Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 11/06/2018
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002137-60.2005.4.03.6110/SP
2005.61.10.002137-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : GERSON CERQUEIRA
ADVOGADO : SP276895 HENRIQUE ZELANTE RODRIGUES NETTO e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
EXCLUIDO(A) : VALDINEIA RUBINO MIRANDA
No. ORIG. : 00021376020054036110 1 Vr SOROCABA/SP

EMENTA

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. OPERAÇÃO CLANDESTINA DE SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÃO. TIPIFICAÇÃO LEGAL. ARTIGO 183 DA LEI 9.472/1997. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO MULTIMÍDIA (SCM). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: INAPLICABILIDADE. MONOPÓLIO CONSTITUCIONAL DA UNIÃO. DESTINAÇÃO DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. APELAÇÃO DESPROVIDA.
1. Apelação da Defesa contra sentença que condenou o réu como incurso no artigo 183 da Lei nº 9.472/1997.
2. A materialidade e a autoria delitivas restaram comprovadas. Comprovado o desenvolvimento da atividade de telecomunicação, por meio do fornecimento de internet de banda larga a assinantes, via rádio, mediante pagamento mensal, sem autorização da Anatel.
3. A prova produzida é o sentido de que o acusado efetivamente prestava SCM - Serviço Coletivo Multimídia, e não de SVA - Serviços de Valores Adicionados, como declarado.
4. A conduta descrita na denúncia amolda-se ao artigo 183 da Lei 9.472/1997, pois o réu utilizou-se de radiofreqüência para fornecer SCM - Serviço de Comunicação Multimídia a terceiros com finalidade comercial - internet via rádio, sem a devida licença.
5. A conduta imputada ao réu é de uso clandestino de radiofreqüência, a que se refere o artigos 163 da Lei n° 9.472/1997. No serviço de comunicação multimídia, a transmissão e recepção dos dados se dá em âmbito restrito, em um espectro de freqüência diverso dos serviços de radiodifusão, ao alcance dos aparelhos de rádio destinados ao público em geral, conforme se verifica do art.6° da Lei n° 4.117/1962.
6. Não se trata portanto de estação de radiodifusão clandestina, mas sim de operação clandestina de serviço de comunicação multimídia, e a conduta enquadra-se no artigo 183 da Lei nº 9.472/1997. Precedentes.
7. Não é cabível aplicação do princípio da insignificância, ao argumento da ausência de interferências em outros serviços que envolvem comunicação. A norma do artigo 183 da referida Lei 9.472/1997 protege não só a regularidade dos serviços de telecomunicações, mas também o monopólio, constitucionalmente atribuído à União, na exploração desses serviços.
8. A se admitir a aplicação do princípio da insignificância, ao argumento da baixa potência do aparelho, estar-se-ia, na verdade, descriminalizando a conduta em qualquer caso. Contudo, foi opção política do legislador proteger o monopólio constitucional da União mediante norma penal incriminadora. Precedentes dos Tribunais Regionais Federais.
9. Ainda que o crime do artigo 183 da Lei 9.472/97 seja permanente, segundo apurado, o acusado foi flagrado em três oportunidades pelos fiscais da Anatel desenvolvendo irregularmente atividades de telecomunicação, tendo seus equipamentos sido lacrados e apreendidos por duas vezes.
10. A pena de prestação pecuniária, substitutiva da pena privativa de liberdade, deve ser revertida em favor da entidade lesada com a ação criminosa, nos termos do artigo 45, §1° do Código Penal, no caso, a União.
11. Apelação desprovida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo da defesa e, de ofício, alterar a destinação da pena de prestação pecuniária em favor da União, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 29 de maio de 2018.
HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): HELIO EGYDIO MATOS NOGUEIRA:10106
Nº de Série do Certificado: 68D9614EDFBF95E3
Data e Hora: 30/05/2018 19:08:36



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002137-60.2005.4.03.6110/SP
2005.61.10.002137-1/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : GERSON CERQUEIRA
ADVOGADO : SP276895 HENRIQUE ZELANTE RODRIGUES NETTO e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
EXCLUIDO(A) : VALDINEIA RUBINO MIRANDA
No. ORIG. : 00021376020054036110 1 Vr SOROCABA/SP

RELATÓRIO

O Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA (Relator):

O Ministério Público Federal denunciou GERSON CERQUEIRA e VALDINÉIA RUBINO MIRANDA, qualificados nos autos, nascidos, respectivamente, aos 08/04/1968 e 12/02/1971, como incursos nas sanções do artigo 183, da Lei n° 9.472/97, combinado com os artigos 29 e 71, ambos do Código Penal. Consta da denúncia:

