Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 08/05/2017
EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0001170-41.2012.4.03.6119/SP
2012.61.19.001170-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
EMBARGANTE : OKECHUKWU KYRIAN UDEAFOR
ADVOGADO : PR035522 ERICA DE OLIVEIRA HARTMANN (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
EMBARGADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00011704120124036119 1 Vr GUARULHOS/SP

EMENTA

PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA DA PENA. PERCENTUAL DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ARTIGO 33, § 4º, DA LEI 11.343/06. MANUTENÇÃO DO PERCENTUAL MÍNIMO. EMBARGOS INFRINGENTES DESPROVIDOS.
1. O artigo 33 § 4º da Lei 11.343/06 prevê a redução de 1/6 a 2/3 para o agente que seja primário, possua bons antecedentes e não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa.
2. O dispositivo foi criado a fim de facultar ao julgador ajustar a aplicação e a individualização da pena às múltiplas condutas envolvidas no tráfico de drogas, notadamente o internacional, porquanto não seria razoável tratar o traficante primário, ou mesmo as "mulas", com a mesma carga punitiva a ser aplicada aos principais responsáveis pela organização criminosa que atuam na prática deste ilícito penal.
3. Do fato puro e simples de determinada pessoa servir como "mula" para o transporte de droga não é possível, por si só, inferir a inaplicabilidade da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do artigo 33 da Lei 11.342/2006, por supostamente integrar organização criminosa.
4. No caso em análise, o réu é primário e não ostenta maus antecedentes. Não há prova nos autos de que se dedica a atividades criminosas, nem elementos para concluir que integra organização criminosa, apesar de encarregado do transporte da droga. Por outro lado, caberia à acusação fazer tal prova, ônus do qual não se desincumbiu. Certamente, estava transportando a droga para bando criminoso internacional, o que não significa, porém, que fosse integrante dele.
5. No que toca ao percentual de redução a ser aplicado em decorrência da aplicação da referida causa de diminuição, não é possível utilizar a natureza e a quantidade da droga apreendida, para fazer incidir o mínimo legal, previsto no referido § 4º, do art. 33, da lei de drogas, quando tais circunstâncias já tenham sido consideradas na primeira fase da dosimetria.
6. Para o afastamento do benefício em seu percentual máximo, é necessária a existência de outras circunstâncias já referidas na sentença ou trazidas para discussão em sede recursal pela acusação, caso dos autos.
7. No caso dos autos, deve prevalecer o voto condutor, que manteve o percentual da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), em razão das circunstâncias desfavoráveis já declinadas na sentença (qual seja, o fato de o embargante ter plena consciência de que estava a serviço de uma organização criminosa internacional, pois aliciado na Nigéria para buscar droga no Brasil), aliada àquela que foi trazida pela acusação, em suas razões recursais (quantidade da droga apreendida), a qual, ressalte-se, não foi utilizada pelo magistrado sentenciante na primeira fase da dosimetria.
8. Embargos infringentes a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, DECIDIU negar provimento aos embargos infringentes e de nulidade, nos termos do voto do Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI (Relator). Acompanharam o Relator os Desembargadores Federais PAULO FONTES, NINO TOLDO e ANDRÉ NEKATSCHALOW. Vencido o Desembargador Federal MAURICIO KATO, que dava provimento ao recurso. Ausente justificadamente a Desembargadora Federal CECILIA MELLO.


São Paulo, 20 de abril de 2017.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0001170-41.2012.4.03.6119/SP
2012.61.19.001170-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
EMBARGANTE : OKECHUKWU KYRIAN UDEAFOR
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RELATÓRIO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Trata-se de Embargos Infringentes opostos pela Defensoria Pública da União em favor de Okechukwu Kyrian Udeafor (fls. 413/418), contra decisão proferida pela 5ª Turma desta Corte que, "por maioria, decidiu negar provimento à apelação criminal do réu e dar parcial provimento à apelação criminal do Ministério Público Federal para majorar a pena-base em 1/6 (um sexto), reduzir para o mínimo de 1/6 (um sexto) a fração de incidência da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, fixar regime inicial semiaberto e afastar a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, assim obtida a condenação definitiva do réu às penas de 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão, regime inicial semiaberto, e 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) dias-multa, no mínimo valor unitário, por prática do crime previsto no art. 33, § 4º, c.c o art. 40, I, da Lei n.º 11.343/06, nos termos do voto do Des. Fed. André Nekatschalow, acompanhado pelo Des. Fed. Paulo Fontes. Vencido o relator Des. Fed. Maurício Kato que dava parcial provimento à apelação ministerial para aplicar a pena-base 1/6 (um sexto) acima do mínimo legal e dava parcial provimento ao recurso da defesa para aplicar a causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06 na fração de 2/3 (dois terços), resultando nas penas definitivas de 1 (um) ano, 8 (oito) meses de reclusão e 166 (cento e sessenta e seis) dias-multa, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços comunitários e prestação pecuniária no valor de 1 (um) salário mínimo, ambas destinadas à entidade assistencial a ser definida pelo Juízo da Execução Penal." (fls. 401/402).


