D.E. Publicado em 12/06/2017 |
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EMENTA
DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. PRELIMINAR REJEITADA. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS. DESNECESSIDADE DE DOLO ESPECÍFICO. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA NÃO CONFIGURADA. DOSIMETRIA. APELAÇÃO DEFENSIVA PROVIDA EM PARTE.
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ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar parcial provimento à apelação defensiva, para reduzir a pena-base ao mínimo legal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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VOTO CONDUTOR
O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS (Relator para acórdão):
Trata-se de apelação interposta por Lailton Boni contra a sentença que o condenou pela prática do delito tipificado no artigo 168-A, §1º, combinado com o artigo 71, ambos do Código Penal.
O voto do eminente Relator é no sentido de dar provimento à apelação defensiva para absolver o réu da acusação de apropriação indébita previdenciária, em razão de estar presente, no caso, causa supralegal de exclusão de culpabilidade.
Dele divirjo no tocante ao meritum causae.
Rejeito a alegação de nulidade por ausência de defesa técnica. A defesa apresentada pela advogada dativa em alegações finais (fls. 436/437), embora se mostre concisa, atinge com eficiência seu objetivo, se atendo à principal tese de defesa relativa às dificuldades financeiras da empresa. Ademais, a defesa se utilizou de todos os meios cabíveis para promover a devida instrução dos autos, a fim de comprovar o alegado.
Deveras, para que se caracterize a inexigibilidade de conduta diversa, as dificuldades financeiras enfrentadas pela empresa devem ser de tal ordem que coloquem em risco a própria existência do negócio, uma vez que apenas a impossibilidade financeira devidamente comprovada por prova material contundente poderia justificar a omissão nos recolhimentos.
No caso, embora o réu tenha juntado documentos demonstrando a existência de execuções fiscais, ações trabalhistas, pedidos de parcelamento de débitos, dentre outros, tais meios de prova não foram suficientes para comprovar que as dificuldades enfrentadas pela empresa tenham sido diferentes daquelas comuns a qualquer atividade de risco, como, por exemplo, o desfazimento de patrimônio pessoal para quitar as dívidas, antes de deixar de efetuar o recolhimento das contribuições.
Ademais, ressalte-se que as dificuldades financeiras apresentadas pela empresa não são contemporâneas aos fatos delitivos que ensejaram a presente ação penal, compreendidos entre novembro de 1995 e setembro de 1998.
Nesse sentido já decidiu esta Egrégia Corte Regional:
Assim, as justificativas utilizadas pelo réu para o não recolhimento das contribuições não foram suficientes para provar que não havia outro modo de a empresa continuar funcionando, uma vez que não demonstrou a insolvência à época.
Por seu turno, a materialidade e autoria delitivas restaram devidamente comprovadas pelo conjunto probatório coligido nos autos.
Evidenciado, ainda, o dolo na conduta do apelante, consubstanciado na vontade livre e consciente no sentido de deixar de repassar as contribuições. O tipo penal da apropriação indébita exige apenas o dolo genérico consistente na conduta omissiva de deixar de recolher, no prazo legal, as contribuições destinadas à Previdência Social, que tenham sido descontadas de pagamentos efetuados, não exigindo do agente o animus rem sibi habendi dos valores descontados e não repassados, uma vez que a consumação do delito se dá com a mera ausência de recolhimento dessas contribuições.
Em face do quanto asseverado, deve ser mantida a condenação imposta ao réu pela prática do delito previsto no artigo 168-A, §1º, c.c. o artigo 71, ambos do Código Penal.
Todavia, merece reparos a dosimetria da pena.
Na primeira fase, a pena-base deve ser reduzida ao mínimo legal, posto que ausentes circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu.
O magistrado sentenciante fundamentou a elevação da pena-base na existência de maus antecedentes, contudo, da análise dos autos não se observa elementos desfavoráveis ao réu, que justifiquem a exasperação da pena-base acima do mínimo legal.
Desta feita, a pena-base deve ser fixada no mínimo legal, em 2 (dois) anos de reclusão.
A fim de guardar proporcionalidade com a pena privativa de liberdade a pena de multa deve ser fixada em 10 (dez) dias-multa, mantido o valor unitário fixado na r. sentença.
Na segunda fase, ausentes circunstâncias agravantes e atenuantes.
Na terceira fase, ausentes causas de diminuição. Porém, presente a causa de aumento em razão da continuidade delitiva (art. 71 CP), a pena-base deve ser majorada em 1/6 (um sexto), conforme estabelecido na r. sentença, resultando definitiva em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa.