Consta dos autos que os denunciados ofereciam serviços de comunicação multimídia, através da empresa pertencente a GERSON, sem licença da ANATEL, desenvolvendo, clandestinamente, atividades de telecomunicação.
GERSON é proprietário da empresa "GERSON CERQUEIRA - ALGINET", CNPJ n° 00.333.192/0001-58, e VALDINÉIA é sócia majoritária, com 99% das cotas, da empresa "SS PLIS INFORMÁTICA LTDA - ME", CNPJ n° 02.076.839/0001-39 e responsável pela gerência.
Embora a empresa "SS PLIS INFORMÁTICA LTDA - ME" possua autorização da ANATEL, conforme Ato n° 39.659, de 10 de outubro de 2003, de fls. 300/301 e Licença para Funcionamento de Estação de fls. 302, VALDINÉIA celebrou um contrato de prestação de serviços (fls. 114/119 ou 202/207 ou 293/298), em 22 de março de 2005, de forma ilegal, repassando a exploração do serviço à empresa pertencente a GERSON, mediante pagamento mensal.
Segundo informação da ANATEL (fls. 310), pelo regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia, o contrato de prestação de serviço deve ser fechado, exclusivamente, entre a autorizada e o usuário final, não sendo permitida a existência de uma terceira empresa não autorizada e remunerada pela prestação de serviços de telecomunicações. Dessa forma, a empresa "GERSON CERQUEIRA - ALGINET" não poderia prestar os serviços de telecomunicações, com ou sem o Serviço de Valor Adicionado, usufruindo informações multimídias obtidas por meio da celebração de contrato de prestação de serviços com a empresa "SS PLIS INFORMÁTIVA LTDA - ME".
Em 06 de outubro de 2004, a ANATEL lavrou o Auto de Infração n° 0002SP20041587 (fls. 41/43 dos autos apensos n° 2005.61.10.006251-8), pois, no estabelecimento localizado na Rua 21 de Abril, n° 412, Centro, Araçoiaba da Serra/SP, pertencente a GERSON, foi constatada a execução de serviço de comunicação multimídia, sem autorização expedida pela Anatel.
Em face de tal notícia, representou-se pela expedição de mandado de busca e apreensão nos autos apensos n° 2005.61.10.006251-8, já que nos dias 28 e 29 de abril de 2005, os agentes de fiscalização da Anatel verificaram que a empresa pertencente a GERSON, localizado na Rua 21 de Abril, n° 412, Centro, Araçoiaba da Serra/SP, continuava a desenvolver atividade de telecomunicação, sem a devida autorização legal, mas foram impedidos de interromper os equipamentos utilizados para a prática delituosa (fls. 04/06 dos autos apensos n° 2005.61.10.006251-8). O mandado de busca não chegou a ser expedido.
Posteriormente, em 09 de março de 2005, como se pode verificar dos presentes autos, em fiscalização realizada pelos agentes da Anatel, com o apoio dos agentes da Delegacia da Policia Federal em Sorocaba/SP, foi lavrado o Auto de Infração n° 0002SP20050301 (fls. 08 e 133/137) e o Auto de Infração n° 0003SP20050301 (fls. 09 e 106/110), já que nos estabelecimentos localizados, respectivamente, na Rua 21 de Abril, n° 412, Centro, Araçoiaba da Serra/SP e na Rodovia Raposo Tavares, km 110,5, Araçoiaba da Serra/SP, pertencentes a GERSON, a prestação ilegal de serviços continuava ocorrendo. Na ocasião, os equipamentos foram apreendidos, lavrando-se o Auto de Apresentação e Apreensão (fls. 04).
Posteriormente, em fiscalização realizada no dia 16 de agosto de 2007, verificou-se que os denunciados continuavam na prática delitiva, pois se constatou a prestação de serviços de telecomunicação por parte da empresa "SS PLIS INFORMÁTICA LTDA - ME" em conjunto com GERSON, ocasião em que foi lavrado o novo Auto de Infração n° 0008SP20070373 (fls. 241), com base nos Laudos de Vistoria Técnica de fls. 242/245 (n° 0008SP20070373), fls. 246/249 (n° 0009SP20070373), fls. 250/253 (n° 0010SP20070373), fls. 254/257 (n° 00011 SP20070373), fls. 258/261 (n° 0012SP20070373), fls. 262/265 (n° 0013SP20070373) e fls. 266/269 (n° 0014SP20070373), respectivamente, realizados nos seguintes endereços: Rua 21 de Abril, n° 412, Centro, Araçoiaba da Serra/SP; Rua 91, n° 10, Araçoiaba da Serra/SP; Avenida Presidente Tancredo Neves, n° 466, Araçoiaba da Serra/SP; Rua 4, Bairro Duzolina Bataiola, Araçoiaba da Serra/SP; Condomínio Vivendas do Lago, Araçoiaba da Serra/SP; Condomínio Lago Azul (Capela), Araçoiaba da Serra/SP; Condomínio Lago Azul (Praça dos Pássaros) n° 89, Araçoiaba da Serra/SP.
Todavia, somente no dia 06 de fevereiro de 2008, os equipamentos foram apresentados por funcionários da empresa "GERSON CERQUEIRA - ALGINET", por ordem de GERSON, na Delegacia de Policia Federal de Sorocaba/SP, conforme Auto de Apreensão (fls. 232 dos autos apensos n° 2005.61.10.006251-8), cessando nessa data (06/02/08), a permanência do crime.
O Laudo de exame em aparelho eletrônico (fls. 325/330), elaborado em face dos equipamentos apreendidos às fls. 232 dos autos apensos n° 2005.61.10.006251-8, atesta que qualquer equipamento que opere em transmissão de rádio frequência é capaz de emitir sinais indesejáveis fora do canal de operação normal, os quais, não sendo devidamente atenuados por filtros elétricos internos ao aparelho, podem causar interferência em outras comunicações, inclusive de aeronaves, polícia, bombeiros, etc.
Ademais, como o transmissor questionado opera na região do espectro de frequências utilizada por diversos serviços, dentre os quais, comunicação fixa, comunicação móvel, auxiliar de radiodifusão e correlatos (SARC), repetição de televisão (RpTV), radioamadores, radiação restrita, comunicação multimídia (SCM), serviço limitado privado (SLP) entre outros, a perícia afirma que o transmissor analisado é capaz de causar interferência naqueles que operem na mesma frequência ou em frequências próximas.
O referido Laudo também constata que não foi encontrado registro de certificação nem de homologação da Anatel para nenhum dos equipamentos examinados.
O outro Laudo de exame em aparelho eletrônico (fls. 191/193) atesta que o conjunto de equipamentos apreendidos no dia 09 de março de 2005 servem para implementação de uma rede local sem fio e, segundo especificações dos equipamentos radiotransmissores, operam na faixa de 2,4 a 2,4835 Ghz, com potência de transmissão de 17 dBm, o que equivale a aproximadamente 50 mW.
Essa faixa de frequência é típica de equipamento de Radiocomunicação de Radiação Restrita, regida pela Seção IX - Equipamentos Utilizando Tecnologia de Espalhamento Espectral ou outras Tecnologias de Modulação Digital, da Resolução n° 365/2004 da ANATEL, que caracteriza os equipamentos de radiação restrita e estabelece as condições de uso de radiofrequência para que possam ser utilizados com dispensa da licença de funcionamento de estação e independentes de outorga de autorização de uso de radiofrequência, para uso não comercial.
Por fim, constatou-se que o equipamento possui características técnicas que limitam o alcance da transmissão. No entanto, seria possível a utilização em conjunto com sistema irradiante (antena) ou equipamentos adicionais de forma a ampliar o alcance da transmissão.
Em seu depoimento (fls. 07, 49/50, 272/273 e 215/216 dos autos apensos n° 2005.61.10.006251-8) GERSON confirmou que exerce atividade de telecomunicação em conjunto com a empresa "SS PLIS INFORMÁTIVA LTDA - ME", conforme Contrato de Prestação de Serviços de fls. 114/119 ou 202/207 ou 293/298, fornecendo acesso à Internet.
VALDINÉIA afirmou que é sócia majoritária da empresa "SS PLIS INFORMÁTIVA LTDA - ME", que é especializada na prestação de serviços de comunicação multimídia. Declarou que, em parceria com GERSON, proprietário da empresa "GERSON CERQUEIRA - ALGINET", visava a exploração de telefonia VOIP. Sabia que GERSON necessitava de autorização da ANATEL para operar esse tipo de sistema (fls. 284/285).
A autoria delitiva ficou comprovada diante do Auto de Apresentação e Apreensão (fls. 04), do Auto de Apreensão (fls. 232 dos autos apensos n° 2005.61.10.006251-8), dos depoimentos dos denunciados (fls. 07, 49/50, 272/273, 284/285 e 215/216 dos autos apensos n° 2005.61.10.006251-8), do fiscal da ANATEL (fls. 05/06), dando conta de que GERSON e VALDINÉIA eram os responsáveis, respectivamente, pela empresa "GERSON CERQUEIRA ALGINET" e pela empresa "SS PLIS INFORMÁTICA LTDA - ME".
A materialidade delitiva ficou caracterizada pelo Auto de Infração de fls. 08/10, 241/269 e 41/43 dos autos apensos n° 2005.61.10.006251-8 e pelos Laudos de Exame em Aparelho Eletrônico (fls. 191/193 e 325/330).
A ANATEL a informou, ainda, que não há nenhuma autorização emitida em favor de GERSON ou da empresa "ALGINET" para explorar o serviço de comunicação multimídia ou de qualquer outro serviço de telecomunicação (fls. 36 e 171/173 dos autos apensos n° 2005.61.10.006251- 8) e que a empresa "SS PLIS INFORMÁTICA LTDA - ME", embora possua autorização, não poderia ter repassado à terceira pessoa a- prestação dos serviços de telecomunicações, com ou sem o serviço de valor adicionado, por meio de contrato particular de prestação de serviços (fls. 310).
Ademais, esclareceu que a empresa "SS PLIS INFORMÁTICA LTDA - ME", também apresenta irregularidades no Serviço de Comunicação Multimídia (fls. 188).
Portanto, conclui-se que os denunciados, com vontade livre e consciente, em unidade de desígnios, desenvolviam, clandestinamente, atividade de telecomunicação, sem licença da ANATEL, incorrendo, assim, no artigo 183, da lei n° 9.472/97 combinado com os artigos 29 e 71, ambos do. Código Penal.

