Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 08/05/2017
REVISÃO CRIMINAL Nº 0022779-65.2016.4.03.0000/SP
2016.03.00.022779-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
REQUERENTE : ADILSON DE SOUZA JARDIM
ADVOGADO : SP090400 MARCELO FRANÇA DE SIQUEIRA E SILVA
REQUERIDO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00086821520064036110 3 Vr SOROCABA/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. REVISÃO CRIMINAL. ART. 621, I E III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. CONHECIMENTO. MÉRITO. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º, I, DA LEI N. 8.137/90. SIGILO BANCÁRIO. QUEBRA. LC N. 105/01, ART. 6º. EFICÁCIA IMEDIATA. FATOS PRETÉRITOS. ADMISSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. DOSIMETRIA DA PENA. AUSÊNCIA DE NULIDADE OU FLAGRANTE INJUSTIÇA.
1. O preenchimento dos requisitos legais do pedido de revisão criminal confunde-se com o próprio mérito da demanda. Rejeitada a preliminar de não conhecimento suscitada pela Procuradoria Regional da República.
2. A possibilidade de quebra do sigilo bancário também foi objeto de alteração legislativa, levada a efeito pela Lei Complementar 105/01, art. 6º. A teor do que dispõe o art. 144, § 1º, do Código Tributário Nacional, as leis tributárias procedimentais ou formais têm aplicação imediata, ao passo que as leis de natureza material só alcançam fatos geradores ocorridos durante a sua vigência. Norma que permite a utilização de informações bancárias para fins de apuração e constituição de crédito tributário, por envergar natureza procedimental, tem aplicação imediata, alcançando mesmo fatos pretéritos. Precedentes do STJ.
3. Dado que as normas tributárias procedimentais, tais como aquelas que autorizam o Fisco a se valer de dados da CPMF para apuração de eventuais créditos tributários referentes a outros tributos, têm aplicação imediata e podem retroagir, alcançando fatos pretéritos, conclui-se, pois, pela licitude do procedimento administrativo-fiscal e respectivos elementos de convicção que ensejaram a condenação do requerente.
4. O art. 59 do Código Penal institui as circunstâncias judiciais a serem consideradas para a determinação da pena-base. Ao juiz cabe concretizar a pena segundo aqueles critérios, que são significativamente abrangentes e permitem o exercício de uma certa prudência judicial na avaliação das circunstâncias do delito e dos aspectos subjetivos do acusado. Sendo assim, o redimensionamento da pena-base na revisão criminal deve ser admitida com alguma cautela, somente sendo admitida na hipótese de flagrante e injusta ilegalidade, não verificada na espécie.
5. Revisão criminal conhecida e julgada improcedente.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, conhecer da revisão criminal e julgá-la improcedente, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 20 de abril de 2017.
Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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REVISÃO CRIMINAL Nº 0022779-65.2016.4.03.0000/SP
2016.03.00.022779-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
REQUERENTE : ADILSON DE SOUZA JARDIM
ADVOGADO : SP090400 MARCELO FRANÇA DE SIQUEIRA E SILVA
REQUERIDO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00086821520064036110 3 Vr SOROCABA/SP

DECLARAÇÃO DE VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI
O eminente Relator, Desembargador Federal André Nekatschalow, conheceu da revisão criminal e decidiu julgá-la improcedente, por entender que as normas procedimentais, incluindo-se aquelas previstas na LC 105/2001, têm aplicação imediata, razão pela qual podem retroagir a fim de alcançar fatos pretéritos.
Com a devida vênia ao Relator, divirjo quanto ao fundamento de seu voto, porém o acompanho pela conclusão para julgar improcedente a revisão criminal, uma vez que não configuradas quaisquer das hipóteses elencadas no art. 621, I, do CPP. Vejamos.
No caso concreto, durante o processo administrativo-fiscal, a Receita Federal obteve diretamente da instituição bancaria informações sigilosas acerca da movimentação financeira da mãe do denunciado no ano-calendário de 1998. Tais dados sigilosos foram repassados ao Ministério Público Federal e serviram de base para o oferecimento da denúncia.
Ressalvado o meu entendimento pessoal sobre a questão, passei a seguir o posicionamento adotado pelo C. Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual a transmissão de informações protegidas por sigilo fiscal, obtidas pela autoridade fiscal ao Ministério Público, para fins penais, necessita de autorização judicial prévia (sob pena de nulidade).
Com efeito, as Turmas que compõem a Terceira Seção do STJ reputam ilegal o compartilhamento, pela Receita Federal, de dados sigilosos obtidos sem autorização judicial, e reconhecem a nulidade de tal prova no âmbito penal e, por conseguinte, da ação penal fundada em tais dados. Confira-se:

"HABEAS CORPUS. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO E FISCAL PERPETRADO DIRETAMENTE PELA RECEITA FEDERAL. IMPOSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INVIABILIDADE. POSSIBILIDADE DE EXISTÊNCIA DE OUTRAS PROVAS QUE DÊEM BASE À PERSECUÇÃO PENAL. DESENTRANHAMENTO DAS PROVAS OBTIDAS ILICITAMENTE QUE SE IMPÕE. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou p reserva r a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer. Em princípio, incabível o presente habeas corpus substitutivo de recurso. Todavia, em homenagem ao princípio da ampla defesa, passa-se ao exame da insurgência, para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício. Possibilidade da requisição de informações bancárias pela autoridade fiscal sem a necessidade de prévia autorização judicial, desde que haja processo administrativo ou procedimento fiscal em curso, a teor do art. 6º da LC 105/01. "Ainda que se alegue ou que se sustente, com base na Lei Complementar n. 105, artigo 6º, que é possível o acesso a essas informações bancárias pela autoridade fazendária, sem autorização judicial, não há como isso ser possível para fins de investigação no processo criminal, pela previsão constitucional expressa a respeito" (RHC 34.952/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 04/09/2014, DJe 15/09/2014). Conforme assentada orientação jurisprudencial, a quebra dos sigilo s bancários submetem-se à cláusula de reserva de jurisdição , de modo que somente pode ser deflagrada mediante decisão jurisdicional autorizativa. Trancamento da Ação Penal. Impossibilidade. A despeito da declaração de ilicitude da prova obtida de forma ilícita, bem como de todas que dela derivam, há possibilidade de existência de outros elementos de prova que possam embasar a denúncia, de modo que caberá ao Juízo de primeiro grau, após desentranhar todas as provas decorrentes da quebra do sigilo bancário e fiscal sem a competente autorização judicial, reavaliar o acervo probatório que permanecer incólume. Habeas corpus não conhecido. ordem concedida de ofício para que sejam desentranhadas dos autos as provas obtidas ilicitamente, bem como aquelas delas decorrentes, sem prejuízo do prosseguimento da ação penal com base noutras provas."
(STJ, 6ª Turma, HC 317049 / SP, Relator(a) Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (1182), DJe 24/08/2016);

"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO PELA RECEITA FEDERAL. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. INVIABILIDADE SEM PRÉVIO CONSENTIMENTO JUDICIAL. SÚMULA 568/STJ. RECURSO DESPROVIDO.
1. "Não cabe à Receita Federal, órgão interessado no processo administrativo tributário e sem competência constitucional específica, fornecer dados obtidos mediante requisição direta às instituições bancárias, sem prévia autorização do juízo criminal, para fins penais." (HC 202.744/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, DJe 15/2/2016).
2. Incidência da Súmula 568/STJ: "O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema."
3. Agravo regimental não provido."
(STJ, 5ª Turma, AgRg no REsp 1584813 / SP, Relator(a) Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA (1170), DJe 01/06/2016).

