D.E. Publicado em 26/09/2018 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar parcial provimento ao apelo do Ministério Público Federal e, de ofício, alterar a destinação da pena de prestação pecuniária em favor da União, nos termos do relatório e voto do Relator, acompanhado pelo Des. Fed. Valdeci dos Santos, vencido o Des. Fed. Wilson Zauhy que dava parcial provimento ao recurso em menor extensão. Por maioria, dar parcial provimento ao recurso da defesa para excluir a condenação do réu em valor de reparação de danos, nos termos do voto do Des. Fed. Wilson Zauhy, acompanhado pelo Des. Fed. Valdeci dos Santos, vencido o Relator, que negava provimento à apelação defensiva. Por maioria, determinar a expedição da guia de execução par cumprimento das penas restritivas, nos termos do voto do Relator, acompanhado pelo Des. Fed. Valdeci dos Santos, vencido o Des. Fed. Wilson Zauhy.
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DECLARAÇÃO DE VOTO
Considerando que restei vencido, faço minha declaração de voto.
Com efeito, segundo orientação do C. STJ, o aumento da pena em razão das circunstâncias judiciais deve levar em conta "o consagrado parâmetro de aumento de 1/8 (um oitavo) para cada circunstância desfavorável" (HC 325.306-RS - Rel. Min. Ribeiro Dantas, STJ).
Considerando a incidência da fração (1/8) sobre o intervalo da pena em abstrato do preceito secundário do crime de "Fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio" (de 01 a 04 anos = intervalo de 03 anos), tem-se 04 meses e 15 dias para cada circunstância desfavorável, o que resulta, no caso concreto, na pena-base de 01 ano e 09 meses de reclusão, tendo em vista a presença de duas circunstâncias desfavoráveis, a saber, circunstâncias e consequências.
Assim, à míngua de agravantes e atenuantes e de causas de aumento e de diminuição da pena, reputo adequado e suficiente fixar a pena-base em 01 ano e 09 meses de reclusão, a qual torno definitiva.
Quanto à reparação de danos, observo o seguinte.
A reparação de danos disposta no artigo 387, IV do CPP é norma de direito material mais gravosa ao réu, por conseguinte, não pode ser aplicada retroativamente em relação a fatos ocorridos anteriormente a sua vigência. Nesse sentido, trago julgado do C. STJ:
No caso concreto, os fatos ocorreram no período entre fevereiro de 2000 e setembro de 2003, anteriores, portanto, à vigência da Lei 11.719/2008.
Assim, incabível a condenação do réu em valor de reparação de danos.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação da defesa somente para excluir a condenação do réu em valor de reparação de danos e dou parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal, em menor extensão, para majorar a pena-base, resultando na pena de 01 ano e 09 meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial aberto, mantida a substituição da pena. A prestação pecuniária deve ser revertida à União, conforme consignou o Relator.
Deixo de determinar a expedição de guia de execução ante o posicionamento firmado pelo C. STJ no bojo do EREsp 1619087/SC, Terceira Seção, julgado em 14/06/2017, em que se fixou entendimento de que nas hipóteses de condenação à pena restritiva de direitos, a expedição da competente guia de execução somente é possível após o trânsito em julgado, em consonância com disposição do artigo 147 da LEP.
Acompanho, no mais, o E. Relator.
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RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (RELATOR):
O Ministério Público Federal denunciou VALDEMIR JOSÉ TREVISAN e MARIA LUIZA PIMENTEL TREVISAN, qualificados nos autos, nascidos aos 20/10/1965 e 08/02/1965, respectivamente, como incursos no artigo 16 da Lei nº 7.492/86. Consta da denúncia:
A denúncia foi recebida em 01/09/2005 (fls. 135).
Aos 22/03/2007 foi determinada a suspensão do processo e do prazo prescricional em relação aos acusados, nos termos do artigo 366 do CPP, bem como decretada a prisão preventiva dos réus (fls. 159/162), sendo a prisão revogada em 09/05/2007 (fl. 220/221) e os réus comparecido em juízo em 07/08/2007 (fl. 261/262).
Após instrução, sobreveio sentença, da lavra do MM. Juiz Federal Substituto Douglas Camarinha Gonzales e publicada em 03/05/2011 (fls. 421/433 e 434) que julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva para absolver MARIA LUIZA PIMENTEL TREVISAN da imputação contida na denuncia, com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, bem como para condenar VALDEMIR JOSÉ TREVISAN como incurso no artigo 16 da Lei nº 7.492/86 à pena de 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e o pagamento de 30 (trinta) dias-multa, cada um no valor de 1/3 (um terço) do salário mínimo, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou entidade pública por igual período, e em prestação pecuniária de 32 (trinta e duas) cestas básicas, a serem entregue a entidade assistencial idônea, a ser definida pelo Juízo da Execução.