Mantidos o regime inicial aberto e a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, nos termos fixados na r. sentença.
Face ao exposto, divirjo do eminente Relator para, mantendo a condenação do réu pela prática do delito previsto no artigo 168-A, §1º, c.c. o artigo 71, ambos do Código Penal, dar parcial provimento ao apelo defensivo, a fim de reduzir a pena para 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa. Mantidos o regime inicial aberto e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, nos termos fixados na r. sentença.
É o voto.
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RELATÓRIO
O Ministério Público Federal, em 05/09/2005, denunciou LAILTON BONI, brasileiro, qualificado nos autos, nascido em 14/01/1963, pela prática do delito tipificado no artigo 168-A, §1º, I, do CP. Consta da denúncia:
"Segundo se apurou, nos termos do procedimento fiscal do INSS acostado aos autos, LAILTON BONI, na condição de administrador de fato da empresa NOVA BONI PRODUTOS ALIMENTICIOS LTDA., CNPJ n° 55.893.754/0001-00, estabelecida na cidade de ltu/SP, com vontade livre e consciente, deixou de recolher, na época própria e prazo legal, contribuições devidas e destinadas à Previdência Social, por conseguinte, a Seguridade Social, descontadas do pagamento de seus empregados/segurados, no período de novembro de 1995 a setembro de 1998 (inclusive relativas a 13° salário), ou seja, não tomou as providências necessárias para que o recolhimento fosse efetivado, o que era de sua responsabilidade, conforme fls. 30/59, 198/202, 254 e 259.
Tudo de forma continuada e de acordo com as Notificações Fiscais de Lançamento de Débito - NFLD n° 32.454.104-0, inclusa no procedimento do INSS.
Portanto, o INSS apurou débito, incluídos juros e multa, nos valores de R$ 70.868,24 (fls. 10). Devendo-se excluir os períodos com prescrição penal, janeiro de 1992 e março de 1993.
Incide, assim, o artigo 168-A, § 1°, inciso I, do Código Penal, com redação da Lei n° 9.983/2000 e tendo em vista o disposto no artigo 5°, inciso XL, da Constituição Federal."
A denúncia foi recebida em 08/09/2005 (fls. 289).
Processado o feito, sobreveio sentença, publicada em 26/11/2009 (fls. 442). Consignou o Juiz:
"Ante o exposto, julgo PROCEDENTE a denúncia para condenar o réu Lailton Boni, como incurso nas penas do artigo 168-A, parágrafo 1.°, combinado com o artigo 71, ambos do Código Penal.
(...)
Finalmente, em razão da ausência de outras causas de aumento ou de diminuição de pena, fica definitivamente condenado Lailton Boni às penas de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses e 05 (cinco) dias de reclusão e 14 (quatorze) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo legal, devidamente corrigido, pelo crime descrito no artigo 168-A, do Código Penal.
(...)
Desta forma, substituo a pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses e 05 (cinco) dias de reclusão por duas penas restritivas de direito, na forma imposta pelo artigo 44, parágrafo 2°, do Código Penal, sendo uma pena de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas a ser designado pelo Juízo das Execuções Penais, pelo período de dois anos e cinco meses e cinco dias, facultando ao réu o cumprimento em tempo menor, na forma do artigo 46, parágrafo 4° do Código Penal; e a outra pena de prestação pecuniária no valor de 1/5(um quinto) do salário-mínimo ao mês durante o período da pena fixada, conforme dispõe o artigo 55 do Código Penal. Com relação à prestação pecuniária será também destinada à instituição designada pelo Juízo das Execuções Penais.
Fixo o regime aberto para o cumprimento da pena imposta, nos termos do artigo 33, parágrafo 2.°, alínea c, do Código Penal, no caso de não cumprimento das penas restritivas de direito."
Apela a parte ré. Sustenta:
1- NULIDADE - AUSÊNCIA DE DEFESA TÉCNICA. Depreende-se dos autos que as alegações finais da defesa foram apresentadas por advogada dativa nomeada pelo juízo singular, "razões de defesa" que SE RESUMIRAM EM 10 LINHAS (30 parágrafo às fls. 436) equiparando-se a própria ausência de defesa, com inegável prejuízo ao apelante, que não pode exercer com plenitude seu direito a ampla defesa, juntando documentos essenciais à comprovação dos fatos alegados.
(...)