Considero que o acórdão, cuja desconstituição se busca através da presente revisão criminal, adotou implicitamente tese contrária (também adotada por outros órgãos jurisdicionais a respeito), ao considerar legal, no caso concreto, o compartilhamento de dados sigilosos obtidos diretamente pela Receita Federal ao Ministério Público Federal.
No entanto, tratando-se, apenas, de divergência jurisprudencial quanto à melhor interpretação de dispositivos legais e constitucionais pertinentes à matéria, não se caracteriza a violação a texto expresso de lei ou da Constituição (hipótese do art. 621, I, do Código de Processo Penal).
Quanto ao mais, acompanho os fundamentos do voto do e. Relator.
Desse modo, não se caracterizando alguma das hipóteses do art. 621 do CPP, voto pela improcedência da revisão criminal.
É o voto.

JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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REVISÃO CRIMINAL Nº 0022779-65.2016.4.03.0000/SP
2016.03.00.022779-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
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DECLARAÇÃO DE VOTO

Acompanho o e. Relator, Desembargador Federal André Nekastchalow, pela conclusão, na linha da ressalva feita pelo e. Desembargador Federal José Lunardelli, constante no voto acostado a fls. 1.065/1.066.


NINO TOLDO
Desembargador Federal


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REVISÃO CRIMINAL Nº 0022779-65.2016.4.03.0000/SP
2016.03.00.022779-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
REQUERENTE : ADILSON DE SOUZA JARDIM
ADVOGADO : SP090400 MARCELO FRANÇA DE SIQUEIRA E SILVA
REQUERIDO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00086821520064036110 3 Vr SOROCABA/SP

VOTO VENCIDO

Trata-se de revisão criminal requerida por Adilson de Souza Jardim, com fundamento no art. 621, I e III, do Código de Processo Penal, para anulação da Ação Penal n. 0008682-15.2006.4.03.6110, que tramitou perante o MM. Juízo Federal da 3ª Vara de Sorocaba/SP, com pedido de antecipação de tutela para suspensão da execução da pena até julgamento final da presente ação revisional.

Sustenta-se na inicial, em síntese, a condenação criminal baseou-se em auto de infração nulo de pleno direito (PAF n. 1882-001.826/2003-12), na medida em que considerou informações fiscais de uso vedado por lei; que os fatos que embasaram o auto de infração foram "intuídos" de informações prestadas por instituição financeira bancária com outra finalidade, indevidamente utilizadas para início da ação fiscal (art11, §3º, da Lei n. 9.311/96), além de constituir quebra de sigilo bancário, sem o devido processo legal; que a empresa Marcos & Jardim Ltda. aderiu e permaneceu em parcelamento instituído pela Lei n. 10.684/03 até 2006; e, que viola o princípio da irretroatividade legal a utilização de prova ilícita, consistente em dados relativos à apuração de CPMF.

O requerente alega, ainda, que na primeira fase da dosimetria, a pena foi majorada excessivamente, pois o aumento baseou-se apenas nas consequências do delito, em contrariedade aos princípios da individualização da pena, da razoabilidade e da proporcionalidade, pelo que requer o estabelecimento da pena no mínimo legal. Alternativamente, requer-se a adequação da pena aos critérios legais.

O pedido de concessão de tutela antecipada foi indeferido às fls. 984/988.

A i. Procuradoria Regional da República manifestou-se, em preliminar, pelo não conhecimento da revisão criminal e, no mérito, pela improcedência do pleito revisional (fls. 990/995).


Em sessão de julgamento realizada em 20/04/2017, a 4ª Seção decidiu, por maioria, conhecer da revisão criminal e julgá-la improcedente, nos termos do voto do relator Des. Fed. André Nekatschalow, no que foi acompanhado pelo Des. Fed. Paulo Fontes; pela conclusão acompanharam os Des. Fed. José Lunardelli e Nino Toldo. Ausente de modo justificado a Des. Fed. Cecilia Mello.


Proferi voto vencido para julgar procedente a revisão criminal e, por consequência, julgar improcedente a denúncia para, com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal, absolver Adilson de Souza Jardim da imputação prevista no artigo 1º, I, da Lei n. 8.137/90 (certidão de julgamento de fl. 1007).


A defesa opôs embargos de declaração de declaração, onde requer, dentre outros pedidos, a apresentação dos votos divergentes (fls.1015/1027).


A i. Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo acolhimento parcial dos embargos declaratórios, no sentido da juntada dos votos divergentes (fls. 1059/1061-vº).


O relator Des. Fed. André Nekatschalow remeteu-me os autos para a adoção das providências cabíveis (fl. 1063).


É a síntese do necessário.


Passo a declarar o meu voto.


Com a devida vênia, divirjo do e. relator para absolver o acusado da imputação prevista no art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90.


De fato, Adilson de Souza Jardim foi denunciado como incurso nas sanções do artigo 1º, I, da Lei nº 8.137/90 pois, na condição de sócio-gerente e administrador da empresa Marcos & Jardim Ltda., reduziu/suprimiu tributos devidos pela pessoa jurídica, ao movimentar vultosos valores a ela pertencentes, relativamente ao ano-calendário de 1998, em nome de interposta pessoa, a qual apresentou declaração de Imposto sobre a Renda de isento, relativamente ao mesmo ano-calendário.

Consta que em 21.03.01, iniciou-se procedimento fiscal em face de Neve Mendes de Souza, mãe do requerente, idosa com mais de 75 (setenta e cinco) anos, em decorrência da discrepância de valores movimentados no Banco HSBC Bank Brasil (R$ 14.847.303,95) e a declaração de rendimentos de isento que apresentou para o ano-calendário de 1998.


No curso do referido procedimento apurou-se que Neve Mendes de Souza era interposta pessoa da Marcos & Jardim Ltda., razão pela qual a ação fiscal foi redirecionada à pessoa jurídica, o que culminou a constituição de crédito tributário no valor total de R$ 2.645.404,40 (dois milhões, seiscentos e quarenta e cinco mil, quatrocentos e quatro reais e quarenta centavos).


Após regular instrução processual, sobreveio sentença que condenou o acusado pelo crime previsto no art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90 às penas de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, regime inicial aberto, além de 200 (duzentos) dias-multa, no valor unitário de 150 (cento e cinquenta) BTN's na data do fato, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e em prestação pecuniária.


Nesta Corte, a apelação do requerente foi desprovida e provido o apelo ministerial para aumentar as penas aplicadas para 4 (quatro) anos de reclusão e 260 (duzentos e sessenta) dias-multa, acórdão que transitou em julgado em 25/04/2016.


Em sua inicial, a defesa do requerente alega, dentre outros diversos pontos, indevida quebra de sigilo bancário, pois não observado o devido processo legal, no que lhe assiste razão.