A denúncia foi recebida em 01/04/2009 (fl. 347).

Por força de ordem concedida por esta Primeira Turma, na sessão de julgamento de 15/09/2009, a ação penal foi trancada em relação a corré Valdineia Rubino Miranda (HC nº 2009.03.00.021424-4, fls. 483/488), prosseguindo-se o feito apenas em relação ao acusado Gerson (fl. 497).

Após regular instrução, sobreveio sentença da lavra do MM. Juiz Federal Marcos Alves Tavares, publicada em 26/08/2011 (fls. 755/794 e 795), que julgou procedente a denúncia para condenar GERSON CERQUEIRA à pena de 03 anos de detenção, a ser cumprida em regime inicial aberto, como incurso no artigo 183 da Lei nº 9.472/97, c.c. o artigo 71 do Código Penal. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à entidade assistencial e prestação pecuniária no valor de 06 salários mínimos.

A sentença transitou em julgado para o Ministério Público Federal, conforme certificado à fl. 809.

O acusado GERSON interpôs recurso de apelação à fls. 806/807, protestando pela apresentação das razões nos termos do artigo 600, §4º, do CPP, as quais foram apresentadas às fls. 813/829. Postula a defesa:

a) atipicidade da conduta, pois nunca prestou serviços de SCM (serviço coletivo multimídia), mas apenas de SVA (serviços de valores agregados), que não exige autorização da ANATEL, já que não possui natureza de atividade de telecomunicação;

b) a conduta não se enquadra no paragrafo único do artigo 183, pois a corré Valdineia foi excluída da lide por reconhecimento da atipicidade da conduta, não podendo o réu Gerson ser responsabilizado, pois somente prestava serviços adicionais à corré, que se incumbia de prestar o serviço principal de levar o sinal de internet ao destinatário final;

c) quando à segunda acusação, não havia à época dos fatos regulamentação que exigia o licenciamento da estação de radiofrequência utilizada pelo acusado, tanto que a ANATEL concedeu àqueles que operavam de maneira irregular o prazo até 30/09/2005 para se adequarem às especificações (Resolução 397/2005);

d) aplicação do princípio da insignificância e da adequação social, dada a baixa potencialidade lesiva dos equipamentos apreendidos por conta da baixa potência constatada nos laudos periciais

e) desclassificação para o artigo 70 da Lei nº 4.117/62, ante a falta de habitualidade necessária para a configuração do delito do artigo 183 da Lei nº 9.472/97;

f) afastamento da continuidade delitiva, pois a natureza do crime em questão, que exige a habitualidade, é incompatível com a continuidade delitiva.

A Procuradoria Regional da República, em manifestação da lavra da Dra. Janice Agostinho Barreto Ascari, apresentou em peça única manifestação quanto às razões de apelação e parecer, opinando pelo desprovimento do recurso do réu (fls. 831/836).

A fim de se evitar qualquer ocorrência de nulidade, ante a ausência de contrarrazões, foi determinada baixa dos autos para que o órgão ministerial oficiante no primeiro grau de jurisdição apresentasse as contrarrazões ao recurso de apelação do réu (fls. 838).

O Ministério Público Federal oficiante em primeira instância requereu seja negado provimento ao apelo da defesa (fls. 841/844).

A Procuradoria Regional da República, em manifestação da lavra do Dr. Marcio Barra Lima, reiterou o parecer de fls. 831/836.

É o relatório.

Dispensada a revisão, nos termos regimentais.

VOTO

O Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA (Relator):

GERSON CERQUEIRA foi denunciado e condenado pela prática do delito previsto no art. 183 da Lei nº 9.472/97, em continuidade delitiva, por ter explorado irregularmente serviços de radiofreqüência ao fornecer SCM - Serviço de Comunicação Multimídia - a terceiros com finalidade comercial - internet via rádio e discada, sem a devida licença, nos dias 06/10/2004, 09/03/2005, 28 e 29/04/2005 e 16/08/2007.

Inicialmente, destaco que a autoria delitiva restou comprovada pelos autos de apresentação e apreensão (fls. 4), depoimentos do réu prestados na fase policial e judicial (fls. 7, 49/50, 272/273, mídia; e 215/216 do apenso), depoimentos das testemunhas de acusação e defesa (fls. 646, 658, 683/v, 695, 725), todos no sentido de que o acusado Gerson era o proprietário da empresa Gerson Cerqueira - Alginet Ltda -ME na época dos fatos, e ainda o responsável pelo fornecimento aos clientes de acesso à internet.

