D.E. Publicado em 07/06/2017 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, negar provimento à apelação do MPF e, de ofício, excluir a condenação em reparação de danos, nos termos do voto do Relator, acompanhado pelo Des. Fed. Valdeci dos Santos, vencido o Des. Fed. Hélio Nogueira que mantinha o valor mínimo de reparação de danos fixado na sentença, nos termos do art. 387, inc. IV, do CPP e, por maioria, determinar a imediata expedição de guia de execução, nos termos do voto do Des. Fed. Valdeci dos Santos, acompanhado pelo Des. Fed. Hélio Nogueira, vencido o Relator que entende que a expedição da guia de execução deve ser feita após certificado o esgotamento dos recursos ordinários.
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Data e Hora: | 02/06/2017 16:26:40 |
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VOTO
Consignou o MPF: "Consta dos inclusos autos que em 27 de abril de 2007, a denunciada obteve para si e para outrem vantagem indevida, em prejuízo da União, induzindo servidores da Receita Federal em erro mediante meio fraudulento."
Consignou o Juiz: "Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na denúncia para CONDENAR a ré RAQUEL FERREIRA SIRQUEIRA DA SILVA, qualificada nos autos, nas penas do artigo 171, § 3°, do Código Penal."
Apela a acusação.
DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. TIPICIDADE.
ESTELIONATO QUALIFICADO.
O tipo penal imputado à parte ré é o seguinte:
Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.
(...)
§ 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.
Imputado à parte ré a prática de estelionato qualificado, tipificado no artigo 171, §3º, do CP.
PRELIMINAR
Alega a defesa em contrarrazões a ocorrência de prescrição.
Não houve prescrição.
Pela pena aplicada na sentença, o prazo prescricional é de 04 anos, não tenho transcorrido esse prazo entre nenhum dos marcos interruptivos.
Ademais, ainda que houvesse transcorrido mais de 04 anos entre qualquer dos marcos interruptivos, o MPF apelou para majorar a pena, o que tornaria inviável reconhecer a prescrição nesse momento.
Assim, rejeito a alegação de prescrição.
MATERIALIDADE
Consignou o Juiz a respeito da materialidade:
"No que se refere à materialidade delitiva, encontra-se ela plenamente demonstrada pelos documentos fiscais de fls. 19/22, consistentes em extratos eletrônicos do processamento da declaração de imposto de renda, constando fonte pagadora inexistente, valor fictício de imposto de renda retido na fonte e determinado montante de imposto a ser supostamente restituído, com saque bancário realizado em 27/04/2007, no valor de R$661,93."
Constam dos autos:
- fls. 06 - Comunicado de indício criminal emitido pelo auditor da Receita Federal onde consta o relato de que havia irregularidade na declaração da contribuinte Maria das Graças Cordeiro Mota (declarou ter recebido valor do INSS e este órgão informou não ter pago qualquer quantia a ela);
- fls. 12 - esclarecimentos da contribuinte prestados na Receita Federal dizendo que não tinha os documentos solicitados pela fiscalização e que uma pessoa chamada Raquel é que foi a responsável pelas informações prestadas na sua declaração;
- fls. 17 - informação do INSS consignando não ter sido pago nenhum benefício até aquela data (27/02/2009) a Maria das Graças Cordeiro Mota;
- fls. 19 - cópia da declaração de Maria das Graças Cordeiro Mota entregue em 12/12/2006 onde consta a informação da retenção na fonte do valor de R$ 738,00 em razão de valor recebido do CNPJ 29.979.036/0001-40 (pertencente ao INSS);
- fls. 22/23 - cópia da situação da restituição em nome da contribuinte constando "resgate efetuado em banco em 27/04/2007".
- fls. 39 - declarações da contribuinte na delegacia reafirmando que a pessoa de nome Raquel foi a responsável pela declaração e que sacou cerca de R$ 600,00 depositados em sua conta;
- fls. 41 - Cleia Cordeiro Mota Mesquita Santana, filha da contribuinte, confirmou a história e disse que muitas pessoas foram enganadas por Raquel e que sua mãe sacou o dinheiro;
- fls. 61 - quebra de sigilo telemático autorizada às fls. 51 revelou que o IP responsável pela transmissão da declaração foi o de nº. 201.93.202.200 (fls. 47) utilizado por Raquel Siqueira (fls. 62);
- fls. 67 - declarações de Raquel Ferreira Siqueira da Silva na delegacia dizendo que a responsável pelas declarações prestadas à Receita era sua amiga virtual identificada como Adriana Martinelli.