Assim restou ementado o acórdão proferido pela E. Quinta Turma desta Corte:


"PENAL. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO § 4º DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/06. INCIDÊNCIA. SUBSTITUIÇÃO POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. NÃO PREENCHIMENTO DO REQUISITO OBJETIVO DO ART. 44, I, DO CÓDIGO PENAL. APELAÇÃO DA ACUSAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. APELAÇÃO DO RÉU DESPROVIDA.
1. A natureza e a quantidade da droga são elementos importantes para aferir a quantidade da pena inicial a ser aplicada ao crime de tráfico, conforme expressa previsão legal no art. 42 da Lei n. 11.343/06.
2. Incidência do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, na fração mínima, diante das circunstâncias subjacentes à prática delitiva.
3. Inviável a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, por não estar preenchido o requisito objetivo do art. 44, I, do Código Penal.
4. Apelação criminal do Ministério Público Federal parcialmente provida.
5. Apelação criminal do réu desprovida."

Em seu recurso de fls. 413/418, o embargante pretende a prevalência do voto vencido, proferido pelo e. Des. Fed. Maurício Kato, que dava parcial provimento à apelação ministerial para aplicar a pena-base 1/6 (um sexto) acima do mínimo legal e dava parcial provimento ao recurso da defesa para aplicar a causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06 na fração de 2/3 (dois terços), resultando nas penas definitivas de 1 (um) ano, 8 (oito) meses de reclusão e 166 (cento e sessenta e seis) dias-multa, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços comunitários e prestação pecuniária no valor de 1 (um) salário mínimo, ambas destinadas à entidade assistencial a ser definida pelo Juízo da Execução Penal.

Contrarrazões de recurso apresentadas às fls. 424/429 pela Procuradoria Regional da República, pugnando pelo desprovimento dos embargos infringentes opostos pela defesa, mantendo-se, in totum, o acórdão embargado de fls. 401/409.

É o relatório.

Sujeito à revisão, na forma regimental.



JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0001170-41.2012.4.03.6119/SP
2012.61.19.001170-4/SP
RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI
EMBARGANTE : OKECHUKWU KYRIAN UDEAFOR
ADVOGADO : PR035522 ERICA DE OLIVEIRA HARTMANN (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
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VOTO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI:

De início, cumpre ressaltar que, em sede de embargos infringentes, o reexame do Acórdão proferido em apelação está restrito à parte em que houver divergência entre os julgadores.

No caso, verifico que o dissenso é parcial, devolvendo, assim, a este órgão jurisdicional, a reapreciação da questão examinada pela Colenda Quinta Turma desta Corte, apenas no que diz respeito ao percentual a ser aplicado na causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06 e seus reflexos.

Portanto, a análise da dosimetria da pena restringe-se à sua terceira fase, mais especificamente em relação a essa específica causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06.

O voto condutor, lavrado pelo e. Desembargador Federal André Nekatschalow, restou assim lavrado (fls. 408/409):