De fato, verifico que a comprovação dos fatos descritos na denúncia somente foi possível a partir da quebra de sigilo bancário de forma ilícita, qual seja, por autoridade administrativa, sem autorização judicial.


A inviolabilidade do sigilo de dados, inserta no artigo 5º, XII, da Constituição Federal correlaciona-se com as garantias fundamentais da intimidade e privacidade, insculpidas no inciso X, do mesmo artigo e, conquanto não se revistam de caráter absoluto, como consabido, constituem manifestações expressivas do direito da personalidade frente às intromissões de terceiros, mormente, de atos arbitrários por parte de qualquer órgão do Poder Público.


No particular, a Constituição Federal assim determina:


"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal".

Neste contexto está excepcionalidade da quebra do sigilo de dados, em especial das informações bancárias, em casos de investigação criminal ou instrução processual penal, conforme se extrai do texto constitucional, a qual exige, sempre, a autorização judicial (excetuadas as determinações das Comissões Parlamentares de Inquérito, que por força de dispositivo constitucional despõem de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais).


A inviolabilidade de dados assegurada no texto constitucional acima transcrito está clausulada de forma absolutamente explícita e somente admite exceção mediante atuação de autoridade judiciária e para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.


E a quebra aqui tratada foi efetivada por autoridade administrativa fiscal que, evidentemente, não pode ser equiparada à autoridade judiciária e, ainda, não se destinou, na origem, à investigação criminal, mas exclusivamente a apuração de eventual ilícito administrativo.


Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal assim já se pronunciou:


"SIGILO DE DADOS - ATUAÇÃO FISCALIZADORA DO BANCO CENTRAL - AFASTAMENTO - INVIABILIDADE. A atuação fiscalizadora do Banco Central do Brasil não encerra a possibilidade de, no campo administrativo, alcançar dados bancários de correntistas, afastando o sigilo previsto no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal" (RE 461366/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, maioria, DJ 05-10-2007, pág. 025).

E, ainda, em sua composição plenária:


"SIGILO DE DADOS - AFASTAMENTO. Conforme disposto no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, a regra é a privacidade quanto à correspondência, às comunicações telegráficas, aos dados e às comunicações, ficando a exceção - a quebra do sigilo - submetida ao crivo de órgão equidistante - o Judiciário - e, mesmo assim, para efeito de investigação criminal ou instrução processual penal. SIGILO DE DADOS BANCÁRIOS - RECEITA FEDERAL. Conflita com a Carta da República norma legal atribuindo à Receita Federal - parte na relação jurídico-tributária - o afastamento do sigilo de dados relativos ao contribuinte" (STF, RE 389.808, pleno, maioria, rel. Marco Aurélio, DJe 09/05/2011).

Cabe lembrar, ainda, que mesmo nos casos em que tenha sido respeitada a reserva da jurisdição e o campo próprio de atuação (criminal), o sigilo só pode ser quebrado se houver elementos que indiciem de forma minimamente provável a existência de autoria e materialidade delitivas.


Tais elementos devem estar presentes em momento anterior à decretação da quebra do sigilo. Em outras palavras, a quebra do sigilo constitucionalmente assegurado, ainda quando autorizada por decisão judicial, não pode ter o caráter exploratório, mas objetivo de complementar provas anteriormente colhidas.


Esse é o entendimento consagrado pelo Supremo Tribunal Federal, tal como se observa do voto proferido pelo Ministro Celso de Melo, na Medida Cautelar em Ação Cautelar nº 33, senão vejamos:


(...) Tenho enfatizado, por isso mesmo, que a quebra do sigilo bancário - ato que se reveste de extrema gravidade jurídica - só deve ser decretada, e sempre em caráter de absoluta excepcionalidade, quando existentes fundados elementos que justifiquem, a partir de um critério essencialmente apoiado na prevalência do interesse público, a necessidade da revelação dos dados pertinentes às operações financeiras ativas e passivas resultantes da atividade desenvolvida pelas instituições bancárias.
A relevância do direito ao sigilo bancário impõe, por isso mesmo, cautela e prudência ao poder Judiciário na determinação da ruptura da esfera de privacidade individual que o ordenamento jurídico, em norma de salvaguarda, pretendeu submeter à clausula tutelar de reserva constitucional (CF, art.5º, X).
(...) Contudo para que esta providência extraordinária, e sempre excepcional, que é a decretação da quebra de sigilo bancário seja autorizada, revela-se imprescindível a existência de causa provável, vale dizer de fundada suspeita quanto a ocorrência de fato cuja apuração resulte exigida pelo interesse público.
Na realidade, sem causa provável, não se justifica, sob pena de inadmissível consagração do arbítrio estatal e de inaceitável opressão ao indivíduo pelo poder Público, a "disclosure" das contas bancárias, eis que a decretação da quebra do sigilo bancário não pode converter-se num instrumento de indiscriminada e ordinária devassa da vida financeira das pessoas em geral.
(...)
A exigência de preservação do sigilo bancário - enquanto meio expressivo de proteção ao valor constitucional da intimidade - impõe ao estado o dever de respeitar a esfera jurídica de cada pessoa. A ruptura desse círculo de imunidade só se justificará desde que ordenada por órgão estatal investido, nos termos do nosso estatuto constitucional, da competência jurídica para suspender, excepcional e motivadamente, a eficácia do princípio da reserva das informações bancárias.
Em tema de ruptura do sigilo bancário, somente os órgãos do poder judiciário dispõem do poder de decretara esta medida extraordinária, sob pena da autoridade administrativa interferir, indevidamente, na esfera de privacidade constitucional assegurada às pessoas. Apenas o |Judiciário, ressalvada a competência das Comissões Parlamentares de Inquérito (CF, art.58,§3º) pode eximir as instituições financeiras do dever que lhes incumbe em tema de sigilo bancário. (...)

No caso dos autos, a autoridade fiscal logrou obter dados para fundamentar sua representação e a própria constituição do crédito tributário, mediante elementos trazidos por instituições financeiras diretamente requisitadas (extratos, cópias de cheques emitidos e cartões de assinatura - fls. 137/150), consoante relatório de fls. 91/97.


Com base, exclusivamente, em tal documentação foi ofertada a denúncia, de modo que se desconsiderando as provas de materialidade e autoria que derivam da indevida quebra de sigilo bancário, aqui consideradas imprestáveis, não restam elementos a embasar a sentença condenatória, sendo de rigor a absolvição do acusado.