Foi ainda fixado o valor de R$ 30.000 (trinta mil reais) como valor mínimo para reparar o dano, nos termos do artigo 387, inciso IV, do CPP, na redação dada pela Lei nº 11.719/08.
Apela o Ministério Público Federal requerendo o aumento da pena-base aplicada, considerando a culpabilidade, personalidade do acusado, conduta social; bem como o reconhecimento da continuidade delitiva, majorando-se a pena no patamar de 2/3, por ter o crime sido praticado ao longo de três anos (fls. 437 e 461/471).
Vieram contrarrazões do réu requerendo o desprovimento da apelação (fls. 547/557).
Também apela o réu VALDEMIR postulando sua absolvição, alegando insuficiência de provas quanto à materialidade e autoria delitivas e, subsidiariamente, a redução da pena de multa, da prestação pecuniária e da indenização cível, não havendo nos autos dados concretos sobre a atual renda do apelante (fls. 474, 488/491 e 529/540).
À fl. 544 foi deferido o beneficio da Justiça Gratuita, isentando o réu do pagamento das custas, observado o disposto no artigo 12 da Lei nº 1.060/50.
Contrarrazões do Ministério Público Federal pelo desprovimento do recurso da defesa (fls. 560/569).
A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra da Dra. Sonia Maria Curvello, opinou pelo provimento da apelação ministerial e pelo desprovimento do recurso da defesa (fls. 573/578).
É o relatório.
Ao MM. Revisor.
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VOTO
O EXCELENTISSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HELIO NOGUEIRA: VALDEMIR JOSÉ TREVISAN foi denunciado e condenado como incurso nas penas do artigo 16 da Lei nº 7.492/86, por ter firmando contratos sob a forma de Sociedade em Conta de Participação, que tinha como atividade principal, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional, dissimulando, portanto, a atividade real de consórcio, que exercia sem qualquer autorização do órgão competente, equiparando-se, assim, à instituição financeira, fazendo operá-la clandestinamente, nos termos do artigo 1º, parágrafo único, I c.c. artigo 16 da Lei nº 7.492/86.
Apela o réu, alegando, em síntese, a ausência de provas da autoria e materialidade delitivas, postulando ainda a redução da pena de multa, da prestação pecuniária e da indenização cível.
Apela o Ministério Público Federal requerendo o aumento da pena-base e o reconhecimento da continuidade delitiva.
Passo a análise do recurso da defesa.
Os artigos 1º, parágrafo único, e 16 da Lei nº 7.492/86 dispõem o seguinte:
No caso em tela, verifica-se que a empresa RODOPLAN COMERCIAL LTDA constitui, de fato, instituição financeira por equiparação, nos termos do art. 1º, § único, inciso I, da Lei nº 7.492/86.
Restou comprovado nos autos que, em 26/06/2008, o acusado Valdemir Jose Trevisan constituiu a empresa Rodoplan Comercial Ltda (fls. 87/90).
A referida empresa apresentava-se formalmente como de sociedade por cotas de responsabilidade limitada. Em sua alteração de contrato social, consta como objetivo social "o comercio de moveis, eletrodomésticos, aparelhos de áudio, som e vídeo, equipamentos de informática, imóveis, presentes, automóveis e motocicletas novos ou usados em geral" (fl. 87).
Todavia, em verdade, a atividade exercida dizia respeito à captação de recursos de terceiros para a formação de poupança e posterior entrega de carta de crédito para aquisição de bens móveis, previamente ajustados com os chamados sócios participantes.
Assim, a forma de Sociedade em Conta de Participação apenas era utilizada para dissimular a prática da atividade de consórcio não autorizado.
Os anúncios de publicidade feitos pela empresa (v.g. fls. 32) demonstram com clareza que a proposta do negócio é o financiamento de automóveis por meio de pagamento de parcelas mensais.