Revejo a dosimetria, a partir da terceira fase do cálculo.
Estão preenchidos os requisitos para a incidência da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, pois o réu é primário, contra ele não há registro de antecedentes criminais (fls. 70 e 92/93), não constam de seu histórico de viagem e de seu passaporte que tenha vindo anteriormente ao País (fl. 153 e fls. 193/210), e não há prova de que se dedique a atividades criminosas ou integre organização dessa natureza. Tratando-se de transporte ocasional, não há óbice para que seja beneficiado com a redução de pena. Entretanto, devem ser consideradas as circunstâncias subjacentes à prática delitiva, consistentes no fato de que os 12 (doze) volumes que continham a droga estavam escondidos em fundo falso da bagagem, a dificultar a fiscalização e a localização (fotografias à fl. 7), de modo que a redução de pena cabível é a mínima, na fração de 1/6 (um sexto), da qual resulta a pena de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 416 (quatrocentos e dezesseis) dias-multa.
Em razão da incidência da majorante prevista no art. 40, I, da Lei n. 11.343/06, na fração de 1/6 (um sexto), a pena é elevada para 4 (quatro) anos, 10 (dez) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 485 (quatrocentos e oitenta e cinco) dias-multa, resultado que torno definitivo à míngua de outras circunstâncias incidentes sobre o cálculo.
O valor unitário do dia-multa é mantido em 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato.
Consoante o art. 33, § 2º, b, fixo o regime inicial semiaberto.
Não está preenchido o requisito objetivo do art. 44, I, do Código Penal, inviável substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
No mais, acompanho o Eminente Relator.

Já o voto vencido, proferido pelo e. relator Desembargador Federal Maurício Kato, quanto à dosimetria da pena (fls. 404-v/406-v):