De igual forma, a materialidade delitiva encontra suporte nos autos:

a) conduta praticada no dia 06/10/2004: Auto de Infração n° 0002SP20041587 (fls. 76 feito em apenso) lavrada pela Anatel e assinada pelo acusado Gerson, por ter sido constatado que em seu estabelecimento comercial, na Rua 21 de abril, 412, Araçoiaba da Serra/SP, operava serviços de comunicação multimídia, sem autorização expedida pela Anatel, ocasião em que foi lavrado termo de interrupção do serviço (fl. 77) e lacrado os equipamentos Transceptor Fixo marca Samsung SWL 300 HP, número de série 0954021786 (lacre 0005647) e borne da antena (lacre 0005618) (fl. 78);

b) conduta praticada no dia 09/03/2005: Auto de Infração n° 0002SP20050301 (fls. 08) e Auto de Infração nº 002SP20050301 (fls. 08 e 133/137 dos autos em apenso), lavrada pela Anatel e assinada pelo acusado Gerson, por ter sido constatado que nos estabelecimentos localizados, respectivamente, na Rua 21 de Abril, n° 412, Centro, Araçoiaba da Serra/SP e na Rodovia Raposo Tavares, km 110,5, Araçoiaba da Serra/SP, pertencentes a GERSON, a prestação ilegal de serviços de comunicação multimídia continuava ocorrendo, ocasião em que foi lavrado o termo de interrupção de serviço (fls. 09) lacrado o transmissor Samsung modelo SWL 3300 HP, número de série 0954-02-1786 (lacre 5650) e descrito que a antena parabólica número de série 0017-05-2398 não foi lacrada devido a dificuldade de acesso ao local (fl. 10), e apreendido uma antena parabólica vazada de grade, dois transmissores wireless da marca Samsung, e um roteador da marca Cyclades, modelo PR4000 (fl. 4). Foi elaborado laudo de exame em aparelho eletrônico (fls. 191/193) atesta que o conjunto de equipamentos apreendidos no dia 09 de março de 2005 servem para implementação de uma rede local sem fio e, segundo especificações dos equipamentos radiotransmissores, operam na faixa de 2,4 a 2,4835 Ghz, com potência de transmissão de 17 dBm, o que equivale a aproximadamente 50 mW. Essa faixa de frequência é típica de equipamento de Radiocomunicação de Radiação Restrita, regida pela Seção IX - Equipamentos Utilizando Tecnologia de Espalhamento Espectral ou outras Tecnologias de Modulação Digital, da Resolução n° 365/2004 da ANATEL, que caracteriza os equipamentos de radiação restrita e estabelece as condições de uso de radiofrequência para que possam ser utilizados com dispensa da licença de funcionamento de estação e independentes de outorga de autorização de uso de radiofrequência, para uso não comercial. Foi ainda constatado que o equipamento possui características técnicas que limitam o alcance da transmissão:no entanto, seria possível a utilização em conjunto com sistema irradiante (antena) ou equipamentos adicionais de forma a ampliar o alcance da transmissão. GERSON, segundo informou a Anatel, não consta nos assentamentos cadastrais como autorizado a explorar serviço de comunicação multimidia ou qualquer outro serviço de comunicação (fl. 36)

c) conduta praticada nos dias 28 e 29/04/2005: relatório técnico da Anatel que atesta que no dia 28/04/2005, a empresa pertencente a GERSON desenvolvia atividade de telecomunicação - prestação de serviços para acesso a internet via radio, sendo tiradas fotos de equipamentos utilizados no serviço SCM e o proprietário fornecido copia do contrato de prestação de serviços para acesso a internet - via rádio do cliente Anderson Carlos Silva com a empresa do réu Alginet. O relatório também aponta que no dia 29/04/2005 o estabelecimento estava fechado, o que impediu a lacração dos equipamentos e do sistema irradiante, mas apurou que o sinal transmitido pela empresa Alginet estava na faixa de 2,4 Ghz (fls. 38/44 e )

d) conduta praticada no dia 16/08/2007: agentes da Anatel constataram a prestação de serviços de telecomunicação por parte da empresa "SS PLIS INFORMÁTICA LTDA - ME" em conjunto com GERSON, ocasião em que foi lavrado o novo Auto de Infração n° 0008SP20070373 (fls. 241) com base nos Laudos de Vistoria Técnica de fls. 242/245 (n° 0008SP20070373), fls. 246/249 (n° 0009SP20070373), fls. 250/253 (n° 0010SP20070373), fls. 254/257 (n° 00011 SP20070373), fls. 258/261 (n° 0012SP20070373), fls. 262/265 (n° 0013SP20070373) e fls. 266/269 (n° 0014SP20070373), respectivamente, realizados nos seguintes endereços: Rua 21 de Abril, n° 412, Centro, Araçoiaba da Serra/SP; Rua 91, n° 10, Araçoiaba da Serra/SP; Avenida Presidente Tancredo Neves, n° 466, Araçoiaba da Serra/SP; Rua 4, Bairro Duzolina Bataiola, Araçoiaba da Serra/SP; Condomínio Vivendas do Lago, Araçoiaba da Serra/SP; Condomínio Lago Azul (Capela), Araçoiaba da Serra/SP; Condomínio Lago Azul (Praça dos Pássaros) n° 89, Araçoiaba da Serra/SP, por ter sido averiguado que existia licença apenas no ponto da Rua 21 de abril, sendo que os demais pontos estavam desprovidos da aludida licença.

Destarte, restou comprovado o desenvolvimento da atividade de telecomunicação, por meio do fornecimento de internet de banda larga a assinantes, via rádio, mediante pagamento mensal, sem autorização da Anatel.

Da alegação de atipicidade da conduta ao argumento que o réu nunca prestou serviços de SCM (serviço coletivo multimídia), mas apenas de SVA (serviços de valores adicionados), que não exige autorização da Anatel, já que não possui natureza de atividade de telecomunicação.

Não procede a alegação

A prova produzida é o sentido de que o acusado efetivamente prestava SCM - Serviço Coletivo Multimídia, e não de SVA - Serviços de Valores Adicionados, como declarado. Vejamos:

a) auto de apresentação e apreensão em que os fiscais da Anatel constataram que os equipamentos apreendidos em 09/03/2005 estavam sendo utilizados para fornecimento de Serviço de Comunicação Multimídia (internet banda larga) (fl. 4);

b) a auto de infração que atesta que no dia 09/03/2005 o acusado Gerson executava Serviço de Comunicação Multimídia sem autorização da Anatel no endereço da na rua 21 de abril, 412, Araçoiaba da Serra/SP (fl. 8);

c) propaganda veiculada na internet em que a empresa Alginet do oferece internet banda larga via radio (fl. 12);

d) cópia do contrato de prestação de serviços da empresa do réu Alginet com assinante, em que a provedora obriga-se a prestar ao assinante o serviço de conexão à rede INTERNET, na modalidade discada ou via rádio, conforme modalidade contratada (fls. 13/22);

d) relatório técnico da Anatel que atesta que nos dias 28 e 29/04/2005 a empresa prestava SCM (fls. 38/41)

e) cópia do contrato de prestação de serviços para acesso a internet - via radio, firmado entre o cliente Anderson Carlos da Silva com a empresa "Gerson Cerqueira - ALGINET CURSOS E PROVEDOR" em que este presta "serviço de acesso compartilhado à internet via radio" (fls. 42/44);

f) a auto de infração que atesta que no dia 06/10/2004 o acusado Gerson executava Serviço de Comunicação Multimídia sem autorização da Anatel no endereço da na rua 21 de abril, 412, Araçoiaba da Serra /SP(fl. 76);

g) informe da Anatel em que consta expressamente que a transmissão de informações via sinal de rádio feita pelo acusado não se configura como SVA (fls. 170/177);

i) oficio da Anatel que informa que a licença para funcionamento do serviço na Rua 21 de abril, 412, Centro, só foi expedida em 06/07/2005, remanescendo como criminosas as condutas anteriores (fls. 171/173 do apenso);