O documento denominado "contrato de constituição de sociedade em conta de participação" permite concluir que a empresa de fato estaria operando consórcio de bens móveis, caracterizando-se a empresa como instituição financeira (fls. 18/19, 30, 34/35):
Como se vê, a descrição das atividades da sociedade demonstra características próprias dos consórcios, os quais constituem uma reunião de pessoas físicas e/ou jurídicas, em grupo fechado, promovida pela administradora, com o fim de propiciar a seus integrantes a aquisição de bem, construção ou reforma de um bem por meio de autofinanciamento.
No mesmo documento acima mencionado, contrato de admissão em Sociedade em Conta de Participação, percebem-se aspectos que não condizem com a entrada de um sócio na sociedade, mas sim dizem respeito a assinatura de um contrato de financiamento. Confira-se:
Consoante se observa da petição de fls. 84/85, do contrato social de fl. 87/90 e da ficha cadastral de fls. 91/92, a empresa foi constituída por Valdemir Jose Trevisan e Ana Lucia Alves, tendo Ana Lucia se retirado da sociedade menos de um mês após a constituição. Ouvida como testemunha de acusação, sob o crivo do contraditório (fls. 287/288), a ex-sócia Ana Lucia Alves afirmou que conheceu Valdemir Trevisan quando trabalhavam na empresa SOROBENS CONSÓRCIOS, tendo eles se retirado dessa empresa para criar a empresa RODOPLAN COMERCIAL "com finalidade semelhante a um consórcio". Disse ainda "que a empresa Sorobens era regulamentada pelo Banco Central como consórcio, e o acusado Valdemir era vendedor de cotas de consórcio nesta empresa" (fls. 287/288).
E verifica-se das declarações dos contratantes de fls. 24, 31 dos autos principais e fl. 4 do apenso, que nenhum bem foi entregue, fato confirmado pelo próprio acusado em juízo ("que com todas as vítimas negociou por não ter conseguido entregar os carros", fl. 261v).
Ademais, as sociedades comerciais têm como elemento essencial de constituição a affectio societatis, o que, definitivamente, não existia in casu com relação aos sócios participantes e a sócia ostensiva RODOPLAN COMERCIAL LTDA, na suposta constituição de Sociedade por Conta de Participação.
Destarte, enquanto o sócio participante (sócio oculto) ingressa na "sociedade" com o objetivo de adquirir um bem móvel, o sócio gerente pretendia ganhar dinheiro administrando a poupança da totalidade de seus sócios participantes.
Assim, não restam dúvidas de que a utilização de Sociedade em Conta de Participação foi uma maneira utilizada para ocultar a verdadeira atividade social exercida, qual seja, de instituição financeira por equiparação.
Comprovou-se nos autos que a empresa atuava como verdadeiro consórcio, captando recursos de terceiros, que visavam a aquisição de imóveis, não tendo a empresa autorização do Banco Central do Brasil para atuar como instituição financeira ou administrar grupos de consórcios (cf. informação de fls. 129).
Registro ainda que a habitualidade restou configurada pela reiteração da conduta, tendo o acusado admitido em juízo que celebrou cerca de 70 contratos entre 1998 a 2002, o que pode ser confirmado pelas cópias dos contratos de fls. 18, 28, 30, 34 dos autos principais e fl. 12 dos autos nº 2008.61.10.006473-5 em apenso, além das certidões de fls. 72/74 do apenso.
Anoto, por fim, que a natureza jurídica do negócio pode de ser verificada pelas atividades que efetivamente são praticadas, na hipótese vertente típicas de administração de consórcio de bens, pouco importando a denominação (nomen iuris) que se dê a ele.
A autoria delitiva também está devidamente demonstrada nos autos.
Conforme se observa do contrato social e alteração já mencionados (fls. 87/9 e 91/92), o réu VALDEMIR JOSÉ TREVISAN era o sócio gerente e administrador da empresa.
A corré Maria Luiza Pimentel Trevisan que também constava como sócia da empresa afirmou em Juízo que "nunca participou da empresa" (fl. 262v) e que "seu marido era único responsável pela administração da sociedade" (fl. 341).
O acusado VALDEMIR JOSÉ TREVISAN confirmou em juízo "que montou uma loja em Sorocaba, com a finalidade de vender financiamento. Que a finalidade era financiar carros usados"; "que a loja virava em torno de financiamento. Quando a pessoa não tinha condições de financiar, então esta pessoa pagava para uma sociedade de financiamento. Que o interrogando era quem administrava este dinheiro, que era pouco" (fl. 261v). Ao ser reinterrogado, confirmou que "a empresa era gerenciada por ele, exclusivamente, sendo que sua esposa apenas comparecia esporadicamente" (fl. 339).