Na primeira fase da dosimetria da pena, a natureza e a quantidade da droga, bem como a personalidade e a conduta social do agente são circunstâncias que devem ser consideradas com preponderância sobre o artigo 59 do Código Penal, nos termos do artigo 42 da Lei de Drogas.
Aqui, a apreensão de significativa quantidade de droga de alto custo, demasiadamente nociva e viciante (3.407g de cocaína) justifica a exasperação da pena-base na fração de 1/6 (um sexto) acima do mínimo legal.
Assim, na primeira fase de dosimetria da pena, aumento a pena-base em 1/6 (um sexto), o que resulta 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa.
Não deve prosperar o pedido ministerial de afastamento da atenuante da confissão espontânea. O fato de o apelante ter alegado causa excludente de ilicitude ou culpabilidade não implica afastamento do redutor do artigo 65, III, "d", do Código Penal.
Ademais, o evento de o réu ter sido preso em flagrante também não é óbice ao reconhecimento da confissão, uma vez que a espontaneidade exigida pela norma prescinde de motivos. São, pois, irrelevantes as razões pelas quais o agente admitiu a prática do crime para que se aplique a atenuante.
Outrossim, o acusado admitiu o cometimento do crime na fase policial e judicial (fls. 05 e 176).
Também não deve prosperar o pedido da acusação de aplicação da agravante relativa à paga ou promessa de recompensa. A finalidade de obter vantagem financeira por meio do transporte ilegal de entorpecentes constitui elementar do tipo penal de tráfico de drogas.
De fato, não é razoável que um indivíduo aceite transportar droga para o exterior sem qualquer tipo de contraprestação, sem finalidade de obter dinheiro ou qualquer promessa de recompensa.
Assim, deixo de aplicar a agravante do artigo 62, inciso IV, do Código Penal, pois considero que a paga e a promessa de recompensa são ínsitas ao crime de tráfico de drogas.
Na segunda fase da dosimetria, mantenho o reconhecimento da atenuante da confissão (art. 65, III, "d" do Código Penal), aplicada no patamar de 1/6 (um sexto), o que, por não haver possibilidade de ser fixada abaixo do mínimo legal, nos termos da súmula 231 do STJ, resulta em 5 (cinco) anos de reclusão e 500 (quinhentos) dias-multa.
Na terceira fase da dosimetria, o Ministério Público Federal pleiteia a aplicação da causa de aumento de pena da transnacionalidade em patamar superior a 1/6 (um sexto).
Sem razão.
A elevação da pena em 1/6 (um sexto) pela internacionalidade do delito é adequada. Isto porque, pelo roteiro que o réu pretendia percorrer (Guarulhos/São Paulo - Lagos/África do Sul) e pela forma como a droga estava acondicionada (em 12 (doze) pacotes volumosos formados por sacos plásticos), não se verificou sua intenção em distribuir a droga em outras localidades.
Além disto, o artigo 40 da Lei de Drogas estabelece 7 (sete) causas de aumento de pena e fixa o parâmetro da exasperação: de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços). Diante da incidência de apenas uma causa de aumento (a do inciso I), a reprimenda deve ser elevada no patamar mínimo previsto no tipo.
A transnacionalidade do crime restou comprovada nos autos e, tendo em vista que as circunstâncias delitivas não destoam das apreensões de droga realizadas no Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, fica mantida a fração mínima (1/6), nos termos da sentença.
Em relação às causas de diminuição, não deve ser provido o recurso da defesa para que incida o artigo 24, §2º, do Código Penal.
O estado de necessidade está previsto no artigo 24, caput, do Código Penal.
Por outro lado, o §2º traz causa legal de diminuição de pena (embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços).
Trata-se de uma causa legal de diminuição de pena, por meio da qual o bem sacrificado é de valor superior ao preservado, de modo que, embora não se reconheça o chamado estado de necessidade e, por isso, não se exclua a ilicitude da conduta, o agente é punível e faz jus a uma redução obrigatória da pena.
Como já mencionado, além de não ter o agente comprovado a existência de perigo atual, também não demonstrou a inevitabilidade do perigo e da lesão.
Infere-se que a prática do crime não era o único meio de que dispunha para custear a sua ida para o Canadá, razão pela qual não incide o redutor do artigo 24, §2º, do Código Penal.
No tocante à causa de diminuição do §4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/06, a defesa requer sua aplicação no patamar máximo ou em maior fração, ao passo que a acusação, seu afastamento.
Assiste razão à defesa.
O §4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/06 prevê a redução da pena de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços) desde que o agente seja primário, possua bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa.
Em caso de condenação por tráfico ilícito de entorpecentes, a natureza e a quantidade da droga apreendida devem ser levadas em consideração tão somente em uma das fases da dosimetria da pena, vedada a sua aplicação cumulativa, que acarretaria bis in idem (STF, Plenário, Rel. Min. Gilmar Mendes, RE com Agravo nº 666.334/AM, j. 03/04/2014).
Nesse caso, a circunstância relativa à natureza e quantidade de droga foi utilizada somente na primeira fase, como fundamento da exasperação da pena-base.
O Juiz de primeiro grau não aplicou essa causa de diminuição em seu patamar máximo, com base no fato de que o réu, embora seja primário, tenha bons antecedentes e não se dedique atividades delituosas, efetivamente sabia que estava a serviço de uma organização criminosa, pois aliciado na Nigéria para buscar droga no Brasil de um terceiro.
Como se viu, a natureza e a quantidade de droga motivaram o aumento da pena-base, o acusado é primário, tem bons antecedentes (fls. 70, 90 e 92/95, 104).
Da prova dos autos, conclui-se que ele não se dedica a atividades criminosas nem integra organização criminosa. Também não constam do histórico do viajante do apelante expedido pela Polícia Federal ou de seu passaporte outros registros migratórios (fl. 153 e 193/210), de modo que é possível identificá-lo como "transportador" apenas ocasional de drogas.
Ademais, a circunstância do transporte do entorpecente é ínsita ao tipo penal de tráfico. Assim, ao transportar a droga, o agente adere à prática delitiva e incide nas penas cominadas.
Portanto, para o afastamento do benefício no seu grau máximo em prejuízo da defesa, seria imprescindível que houvesse outras circunstâncias válidas já mencionadas na sentença ou trazidas para discussão nessa sede recursal.
Se a sentença não contém qualquer outra motivação para o afastamento do benefício em seu grau máximo e se o recurso da acusação não traz argumentos concretos para a não aplicação do redutor, não pode esse tribunal, sob pena de afronta ao princípio da ampla defesa, agregar, de ofício, novos fundamentos à sentença condenatória em prejuízo do réu.
Assim, a causa de diminuição do §4º do artigo 33 da Lei de Drogas deve ser aplicada em seu grau máximo (2/3) (grifei e negritei).
Portanto, na terceira fase da dosimetria da pena, aplicada a causa de diminuição do §4º em seu patamar máximo, resulta a pena definitiva de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão e 166 (cento e sessenta e seis) dias-multa.
No tocante ao regime prisional, não comporta provimento o recurso do Ministério Público Federal para fixação do sistema fechado.
A pena privativa de liberdade será executada de forma progressiva, nos termos do artigo 33, §2º, caput, do Código Penal.
Para a fixação do regime prisional, devem ser observados os seguintes fatores: a) modalidade de pena de privativa de liberdade, ou seja, reclusão ou detenção (art. 33, caput, CP); b) quantidade de pena aplicada (art. 33, §2º, alíneas a, b e c, CP; c) caracterização ou não da reincidência (art. 33, §2º, alíneas b e c, CP) e d) circunstâncias do artigo 59 do Código Penal (art. 33, §3º, do CP).
A exasperação da pena-base com fundamento na natureza e quantidade do entorpecente não impede a fixação de regime prisional mais benéfico, se as circunstâncias subjetivas forem favoráveis.
Aqui, considerando que as circunstâncias judiciais subjetivas do réu (antecedentes, conduta social, personalidade e motivo do crime) não foram valoradas negativamente, o regime inicial de cumprimento de pena deve ser estabelecido com base na pena fixada em concreto.
No particular, a pena concretamente aplicada (1 ano e 8 meses) e as circunstâncias judiciais autorizam a fixação do regime aberto, nos termos do artigo 33, §2º, c, do Código Penal, conforme restou consignado na sentença.
Quanto a substituição da pena privativa de liberdade, a defesa pugnou pela troca da pena pecuniária de 5 (cinco) salários mínimos, aplicada na sentença, pela pena de limitação de fim de semana. Já a acusação pleiteou a não aplicação da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.
Assiste parcial razão à defesa, pois, com fundamento no artigo 44, I e III, do Código Penal, e por constituir medida socialmente recomendável, o acusado faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços comunitários, tal como fixado pelo juízo a quo e prestação pecuniária no valor de 1 (um) salário mínimo, à míngua de elementos acerca da atual situação financeira do réu, ambas destinadas à entidade assistencial a ser definida pelo Juízo da Execução Penal.
Quanto ao pedido de autorização para saída do país, como destacado pelo Ministério Público Federal, trata-se de medida que não se mostra oportuna e conveniente, porque o acusado, em que pese argumentar problemas de saúde de sua genitora, não trouxe aos autos qualquer indício de prova dos fatos alegados.
Ademais, mediante o risco de o condenado furtar-se à aplicação da lei penal, não retornando para cumprimento de sua condenação, e tendo em vista a ausência de outros fundamentos aptos a ensejar a permissão de saída, se configura mais adequado que permaneça no país até a satisfação de sua penalidade, ou até ulterior posicionamento do juízo da execução, se apresentados novos fatos devidamente fundamentados.
Mantida, no mais, a sentença condenatória. .