Registre-se que, instado pela Anatel a apresentar cópias dos contratos de prestação de SVA com os clientes finais (fls. 101/103), o acusado limitou-se a formular questionamentos, deixando de demonstrar suas alegações de que prestava apenas serviço de SVA (fls. 167/168). Consta ainda da resposta dada pela Anatel que o tipo de serviço prestado pelo acusado não se enquadrava como SVA, mas sim SCM (fl. 171):

"3. Para a prestação dos serviços de valor adicionado, consistente na transmissão de informações via sinal de radio, são instaladas bases, que contam com uma antena transmissora de sinais. Com relação a essas bases, há necessidade de algum licenciamento?"
A transmissão de informações via sinal de radio, não se configura como serviço de valor adicionado. A situação descrita na questão é típica de serviço de telecomunicações, cuja exploração depende de prévia autorização desta Agencia. Também o uso de radiofrequência deve ser autorizado pela Anatel e as estações devem ser licenciadas, exceto quando se tratar do uso de equipamentos de radiocomunicação de radiação restrita objeto do regulamento aprovado pela Resolução nº 365 de 10 de maio de 2004.

E em ofício dirigido ao Delegado de Polícia Federal, datado de 05.03.2007, a Anatel apontou como criminosa a conduta do acusado GERSON, anteriormente à celebração do contrato de prestação de serviços firmado com a empresa SS PLIS, em 06/07/2005 (fls. 171/173 do apenso):

(...)
3. Verificamos que, procedeu-se na inicial e primeira data de 6 de Outubro de 2004, à lacração dos equipamentos utilizados para a prestação clandestina de Serviços de Comunicação Multimídia, sendo notada a reincidência à infração em 9 de Março de 2005 e novamente a continuidade da operação e reincidência em 28 e 29 de Abril de 2005, em total e absoluto desrespeito às ordens emanadas anteriormente de interrupção dos serviços clandestinos.
4. Em 4 de maio de 2005, houve por bem, esta Agência a encaminhar a "NOTITIA CRIMINIS" ao Ilustríssimo Sr. Doutor Vinicius Loque Sobreira, através do ofício de número 5549 desta Agência, relatando tais fatos , para que providência policiais fossem tomadas a respeito da atividade, desta feita, criminalizada, em concordância com a Lei Geral das Telecomunicações - Lei 9.472 de 10/07/97, artigo 183.
(...)
5. Somente, e tão somente, após a intervenção policial, houve por bem, GERSON CERQUEIRA - ALGINET CURSOS E PROVEDOR - CNPJ 00.33.192/0001-58 tomar medidas de legalização da operação efetuada, através de Contrato de Prestação de serviços com SS PLIS - Informática Ltda. CNPJ 02.076.839/0001-39 datado retroativamente com a data de 22 de março de 2005, mas registrado em cartório tão somente em 3 de Junho de 2005, data esta em que considera-se oficialmente formalizada a parceria, sendo a data anterior colocada, em tese, sob suspeita.
6. Ocorre ainda, que a data AUTORIZADA para funcionamento da entidade GERSON CERQUEIRA, é de 6 de JULHO de 2005, ou seja a data do primeiro licenciamento da estação de número 686820380, licenciada por SSPLIS Informática Ltda para a Rua 21 de Abril número 412 em Araçoiaba da Serra - centro - SP.
(...)
8. Desse modo, resta provado que: - NAS DATAS DE AUTUAÇÃO, LACRAÇÃO e APREENSÃO dos equipamentos, a entidade GERSON CERQUEIRA - ALGINET CURSOS E PROVEDOR - CNPJ 00.333.192/0001-58 prestava irregularmente SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES, sem outorga, ou licença, ao arrepio do império da ordem e da lei, fato este comprovado pelo Contrato de prestação de serviços para acesso à internet - VIA RÁDIO, para com Carlos da Silva em 9 de Janeiro de 2004, ou seja cerca de UM ANO E MEIO ANTERIORMENTE À QUALQUER LICENCIAMENTO DA ESTAÇÃO, documento este acostado nas fls. 13 a 15.
9. Em resposta ao questionamento formulado, se existem irregularidades na data atual, cabe informar que a ANATEL, considera nesta data a situação de GERSON CERQUEIRA - ALGINET CURSOS E PROVEDOR - CNPJ 00.333.192/0001-58 e SS PLIS - Informática Ltda. CNPJ 02.076.839/0001-39, com a licença da estação de número 686820380, como irregular, considerando o fato que ofícios enviados ao local retornam com a informação de que a entidade MUDOU-SE do local licenciado.
10. Informamos que continuam as diligências e procedimentos de investigação, para adequadamente apurarmos a localização do autuado, que, para com esta Agência, encontra-se em local incerto e não sabido, diante do retorno de correspondência oficial, a despeito da base de dados da Anatel e da Receita Federal indicarem o mesmo endereço, ou seja Rua 21 de Abril 412 em Araçoiaba da Serra - SP.

Destarte, verifica-se do contrato de prestação de serviços firmados entre a SS PLIS INFORMÁTICA e o acusado GERSON CERQUEIRA, cujo objeto é o repasse da exploração de serviço de comunicação multimídia mediante pagamento mensal, supostamente assinado em 22/03/2005, mas com reconhecimento de firma dos contratantes em 31/05/2005 e 03/06/2005 (cfr fls. 293/299) e início de expedições de notas fiscais em 08.08.05 (fls. 251 do feito em apenso), sendo somente protocolada na Anatel em 06/07/2005 (cfr. fls. 167/169), data em que foi concedida a licença em 06/07/2005 (fl. 302).

E nesse ponto, entendo correta a sentença de primeiro grau, ao consignar que a conduta do increpado, datada de 16.08.07, também afigura-se típica, não servindo para arreda-la o fato de ter-se firmado contrato particular com a empresa SS PLIS INFORMÀTICA LTDA., que detinha autorização da Anatel, para que pudesse fornecer esse serviço, em evidente burla ao sistema de autorizações de SCM, de caráter personalíssimo.