O próprio juízo de primeira instância admite a ausência de elementos comprobatórios "não restou demonstrado" para acolher a tese alegada pela defesa. Evidente, que esta ausência se deu em virtude da falta de defesa apresentada pela defensora dativa, que se limitou a cumprir a formalidade de protocolizar petição a qual nomeou de "alegações finais".
(...)
Nesse prisma, a defesa meramente formal que se limita a defesa genérica e a um pedido vago de absolvição, certamente constitui prejuízo à defesa do réu, conduzindo a nulidade absoluta nos termos da Súmula 523 do Supremo Tribunal Federal que, expressamente dispõe: "No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu. "
No caso em exame, o prejuízo para o apelante é evidente, o que se comprova com a sentença condenatória, diante da petição deficiente e ausência de juntada de outros elementos que certamente comprovariam a inocência do apelante.
2- INEXISTÊNCIA DE ANTECEDENTES CRIMINAIS. A expressão antecedentes a que alude o artigo 59, do Código Penal, diz respeito às condenações penais com trânsito em julgado sofridas pelo réu, sem a ocorrência da reincidência prevista no artigo 63, do Código Penal.
3- PRESCRIÇÃO. Seguindo a linha de raciocínio acima, sendo a pena base fixada no mínimo legal, verifica-se a ocorrência da prescrição.
4- DA ABSOLUTA AUSÊNCIA DE DOLO DO APELANTE. O legislador ao inserir o novo tipo penal no artigo 168 - A do Código Penal, denominado apropriação indébita previdenciária, deixou claro que a mera omissão no recolhimento dos valores devidos, não é fato penalmente relevante, eis que ausente o elemento subjetivo do tipo, (elemento de todo e qualquer crime) que consiste na vontade consciente de se apropriar indevidamente dos valores devidos à previdência.
5- INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. À época dos fatos narrados na denúncia, a empresa, assim como o próprio Apelante (em sua vida pessoal), passavam por agudas dificuldades financeiras não deixando alternativa senão deixar de recolher o tributo para tentar manter o funcionamento da empresa.
6- PARCELAMENTO DO DÉBITO - REFIS. Esclarece por oportuno que em 12/11/2009 o apelante (empresa Nova Boni Produtos Alimentícios Ltda.) firmou acordo de parcelamento do débito junto a Previdência Social, o que leva a extinção da punibilidade.
Contrarrazões do MPF às fls. 687, requerendo o desprovimento da apelação.
A Procuradoria Regional da República, nesta instância, opinou pelo desprovimento da apelação (fls. 699).
É o relatório.
À revisão.
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VOTO
Consignou o MPF: "Segundo se apurou, nos termos do procedimento fiscal do INSS acostado aos autos, LAILTON BONI, na condição de administrador de fato da empresa NOVA BONI PRODUTOS ALIMENTICIOS LTDA., CNPJ n° 55.893.754/0001-00, estabelecida na cidade de ltu/SP, com vontade livre e consciente, deixou de recolher, na época própria e prazo legal, contribuições devidas e destinadas à Previdência Social, por conseguinte, a Seguridade Social, descontadas do pagamento de seus empregados/segurados, no período de novembro de 1995 a setembro de 1998 (inclusive relativas a 13° salário), ou seja, não tomou as providências necessárias para que o recolhimento fosse efetivado, o que era de sua responsabilidade, conforme fls. 30/59, 198/202, 254 e 259."
Consignou o Juiz: "Ante o exposto, julgo PROCEDENTE a denúncia para condenar o réu Lailton Boni, como incurso nas penas do artigo 168-A, parágrafo 1.°, combinado com o artigo 71, ambos do Código Penal."
Apela a parte ré.
DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. TIPICIDADE.
APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA.
O tipo penal imputado à parte ré é o seguinte:
Imputado à parte ré a prática de apropriação indébita previdenciária, tipificado no artigo 168-A, §1º, I do CP.
PRELIMINAR
Alega a defesa preliminarmente:
"NULIDADE - AUSÊNCIA DE DEFESA TÉCNICA. Depreende-se dos autos que as alegações finais da defesa foram apresentadas por advogada dativa nomeada pelo juízo singular, "razões de defesa" que SE RESUMIRAM EM 10 LINHAS (30 parágrafo às fls. 436) equiparando-se a própria ausência de defesa, com inegável prejuízo ao apelante, que não pode exercer com plenitude seu direito a ampla defesa, juntando documentos essenciais à comprovação dos fatos alegados.
(...)
