Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 08/05/2017
EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0006429-68.2012.4.03.6102/SP
2012.61.02.006429-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal NINO TOLDO
EMBARGANTE : CARLOS VITOR ABDUCH
ADVOGADO : SP088552 MARIA CLAUDIA DE SEIXAS e outro(a)
EMBARGADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00064296820124036102 5 Vr RIBEIRAO PRETO/SP

EMENTA

EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE. PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DESCAMINHO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA HABITUALIDADE DELITIVA. EMBARGOS INFRINGENTES PROVIDOS.
1. A divergência estabeleceu-se quanto à aplicação ou não do princípio da insignificância e, consequentemente, à atipicidade material da conduta descrita no art. 334, § 1º, "c", do Código Penal.
2. Prevalece no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que a conduta descrita no art. 334 do Código Penal é atípica quando o valor dos impostos incidentes não ultrapassa o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), previsto na Portaria nº 75/2012, do Ministério da Fazenda.
3. Também é consagrado que a reiteração de comportamentos antinormativos por parte do agente impede a aplicação do princípio em questão, já que não se pode considerar irrelevantes repetidas lesões a bens jurídicos tutelados pelo direito penal.
4. No caso, não constam nos autos apontamentos em nome do recorrido que comprovem a reiteração dessa conduta delituosa. No apontamento relativo à suposta prática de crime contra a ordem tributária, houve a extinção da punibilidade pelo pagamento do débito fiscal, ainda em fase de inquérito policial. Desse modo, não há que se falar em "reincidência", a impedir a aplicação do princípio da insignificância.
5. Prevalência do voto vencido, que concedeu habeas corpus de ofício e determinou o trancamento da ação penal.
6. Embargos infringentes providos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Seção do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, DAR PROVIMENTO aos embargos infringentes, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado, vencidos os Desembargadores Federais Andre Nekatschalow e Paulo Fontes que negavam provimento.



São Paulo, 20 de abril de 2017.
NINO TOLDO
Desembargador Federal


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EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0006429-68.2012.4.03.6102/SP
2012.61.02.006429-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal NINO TOLDO
EMBARGANTE : CARLOS VITOR ABDUCH
ADVOGADO : SP088552 MARIA CLAUDIA DE SEIXAS e outro(a)
EMBARGADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00064296820124036102 5 Vr RIBEIRAO PRETO/SP

RELATÓRIO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de embargos infringentes opostos por CARLOS VITOR ABDUCH em face de acórdão proferido pela Quinta Turma desta Corte que, por maioria, deu provimento ao recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal, nos termos do voto do Relator, Desembargador Federal André Nekatschalow, acompanhado pelo voto do Desembargador Federal Paulo Fontes.


A ementa do acórdão é a seguinte:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. REVOGAÇÃO DO RECEBIMENTO. INADMISSIBILIDADE. DESCAMINHO. REITERAÇÃO DELITIVA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
1. Recebida a denúncia pelo juiz, este não pode revogar sua decisão. A ação penal é indisponível, de modo que deve prosseguir até seu julgamento, quando então será apreciada a pretensão punitiva à vista da prova produzida na instrução criminal. Ao revogar o recebimento da denúncia, portanto, o juiz cerceia o direito da acusação de ultimar o processo-crime. Por outro lado, é descabido conceder habeas corpus pelo próprio juiz para "trancar" a ação penal, pois não se concebe a concessão de writ contra si mesmo: semelhante fundamentação resolve-se em mera reconsideração do recebimento da denúncia, que não encontra amparo no ordenamento processual (STJ, REsp n. 201202474492, Rel. Min. Campos Marques, j. 05.04.13; EDREsp n. 199800316396, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 02.10.00; TRF da 3ª Região, RcCr n. 2002.61.24.001114-2, Rel. Des. Fed. Ramza Tartuce, j. 18.04.05; RcCr n. 1999.61.09.001777-5, Rel. Des. Fed. André Nabarrete, j. 15.10.02).
2. Revejo meu entendimento para acompanhar a jurisprudência predominante nos Tribunais Superiores e nesta Corte no sentido de que a reiteração delitiva obsta a incidência do princípio da insignificância ao delito de descaminho, independentemente do valor do tributo não recolhido (STF: HC n. 118686, Rel. Min. Luiz Fux, j. 19.11.13, HC n. 114675, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 13.11.12, HC n. 112597, Rel. Min. Carmem Lúcia, j. 18.09.12; STJ: AGARESP n. 329693, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 13.08.13, AGRESP n. 201200367950, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 17.04.12; TRF 3ª Região, ACR n. 00114957320054036102, Rel Des. Fed. José Lunardelli, j. 27.08.13).
3. O recorrido foi denunciado pela prática do delito do art. 334, § 1º, c, do Código Penal, pois teria mantido em depósito no exercício de atividade comercial mercadorias diversas (câmeras digitais, memórias, relógios) de procedência estrangeira que sabia ser de internação clandestina no País, no valor total de R$ 35.035,20 (trinta e cinco mil trinta e cinco reais e vinte centavos) (fls. 43/46).
4. A denúncia foi recebida em 19.10.12 (fl. 61) e o processo teve regular seguimento. Em 12.12.14, contudo, o MM. Juízo a quo proferiu a decisão recorrida, após pedido formulado pelo réu nesse sentido, concedendo de ofício ordem de habeas corpus para trancar a ação penal, em razão da incidência do princípio da insignificância, pois a Receita Federal do Brasil informou o cálculo dos tributos não recolhidos em R$ 17.517,60 (dezessete mil quinhentos e dezessete reais e sessenta centavos) (fls. 399/401).
5. Não medra o pedido de concessão de habeas corpus por este Tribunal, pois o réu é reincidente na prática de crime contra a ordem tributária, conforme apontado pelo Ministério Público Federal às fls. 137/141, não sendo relevante para fins de afastamento do princípio da insignificância a eventual extinção da punibilidade decorrente de pagamento do tributo quanto ao delito cometido (fls. 239/249).
6. Descabida a revogação da decisão de recebimento da denúncia ou a concessão de habeas corpus contra ato do próprio Juiz, de rigor o retorno dos autos para o regular prosseguimento da instrução criminal.
7. Recurso em sentido estrito provido.