Neste sentido, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, ainda que o caso não guarde perfeita identidade com o dos presentes autos:


"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. AÇÃO PENAL DEFLAGRADA COM BASE EM DADOS DECORRENTES DE QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO REALIZADA DIRETAMENTE POR AUDITOR FISCAL. AUSÊNCIA DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DA PROVA PARA FINS PENAIS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO.PROVIMENTO DO RECLAMO.
1. A 1ª Seção desta Corte Superior de Justiça, no julgamento do REsp 1.134.655/SP, submetido ao rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil, consolidou o entendimento de que a quebra do sigilo bancário sem prévia autorização judicial, para fins de constituição de crédito tributário é autorizada pela Lei 8.021/1990 e pela Lei Complementar 105/2001, normas procedimentais cuja aplicação é imediata.
2. Contudo, conquanto atualmente este Sodalício admita a quebra de sigilo bancário diretamente pela autoridade fiscal para fins de constituição do crédito tributário, o certo é que tal entendimento não se estende à utilização de tais dados para que seja deflagrada ação penal, por força do artigo 5º da Constituição Federal, e nos termos do artigo 1º, § 4º da Lei Complementar 105/2001.
3. No caso dos autos, de acordo com o termo de conclusão de fiscalização, a ação fiscal foi iniciada por meio de cruzamento dos valores das saídas declaradas no livro eletrônico fiscal, escrituradas pelo contribuinte, com os decorrentes das vendas com cartões Visa, Master e Amex, informados diretamente pelas respectivas administradoras, tendo os referidos dados sido, então, utilizados para a instauração de inquérito policial e posterior deflagração de ação penal contra o recorrente, o que, como visto, não é admitido pelo ordenamento jurídico pátrio, estando-se diante de prova ilícita, o que revela o constrangimento ilegal a que está sendo submetido.
4. Recurso provido para determinar o trancamento do processo criminal em apreço, sem prejuízo do oferecimento de nova denúncia com base em outras provas." (RHC 52.067/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 16/12/2014, DJe 03/02/2015) (g.n)

De se destacar, por oportuno, que o tema foi novamente analisado pela Suprema Corte, no julgamento realizado em 24/02/2016 das ADI´s n. 2.386, 2.397 e 2.859 e do RE 601.314, com acórdãos ainda não publicados.


Nesta oportunidade, o Supremo Tribunal Federal não tratou da possibilidade da Receita Federal compartilhar dados bancários por ela obtidos sem autorização judicial e mesmo que se possa reconhecer que o artigo 6.º, da Lei Complementar n. 105/2001, permita à autoridade fazendária acessar dados bancários de pessoa jurídica, esta autorização não configura a exigência do art. 5º, XII, da Constituição Federal, tal como noticiado no Informativo n. 815, in verbis:

"O Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, reputou improcedentes os pedidos formulados em ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas em face de normas federais que possibilitam a utilização, por parte da fiscalização tributária, de dados bancários e fiscais acobertados por sigilo constitucional, sem a intermediação do Poder Judiciário (LC 104/2001, art. 1º; LC 105/2001, artigos 1º, § 3º e 4º, 3º, § 3º, 5º e 6º; Decreto 3.724/2001; Decreto 4.489/2002; e Decreto 4.545/2002) - v. Informativo 814. A Corte afirmou que, relativamente à alegação de inconstitucionalidade da expressão "do inquérito ou", contida no § 4º do art. 1º da LC 105/2001, a norma impugnada não cuidaria da transferência de informações bancárias ao Fisco, questão que estaria no cerne das ações diretas. Tratar-se-ia de norma referente à investigação criminal levada a efeito no inquérito policial, em cujo âmbito há muito se admitiria a quebra de sigilo bancário, quando presentes indícios de prática criminosa (AC 3.872 AgR/DF, DJe de 13.11.2015; HC 125.585 AgR/PE, DJe de 19.12.2014; Inq 897 AgR/DF, DJU de 24.3.1995). No que tange à impugnação dos artigos 5º e 6º da LC 105/2001, ponto central das ações diretas de inconstitucionalidade, haveria que se consignar a inexistência, nos dispositivos combatidos, de violação a direito fundamental, notadamente de ofensa à intimidade. Não haveria "quebra de sigilo bancário", mas, ao contrário, a afirmação desse direito. Outrossim, seria clara a confluência entre os deveres do contribuinte - o dever fundamental de pagar tributos - e os deveres do Fisco - o dever de bem tributar e fiscalizar. Esses últimos com fundamento, inclusive, nos mais recentes compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. Nesse sentido, para se falar em "quebra de sigilo bancário" pelos preceitos impugnados, necessário seria vislumbrar, em seus comandos, autorização para a exposição das informações bancárias obtidas pelo Fisco. A previsão de circulação dos dados bancários, todavia, inexistiria nos dispositivos questionados, que consagrariam, de modo expresso, a permanência no sigilo das informações obtidas com base em seus comandos. O que ocorreria não seria propriamente a quebra de sigilo, mas a "transferência de sigilo" dos bancos ao Fisco. Nessa transmutação, inexistiria qualquer distinção entre uma e outra espécie de sigilo que pudesse apontar para uma menor seriedade do sigilo fiscal em face do bancário. Ao contrário, os segredos impostos às instituições financeiras - muitas das quais de natureza privada - se manteria, com ainda mais razão, com relação aos órgãos fiscais integrantes da Administração Pública, submetidos à mais estrita legalidade.
(...)
O Plenário destacou que, em síntese, a LC 105/2001 possibilitara o acesso de dados bancários pelo Fisco, para identificação, com maior precisão, por meio de legítima atividade fiscalizatória, do patrimônio, dos rendimentos e das atividades econômicas do contribuinte. Não permitiria, contudo, a divulgação dessas informações, resguardando-se a intimidade e a vida íntima do correntista. E esse resguardo se tornaria evidente com a leitura sistemática da lei em questão. Essa seria, em verdade, bastante protetiva na ponderação entre o acesso aos dados bancários do contribuinte e o exercício da atividade fiscalizatória pelo Fisco. Além de consistir em medida fiscalizatória sigilosa e pontual, o acesso amplo a dados bancários pelo Fisco exigiria a existência de processo administrativo - ou procedimento fiscal. Isso por si, já atrairia para o contribuinte todas as garantias da Lei 9.784/1999 - dentre elas, a observância dos princípios da finalidade, da motivação, da proporcionalidade e do interesse público -, a permitir extensa possibilidade de controle sobre os atos da Administração Fiscal. De todo modo, por se tratar de mero compartilhamento de informações sigilosas, seria mais adequado situar as previsões legais combatidas na categoria de elementos concretizadores dos deveres dos cidadãos e do Fisco na implementação da justiça social, a qual teria, como um de seus mais poderosos instrumentos, a tributação.
(...)
E de nada adiantaria a possibilidade de acesso dos dados bancários pelo Fisco se não fosse possível que essa utilização legítima fosse objeto de defesa em juízo por meio do órgão por isso responsável, a AGU. Por fim, julgou parcialmente prejudicada uma das ações, relativamente ao Decreto 4.545/2002. O Ministro Roberto Barroso reajustou seu voto para acompanhar o relator. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, que conferiam interpretação conforme aos dispositivos legais atacados, de modo a afastar a possibilidade de acesso direto aos dados bancários pelos órgãos públicos, vedado inclusive o compartilhamento de informações. Este só seria possível, consideradas as finalidades previstas na cláusula final do inciso XII do art. 5º da CF, para fins de investigação criminal ou instrução criminal. Nesse sentido, a decretação da quebra do sigilo bancário, ressalvada a competência extraordinária das CPIs (CF, art. 58, § 3º), pressuporia, sempre, a existência de ordem judicial, sem o que não se imporia à instituição financeira o dever de fornecer à Administração Tributária, ao Ministério Público, à Polícia Judiciária ou, ainda, ao TCU, as informações que lhe tivessem sido solicitadas." (g.n.)