O próprio juízo de primeira instância admite a ausência de elementos comprobatórios "não restou demonstrado" para acolher a tese alegada pela defesa. Evidente, que esta ausência se deu em virtude da falta de defesa apresentada pela defensora dativa, que se limitou a cumprir a formalidade de protocolizar petição a qual nomeou de "alegações finais".
(...)
Nesse prisma, a defesa meramente formal que se limita a defesa genérica e a um pedido vago de absolvição, certamente constitui prejuízo à defesa do réu, conduzindo a nulidade absoluta nos termos da Súmula 523 do Supremo Tribunal Federal que, expressamente dispõe: "No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu. "
No caso em exame, o prejuízo para o apelante é evidente, o que se comprova com a sentença condenatória, diante da petição deficiente e ausência de juntada de outros elementos que certamente comprovariam a inocência do apelante."
Conclusão:
O réu foi interrogado em 18/07/2006 (fls. 329).
Na fase de alegações finais, o defensor do réu foi intimado pelo Diário Eletrônico e ficou inerte (fls. 423 e 425).
Diante disso, o Juiz determinou a intimação pessoal do réu para constituir novo defensor (fls. 426).
O oficial de justiça não encontrou o réu, recebendo informação de que ele havia se mudado (fls. 432/v).
O Juiz, então, nomeou advogada dativa, a qual apresentou alegações finais.
Desse modo, não há que se falar em prejuízo à defesa do réu.
Quanto ao conteúdo da defesa em alegações finais, embora seja sucinto (fls. 436), abordou umas das principais alegações da defesa no recurso, qual seja, a questão das dificuldades financeiras.
Ademais, às fls. 332, o Juiz indeferiu o requerimento de perícia contábil, justificando que as informações pretendidas poderiam ser obtidas por meio de diligências efetuadas pela própria defesa e juntadas aos autos em qualquer fase do processo.
A defesa inclusive se utilizou dessa possibilidade, juntando diversos documentos com o seu recurso de apelação (fls. 484 a 684).
Desse modo, não verifico nulidade por ausência de defesa técnica.
MATERIALIDADE
Consignou o Juiz a respeito da materialidade:
"Efetivamente, a materialidade do delito restou comprovada diante da Notificação Fiscal de Lançamento de Débito - NFLD n.° 32.4454.104-0, demonstrando que as contribuições indevidamente apropriadas pelo denunciado totalizaram, incluídos juros e multa R$ 70.868,24 (setenta mil, oitocentos e sessenta e oito reais e vinte quatro centavos), cujo débito atualizado até março de 2004, importa em R$ 121.957,95 (cento e vinte e um mil, novecentos e cinqüenta e sete reais e noventa e cinco centavos), consoante fl. 243 dos autos."
Conclusão:
Como se nota, a materialidade ficou devidamente comprovada, pois:
- Ofício do INSS às fls. 08 relata ao Procurador da República ter sido constatado "que não foram recolhidas no prazo legal as contribuições sociais arrecadadas dos segurados empregados e descontada da respectiva remuneração conforme relação anexa" onde consta o nome da empresa "NOVA BONI PRODUTOS ALIMENTÍCIOS LTDA." (débito nº 32.454.104-0, processo administrativo nº 35443.000858/99-62).
- às fls. 13 encontra-se a notificação de lançamento fiscal de nº 32.454.104-0, em nome do contribuinte NOVA BONI PRODUTOS ALIMENTÍCIOS LTDA., CNPJ nº. 55893.754/0001-00;
- às fls. 90 consta que o débito estava em aberto em 02/03/1999;
- às fls. 114, ofício do INSS informa que até 06/10/1999 em relação ao débito de nº 32.454.104-0 "nada consta quanto ao seu pagamento ou parcelamento"; o mesmo ocorrendo às fls. 215 e 239.
- na polícia (fls. 273), Lailton Boni admitiu que "tinha conhecimento da NFLD 32.454.104-0" e que os valores "não foram repassados ao INSS por absoluta indisponibilidade financeira";
- em Juízo, Lailton Boni disse (fls. 330) que as contribuições previdenciárias "não foram recolhidas" e que o débito ainda não tinha sido pago (em 07/2006);
- a testemunha Francisco Dirnei Thomé, auditor fiscal que fiscalizou a empresa, confirmou que "a empresa deixou de recolher as contribuições devidas e destinadas à previdência, mas as descontou dos funcionários".
Devidamente comprovada nos autos a materialidade do delito atribuído à parte ré.