Ficou vencido o Desembargador Federal Mauricio Kato, que concedia, de ofício, habeas corpus para determinar o trancamento da ação penal.


A defesa pretende que prevaleça o voto vencido, sob o argumento de que o processo que tramitou perante a Justiça Estadual, considerado pelo acórdão embargado como "reincidência", não pode servir sequer para configurar mau antecedente, muito menos para impedir a aplicação do princípio da insignificância, isso porque a punibilidade foi extinta pelo pagamento do tributo.


A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo desprovimento dos embargos infringentes (fls. 479/485).


É o relatório.


À revisão.


NINO TOLDO
Desembargador Federal


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2012.61.02.006429-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal NINO TOLDO
EMBARGANTE : CARLOS VITOR ABDUCH
ADVOGADO : SP088552 MARIA CLAUDIA DE SEIXAS e outro(a)
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VOTO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): O embargante CARLOS VITOR ABDUCH foi denunciado pelo Ministério Público Federal como incurso no art. 334, § 1º, "c", do Código Penal, por ter exposto à venda, bem como mantido em depósito, no exercício de atividade comercial, mercadoria de procedência estrangeira que sabia ser produto de introdução clandestina no território nacional.


A denúncia foi recebida em 19 de outubro de 2012 (fls. 61).


Pela decisão de fls. 399/401, o juízo a quo concedeu a ordem de habeas corpus de ofício, a fim de reconhecer a atipicidade da conduta imputada ao réu, determinando, por conseguinte, o trancamento da ação penal, com fundamento no art. 654, § 2º, c.c. o art. 395, III, ambos do Código de Processo Penal, tendo o Ministério Público Federal interposto recurso em sentido estrito em face dessa decisão.


A Quinta Turma desta Corte, por maioria, deu provimento ao recurso para reformar a decisão e determinar o prosseguimento do feito, sendo que o voto vencido concedia, de ofício, habeas corpus, para determinar o trancamento da ação penal.


A divergência estabeleceu-se quanto à correção, ou não, da decisão que, por considerar atípica a conduta, em virtude da aplicação do princípio da insignificância, concedeu habeas corpus de ofício e determinou o trancamento da ação penal.


Inicialmente, observo que a concessão de habeas corpus de ofício pelo próprio juízo prolator da decisão que havia recebido a denúncia, para o fim de determinar o trancamento da ação penal, é vedada pelo ordenamento jurídico, por se tratar de reconsideração da decisão anteriormente proferida, sobre a qual já havia se operado a preclusão. Quanto a esse ponto, não houve divergência, uma vez que tanto o voto do Relator quanto o voto vencido reconheceram a nulidade da decisão recorrida neste aspecto.


Pois bem. O voto do Relator afastou a aplicação do princípio da insignificância, sob o fundamento de que a reiteração delitiva obsta a sua incidência, independentemente do valor do tributo não recolhido. No caso, como o réu seria "reincidente" na prática de crime contra a ordem tributária, conforme apontado pelo Ministério Público Federal (fls. 137/141), o Relator determinou o retorno dos autos à Vara de origem para o prosseguimento do feito.