Desse modo, verifica-se ter ficado comprovada a materialidade do delito.
Conclusão:
Devidamente comprovada nos autos a materialidade do delito atribuído à parte ré.
AUTORIA
Consignou o Juiz a respeito da autoria:
"Quanto à autoria delitiva, infere-se a sua presença do conjunto probatório colacionado aos autos. A prova oral produzida, somada à prova documental, é certa no sentido de que a acusada preencheu e enviou à Secretaria da Receita Federal, por meio da rede mundial de computadores (Internet), falsa declaração de imposto de renda de pessoa física (DIRPF), constando valor fictício de imposto de renda retido na fonte (IRRF), pelo qual se obteve a indevida restituição de numerário, sacado em agência bancária pelo favorecido.
De fato, não há controvérsia de que RAQUEL transmitiu os dados eletrônicos da Declaração de Imposto de Renda de Pessoa Física, referente ao exercício de 2006, em favor de MARIA DAS GRAÇAS CORDEIRO MOTA (fls. 19/23), obtendo para esta, mediante fraude consistente na indicação de falso imposto de renda retido pela suposta fonte pagadora, a restituição tributária indevida no valor de R$ 661,93, sacada em banco pela favorecida em 27/04/2007.
Consta dos autos que a suposta fonte pagadora utilizada na declaração de IRPF não efetuou qualquer pagamento à declarante, inexistindo a prévia retenção de imposto de renda e o fato gerador da restituição tributária posteriormente obtida (fls. 17/18).
As informações de fls. 61/62, alusivos à quebra de sigilo telemático, dão conta que o IP (Internet Protocol) utilizado para a transmissão dos dados eletrônicos da declaração estava vinculado à conta telefônica de RAQUEL, dela partindo a iniciativa de preenchimento e remessa da declaração de IRPF contendo dados fraudulentos, fato confirmado pela própria acusada em seu interrogatório em juízo e indicado pelas testemunhas ouvidas na fase policial e na instrução.
Com efeito, a testemunha MARIA DAS GRAÇAS CORDEIRO MOTA, em depoimento registrado em mídia eletrônica (fls. 166/169), confirmou que a sua filha entregou os seus documentos pessoais a uma pessoa de nome CIDA, que serviu de intermediária na contratação dos serviços de preenchimento e entrega da declaração de IR, mediante o pagamento de R$50,00 (cinqüenta reais) pelos serviços prestados, tendo a depoente efetivamente retirado a quantia aproximada de R$600,00 (seiscentos reais) a título de restituição de imposto de renda. Disse, entretanto, não conhecer a ré.
A testemunha CLEIA CORDEIRO DE MOTA MESQUITA SANTANA, em depoimento registrado em mídia (fls. 168/169), coerente com o prestado na fase policial (fls. 41/42), confirmou ter entregue os documentos da sua mãe a uma pessoa de nome CIDA, que ficou encarregada de repassa-los para fins de preparação e envio de declaração de imposto de renda, contendo o suposto direito de restituição tributária.
A acusada RAQUEL, interrogada em juízo, confirmou ter preparado e transmitido diversas declarações de imposto de renda a terceiros, constando o direito de restituição tributária, mediante o uso de programa de informática instalado em seu computador pessoal, com a ajuda do "casal" "Jhames" e "Adriana", que se apresentaram como prestadores de serviços e a convidaram para entrar na empreitada, participando dos valores pagos pelos interessados que por ela fossem arregimentados (conforme registrado a partir de 3min0seg do interrogatório). Afirmou que, conforme lhe fora ensinado, utilizava uma "tabela" previamente confeccionada, pela qual eram lançados na declaração elementos padronizados em favor dos interessados, como o CNPJ do último empregador ou, no caso de doença, do INSS (aos 8min0seg), bem como despesas com compras de medicamentos (9min0seg). Disse não possuir mais a referida "tabela", e que toda a trama teria sido idealizada por "Jhames", que recebia parte do pagamento dos serviços, sem que ela soubesse que se tratava de fraude (a partir de 18min30seg). Indicou como testemunha a Sra. Maria Helena, tia de "Jhames". Diz ter sido ameaçada por ele para que não o denunciasse (aos 33min0seg).