AUTORIA
Consignou o Juiz a respeito da autoria:
"O acusado afirmou no seu interrogatório às fls. 329/330, que: "era o administrador da empresa Nova Boni Produtos Alimentícios, juntamente com seu pai. A empresa passou por dificuldade financeira entre o período de 1995 a setembro de 1998". Informou que o débito do interrogando perante o INSS ainda não foi pago. Por fim, acrescentou que os valores não foram recolhidos pela dificuldade financeira e que os funcionários podem comprovar a boa fé do interrogando.
Constato que a testemunha arrolada pela acusação, Francisco Dirnei Thomé (fl. 363), Auditor Fiscal da Receita Federal em Itu, declarou que o denunciado descontou do salário de seus funcionários a contribuição previdenciária, no entanto, não repassou a quantia aos cofres públicos."
Conclusão:
Como se nota, a autoria ficou devidamente comprovada, pois:
- às fls. 33 consta cópia do contrato social da NOVA BONI PRODUTOS ALIMENTÍCIOS LTDA. constituída por sócios entre os quais está Lailton Boni, assinando pela empresa;
- ficha da Junta Comercial da empresa está às fls. 210, indicando também como sócio Lailton Boni;
- na polícia (fls. 273), Lailton admitiu que "exerceu de fato a gerência da empresa NOVA BONI PRODUTOS ALIMENTICIOS LTDA. desde a sua constituição até aproximadamente o ano 2000;
- em juízo, Lailton Boni disse que (fls. 330) "era administrador da empresa NOVA BONI PRODUTOS ALIMENTICIOS juntamente com seu pai"
Devidamente comprovada nos autos a autoria do delito atribuído à parte ré.
DOLO
Alega a defesa a respeito do dolo:
"DA ABSOLUTA AUSÊNCIA DE DOLO DO APELANTE. O legislador ao inserir o novo tipo penal no artigo 168 - A do Código Penal, denominado apropriação indébita previdenciária, deixou claro que a mera omissão no recolhimento dos valores devidos, não é fato penalmente relevante, eis que ausente o elemento subjetivo do tipo, (elemento de todo e qualquer crime) que consiste na vontade consciente de se apropriar indevidamente dos valores devidos à previdência."
Conclusão:
DESNECESSIDADE DE DOLO ESPECÍFICO.
É assente no Superior Tribunal de Justiça, conforme definido no julgamento do EREsp 1.296.631/RN, relatora Ministra LAURITA VAZ (DJe 17.09.2013), o entendimento de que o delito de apropriação indébita previdenciária se consuma com a mera omissão de recolhimento da contribuição previdenciária dentro do prazo e das formas legais, prescindindo, portanto, do dolo específico.
De fato, para sua caracterização, não se exige a presença do animus rem sibi habendi (a intenção de ter a coisa para si), sendo, pois, descabida a exigência de se demonstrar o especial fim de fraudar a Previdência Social, como elemento essencial do tipo penal.
Confira-se:
A Terceira Seção do STJ, no julgamento dos EREsp 1.207.466/ES, da relatoria do Ministro GURGEL DE FARIA, DJe 06/11/2014, manteve o mesmo entendimento. Na oportunidade, assinalou o ilustre Ministro:
"Da leitura do dispositivo previsto no art. 168-A , do Código Penal, observa-se que o crime de apropriação indébita previdenciária constitui-se em delito omissivo próprio. O núcleo do tipo é o verbo deixar, que se perfaz com a simples conduta negativa do sujeito, caracterizando-se com o não fazer o que a lei determina, sendo desnecessária, para a configuração do crime, a comprovação do fim específico de apropriar-se dos valores destinados à Previdência Social consistente no animus rem sibi habendi.
Não se deve emprestar maior relevo à nomenclatura utilizada pelo legislador na edição da Lei nº 9.983/2000, para definir o crime - apropriação indébita previdenciária -, de modo a se considerar como elemento do tipo o dolo específico, a vontade livre e consciente do sujeito de se apropriar dos valores relativos às contribuições, a exemplo do que ocorre no crime de apropriação indébita. Ao contrário deste, que é crime de resultado, a apropriação indébita previdenciária é crime formal; a intenção específica ou vontade de se beneficiar com a ausência do recolhimento nada tem a ver com a consumação do fato que ocorre no momento que ele deixa de recolher as contribuições no prazo legal."
Esse também é o entendimento do Supremo Tribunal Federal:
No caso dos autos, ficou constatado o não repasse à previdência pela parte ré dos valores relativos à contribuição social, caracterizando o dolo genérico do crime de apropriação indébita previdenciária.