Nessa linha o ofício encaminhado pela Anatel (fls. 310 dos autos nº 2005.61.10.002137-1 em apenso); "(...) o contrato de prestação deve ser fechado, exclusivamente entre a autorizada e o usuário final, não sendo permitida a existência de uma terceira empresa não autorizada ser remunerada pela prestação de serviços de comunicação. Dessa forma, a empresa de GERSON CERQUEIRA não poderá prestar serviços de telecomunicações, com ou sem o Serviço de Valor Adicionado, usufruindo informações multimídias obtidas por meio da celebração de contrato de prestação de serviços com a SS PLIS INFORMÀTCA LTDA ME"

Conforme bem destacado pelo Juízo de primeiro grau (fls. 778), "No caso dos autos restou comprovado que a empresa SS PLIS INFORMÀTICA - ME obteve autorização, mas, na realidade, simplesmente atuou como pessoa jurídica de fachada, uma vez que não teve participação na prestação de serviços SCM que ficaram a encargo da empresa do acusado, que se utilizou, a partir de 06 de julho de 2005, da autorização obtida pela "SS PLIS INFORMÀTICA LTDA -ME" para prestar diretamente o serviço de comunicação multimídia (além do serviço de SVA)".

O próprio acusado GERSON, judicialmente (mídia de fls, 377) confirma que a parceria com a empresa SS PLIS INFORMÁTICA era apenas formal, não existindo, pois, atividades separadas, sendo que a empresa SS PLIS INFORMÁTICA contratava para pessoas para instalar as antenas e o réu pagava pelo serviço, mas que não conhecia essas pessoas; asseverou que sequer conhecia Valdinéia - que fora corréu no feito e dona da SS PLIS INFORMÁTICA LTDA, conversando sobre os negócios com alguém de prenome Maurício, sem fornecer maiores especificações para sua identificação.

Os depoimentos das testemunhas de acusação também foram no sentido de que o acusado Gerson prestava serviço de comunicação multimídia sem autorização da Anatel:

A testemunha de acusação Mario Nascimento Porto, fiscal da Anatel que participou das diligências em 09/03/2005 e 28 e 29/04/2005, recorda-se que o acusado Gerson prestava serviço de SCM multimídia, via radiofrequência, que no Condomínio Recanto do Sabia, e tinha 20 clientes. Disse ter constatado que no local Gerson prestava serviço SCM e não SVA, que vendia serviço de transmissão de internet banda larga via radio, apresentando cartão de visita de fl. 645, apresentando-se o increpado ao consumidor como prestador de serviços de SCM, contando do cartão aludido que a empresa ALGINET era "provedora de internet de banda larga via rádio". Narrou que havia duas estações repetidoras e uma antena na Rua 21 de abril e que o acusado disse que tinha parceria para atuar no serviço, mas na Anatel não vale parceria, tem que ter licença (mídia de fl. 646).

A testemunha de acusação Paulo Silva Ferreira, fiscal da Anatel que lavrou auto de infração em 16/08/2007, recorda-se que a SS PLIS era autorizada e prestava serviço de multimídia, que Gerson que prestava serviço, e que na época ele tinha 6 estações que não eram licenciadas. Disse que pela legislação não é permitido fazer parceria para ceder licença (mídia de fl. 658).

A testemunha de acusação Roberto Lima Santos Machado, fiscal da Anatel que participou da diligencia em 16/08/2007, disse que a SS PLIS tinha contrato de prestação de serviço com clientes da região e contratava Gerson para fazer a instalação e manutenção de computadores, hardware, antenas (mídia de fl. 658).

A testemunha de acusação Moacyr das Chagas Amorim Filho, que participou das diligencia em 09/03/2005 e 28 e 29/04/2005, disse que "esteve na sede da Alginet junto com seu colega Mario Porto e o Delegado Menotti. Ali foi constatado que era realizado serviço de comunicação multimídia sem licença da autoridade competente. Ali funcionava um provedor de internet via radio. O depoente constatou que havia um numero de estação principal ou transmissora relativo ao provedor cadastrado na Anatel, mas ainda não estava licenciado para operar, pois a taxa não havia sido paga e o projeto técnico não havia sido aprovado ainda. O provedor, entretanto, estava operando e já possuía assinantes. O depoente procedeu a lacração da antena e transmissor. A autoridade policial constatou posteriormente que referido provedor possuía estacoes repetidoras em outras localidades, nas proximidades, que também funcionavam, sem a devida autorização. O depoente também compareceu a esses locais com a equipe policial e procedeu a lacração de antena e transmissores. O depoente teve contato com os dois acusados. A justificativa por eles apresentada é que pensavam que podiam operar o serviço mediante a simples entrada do pedido de licença (...) na época os acusados operavam, no sistema serviço de comunicação multimídia e não no sistema de serviço de valor adicionado" (fls. 683 e verso)

As testemunhas de defesa não esclareceram os fatos narrados na denúncia (mídia de fl. 695). Regina Benedita Coopertino de oliveira funcionaria de Gerson trabalhou como professora de informática de 2004 a 2007, não sabe se o acusado trabalhava com SCM. Odair di Tata Junior trabalhou para Gerson após os fatos criminosos, de outubro/2005 a janeiro/2010. Ricardo Russo Candido de Souza foi sindico do condomínio Lago Azul de maio de 2004 a maio de 2010, disse que quando foi síndico, as antenas de telecomunicação já estavam instaladas.

A própria corré Valdineia Rubino Miranda, ouvida como testemunha de defesa à fl. 725, disse em juízo que o acusado GERSON prestava serviço de SCM e que após a celebração do contrato com a SS PLIS, não havia irregularidade por parte de GERSON, segundo sua ótica.

Acrescente-se que o próprio acusado confirmou ao ser ouvido na fase policial, em 09/03/2005, que vendia serviços como provedor de internet desde 2002, inicialmente via discada e em maio de 2004 via rádio, e que não possuía licença da Anatel para funcionamento, pois ainda aguardava a autorização (fl. 7). Ao ser ouvido novamente em 08/09/2005 alterou a versão dos fatos para esclarecer que à época prestava serviço de valor adicionado (armazenamento de dados e suporte administrativo financeiro), e não serviço de comunicação multimídia; que antes de 22/03/2005 tinha parceria com uma empresa denominada VR INTERNET, descobrindo no dia da fiscalização que esta não possuía autorização para operar o SCM, e disse que atualmente tem parceria com a empresa SS PLIS, que possui licença da Anatel para operar o SCM (fls. 49/50). Reinquirido pela autoridade policial, em 18/12/2007, informa que a Anatel concedeu o prazo até setembro de 2005 para a regularização da atividade de telecomunicação, consoante resolução; que para instalação de repetidores não havia necessidade de licença especifica e que sua empresa Alginet atua na prestação de serviço de valor adicionado. Em juízo, o acusado confirmou que seus equipamentos foram lacrados em outubro de 2004, que na ocasião não tinha nenhuma empresa autorizada já que a legislação era omissa e que a partir dessa fiscalização procurou a parceria (mídia fl. 733).

No entanto, conforme exposto acima, os serviços prestados pelo acusado não eram de SVA, mas de SCM.