Chamada a depor como testemunha do juízo, cujo depoimento foi gravado em mídia (fls. 180/181), MARIA HELENA RODRIGUES DA SILVA confirmou ser vizinha da acusada RAQUEL e ter recebido em sua casa um sobrinho de seu marido, cujo nome "parecia ser Jhames", que passou por volta de uma semana lá hospedado. Declarou que ele e a "mulher" que o companhava preparavam declarações de imposto de renda, tendo eles conhecido RAQUEL na ocasião (aos 5min30seg), quando "Adriana" teria ensinado a RAQUEL como era feita a declaração (aos 14min0seg). Afirmou ter alertado RAQUEL de que "Jhames" não era boa companhia, sendo que aquela negou, num primeiro momento, que estivesse preparando declarações de imposto de renda em conjunto com o sobrinho (aos 6min0seg, aos 19min30seg e aos 21min40seg). Verberou nunca ter visto o sobrinho com arma de fogo (aos 20min0seg), mas que RAQUEL teria dito que estava sendo obrigada a preparar as declarações (aos 20min40seg).
Em face do conjunto probatório, conclui-se que a acusada RAQUEL efetivamente promoveu a preparação e transmissão da declaração eletrônica de imposto de renda, inclusive cooptando outros interessados em obter a restituição de imposto de renda, mediante falsa declaração aposta em formulário eletrônico padronizado, nele constando suposta fonte pagadora e inverídica retenção de imposto de renda, cujo lançamento proporcionou a pretendida restituição fiscal (vantagem econômica ilícita), obtida, na verdade, por meio de fraude documental (falsidade ideológica).
Esse modus operandi foi reproduzido em diversas declarações de imposto de renda, como se verifica dos elementos probatórios constantes dos autos."
Conforme se verifica, a autoria da ré ficou comprovada, pois:
- a quebra do sigilo telemático indicou que foi a ré que transmitiu a declaração de Maria da Graças (fls. 62), sendo que tal informação confirma os depoimentos da contribuinte (fls. 12 e 39) e da filha desta (fls. 41);
- a ré disse em juízo que transmitiu declarações de imposto de renda para terceiros porque achava que estava fazendo o certo sob orientação de duas pessoas (James e Adriana), inclusive achava que estava trabalhando regularmente; que ela mesma recebeu uma restituição indevida; que chegou a cobrar de R$ 10,00 a 30,00 por declarações transmitidas; disse que foi James quem a orientou a usar o CNPJ do INSS caso alguém tivesse ficado doente ou usar o CNPJ da última empresa que a pessoa trabalhou; o valor a ser lançado dependia da idade da pessoa e quanto tempo ela trabalhou (tudo isso contava da tabela entregue a ela por James); disse que dividia os valores recebidos com James; depois veio a saber que James tinha "problemas com a polícia", sendo ameaçada por ele para não entregá-lo à polícia.
Assim, fica claro que a ré foi a responsável pela transmissão da declaração com informações falsas.
Conclusão:
Devidamente comprovada nos autos a autoria do delito atribuído à parte ré.
DOLO.
Consignou o Juiz a respeito do dolo:
"O dolo da acusada é extraído das circunstâncias do crime. Está evidenciado que RAQUEL não agiu sozinha, fazendo parte de um aparato criminoso montado para fraudar o recebimento de restituição de imposto de renda, mediante conteúdo falso em declaração prestada em nome de terceiros interessados, que pagavam, aparentemente de boa-fé, pelo "serviço" prestado, acreditando na legalidade da operação fiscal.
Todavia, a mesma boa-fé que os beneficiados aparentavam não é observada na pessoa da acusada.