Por estes fundamentos, divirjo do relator para julgar procedente a revisão criminal e, por consequência, julgar improcedente a denúncia para, com fundamento no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal, absolver Adilson de Souza Jardim da imputação prevista no artigo 1º, I, da Lei n. 8.137/90.


É o voto.


MAURICIO KATO
Desembargador Federal


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REVISÃO CRIMINAL Nº 0022779-65.2016.4.03.0000/SP
2016.03.00.022779-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
REQUERENTE : ADILSON DE SOUZA JARDIM
ADVOGADO : SP090400 MARCELO FRANÇA DE SIQUEIRA E SILVA
REQUERIDO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00086821520064036110 3 Vr SOROCABA/SP

RELATÓRIO

Trata-se de revisão criminal requerida por Adilson de Souza Jardim, com fundamento no art. 621, I e III, do Código de Processo Penal, para anulação da Ação Penal n. 0008682-15.2006.4.03.6110, que tramitou perante o MM. Juízo Federal da 3ª Vara de Sorocaba (SP), com pedido de antecipação de tutela para suspensão da execução da pena até julgamento final da presente ação revisional (fl. 26).

Alega-se, em síntese, o seguinte:

a) a condenação criminal baseou-se em auto de infração nulo de pleno direito, na medida em que considerou para fins de lançamento informações fiscais que constituíam base de cálculo da tributação pela CPMF no ano-calendário de 1998, exercício de 1999, que não poderiam servir como hipótese de incidência e base de cálculo de lançamento de outras espécies tributárias diversas da CPMF, de acordo com a vedação legal vigente à época;
b) o requerente foi autuado pela Delegacia da Receita Federal, na condição de sócio-administrador da Marcos & Jardim Ltda., por suposta supressão/redução de tributos em razão das informações prestadas às autoridades fazendárias relativas ao ano-calendário de 1998, exercício de 1999;
c) de acordo com a fiscalização, o requerente teria movimentado valores na conta corrente da pessoa física Neve Mendes de Souza, que apresentou declaração de isenção da tributação pelo imposto de renda referente ao mesmo período, configurando, assim, evasão tributária decorrente da omissão e da prestação de declarações inexatas à autoridade fiscal;
d) os fatos que embasaram o auto de infração foram "intuídos mediante a transferência de informações da instituição financeira bancária, onde a Sra. Neve Mendes de Souza mantinha conta corrente, encaminhadas ao fisco em atendimento ao artigo 11, da Lei 9.311/96, ou seja, para fiscalizar o recolhimento da CPMF sob a movimentação financeira do período, as quais foram utilizadas de forma indevida para dar início à ação fiscal que objetivava a apuração de tributos diversos da CPMF, o que posteriormente foi redirecionado em face da empresa Marcos & Jardim Ltda." (destaques originais, fl. 3), sendo certo que a Lei n. 10.174/01, que alterou a redação do dispositivo mencionado, permitindo a utilização da base de cálculo da CPMF para a instauração de procedimento administrativo com vistas à verificação de crédito tributário decorrente de impostos e contribuições para lançamento, é inconstitucional e não se aplica a fatos ocorridos antes de sua vigência;
e) a Marcos & Jardim Ltda. aderiu ao parcelamento da Lei n. 10.684/03, o que perdurou até 2006, quando foi desligada do programa, o que gerou a representação criminal e a ação penal;
f) a utilização das referidas informações prestadas pela instituição bancária ao fisco são nulas de pleno direito porque, no período de referência (1998/1999), não poderiam ser utilizadas para constituição de espécie tributária diversa da CPMF, vedação legal expressa no art. 11, § 3º, da Lei n. 9.311/96, o que caracteriza vício de origem que contamina todo o procedimento fiscal, além de constituir quebra de sigilo bancário, sem o devido processo legal, sem requisição de autoridade, ou mesmo de legitimidade e atribuição constitucional para fazê-lo, o que também macula todos os demais atos e provas decorrentes;
g) objetiva-se a desconstituição da condenação, considerado o auto de infração e o lançamento realizado em procedimento fiscal nulo de pleno direito (PAF n. 1882-001.826/2003-12) por contrariar a legislação da época, o que redunda na inexistência da materialidade do delito do art. 1º da Lei n. 8.137/90;
h) "pelo princípio da irretroatividade das leis e pela impossibilidade de utilizar a prova ilícita, fornecida pela instituição bancária, em período em que a base de cálculo da CPMF não poderia servir como informação a constituir obrigação tributária diversa da espécie, vedação expressa no art. 11, § 3º, da Lei 9.311/96 (ano 1998, exercício 1999) é de se reconhecer a nulidade de toda a fiscalização por vício de origem, pois todos os atos, inclusive o auto de infração, decorreram e estão maculados pela indevida utilização das informações resguardadas por lei, o que remete à utilização de prova ilícita, que de há muito é vedado pelo ordenamento jurídico, o que conduz à absolvição criminal" (destaques originais, fl. 10);
i) as informações bancárias resguardadas pelo sigilo legal eram regidas, ao tempo dos fatos, pela Lei n. 4.595/64, que regulamentava o Sistema Financeiro Nacional, cujo art. 38, revogado pela Lei Complementar n. 105/01, previa a possibilidade de quebra de sigilo bancário apenas por decisão judicial e, com o advento da Lei n. 9.311/96, que instituiu a CPMF, as instituições financeiras responsáveis pela retenção da referida contribuição ficaram obrigadas a prestar à Secretaria da Receita Federal informações a respeito da identificação dos contribuintes e os valores globais das respectivas operações bancárias, sendo proibido, a teor do art. 11, § 3º da mencionada Lei, a utilização dessas informações para a constituição de crédito referente a outros tributos;
j) "se a 'quebra do sigilo', previsto na Lei Complementar 105/2001 foi considerada constitucional pelo Pretório Excelso, para fato posterior à vigência do mencionado ato normativo, por óbvio, e a contrário senso, a quebra anterior à vigência da Lei Complementar se mostra ilegal e inconstitucional, nula de pleno direito, até mesmo ante a vedação legal vigente, especificamente sobre as informações resguardadas pela Lei da CPMF, que não poderiam servir de base para a constituição e lançamento de outra espécie tributária" (destaques originais, fl. 15);
k) "resta evidente que as Leis: 8.021/1990 e 9.430/1996, ao imporem a tributação de depósitos bancários cuja origem não foi justificada, são, induvidosamente, leis de caráter material, cuja atuação somente poderia ser impedida por leis de igual conteúdo, e nunca, jamais, por norma de direito formal, como efetivamente não o são o § 3º, do art. 11, da Lei nº 9.311/1996, na sua redação original, quanto aquela de que trata o art. 1º, da Lei nº 10.174/2001, que lhe alterou a redação (de 'vedada' para 'facultada') (...) se a dita 'faculdade' consignada na Lei nº 10.174/2001 é uma regra de direito material, não pode ser aplicada a fatos geradores ocorridos antes de sua vigência (...) como decorrência lógica da circunstância, isto é de ser a norma de direito material, não podia como não pode a previsão legal alterada incidir sobre fatos geradores (fato imponível) ocorridos antes de 10.01.2001, o que evidencia a nulidade da fiscalização e consequente auto de infração, que constituiu o crédito tributário, o que deve ser reconhecido como invalido e sem nenhum efeito jurídico" (fls. 16/17);
l) na primeira fase da dosimetria, a pena foi majorada excessivamente, pois o aumento baseou-se apenas nas consequências do delito, uma das oito circunstâncias previstas no art. 59, caput, do Código Penal, contrariando os princípios da individualização da pena, da razoabilidade e da proporcionalidade, além do texto legal e da jurisprudência dos Tribunais Superiores. Postula o reconhecimento do ilícito agravamento da pena na instância recursal, "para que outra reprimenda seja observada, no mínimo legal, com a consequente revisão por esta via processual" (fl. 24);
m) é possível e viável a concessão da tutela de urgência na espécie, porque preenchidos os requisitos do art. 330 do CPC/15, aplicável, subsidiariamente, ao processo penal;
n) a aplicação da tutela de urgência, em sede de ação revisional, é possível em determinadas situações, nas quais o erro judiciário ou a nulidade tenham sido evidentes, como na hipótese dos autos;
o) a urgência é inquestionável e deflui da natureza dos interesses em litígio e das regras da experiência comum, pois existe possibilidade real de prejuízo irreparável ou de difícil reparação, o que emerge do início da execução criminal para o cumprimento da pena de uma condenação injusta, que atenta contra a dignidade e a liberdade, além de causar grande prejuízo material, equivalente a R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais), relativo à prestação pecuniária e multa;
p) a suspensão da execução criminal não constitui medida irreversível nem causará qualquer prejuízo, pois não existe risco de prescrição em razão da pena aplicada e do regime prisional fixado;
q) impõe-se a desconstituição da sentença condenatória, com a prolação da absolvição do requerente, com fundamento no art. 386, III e VII, do Código de Processo Penal, eliminando-se todas as consequências da ação penal e indevida condenação;
r) alternativamente, requer-se a adequação da pena aos critérios legais (fls. 2/26).