Pois bem, verifica-se que a causa de diminuição, prevista no artigo 33 § 4º da Lei 11.343/06, que prevê a redução de 1/6 a 2/3 para o agente que seja primário, possua bons antecedentes e não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa, foi aplicada tanto no voto condutor quanto no voto vencido.

O dispositivo foi criado a fim de facultar ao julgador ajustar a aplicação e a individualização da pena às múltiplas condutas envolvidas no tráfico de drogas, notadamente o internacional, porquanto não seria razoável tratar o traficante primário, ou mesmo as "mulas", com a mesma carga punitiva a ser aplicada aos principais responsáveis pela organização criminosa que atuam na prática deste ilícito penal.

Dos elementos coligidos nos autos, constata-se que a conduta do embargante se enquadra no que se convencionou denominar no jargão do tráfico internacional de droga de "mula", isto é, pessoa que funciona como agente ocasional no transporte de drogas, pois não se subordina de modo permanente às organizações criminosas nem integra seus quadros. Trata-se, em regra, de mão-de-obra avulsa, esporádica, de pessoas que são cooptadas para empreitada criminosa sem ter qualquer poder decisório sobre o modo e o próprio roteiro do transporte, cabendo apenas obediência às ordens recebidas. Pouco ou nada sabem a respeito da organização criminosa.

Em suma, do fato puro e simples de determinada pessoa servir como "mula" para o transporte de droga não é possível, por si só, inferir a inaplicabilidade da causa de diminuição de pena prevista no § 4º do artigo 33 da Lei 11.342/2006, por supostamente integrar organização criminosa.

A divergência restringe-se, portanto, ao percentual de redução da referida causa de diminuição.

No caso em análise, o réu é primário e não ostenta maus antecedentes. Não há prova nos autos de que se dedica a atividades criminosas, nem elementos para concluir que integra organização criminosa, apesar de encarregado do transporte da droga. Caberia à acusação fazer tal prova, ônus do qual não se desincumbiu.