Dessa forma, restou provado que o réu VALDEMIR administrava a empresa RODOPLAN, sendo o responsável pelas contratações efetuadas com as vítimas mencionadas na denúncia.
Ao ser interrogado em Juízo, o acusado VALDEMIR insiste que não se tratava de consórcio, "que nunca teve essa finalidade" (fl. 261v) e que "a ideia era possibilitar a venda de automóveis bastante usados, mais de dez anos de uso, às pessoas que não tinham condições de financiá-los, uma vez que os bancos não financiavam tais tipos de veículos ou não os financiavam em varias prestações, o que impossibilitava a sua compra pelas pessoas de menor potencial aquisitivo", sendo que cobrava uma taxa de administração de 20% sobre o valor do bem e uma taxa de adesão de cerca de 2%, desconhecendo ainda que a atividade por ele exercida era ilegal. Disse ainda que não havia sorteio, o que diferenciava do consórcio, sendo que os carros eram entregues após o pagamento de pelo menos 50% do valor (fl. 338/339).
Entretanto, não é o que se extrai dos autos.
O próprio acusado confirmou em juízo ter trabalhado por dois anos e meio como funcionário em outra empresa que tinha a mesma finalidade e que se utilizou de uma cópia do contrato desta firma (Sorobens) como modelo para confecção dos contratos de sua empresa (fl. 261v).
E a testemunha de acusação Ana Lúcia Alves (fls. 287/288) narrou que a sociedade foi criada com a finalidade semelhante a um consórcio, afirmando, porém, que empresa Sorobens era regulamentada pelo Banco Central como consórcio e que o acusado Valdemir trabalhou como vendedor de cotas de consórcio nesta empresa (fls. 287/288).
Dessa forma, não há como se falar que o acusado, vendendo o mesmo tipo de contrato de financiamento, não soubesse que se tratava de consórcio, restando arredado o erro de tipo.
Destarte, o réu contava com experiência nesse tipo de contrato, tendo trabalhado por dois anos e meio em empresa que adotava a mesma sistemática de captação de clientes para posterior liberação de recursos para compra de automóveis, não havendo que se falar que as atividades desenvolvidas por sua empresa na era típica de consórcio.
Portanto, as provas dos autos corroboram a condenação proferida, que resta mantida.
Da dosimetria da pena.
O magistrado a quo fixou a pena-base em 01 ano e 04 meses de reclusão, ao ponderar a ocorrência de duas circunstâncias judiciais negativas:
Apela o Ministério Público Federal requerendo o aumento da pena-base aplicada, considerando a culpabilidade reprovável, pois restou comprovado que o réu "(i) era o responsável pela administração e gerência dos grupos de consórcios para aquisição de bens móveis, sem a devida autorização do Bacen; (ii) celebrou contratos de adesão com diversas vitimas (fls. 18/19, 25, 30 e 36); (iii) recebeu adiantamentos e deferiu empréstimos em nome da pessoa jurídica RODOPLAN COMERCIAL LTDA".
Alega ainda o MPF que a personalidade do réu está direcionada a prática delituosa, pois "aproveitando-se de sua qualidade de sócio-diretor, cujo poder de gestão lhe era inerente, de maneira reiterada e contumaz, lesou a credibilidade e higidez o sistema financeiro nacional e dos consorciados pertencentes ao grupo".
Sustenta ainda que "a conduta social apresentou grave relevância social já que afetou o patrimônio de diversas vítimas desprovidas de condições financeiras".
Pede ainda a Acusação o reconhecimento da causa de aumento de pena relativa ao crime continuado, prevista no artigo 71 do Código Penal, pois restou demonstrada a prática do delito ao longo de três anos.
Assiste parcial razão à Acusação.
O fato de o acusado ser responsável pela administração e gerência dos grupos de consórcios para aquisição de bens móveis, sem a devida autorização do Bacen faz parte da elementar do tipo penal. A lesão à credibilidade e higidez o sistema financeiro nacional e dos consorciados pertencentes ao grupo também faz parte do tipo penal, já sendo ponderado pelo legislador quando do estabelecimento do preceito secundário da pena.
No entanto, a pena-base deve ser fixada acima do mínimo legal, tendo em conta as circunstâncias que envolveram a prática do fato e as consequências do crime.