Foram juntados documentos (fls. 27/982).

O pedido de antecipação da tutela foi indeferido (fls. 984/988).

A Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Denise Neves Abade, requereu, em preliminar, o não conhecimento da presente revisão criminal; quanto ao mérito, manifestou-se pela improcedência do pedido revisional (fls. 990/995).

O feito foi submetido à revisão, nos termos regimentais.

É o relatório.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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REVISÃO CRIMINAL Nº 0022779-65.2016.4.03.0000/SP
2016.03.00.022779-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
REQUERENTE : ADILSON DE SOUZA JARDIM
ADVOGADO : SP090400 MARCELO FRANÇA DE SIQUEIRA E SILVA
REQUERIDO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00086821520064036110 3 Vr SOROCABA/SP

VOTO

Preliminar. Rejeito a preliminar de não conhecimento suscitada pela Procuradoria Regional da República. O preenchimento dos requisitos legais da revisão criminal confunde-se com o próprio mérito da demanda.

Do pedido revisional. O requerente foi denunciado pela prática do crime do art. 1º, I, da Lei n. 8.137/90, em razão da supressão e redução de tributo praticadas mediante a omissão de informações e a prestação de declarações falsas às autoridades fazendárias, relativamente ao ano-calendário de 1998, exercício de 1999.

Consta que, na condição de sócio-gerente e responsável pela administração da Marcos & Jardim Ltda., reduziu/suprimiu tributos devidos pela referida pessoa jurídica, ao movimentar vultosos valores a ela pertencentes, relativamente ao ano-calendário de 1998, em nome de interposta pessoa, a qual apresentou declaração de Imposto sobre a Renda de isento, relativamente ao mesmo ano-calendário.

Consta, ainda, que em 21.03.01, iniciou-se procedimento fiscal em face de Neve Mendes de Souza, mãe do requerente, idosa com mais de 75 (setenta e cinco) anos, em decorrência da discrepância entre o valor de R$ 14.847.303,95 (quatorze milhões, oitocentos e quarenta e sete mil, trezentos e três reais e noventa e cinco centavos) que movimentou no Banco HSBC Bank Brasil e a declaração de rendimentos de isento que apresentou para o ano-calendário de 1998.

No curso do procedimento fiscal, apurou-se que Neve Mendes de Souza era interposta pessoa da Marcos & Jardim Ltda.. Por essa razão, a fiscalização foi direcionada a pessoa jurídica em referência, e culminou na constituição de um crédito tributário no valor total de R$ 2.645.404,40 (dois milhões, seiscentos e quarenta e cinco mil, quatrocentos e quatro reais e quarenta centavos) (fls. 29/31).

Em primeiro grau, o requerente foi condenado a 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão, regime inicial aberto, e a 200 (duzentos) dias-multa, no valor unitário de 150 (cento e cinquenta) BTNs na data do fato, substituída a pena privativa de liberdade por 2 (duas) restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e em prestação pecuniária (fls. 33/54).

Nesta Corte, foi desprovida a apelação do requerente e provido o apelo ministerial, a fim de aumentar as penas aplicadas para 4 (quatro) anos de reclusão e 260 (duzentos e sessenta) dias-multa, mantidos os demais termos da sentença (fls. 55/67).

Os embargos de declaração opostos pelo requerente foram desprovidos (fls. 68/75) e o seu recurso especial não foi admitido (fl. 918/918v.).

Foi interposto agravo em recurso especial pela defesa do requerente, que não foi conhecido (fl. 76/76v.).

Foi interposto agravo regimental no agravo em recurso especial pela defesa do requerente, que foi desprovido (fls. 77/79v.).

O acórdão deste Tribunal transitou em julgado em 25.04.16 (fl. 80).

Determinada a expedição de guia de execução a fim de possibilitar o cumprimento das penas pelo requerente (fls. 957 e 962/963), foi designada audiência admonitória para o dia 23.01.17 (fls. 967/968).

Retroatividade. Sigilo bancário. Quebra. LC n. 105/01, art. 6º. Eficácia imediata. Admissibilidade. Não configura ilegalidade a quebra do sigilo financeiro, na esfera administrativa, em relação a fatos anteriores à edição da Lei Complementar n. 105/01, do Decreto n. 3.724/01 e da Lei n. 10.174/01. A Lei Complementar n. 105/01 e a Lei n. 10.174/01 não criaram novas hipóteses de incidência tributária nem criaram novos fatos geradores ou obrigações acessórias, limitando-se a dotar a Administração Tributária de instrumentos legais para o aperfeiçoamento e a agilização dos procedimentos fiscais. Logo, admite-se sua eficácia imediata, inclusive para alcançar fatos pretéritos:


EMENTA: TRIBUTÁRIO. ART. 6º DA LEI COMPLEMENTAR N. 105/2001. APLICAÇÃO IMEDIATA. POSSIBILIDADE. CARÁTER PROCEDIMENTAL DA NORMA. ART. 144, § 1º DO CTN. UTILIZAÇÃO DOS DADOS OBTIDOS COM A ARRECADAÇÃO DA CPMF PARA A CONSTITUIÇÃO DE OUTROS TRIBUTOS.
I - No julgamento do REsp n. 506.232/PR, relatado pelo Eminente Ministro Luiz Fux, restou assentado o entendimento no sentido da possibilidade de aplicação imediata do art. 6º da LC 105/2001, porquanto se trata de disposição meramente procedimental, sendo certo que, a teor do que dispõe o art. 144, § 1º do CTN, revela-se possível o cruzamento dos dados obtidos com a arrecadação da CPMF para fins de constituição de crédito relativo a outros tributos em face do que dispõe o art. 1º da Lei 10.174/2001, que alterou a redação original do art. 11, § 3º, da Lei 9.311/96.
II - Recurso especial provido.
(STJ, REsp. 479.201-SC, Rel. Min. Francisco Galvão, unânime, j. 27.04.04, DJ 24.05.04, p. 163)
EMENTA: HABEAS CORPUS. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO E FISCAL (...) IRRETROATIVIDADE. LEI COMPLEMENTAR N. 105/01. ADEQUAÇÃO. LIMITE TEMPORAL, INVESTIGAÇÃO POLICIAL. NÃO-OCORRÊNCIA.
(...)
3. A Lei Complementar n. 105/01, em razão da sua natureza instrumental, tem eficácia imediata, fazendo-se desinfluente que o delito em apuração tenha ocorrido antes do início da sua vigência formal.
4. Ordem denegada.
(STJ, HC 2002.01.67143-1, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, unânime, j. 16.03.04, DJ 26.04.04, p. 221)
EMENTA: AÇÃO CAUTELAR. TRIBUTÁRIO. NORMAS DE CARÁTER PROCEDIMENTAL. APLICAÇÃO INTERTEMPORAL. UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES OBTIDAS A PARTIR DA ARRECADAÇÃO DA CPMF PARA A CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITO REFERENTE A OUTROS TRIBUTOS. RETROATIVIDADE PERMITIDA PELO ART. 144, § 1º, DO CTN.
(...)
4. A possibilidade de quebra do sigilo bancário também foi objeto de alteração legislativa, levada a efeito pela Lei Complementar 105/2001, cujo art. 6º dispõe (...).
5. A teor do que dispõe o art. 144, § 1º do Código Tributário Nacional, as leis tributárias procedimentais ou formais têm aplicação imediata, ao passo que as leis de natureza material só alcançam fatos geradores ocorridos durante a sua vigência.
6. Norma que permite a utilização de informações bancárias para fins de apuração e constituição de crédito tributário, por envergar natureza procedimental, tem aplicação imediata, alcançando mesmo fatos pretéritos.
(...)
12. Ação cautelar improcedente.
(STJ, MC n. 2003.00.039117-0, Rel. Min. Luiz Fux, unânime, j. 03.02.04, DJ 25.02.04, p. 95)

Do caso dos autos. O requerente aduz a nulidade das provas da materialidade delitiva, pois, segundo alega, a despeito da constitucionalidade da Lei Complementar n. 105/01, não seria possível sua aplicação para fatos ocorridos anteriormente a sua vigência, tal como ocorreu na espécie.

Não lhe assiste razão.

A ação fiscal é detalhada na Representação Fiscal para Fins Penais:


A ação fiscal iniciou-se em 05/08/2002 mediante Termo de Início de Ação Fiscal.
Tal ação foi desencadeada por representação fiscal datada de 28/02/2002, efetuada pela Delegacia da Receita Federal de Sorocaba.
Em 21/03/2001, teve início ação fiscal junto à contribuinte Neve Mendes de Souza, CPF 149.722.918-93, a cargo da Delegacia da Receita Federal em Sorocaba. Tal ação foi desencadeada pelo cruzamento de dados entre o valor da movimentação financeira informado à Secretaria da Receita Federal pelas instituições financeiras, de acordo com o art. 11 § 2º da Lei 9.311 de 24 de outubro de 1996, e a declaração de rendimentos da contribuinte.
No ano-calendário de 1998, a contribuinte Neve Mendes de Souza, movimentou R$ 14.888.803,30 em suas contas bancárias. Entregou declaração de isenta, referente ao mesmo ano-calendário.
No curso da ação fiscal junto à contribuinte Neve, ficou evidenciado que se tratava de interposta pessoa da empresa Marcos & Jardim Ltda., acima qualificada.
Junto com a representação fiscal que deu origem ao início dos trabalhos na empresa Marcos & Jardim, foram recebidos diversos documentos obtidos junto às instituições financeiras, através de Requisições de Movimentação Financeira - RMFs, tais como extratos, cópias de cheques emitidos e cartões de assinaturas das contas.
Os trabalhos se concentraram na conta 01302-90 da agência 0564 do banco HSBC Bank Brasil, devido ao expressivo movimento efetuado nesta conta. Do montante total de R$ 14.888.803,30, haviam sido movimentados nesta conta R$ 14.847.303,95.
Foi observado, durante o transcorrer dos trabalhos, que havia divergência nas assinaturas da senhora Neve utilizadas na conta 01302-90 da agência 0564 do banco HSBC Bank Brasil e nas assinaturas apostas em todos os outros documentos por ela produzidos.
As assinaturas constantes na ficha de assinaturas da conta em questão eram semelhantes às utilizadas nos cheques emitidos nesta mesma conta. Porém, divergiam das assinaturas constantes nos cartões de assinaturas das outras contas, divergiam das utilizadas nos documentos de identidade, e das utilizadas no Termo de Início datado de 21/03/2001 e da procuração outorgada ao senhor Valdir Mendes de Souza, esta última com firma reconhecida pelo 4º Tabelião de Notas da Comarca de Sorocaba.
Em 02/04/2003, a empresa Marcos & Jardim foi intimada a esclarecer essas divergências, não tendo se manifestado, foi re-intimada em 06/05/2003, também não se manifestando sobre o ocorrido.
Portanto, ficou caracterizado que a conta 01302-90 da agência 0564 do banco HSBC Bank Brasil foi criada por pessoa diversa da senhora Neve Mendes de Souza, com o único intuito de acobertar as operações da empresa do conhecimento do Fisco e consequentemente deixar de recolher os tributos devidos aos cofres públicos, utilizando-se inclusive de assinaturas diferentes das apostas pessoalmente pela senhora Neve em outros documentos. Também não foram efetuados quaisquer registros das operações realizadas nesta conta contabilizado nos livros contábeis e fiscais da empresa Marcos & Jardim.
Configurado então o evidente intuito de fraude, ao se utilizar desta conta corrente, aberta e movimentada por pessoa diversa da titular, agravou-se a multa de ofício, aplicando-se a multa de 150% prevista na Lei nº 9.430/96, em seu artigo 44, inciso II, sendo motivo para a formulação da presente Representação. (fls. 92/94)

Como se vê, o Processo Administrativo-Fiscal n. 10882.001826/2003-12, que embasou a denúncia contra o requerente, foi instaurado com o objetivo de apurar a incompatibilidade entre a movimentação financeira anual, sujeita à incidência de CPMF, verificada na conta bancária da contribuinte Neve Mendes de Souza, no montante de R$ 14.888.803,30 (quatorze milhões, oitocentos e oitenta e oito mil, oitocentos e três reais e trinta centavos) e a declaração de isenta por esta apresentada, relativamente ao ano-calendário de 1998, apurando-se tratar de interposta pessoa da Marcos & Jardim Ltda., representada pelo requerente, seu filho.