Certamente, o acusado estava transportando a droga para bando criminoso internacional, o que não significa, porém, que fosse integrante dele, pois a circunstância do transporte de entorpecente é ínsita ao tipo penal de tráfico, ou seja, ao transportar a droga, a conduta do agente se subsume a um dos verbos do tipo descritos no art. 33, caput, da Lei n.º 11.343/06.

No que toca ao percentual de redução a ser aplicado em decorrência da aplicação da referida causa de diminuição, não é possível utilizar a natureza e a quantidade da droga apreendida, para fazer incidir o mínimo legal, previsto no referido § 4º, do art. 33, da lei de drogas, quando tais circunstâncias já tenham sido consideradas na primeira fase da dosimetria.

No caso dos autos, o magistrado sentenciante não considerou a quantidade da droga apreendida para majorar a pena-base, como se depreende do trecho abaixo descrito (fls. 183-v), verbis:


As circunstâncias judiciais demonstram que a culpabilidade do réu se insere no grau médio, bem como que esta não apresenta antecedentes. As consequências do crime não foram expressivas, uma vez que a droga foi apreendida antes do seu destino. As circunstâncias foram normais para este tipo de delito. Não é possível considerar a quantidade da droga na dosimetria da pena, pois o entorpecente se encontrava oculto em caixas de lenços umedecidos, não havendo prova de que a mesma tenha participado de sua ocultação. Da mesma forma, não é possível considerar o grau de pureza (30%) pois seria necessário prova de que o réu participou do processo de refino da droga ou que tinha conhecimento desse detalhe. Nos dois casos, apenar mais gravemente o acusado seria puni-lo por elementos estranhos à sua conduta. Deve-se considerar, todavia, que o réu disse nesta audiência ter consciência de que estava transportando cocaína, substância que é mais deletéria do que outras também proibidas, justificando reprimenda mais elevada. Não há nos autos elementos que permitam a formação de juízo negativo sobre a personalidade e a conduta social do agente. O motivo do crime era a obtenção de proveito econômico, que não pode ser considerado em desfavor do réu por ser elementar do tráfico de drogas. Não houve vítima específica.
Considerando a existência de uma circunstância desfavorável ao réu, fixo a pena-base acima do mínimo legal, em 5 anos, 7 meses e 15 dias de reclusão e pagamento de 575 dias-multa.

Outrossim, para o afastamento do benefício em seu percentual máximo de 2/3 (dois terços), necessário que existam outras circunstâncias já referidas na sentença ou trazidas para discussão em sede recursal, caso dos autos.

Com efeito, a sentença reconheceu a causa de diminuição em tela, mas aplicou o percentual mínimo de 1/6, com a seguinte fundamentação:


Presente a causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/2006, visto que o réu é primário, não tem antecedentes e não há prova nos autos de que se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa. Não há registro de viagem internacional anterior, tudo levando a crer que o presente caso foi apenas um episódio em sua vida. Entretanto, esta redução não pode ser no máximo, pois ainda que não integre organização criminosa, o réu sabia que estava a serviço de uma, pois aliciado na Nigéria - claramente a versão do réu de que somente soube do serviço no Brasil não se sustenta - para buscar droga no Brasil de um terceiro. Assim, com a diminuição em 1/3, fixo a pena definitivamente em 3 (três) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e 388 (trezentos e oitenta e oito) dias-multa, que torno definitiva, ausentes outras circunstâncias a considerar. Fixo o dia-multa em 1/30 do salário mínimo vigente na data dos fatos, devidamente corrigido, ausentes quaisquer elementos que indiquem a capacidade econômica do réu. Negritei.

Não se olvida que o fato de o acusado ter consciência do transporte da droga é elemento ínsito ao tipo penal, entretanto, a circunstância que o juiz utilizou na sentença para fixar o percentual de 1/3 (um terço), qual seja, o fato de o embargante ter plena consciência de que estava a serviço de uma organização criminosa internacional, pois aliciado na Nigéria para buscar droga no Brasil, foge à elementar do tipo previsto no art. 33 da Lei n.º 11.343/06 e justifica a não aplicação do percentual máximo de redução.