Como visto no depoimento da Sra. MARIA HELENA, a ré foi por ela alertada sobre as qualidades depreciativas do sobrinho "Jhames", na mesma época em que começaram a trabalhar em conjunto, tendo a própria acusada, num primeiro momento, negado que estivesse em tratativas com "Jhames". Ora, embora a acusada tenha baixa instrução formal, é intuitivo para qualquer pessoa que o oferecimento de uma oportunidade de angariar dinheiro fácil, vinda de alguém que não merece confiança, deve ser vista com a maior reserva e suspeita possíveis, cabendo mesmo verificar de antemão a lisura da proposta.
Não foi o que RAQUEL fez. Simplesmente ignorou os alertas de sua vizinha (tia de "Jhames") e, provavelmente pretendendo uma fonte de renda fácil, até mesmo para fazer frente às suas necessidades materiais básicas, passou a promover o "serviço" de "restituição tributária", utilizando-se de artifício documental para manter em erro os agentes fiscais, consistente no falso lançamento de fonte pagadora e retenção de IR inexistente na declaração de imposto de renda de terceiros interessados, inclusive do beneficiário retratado na denúncia, com valores propositadamente reduzidos para evitar a prévia conferência das autoridades fiscais.
A ré agiu com vontade e consciência de praticar o crime, assumindo o risco de produzir o resultado danoso ao erário (dolo eventual - artigo 18, I, segunda parte, Código Penal), pois, mesmo sabedora de que o "serviço" fora montado por pessoa de nenhuma confiança ("Jhames", acompanhado de sua mulher "Adriana"), não procurou saber da legalidade do serviço prestado, preferindo a ele aderir ainda que estivesse praticando algum ato ilícito, não deixando passar a "oportunidade" surgida de ganhar algum dinheiro trabalhando em sua própria residência.
A má-fé da acusada é latente, pois sequer conseguiu declinar com segurança o nome desse tal "Jhames", suposto autor intelectual da operação fraudulenta, cuja identidade, pelo que se depreende, nem foi objeto da curiosidade da ré.
Em face das circunstâncias, o resultado danoso para o Fisco era perfeitamente previsível para RAQUEL, que aceitou o risco de produzi-lo, movida pelo interesse de receber algum dinheiro trabalhando em sua casa.
A acusada agiu assumindo o risco de obter para outrem a vantagem ilícita, mantendo em erro os agentes da Receita Federal do Brasil, mediante falsa indicação, na declaração de imposto de renda transmitida, de suposto valor retido na fonte, apto a gerar a pretendida restituição tributária, cobrando determinada quantia pelo serviço prestado ao interessado na aludida restituição.
Presente, assim, o especial fim de agir (antigo "dolo específico") previsto no tipo penal do estelionato, referente à obtenção de vantagem ilícita em favor de outrem e em prejuízo alheio, mediante induzimento a erro dos agentes fiscais.
Embora não conste da denúncia, o beneficiado com a restituição tributária, que aparentemente teria agido de boa-fé, também foi vítima da empreitada criminosa, pois pagou certa quantia por serviço prestado de forma ilícita, tendo igualmente sido induzido a erro pela promessa de vantagem econômica que supunha ser legítima.
Concessa venia, não se vislumbra qualquer erro sobre a ilicitude do fato por parte da acusada, embora essa consciência tenha sido efetivamente reduzida no caso concreto. De fato, RAQUEL encontrava-se ciente da forte probabilidade da ilicitude da proposta de "serviço", assumindo o risco consciente de causar lesão aos cofres públicos. A conduta da acusada enquadra-se no tipo penal do art. 171, §3°, do Código Penal, na medida em que, dolosamente, obteve para outrem vantagem ilícita em prejuízo alheio, utilizando-se de meio fraudulento para induzir e manter em erro a vítima, cuja qualidade de entidade de direito público implica na majoração da pena em 1/3 (um terço).
O crime foi praticado na modalidade consumada, uma vez constatada a efetiva obtenção da vantagem ilícita pelo beneficiado da fraude, que resgatou o valor da restituição tributária indevida em 27/04/2007 (fl. 22).
Observo que, sendo o dolo, na comum lição da doutrina, a vontade livre e consciente de praticar a conduta proibida pelo tipo penal, é inegável a sua presença na hipótese dos autos.