O voto vencido, por sua vez, considerou aplicável o princípio da insignificância, por ser o valor dos tributos iludidos inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), conforme ofício expedido pela Receita Federal do Brasil (fls. 365), e por não haver prova de habitualidade criminosa a impedir a sua incidência. Por isso, concedeu habeas corpus de ofício e determinou o trancamento da ação penal.


Penso que a razão está com o voto vencido.


Nesse ponto, observo que o âmbito de cognição dos embargos infringentes encontra-se restrito à divergência retratada no acórdão originário, conforme dispõe o art. 609 do Código de Processo Penal, de sorte que, embora eu tenha reformulado meu entendimento sobre a matéria, passando a adotar a orientação do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1112748/TO, Rel. Ministro Felix Fischer, Terceira Seção, julgado em 09/09/2009, DJe 13/10/2009; REsp 1393317/PR, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 12/11/2014, DJe 02/12/2014; RHC 74.756/PR, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 13/12/2016, DJe 19/12/2016), que adota como limite para a aplicação do princípio da insignificância o valor previsto no art. 20, caput, da Lei nº 10.522/2002, com a redação dada pela Lei nº 11.033/2004 (dez mil reais), o parâmetro a ser adotado para aplicação ou não do princípio da insignificância deve, necessariamente, ser o mesmo utilizado pelo voto vencido.


Consoante orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC nº 84.412/SP (Rel. Min. Celso de Mello), o princípio da insignificância, como fator de descaracterização material da tipicidade penal, deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima. A aplicação do postulado reclama a presença de certos vetores, a saber: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.


Prevalece no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que a conduta descrita no art. 334 do Código Penal é atípica quando o valor dos impostos incidentes não ultrapassa o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), previsto na Portaria nº 75/2012, do Ministério da Fazenda. A título exemplificativo, trago o seguinte julgado:

HABEAS CORPUS. PENAL. DESCAMINHO (CP, ART. 334). PRETENSÃO À APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INCIDÊNCIA. VALOR INFERIOR AO ESTIPULADO PELO ART. 20 DA LEI Nº 10.522/02, ATUALIZADO PELAS PORTARIAS Nº 75 E Nº 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS. ORDEM CONCEDIDA.
1. No crime de descaminho, o Supremo Tribunal Federal tem considerado, para a avaliação da insignificância , o patamar de R$ 20.000,00 previsto no art. 20 da Lei nº 10.522/2002, atualizado pelas Portarias nº 75 e nº 130/2012 do Ministério da Fazenda. Precedentes.
2. Na espécie, como a soma dos tributos que deixaram de ser recolhidos perfaz a quantia de R$ 14.922,69, é de se afastar a tipicidade material do delito de descaminho, com base no princípio da insignificância , já que o paciente, segundo os autos, preenche os requisitos subjetivos necessários ao reconhecimento da atipicidade de sua conduta.
3. Ordem concedida para restabelecer a sentença com que, em virtude do princípio da insignificância, se rejeitou a denúncia ofertada contra o paciente.
(STF, HC 126.191/PR, Primeira Turma, maioria, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 03.03.2015, DJe 07.04.2015)


Também é consagrado que a reiteração de comportamentos antinormativos por parte do agente impede a aplicação do princípio em questão, já que não se pode considerar irrelevantes repetidas lesões a bens jurídicos tutelados pelo direito penal.


No caso em tela, as informações prestadas pela Receita Federal (fls. 365) revelam que o montante dos impostos supostamente iludidos (II e IPI) correspondia, à época, a R$ 17.517,60 (dezessete mil, quinhentos e dezessete reais e sessenta centavos).


Outrossim, não constam nos autos apontamentos em nome do recorrido que comprovem a reiteração dessa conduta delituosa (fls. 56/57). No apontamento de fls. 53 (cf. certidão de objeto e pé de fls. 102), relativo à suposta prática de crime contra a ordem tributária, houve a extinção da punibilidade pelo pagamento do débito fiscal, ainda em fase de inquérito policial (fls. 248/249). Desse modo, não há que se falar em "reincidência", a impedir a aplicação do princípio da insignificância.


Correta, portanto, a solução adotada pelo voto vencido, que concedeu habeas corpus de ofício e determinou o trancamento da ação penal.


Posto isso, DOU PROVIMENTO aos embargos infringentes para fazer prevalecer o voto vencido.


É o voto.


NINO TOLDO
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): NINO OLIVEIRA TOLDO:10058
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Data e Hora: 20/04/2017 18:56:23