Nesse sentido o seguinte precedente do Supremo Tribunal Federal:


HABEAS CORPUS. PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. PENA-BASE DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. APLICAÇÃO EM SEU GRAU MÍNIMO (1/6). FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. IMPOSSIBLIDADE. PENA SUPERIOR A 4 ANOS DE RECLUSÃO. OBRIGATORIEDADE DO REGIME INICIAL FECHADO. INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1º DO ART. 2º DA LEI 8.072/1990 (REDAÇÃO CONFERIDA DA PELA LEI 11.464/2007). ORDEM CONCEDIDA EM PARTE.
I - Não prospera a alegação de ausência de fundamentação idônea na exasperação da pena-base, que foi aumentada em 1 ano (num intervalo de 10 anos) com supedâneo em quatro circunstâncias judiciais desfavoráveis, valendo anotar que, em se tratando de tráfico, a quantidade da droga apreendida é fator que deve preponderar na fixação da reprimenda.
II - O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, ao dar parcial provimento à apelação da defesa, fez incidir a causa especial de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 e estabeleceu a redução na fração 1/6, porque "as assim denominadas 'mulas', conquanto não integrem, em caráter estável e permanente, a organização criminosa, têm plena e perfeita consciência de que estão a serviço de grupo dessa natureza", não merecendo, assim, uma redução maior.
III - O juiz não está obrigado a aplicar o máximo da redução prevista quando presentes os requisitos para a concessão desse benefício, possuindo plena discricionariedade para aplicar, de forma fundamentada, a redução no patamar que entenda necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, como ocorreu no caso concreto.
IV - A reprimenda fixada, definitivamente, em 5 anos, 4 meses e 5 dias de reclusão, num intervalo que varia de 5 a 15 anos, não desbordou os lindes da proporcionalidade e da razoabilidade, não havendo, a meu ver, flagrante ilegalidade ou teratologia que justifiquem a concessão da ordem, sendo certo que não se pode utilizar "o habeas corpus para realizar novo juízo de reprovabilidade, ponderando, em concreto, qual seria a pena adequada ao fato pelo qual condenado o Paciente" (HC 94.655/MT, Rel. Min. Cármen Lúcia).
V - Mantida a reprimenda no patamar superior a 4 anos, fica superado o pedido de conversão da pena privativa de liberdade por sanções restritivas de direitos, porquanto não atendido o requisito objetivo previsto no art. 44, I, do Código Penal. VI - O Plenário desta Corte, no julgamento do HC 111.840/ES, Rel. Min. Dias Toffoli, declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/1990 (redação dada pela Lei 11.464/2007), que determinava o cumprimento de pena dos crimes hediondos, de tortura, de tráfico ilícito de entorpecentes e de terrorismo no regime inicial fechado.
VII - Ordem concedida em parte, para determinar ao magistrado da execução que fixe, motivadamente, o regime inicial de cumprimento da pena afastando a regra do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/1990, declarado inconstitucional pelo Plenário desta Corte.
(HC 115.149, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2ª Turma, DJ 2.5.2013)

Além disso, o Ministério Público Federal, em suas razões de apelação, pede a não aplicação da referida causa de diminuição, ou, subsidiariamente, a aplicação do percentual mínimo de redução, em razão da natureza e quantidade da droga apreendida, conforme se depreende (fls. 242/244), verbis:


"Caso seja reputada cabível a redução da pena com lastro no § 4º do art. 33, da Lei n.º 11.343/2006 - o que apenas se admite para argumentar - pugna o Parquet por que seja corrigida a sentença, reduzindo-se a pena do réu na fração mínima de um sexto, pois a lesividade da conduta, considerando a quantidade e qualidade da droga apreendida, foi a máxima possível, sendo inteiramente descabida a redução da pena em 1/3 no caso dos autos."

Diante de tais argumentos, entendo que, neste caso, deve prevalecer o voto condutor, que manteve o percentual da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei n.º 11.343/06, no percentual mínimo de 1/6 (um sexto), em razão da existência de circunstâncias desfavoráveis já declinadas na sentença (qual seja, o fato de o embargante ter plena consciência de que estava a serviço de uma organização criminosa internacional, pois aliciado na Nigéria para buscar droga no Brasil), aliada àquela que foi trazida pela acusação, em suas razões recursais (quantidade da droga apreendida), a qual, ressalte-se, não foi utilizada pelo magistrado sentenciante na primeira fase da dosimetria.

Posto isso, NEGO PROVIMENTO aos embargos infringentes.

É o voto.


JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal


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