Com efeito, as atitudes perpetradas pelo acusado merecem uma reprovação social maior que o mínimo legal estipulado. As circunstâncias em que o crime foi praticado ensejam um aumento na pena-base, dada a sofisticação e a forma do método empregado para perpetração do delito (distribuição de panfletos em diversas casas de modo a atingir maior número de pessoas).
Verifico, igualmente, que a consequência de suas ações foi de intensa relevância, tendo o acusado se aproveitado de pessoas com parcos recursos e pouca instrução, que restaram iludidas na compra de automóveis usados.
Nesse sentido, Jose Roberto Cega Carneiro declarou que deu um veículo fusca ano 1977 no valor de R$ 1.600,00 como lance, além de ter efetuado pagamento de mais da metade do valor do carro pretendido, não recebendo o bem, tendo feito posterior acordo em que a empresa se comprometeu a devolver R$ 1.200,00 em 10 parcelas, mas devolveu apenas uma parcela de R$ 120,00 (fl. 24). Já Eduardo Bazelloto declarou que pagou R$ 856,00, tendo feito acordo judicial com a empresa, mas recebido apenas R$100,00 (fl. 31). Maria Aparecida Faria pagou R$ 3.093,41 (fl. 8 do apenso), Wilson Luiz Ferreira fez acordo para receber R$ 2.408,00 em sete parcelas, mas o acordo não foi cumprido (fl. 72 do apenso). Valdemar Gomes Alves fez acordo judicial com a empresa, que se comprometeu a pagar R$1.720,00 em 10 parcelas, que não foi cumprido (fl. 73 do apenso). A empresa deveria pagar R$ 1.500,00 em três parcelas para Flavio Sergio Pereira, que não foi honrado (fl. 74 do apenso).
Quanto ao pedido da Acusação de reconhecimento da continuidade delitiva, entendo por bem considerar o fato de o crime ter sido praticado ao longo de três anos como circunstância do crime, na fixação da pena-base.
É certo que o crime do artigo 16 da Lei nº 7.492/86 é considerado habitual impróprio, em que uma única ação tem relevância para configurar o crime. Sua reiteração, apesar de não configurar pluralidade de crimes, constitui circunstância que deve ser ponderada negativamente. Assim, sendo incontroverso que as condutas se estenderam pelo período de 03 anos, mostra-se justa e adequada a sua valoração negativa para majorar a pena-base.
Sobre o tema, já decidiu este Tribunal Regional Federal:
Destarte, reputo adequado e suficiente fixar a pena-base em 02 anos e 04 meses de reclusão, a qual torno torna definitiva, à míngua de agravantes e atenuantes e de causas de aumento e de diminuição da pena.
No tocante à pena de multa, verifico que o magistrado a quo a fixou em 30 (trinta) dias-multa, cada um no valor de 1/3 (um terço) do salário mínimo vigente à época dos fatos. Requer a defesa a redução da pena de multa aplicada, ao argumento que foi fixada em patamar desproporcional diante da atual situação financeira do apelante.
Quanto à pena de multa, assinalo que a sua fixação deve seguir os mesmos critérios utilizados para a pena privativa de liberdade, conforme entendimento consolidado dessa Turma.
Dessa forma, considerados os mesmos critérios da fixação da pena privativa de liberdade, na primeira fase da fixação da pena, estabeleço a pena-base em 22 (vinte e dois) dias-multa, que torno definitiva, à mingua de agravantes e atenuantes e de causas de aumento e de diminuição da pena.
Do valor do dia-multa: o MM. Juiz a quo fixou o valor de cada dia-multa em 1/3 (um terço) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, "como necessário à prevenção e repressão do delito, registrando que este valor é compatível com a atual situação econômica do réu, funcionário da Prefeitura do Município de Taquarivaí/SP (cf. fl. 188)."
A aplicação da pena de multa enseja a imposição de um valor pecuniário de caráter penal bastante para a censura do comportamento praticado, sendo que, para a estipulação do valor da pena de multa, deve ser observada a situação do réu, conforme o artigo 60 Código Penal.
Assim, considerada profissão do acusado e sua capacidade econômica, além do proveito obtido com o delito, a fixação do valor de cada dia-multa em 1/3 (um terço) do salário mínimo é razoável, considerando os limites mínimo e máximo legais (1/30 a 50 vezes o valor do salario mínimo vigente ao tempo dos fatos - artigo 49, §1º do CP e artigo 33 da Lei nº 7.492/86), devendo ser mantido no patamar aplicado.
No tocante ao valor da prestação pecuniária, registro que o artigo 45, §1º, do Código Penal dispõe expressamente que "a prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos".