Da alegação de atipicidade da conduta, o argumento que não se enquadra no paragrafo único do artigo 183, pois a corré Valdineia foi excluída da lide por reconhecimento da atipicidade da conduta, não podendo o réu Gerson ser responsabilizado penalmente, pois somente prestava serviços adicionais à corré, e esta sim se incumbia de prestar o serviço principal, levando o sinal de internet ao destinatário final.

A alegação não comporta acolhimento. Conforme mencionado acima, o acusado não prestava serviço adicional aos prestados pela corré Valdineia, mas sim serviço de comunicação multimídia.

Ademais, a mencionada parceria com Valdineia surgiu apenas em 06/07/2005, de modo que eventual reconhecimento da atipicidade da conduta em relação à Valdineia não se aproveitaria às condutas criminosas praticadas pelo acusado nas datas anteriores, nem mesmo posteriormente, pois a autorização, sendo personalíssima, não poderia ser objeto de contrato particular e a atividade cedida à empresa do acusado. .

Da alegação de atipicidade da conduta quanto à segunda acusação, ao argumento que não havia à época dos fatos regulamentação que exigia o licenciamento da estação de radiofrequência utilizada pelo acusado, tanto que a Anatel concedeu àqueles que operavam de maneira irregular o prazo ate 30/09/2005 para se adequarem à especificações (Resolução 397/2005).

Segundo a testemunha de acusação Mario Nascimento Porto, fiscal da Anatel, a Resolução nº 397/2005 não é pertinente ao caso, pois o acusado se utilizava outras antenas, ultrapassando a potência permitida (mídia de fl. 646).

Ademais, conforme mencionado na sentença apelada, a mencionada resolução 397/2005 não se aplica na hipótese, por ser cabível apenas "em localidades com população superior a 500.000 habitantes" (artigo 1º do Anexo à Resolução nº 397, de 06 de abril de 2005), e no caso em tela, a cidade de Araçoiaba da Serra/SP possuía população de 19 mil habitantes, conforme informado pela defesa.

Quanto à tipificação legal, observo que a conduta descrita na denúncia amolda-se ao artigo 183 da Lei 9.472/1997, pois o réu utilizou-se de radiofreqüência para fornecer SCM - Serviço de Comunicação Multimídia a terceiros com finalidade comercial - internet via rádio, sem a devida licença.

Tal atividade enquadra-se como serviço de telecomunicação, e não de radiodifusão, sendo certo que apenas para este último poder-se-ia cogitar da aplicação da norma constante do artigo 70 da Lei n° 4.117/1962, na redação do Decreto-lei n° 236/1967.

Como se percebe do artigo 158, a Lei nº 9.472/1997 faz nítida distinção entre o que se chama de "serviços de telecomunicações" e o que é chamado de "serviços de radiofusão". Assim, o crime tipificado no artigo 183 da Lei 9.472/97 compreende a operação clandestina de serviços de telecomunicação que não se enquadrem como sendo de radiodifusão. A mencionada Lei nº 9.472/1997 não revogou os preceitos relativos à radiodifusão, conforme ressalva constante do seu artigo 215:

Art. 215 - Ficam revogados:

I - A Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962, salvo quanto a matéria penal não tratada nesta Lei e quanto aos preceitos relativos à radiodifusão

A conduta imputada ao réu é de uso clandestino de radiofreqüência, a que se refere o artigos 163 da Lei n° 9.472/1997:

Art. 163. O uso de radiofreqüência, tendo ou não caráter de exclusividade, dependerá de prévia outorga da Agência, mediante autorização, nos termos da regulamentação.

No serviço de comunicação multimídia, a transmissão e recepção dos dados se dá em âmbito restrito, em um espectro de freqüência diverso dos serviços de radiodifusão, ao alcance dos aparelhos de rádio destinados ao público em geral, conforme se verifica do art.6° da Lei n° 4.117/1962:

Art. 6º Quanto aos fins a que se destinam, as telecomunicações assim se classificam:
...
d) serviço de radiodifusão, destinado a ser recebido direta e livremente pelo público em geral, compreendendo radiodifusão sonora e televisão;

No caso dos autos, não se trata portanto de estação de radiodifusão clandestina, mas sim de operação clandestina de serviço de comunicação multimídia, e a conduta enquadra-se no artigo 183 da Lei nº 9.472/1997. Nesse sentido, aponto precedente do STJ:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO MULTIMÍDIA (INTERNET VIA RÁDIO). ATIPICIDADE.
IMPOSSIBILIDADE. CRIME CONSUMADO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITO. SOCIALMENTE DESACONSELHADO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "a conduta de transmitir sinal de internet, via rádio, de forma clandestina, caracteriza, a princípio, o delito insculpido no art.
183, da Lei 9.472/97" (AgRg no CC n. 111.056/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, 3ª S., DJe 16/9/2010).
2. Não há como falar em violação do art. 44, § 3°, do CP se os elementos destacados nas decisões prolatadas pelas instâncias de origem indicarem claramente que a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos não seria socialmente recomendável.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 941.989/MS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 30/03/2017, DJe 07/04/2017)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OPERAÇÃO CLANDESTINA DE RADIODIFUSÃO PARA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE ACESSO À INTERNET. CRIME CONTRA AS TELECOMUNICAÇÕES. ART. 183 DA LEI N.º 9.472/97. CONDUTA TÍPICA. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM EM CONSONÂNCIA COM A ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DESTA CORTE SUPERIOR.
INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N.º 83 DA SÚMULA DO STJ.
1. O aresto objurgado alinha-se a entendimento assentado neste Sodalício no sentido de que a operação de internet via rádio caracteriza-se como serviço de telecomunicação multimídia que demanda autorização prévia para viabilizar sua exploração, providência cuja inobservância pode vir a configurar, em tese, o delito tipificado no art. 183 da Lei 9.472/97, ainda que se trate de mero valor adicionado de que trata o art. 61 da mesma lei.
2. Incidência do óbice do Enunciado n.º 83 da Súmula do STJ, também aplicável ao recurso especial interposto com fundamento na alínea a do permissivo constitucional.
3. Não tendo o insurgente apontado qualquer julgado recente desta Corte Superior capaz de desconstituir a conclusão da decisão ora objurgada, esta deve ser mantida por seus próprios fundamentos.
AUSÊNCIA DE REPROVABILIDADE E PERICULOSIDADE SOCIAL. NATUREZA DO DELITO. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE.
1. É inviável a discussão, em sede de agravo regimental, de matérias que sequer foram objeto do recurso especial, por se tratar de inovação recursal.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no AREsp 852.730/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 02/06/2016, DJe 15/06/2016)

No mesmo sentido, aponto precedente desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