No curso do mencionado processo administrativo-fiscal, a Receita Federal obteve da instituição financeira HSBC Bank Brasil o valor da movimentação do período, em conformidade com o art. 11, § 2º, da Lei n. 9.311/96, que instituiu a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira - CPMF, sendo expedida, posteriormente, Requisição sobre Movimentação Financeira - RMF para a instituição financeira, que disponibilizou extratos bancários.

Intimada e reintimada, a Marcos & Jardim Ltda. não se manifestou. Tendo em vista os elementos de prova amealhados no curso do processo administrativo-fiscal, restou caracterizado que a conta do HSBC Bank Brasil, de titularidade da mãe do requerente, foi criada por pessoa diversa para acobertar as operações da pessoa jurídica administrada pelo requerente, evidenciando, pois, a fraude na redução/supressão dos tributos devidos pela pessoa jurídica, ensejando o lançamento definitivo do débito tributário.

Dado que as normas tributárias procedimentais, tais como aquelas que autorizam o Fisco a se valer de dados da CPMF para apuração de eventuais créditos tributários referentes a outros tributos, têm aplicação imediata e podem retroagir, alcançando fatos pretéritos, conclui-se, pois, pela licitude do procedimento administrativo-fiscal e respectivos elementos de convicção que ensejaram a condenação do requerente.

Dosimetria. Alternativamente, o requerente postula a adequação da pena aos critérios legais. Aduz, para tanto, que a pena foi majorada excessivamente, pois o aumento baseou-se apenas nas consequências do delito, uma das oito circunstâncias previstas no art. 59, caput, do Código Penal, contrariando os princípios da individualização da pena, da razoabilidade e da proporcionalidade, além do texto legal e da jurisprudência dos Tribunais Superiores. Assim, pede o reconhecimento do ilícito agravamento da pena na instância recursal, "para que outra reprimenda seja observada, no mínimo legal, com a consequente revisão por esta via processual" (fl. 24).

Sem razão.

O MM. Juízo Federal da 3ª Vara de Sorocaba (SP) fixou a pena-base acima do mínimo legal sob a fundamentação abaixo:


a) Circunstâncias judiciais - artigo 59, do Código Penal - considerando que o acusado no ano calendário de 1998 omitiu receitas objetivando suprimir ou reduzir tributo incidindo, portanto, na conduta delitiva prevista artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90; considerando que o réu movimentava em conta corrente de interposta pessoa recursos provenientes de atividades comerciais realizadas pela empresa MARCOS & JARDIM LTDA; considerando que foram movimentados R$ 14.888.803,30 (quatorze milhões, oitocentos e oitenta e oito mil, oitocentos e três reais e trinta centavos) em contas bancárias da contribuinte NEVE MENDES DE SOUZA, embora esta tenha entregue declaração de isenta no mesmo ano-calendário; considerando que foram constituídos, no curso da ação fiscal, créditos no valor de R$ 2.645.404,40 (dois milhões, seiscentos e quarenta e cinco mil, quatrocentos e quatro reais e quarenta centavos) considerando ainda, as certidões acostadas às fls. 281/282, 284/285, 387/389-verso dos autos; considerando que o acusado efetuou parcelamento e preferiu por não honrá-lo, mesmo já estando sendo investigado e processado e sabendo que poderia ser processado novamente; considerando que o acusado movimentou vultosos valores em nome de terceira pessoa e, no parcelamento efetuado enquadrou sua empresa como de pequeno porte, pagando assim parcelas inferiores ao mínimo legal; considerando a gravidade dos fatos e que o Ministério Público Federal, ao oferecer denúncia requereu a decretação da prisão preventiva do acusado, fixo a pena-base, acima do mínimo legal, em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão.
Com relação à pena de multa, devem ser observadas as disposições contidas no artigo 8º e 10º da Lei n. 8.137/90, devendo ser fixada entre 10 (dez) e 360 (trezentos e sessenta) dias-multa, sendo que o dia deve ser fixado entre 14 a 200 BTNs (Bônus do Tesouro Nacional).
Para a fixação do número de dias-multa, pondere-se que ela deve ser suficiente para reprovação e prevenção do crime, nos termos expressos do contido no § 2º do dispositivo acima citado. Nesse diapasão, levando-se em conta as circunstâncias, consequências do crime e culpabilidade, a multa será fixada acima do mínimo legal, ou seja em 200 (duzentos) dias-multa, ficando, para cada dia-multa, o valor de 150 (cento e cinquenta) BTNs na data do fato, tendo em vista que as condições econômicas do réu e a lesão causada ao fisco. (sic, fls. 51/52)

No acórdão, as penas foram exasperadas nos seguintes termos:


Passo, pois, a analisar o recurso ministerial, relacionado exclusivamente à dosimetria da pena.
Na primeira fase sua Excelência aplicou a pena-base em dois anos e seis meses de reclusão, sopesando as seguintes circunstâncias judiciais: utilização pelo réu de interposta pessoa (sua mãe) para administrar os recursos de sua empresa; o grande valor sonegado aos cofres públicos, de R$ 2.645.404,40 (dois milhões, seiscentos e quarenta e cinco mil, quatrocentos e quatro reais e quarenta centavos); o fato de o réu possuir patrimônio, mas preferir não honrar o programa de parcelamento fiscal; ter enquadrado sua empresa como de pequeno porte a fim de ser incluída em programa de parcelamento fiscal mais benéfico, porém, diverso do previsto em lei, e com isso pagar parcela menor durante o período da inclusão, fato descoberto pela Receita Federal, que indeferiu sua reinclusão no programa.
Pois bem, sopesadas todas essas circunstâncias, entendo que razão assiste ao "Parquet" Federal, merecendo a pena-base ser aplicada com maior rigor, principalmente, em razão do alto valor dos tributos sonegados aos cofres públicos para o ano de 1998, quantum que atualizado aos dias atuais, passados mais de quinze anos da prática delitiva, certamente se aproximaria a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), ou mesmo superaria esse valor.
Trata-se, portanto, de conduta de extrema gravidade, que ocasionou grave dano à sociedade brasileira, merecendo ser punida com o devido rigor, à luz dos princípios da individualização da pena e da proporcionalidade.
Dessa forma, aplico a pena-base em quatro anos de reclusão e multa de 260 (duzentos e sessenta) dias-multa, mantido o valor unitário aplicado em primeiro grau. (fls. 63/64)

Constata-se, pois, que tanto o acórdão deste Tribunal quanto a sentença em que majoradas as penas do requerente estão satisfatoriamente fundamentados.

O art. 59 do Código Penal institui as circunstâncias judiciais a serem consideradas para a determinação da pena-base. Ao juiz cabe concretizar a pena segundo aqueles critérios, que são significativamente abrangentes e permitem o exercício de uma certa prudência judicial na avaliação das circunstâncias do delito e dos aspectos subjetivos do acusado. Sendo assim, o redimensionamento da pena-base na revisão criminal deve ser admitida com alguma cautela, somente sendo admitida na hipótese de flagrante e injusta ilegalidade, não verificada na espécie.

Ante o exposto, CONHEÇO da revisão criminal e JULGO-A IMPROCEDENTE.

É o voto.


Andre Nekatschalow
Desembargador Federal


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