Dessa forma, considerado as circunstâncias em que o delito foi praticado, em especial o montante transacionado, entendo por bem manter o valor da prestação pecuniária em 32 (trinta e dois) salários mínimos, patamar que reputo condizente com a retribuição e prevenção da sanção penal.
No entanto, mister consignar que é facultado o parcelamento do montante devido pelo Juízo da Execução, em parcelas compatíveis com o atual auferimento de rendimentos pelo acusado.
Quanto à destinação da pena de prestação pecuniária, substitutiva da pena privativa de liberdade, a sentença comporta reparo, de ofício, posto que a mesma deve ser revertida em favor da entidade lesada com a ação criminosa, nos termos do artigo 45, §1° do Código Penal, no caso, a União.
Mantenho o regime aberto para o início do cumprimento da pena, a teor do artigo 33, §2º, alínea "c" do CP.
Por fim, quanto ao valor mínimo estabelecido na sentença, com fulcro no artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal a título de reparação de danos, o magistrado a quo assim fundamentou:
O legislador com a edição da Lei n. 11.719/08, ao alterar a redação do art. 387, IV, do Código de Processo Penal e estabelecer que o Juiz, ao proferir a sentença, "fixará o valor mínimo da reparação dos danos causados pela infração", integrou o disposto no artigo 91, I, do Código Penal, que expressamente prevê como efeito da condenação o dever de reparação do dano.
Anteriormente à referida modificação legal, a indenização decorrente da condenação criminal era totalmente ilíquida. Agora, passou a veicular certo grau de liquidez.
Sobre o tema, registro o posicionamento doutrinário de Walter Nunes da Silva Junior:
Contudo, tal valor não inviabiliza, tampouco retira do réu, a prerrogativa de discussão na sede adequada, sendo certo que a cobrança do montante dependerá da instauração da respectiva ação executiva, perante o Juízo Cível, possibilitando o exercício de defesa com todos os seus consectários, incluindo a questão atinente ao valor da reparação.
Assim, é possível que na ação de execução, se esta vir a ser instaurada pela vítima, seja apurado outro valor de reparação - maior ou menor -, diverso daquele fixado pelo Juízo criminal, não se podendo olvidar, ainda, da possibilidade de se concluir pela inexistência de valor a ser indenizado.
Cumpre destacar que o parágrafo único acrescentado ao artigo 63 do Código de Processo Penal, também pela Lei n. 11.719/2008, expressamente dispõe acerca da possibilidade de liquidação, perante o Juízo cível, com o objetivo de apurar o "dano efetivamente sofrido", demonstrando que a discussão não se encerra no processo penal.
O valor mínimo de reparação do dano não é pena, mas sim consequência do efeito da condenação, nos termos do artigo 91, I, do Código Penal, e visa ressarcir a vítima.
Registro ainda que o referido artigo 387, inciso IV do CPP determina que o juiz, ao proferir a sentença condenatória, fixe "valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido".
Considerando que o mencionado dispositivo determina a fixação de valor mínimo da reparação de danos, e manda considerar os prejuízos sofridos, tal reparação deve ser entendida como ressarcimento pelos danos materiais.
Na fixação da indenização por danos materiais, o parâmetro é exclusivamente o prejuízo sofrido pela vítima. A indenização deve ser tal que recomponha o patrimônio do ofendido ao status quo ante, sendo irrelevante a capacidade econômica do ofensor.
Acresce-se que, tratando-se de crime patrimonial, há montante determinado, ou ao menos determinável, do prejuízo material sofrido pela vítima. No caso dos autos, o próprio acusado afirmou perante o Juízo ter "ficado devendo aos clientes a quantia de trinta mil reais" (fl. 339).
Dessa forma, entendo por bem manter como fixação de valor mínimo para reparação de danos materiais, no valor de R$ 30.000,00, devidamente corrigido à época do pagamento.
Eventual declaração da prescrição da pretensão punitiva estatal será reconhecida após o trânsito em julgado.
Pelo exposto, nego provimento ao apelo da dessa e dou parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal para majorar a pena-base, resultando na pena de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial aberto, além do pagamento de 22 (vinte e dois) dias-multa, e, de ofício, altero a destinação da pena de prestação pecuniária em favor da União.
Nos termos do novel entendimento do STF (HC 126.292, ADCs 43 e 44), expeça-se a competente guia de execução para imediato cumprimento das penas restritivas de direito.
É o voto.
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