O crime de estelionato, in casu, consistiu na obtenção de vantagem ilícita para Maria das Graças em prejuízo da entidade pública induzida a erro mediante fraude.
A ré alegou que não sabia estar induzindo a entidade publica a erro mediante fraude.
Contudo, em seu interrogatório judicial, aos 12mins, a ré explicou como procedia aos lançamentos no programa da Receita Federal utilizando-se de uma tabela fornecida por James. Disse que o seguinte:
"Eu até lembro de como era essa tabela. Era assim: a pessoa trabalhou durante 4 anos, era pra lançar com R$ 16.460,00; se a pessoa trabalhou 2 anos, era pra lançar R$ 14.200,00"
Pergunta do Juiz: "Mas no nome de que empresa?"
Resposta da ré: "No nome da última empresa que a pessoa trabalhou. E se a pessoa não tivesse trabalhado, tinha ficado doente e pagava INPS essas coisas, era pra colocar aquele CNPJ que depois eu vim descobrir que era do INPS."
Pergunta do Juiz: "Mas isso mesmo se a pessoa não estivesse trabalhando mais?"
Resposta da ré: "Isso, mesmo se a pessoa não tivesse trabalhando mais, foi o que eu lembro.. até o Dr. Falou agora eu lembrei até da feição dele falando pra mim, ele falou pra mim assim: mesmo que a pessoa não trabalhou você pega a última empresa que a pessoa trabalhou e faz esses lançamentos... "
Ora, não há como sustentar, portanto, que a ré não sabia tratar-se de uma fraude, afinal admitiu que lançava valores nas declarações mesmo que a pessoa (suposto contribuinte) não tivesse trabalhado. E ainda, tais valores eram predeterminados (de acordo com a tabela de James) e não tinham nenhuma relação com a realidade financeira daquela pessoa/suposto contribuinte.
Inclusive o campo específico para lançar os recebimentos do contribuinte no programa da Receita Federal utilizado na elaboração das declarações de ajuste anual era intitulado "Rendimentos Recebidos de Pessoa Jurídica" (fls. 19).
Portanto a ré sabia que Maria das Graças não recebera o valor informado na declaração, então praticou livre e conscientemente a fraude contra a entidade pública.
Conclusão:
Verifica-se que a parte ré teve deliberadamente a intenção de praticar o crime de estelionato qualificado, tipificado no artigo 171, §3º, do CP.
DOSIMETRIA.
Consignou o Juiz a respeito da dosimetria:
"Para a fixação da pena-base, nos termos do art. 59 do Código Penal, não podem ser levados em conta nos antecedentes criminais os inquéritos policiais e ações penais em curso, conforme a Súmula n. 444 do Superior Tribunal de Justiça, por força do princípio constitucional da não culpabilidade enquanto não houver trânsito em julgado da condenação (art. 5°., LVII, CF/88).
Embora a acusada responda a diversos processos criminais (fls. 100, 104, 108, 109, 110, 130, 145 e 159), não consta qualquer condenação definitiva, razão pela qual não possui maus antecedentes. A sua culpabilidade é leve, pois reproduziu a fraude arquitetada por outra pessoa, com reduzida consciência da ilicitude do fato, apenas assumindo o risco de provocar o resultado danoso ao Fisco, cuja ocorrência era perfeitamente previsível.
As conseqüências do crime são de pequenas proporções, pois a ré causou prejuízos financeiros diretos de pouca monta à Fazenda Nacional, cujo comportamento, por sua vez, colaborou para a consumação do crime, deixando de fiscalizar antecipadamente a pertinência das informações prestadas na declaração de imposto de renda da pessoa física, facilitando, com isso, a obtenção da vantagem indevida.
Em face de tais premissas, e à míngua de outros elementos, fixo a pena-base no mínimo legal, ou seja, em 01 (um) ano de reclusão, nos termos do art. 59 do Código Penal.
A ré cometeu o delito em concurso de pessoas, tendo recebido pagamento em dinheiro pela participação ativa na fraude, razão pela qual deve responder pela circunstância agravante do artigo 62, IV, do Código Penal, em face da qual elevo a pena em 1/6 (um sexto), fixando-a em 01 (um) ano e 02 (dois) meses de reclusão.
