a fase de prolação da sentença eventual correção. A emendatio libelli é aplicável, portanto, no momento da decisão final. Tal regra, contudo, não é absoluta.
Assim, é possível a correção da capitulação jurídica constante da denúncia, antes da sentença ou até mesmo no momento de recebimento da peça acusatória, em casos de flagrante descompasso entre a conduta descrita e o tipo penal indicado na inicial.
Admite-se esta correção ainda mais quando o tipo penal indicado e aquele aparentemente cometido possuem gravidades diversas, com reflexos jurídicos imediatos na defesa do acusado.
Neste sentido:
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PENAL E PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. (...). ABUSO NA ACUSAÇÃO. FLAGRANTE ILEGALIDADE. REFLEXOS JURÍDICOS IMEDIATOS. DESCLASSIFICAÇÃO. (...) |
(...) |
II - Não há vedação a que se altere a capitulação logo no recebimento da exordial, nos casos em que é flagrante que a conduta descrita não se amolda ao tipo penal indicado na denúncia. Tal possibilidade, acentua-se ainda mais quando o tipo indicado e aquele aparentemente cometido possuem gravidades completamente diversas, com reflexos jurídicos imediatos na defesa no acusado. Nessas hipóteses, é patente o abuso na acusação. (...) (STJ, AP nº 290/PR, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 16/03/2005). |
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No caso, o adequado enquadramento jurídico da conduta implica o reconhecimento ou não da atipicidade da conduta do recorrido, pela aplicação do princípio da insignificância.
De fato, o órgão ministerial descreveu a apreensão de pacotes de cigarros desacompanhados de documentação comprobatória de regular importação.
Sendo assim, deve o embargante ser processado e julgado pelo descaminho.
No tocante ao recebimento da denúncia, de acordo com o artigo 41 do Código de Processo Penal, a peça acusatória deve conter a exposição do fato criminoso e suas circunstâncias, a indicação da qualificação do acusado (ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo), a classificação do crime e, quando necessário, o rol de testemunhas. Busca-se, com isso, possibilitar o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa.
Por sua vez, o artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal estabelece que a denúncia será rejeitada quando faltar justa causa para a ação penal.
Presentes, no caso concreto, os elementos que demonstrem a existência de fundamento de direito e de fato para a instauração do processo, há justa causa para a ação penal.
O fundamento de direito está consubstanciado na subsunção da conduta descrita a um tipo penal.
Por outro lado, o fundamento de fato é identificado na acusação em conformidade com a prova, relacionada com a existência material de um fato típico e ilícito (materialidade), indícios suficientes de autoria e um mínimo de culpabilidade.
Nestes termos, o reconhecimento da atipicidade da conduta, em virtude, por exemplo, da aplicação do princípio da insignificância é causa de rejeição liminar da denúncia.
É esse o caso dos autos.
A inicial acusatória imputa ao embargante o crime de descaminho e, tendo em vista o valor dos tributos iludidos, incide o princípio da insignificância.
Neste contexto, a Lei nº 10.522/02, que dispõe sobre o cadastro informativo dos créditos não quitados de órgãos e entidades federais, prevê a não cobrança de débito fiscal no caput do artigo 20: Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$10.000,00 (dez mil reais).
Por sua vez, a portaria MF nº 75, do Ministério da Fazenda, de 22/03/2012, estabelece o não ajuizamento de execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais) (art. 1º, II).
O artigo 2º da portaria MF nº 75, com redação dada pela Portaria MF nº 130, de 19/04/2012, dispõe: o Procurador da Fazenda Nacional requererá o arquivamento, sem baixa na distribuição, das execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), desde que não conste dos autos garantia, integral ou parcial, útil à satisfação do crédito.
A Administração, ao sopesar os custos de uma demanda judicial com o proveito que dela poderá obter, estabelece um limite para que se proceda à cobrança judicial de seu crédito, qual seja, R$20.000,00 (vinte mil reais). Se o débito fiscal for igual ou inferior a este valor, a execução fiscal deverá ser arquivada, sem baixa na distribuição.
A despeito das inúmeras alterações legislativas e edição de normas regulamentares, que deram causa a uma grande celeuma jurisprudencial, entendo que deve incidir o limite de R$20.000,00 (vinte mil reais) para o reconhecimento de uma conduta penalmente insignificante.
No tocante à incidência do princípio da insignificância, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal indica que é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos objetivos e cumulativos: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada (STF, HC nº 120.139/PR, Min. Dias Toffoli, j. 11/03/2014).
No particular, com a introdução em território nacional de cigarros estrangeiros sem a documentação legal, Osvaldo Dionysio Sanzovo iludiu o pagamento de tributos federais no valor de 4.640,64 (quatro mil, seiscentos e quarenta reais e sessenta e quatro centavos) (fl. 33), fato que autoriza o reconhecimento da atipicidade material da conduta com a aplicação do princípio da insignificância.
Deve, pois, prevalecer o voto vencido mantida a decisão de rejeição da denúncia, que, ao negar provimento ao recurso em sentido estrito, manteve a decisão que rejeitou a denúncia oferecida em face de Osvaldo Dionysio Sanzovo.
Ante o exposto, acolho os embargos infringentes para que prevaleça o voto vencido.
É como voto.
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