TESES DA DEFESA
1- Alega a defesa:
"PARCELAMENTO DO DÉBITO - REFIS. Esclarece por oportuno que em 12/11/2009 o apelante (empresa Nova Boni Produtos Alimentícios Ltda.) firmou acordo de parcelamento do débito junto a Previdência Social, o que leva a extinção da punibilidade."
Conclusão:
A respeito do alegado parcelamento do débito, conforme consignou o MPF em suas contrarrazões, a defesa não juntou qualquer prova de que ele tenha sido realizado. De outro lado, destaca o MPF que somente seria declarada extinta a punibilidade no caso de pagamento integral.
Assim, não há como acolher essa alegação da defesa.
2- Alega a defesa:
"INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. À época dos fatos narrados na denúncia, a empresa, assim como o próprio Apelante (em sua vida pessoal), passavam por agudas dificuldades financeiras não deixando alternativa senão deixar de recolher o tributo para tentar manter o funcionamento da empresa."
Conclusão:
Junta a defesa diversos documentos para comprovar as dificuldades financeiras da empresa e do réu:
- fls. 485/488 - relação de ações judiciais contra a empresa (83 processos, sendo a quase totalidade de execuções fiscais, distribuídas a partir de 1997);
- fls. 489 - relação de processos contra o réu;
- fls. 490 - processos contra a empresa na vara trabalhista de Itu (ajuizados a partir de 1998);
- fls. 492 - pedido de parcelamento com a Fazenda Estadual feito em 01/1999 referente a débito de R$ 18.431,91;
- fls. 498 - requerimento feito em 12/11/2009 de parcelamento de débito previdenciário;
- fls. 499 - execução contra a empresa feita pelo Unibanco no valor de R$ 68.973,59 em 05/12/1995;
- fls. 524 - ação de cobrança contra a empresa no valor de R$ 261.284,14 em 2004;
- fls. 548 - ação de execução contra a empresa valorada em R$ 23.000,00 em 02/09/1999;
- fls. 604 - execução contra a empresa valorada em R$ 6.232,62 em 11/06/1997;
- fls. 614 - execução contra a empresa valorada em R$ 5.605,83 em 28/04/1997;
- fls. 624 - execução contra a empresa valorada em R$ 7.092,21 em 26/12/1997;
- fls. 651 - penhora do faturamento mensal para pagamento de R$ 6.379,21 em 05/10/2004;
- fls. 666 - penhora de veículo da empresa em 05/01/2007 em execução fiscal;
- fls. 680 - declaração do Imposto de Renda do réu.
Ora, como se nota, a empresa passou a sofrer a partir de 1997 uma série de execuções fiscais e também outras cobranças, o que indica que a empresa tinha, na época dos débitos em questão (11/1995 a 09/1998), sérias dificuldades financeiras, tendo inclusive encerrado suas atividades no ano de 2005 por causa disso (fls. 330).
Em julgado do STF (HC 113418), destaca-se que a precária condição financeira da empresa (quando extrema ao ponto de não restar alternativa socialmente menos danosa do que o não recolhimento das contribuições previdenciárias) pode ser aceita como causa supralegal de exclusão de culpabilidade no crime de apropriação indébita previdenciária.
Confira-se:
Em julgamento realizado em 22/09/2015 (processo 2008.61.05.007110-5), a Segunda Turma deste Tribunal manteve sentença absolutória em razão de ter ficado evidenciada a causa supralegal de exclusão da culpabilidade de inexigibilidade de conduta diversa.
Lá ficou consignado o seguinte:
"(...)
As dificuldades financeiras poderiam ser comprovadas através de documentos que retratassem a existência de empréstimos bancários, títulos protestados, reclamações trabalhistas, ações de execuções, pedidos de falência, venda de imóveis, automóveis, etc., prova essa que incumbiria à defesa produzir, a teor do disposto no artigo 156 do Código de Processo Penal e que foi feita de forma eficiente.
A exclusão da culpabilidade requer a existência de elementos seguros, aptos a comprovar a impossibilidade do recolhimento das contribuições devidas à Previdência, o que ocorreu no presente feito.
(...)"
No caso dos autos, a defesa demonstrou ter havido dificuldades financeiras na época dos débitos em questão (11/1995 a 09/1998), havendo de se acolher a alegação de inexigibilidade de conduta diversa.
DISPOSITIVO
Ante todo o exposto, DOU PROVIMENTO à apelação do réu para ABSOLVÊ-LO da acusação de apropriação indébita previdenciária em razão de estar presente, no caso, causa supralegal de exclusão de culpabilidade.
É o voto.
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