Ausentes circunstâncias genéricas atenuantes da pena.
Presente a causa especial de aumento de pena prevista no art. 171, §3°. do CP, nos termos da fundamentação, razão pela qual elevo a pena em 1/3 (um terço), fixando a pena corporal final em 01 (um) ano, 06 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, a ser cumprida em regime aberto.
Presentes os requisitos do art. 44 do Código Penal, converto a pena de reclusão em uma pena restritiva de direito, consistente na limitação de fim de semana, na forma do artigo 48 do Código Penal, e em uma pena de multa, que fixo em 14 (quatorze) dias-multa, cada um no montante de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, diante da ausência de prova da situação econômica da ré, devendo o valor apurado ser corrigido desde a prática da infração penal, nos moldes do art. 49, §§1°. e 2°., c.c. o art.60, "caput", do Código Penal.
Utilizados os mesmos parâmetros acima para a pena de multa, sem prejuízo da conversão acima (multa substitutiva - Súmula 171 do STJ), fixo-a em 14 (quatorze) dias-multa, cada um no montante de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, diante da ausência de prova da situação econômica da ré, devendo o valor apurado ser corrigido desde a prática da infração penal, nos moldes do art. 49, §§1°. e 2°., c.c. o art.60, "caput", do Código Penal.
(...)
Determino, como valor mínimo para a reparação dos danos materiais sofridos pela vítima Fazenda Nacional (art.387, IV, CPP), o montante de R$661,93 (seiscentos e sessenta e um reais e noventa e três centavos), considerando a inexistência de outros elementos comprobatórios da extensão dos danos causados."
Apela o MPF requerendo a majoração da pena-base.
Contudo, conforme destacado no parecer da Procuradoria Regional da República, não deve haver majoração da pena-base.
Isso porque "é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar apena-base" (Súmula n° 444 do STJ), seja sob o enfoque de maus antecedentes, de personalidade desajustada ou má conduta social.
Bem acrescentou a Procuradoria também:
"Sobre a culpabilidade da ré, ao contrário do que afirma a acusação, não se afere nenhuma circunstância que a reputa mais acentuada, e tampouco seja o dolo intenso na situação vertente. Todos os aspectos levantados pelo MPF cuidam-se de elementos indissociáveis do estelionato, tais como o convencimento dos contribuintes a aderir a seus serviços, fazer do crime seu meio de vida e a desconsideração da importância do aparato estatal enquanto Administração Pública.
Quanto aos motivos e as circunstâncias do delito, alinhavados pelo Ministério Público Federal, como receber o valor de sua prestação de serviço e comercializar fraude em prejuízo aos cofres públicos, é inconteste que trata-se de circunstância também já contida no tipo penal e em sua causa de aumento, ou seja, pelo fato de o crime ser cometido contra a Receita Federal (artigo 171, §3°), consistindo, se levado em consideração nessa fase, em obséquio ao artigo 68 do CP, em dupla valoração do mesmo fato."
Desse modo, inviável acolher a alegação da acusação.
Cabe apenas afastar, de ofício, a condenação em reparação de danos fixada com base no artigo 387, IV, do CPP, o qual não estava em vigor na época do crime.
A reparação de danos disposta no artigo 387, IV do CPP é norma de direito material mais gravosa ao réu, por conseguinte, não pode ser aplicada retroativamente em relação a fatos ocorridos anteriormente a sua vigência. Nesse sentido, trago julgado do C. STJ:
In casu, a consumação do crime se deu em 27/04/2007 e redação dada ao inciso IV do artigo 387 do CPP foi dada pela Lei 11.719 que data de 2008.
DISPOSITIVO
Ante todo o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação do MPF e, DE OFÍCIO, excluo a condenação em reparação de danos.
Tendo em conta o quanto decidido pelo STF no HC nº 126.292 e nas ADCs 43 e 44, em que se afirmou a possibilidade de imediato cumprimento do decreto condenatório exarado por colegiado de que não caiba mais recurso ordinário, entendo que a expedição da competente guia de execução deve ser feita após certificado o esgotamento dos recursos ordinários no caso concreto.
É o voto.
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