PENAL.PROCESSO PENAL. ARTIGO 183 DA LEI Nº 9.472/97. PRELIMINAR DE NULIDADE DO PROCESSO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVA COMPROVADAS. DOSIMETRIA. APELAÇÃO DESPROVIDA...
3. A materialidade delitiva ficou demonstrada pelos Termos de Representação e de Interrupção de Serviço emitidos pelos fiscais da ANATEL, os quais atestam que a empresa MICRODATA DE LUCÉLIA SERVIÇOS DE PROVEDORES LTDA explorava clandestinamente serviço de comunicação multimídia, bem como que foram interrompidos os serviços de três equipamentos: dois transceptores, marca "Samsung", modelo SWL-3300AP e uma antena, marca hiperlink, modelo HGV-2409U.
4. Autoria comprovada pelas declarações do acusado na polícia e em Juízo e pelos demais elementos de prova.
5. Os elementos coligidos aos autos atestam a responsabilidade penal do réu, bem como demonstram que o denunciado agiu de forma livre e consciente ao desenvolver clandestinamente atividade de telecomunicação - prestação de serviço de telecomunicação multimídia-, não se admitindo falar na ausência de dolo e desconhecimento da ilicitude...
(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, ACR 0005741-23.2005.4.03.6112, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 06/12/2011, e-DJF3 Judicial 1 DATA:15/12/2011)

Assim, tendo em vista que a denúncia aponta que o recorrido explorava serviço de comunicação multimídia (SCM) sem a devida autorização da Agência Reguladora, tratando-se de desenvolvimento da atividade de telecomunicação, por meio da concessão do serviço de acesso à internet, sem autorização da Anatel, a conduta subsume-se ao tipo descrito no artigo 183 da Lei 9.472/97.

Da inaplicabilidade do princípio da insignificância. Pede a defesa seja reconhecida a insignificância da conduta, dada a baixa potencialidade lesiva dos equipamentos apreendidos, o que restou testificadonos laudos periciais e por atender uma pequena região geográfica e pela natureza, tratando-se de rede sem fio, sem causar prejuízo econômico a ninguém e por não expor em risco nenhuma pessoa.

Não é cabível aplicação do princípio da insignificância, ao argumento da ausência de interferências em outros serviços que envolvem comunicação.

A Constituição Federal de 1.988 dispõe, em seu artigo 21, inciso XI, com redação dada pela Emenda Constitucional n° 08/1995, que "compete à União: explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais". Por outro lado, a Lei nº 9.472/1997 estabelece em seus artigos 157 e 163:

Art. 157. O espectro de radiofreqüências é um recurso limitado, constituindo-se em bem público, administrado pela Agência.
Art. 163. O uso de radiofreqüência, tendo ou não caráter de exclusividade, dependerá de prévia outorga da Agência, mediante autorização, nos termos da regulamentação.

Bem se vê, portanto, que a norma do artigo 183 da referida Lei 9.472/1997 protege não só a regularidade dos serviços de telecomunicações, mas também o monopólio, constitucionalmente atribuído à União, na exploração desses serviços.

Dessa forma, é irrelevante que o aparelho apreendido tenha baixa potência.

Assim, a se admitir a aplicação do princípio da insignificância, ao argumento da baixa potência do aparelho, estar-se-ia, na verdade, descriminalizando a conduta em qualquer caso. Contudo, foi opção política do legislador proteger o monopólio constitucional da União mediante norma penal incriminadora.

No sentido da inaplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes de telecomunicação clandestina, aponto precedentes do Supremo Tribunal Federal:

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INADMISSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA JULGAR HABEAS CORPUS: CF, ART. 102, I, "D" E "I". ROL TAXATIVO. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÃO. SERVIÇO DE PROVEDOR DE INTERNET. ART. 183 DA LEI N.º 9.472/97. ALEGAÇÃO DE BAIXA FREQUÊNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INADMISSIBILIDADE NA VIA ELEITA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O desenvolvimento clandestino de atividade de transmissão de sinal de internet, via rádio, comunicação multimídia, sem a autorização do órgão regulador, caracteriza, por si só, o tipo descrito no artigo 183, da Lei n.º 9.472/97, pois se trata de crime formal, inexigindo, destarte, a comprovação de efetivo prejuízo. 2. A inexistência de potencial ofensivo ou interferência ao sistema de telecomunicações ante a suposta baixa frequência do serviço, bem como a habitualidade não são passíveis de aferição na via estreita do habeas corpus, por demandar minucioso exame fático e probatório inerente a meio processual diverso. Precedente: HC 130.786, Segunda Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 16/06/2016. 3. In casu, o paciente foi condenado pela prática do crime previsto no artigo 183 da Lei 9.472/97, em razão de desenvolver clandestinamente atividade de telecomunicação, em especial, exploração de prestação de serviço de comunicação multimídia (internet), mediante link ADSL e antena TPLINK, sem a devida autorização legal. 4. A competência originária do Supremo Tribunal Federal para conhecer e julgar habeas corpus está definida, exaustivamente, no artigo 102, inciso I, alíneas d e i, da Constituição da República, sendo certo que o paciente não está arrolado em qualquer das hipóteses sujeitas à jurisdição desta Corte. 5. Agravo regimental desprovido.
(HC 129807 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 31/03/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-079 DIVULG 19-04-2017 PUBLIC 20-04-2017)
Ementa: HABEAS CORPUS. PENAL. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO DE ATIVIDADE DE TELECOMUNICAÇÃO. ART. 183 DA LEI 9.472/1997. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA CRIME DO ART. 70 DA LEI 4.117/1962. INVIABILIDADE. CONDUTA HABITUAL. 1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, para se caracterizar hipótese de aplicação do denominado "princípio da insignificância" e, assim, afastar a recriminação penal, é indispensável que a conduta do agente seja marcada por ofensividade mínima ao bem jurídico tutelado, reduzido grau de reprovabilidade, inexpressividade da lesão e nenhuma periculosidade social. 2. Nesse sentido, a aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade envolve um juízo de tipicidade conglobante, muito mais abrangente que a simples expressão do resultado da conduta. Importa investigar o desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo, de modo a impedir que, a pretexto da insignificância apenas do resultado material, acabe desvirtuado o objetivo a que visou o legislador quando formulou a tipificação legal. Assim, há de se considerar que "a insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa" (Zaffaroni), levando em conta também que o próprio legislador já considerou hipóteses de irrelevância penal, por ele erigidas, não para excluir a tipicidade, mas para mitigar a pena ou a persecução penal. 3. O crime de exploração clandestina de atividade de telecomunicação é formal (= não exige resultado naturalístico), cuja consumação se dá com o mero desenvolvimento clandestino da atividade. Havendo dano a terceiro, a parte final do preceito secundário do art. 183 da Lei 9.472/1997 estabelece um aumento de metade da pena. Justamente por não ser elementar do tipo penal, a configuração desse crime não tem como pressuposto a ocorrência de prejuízo econômico, objetivamente quantificável, mas a proteção de um bem difuso, que corresponde ao potencial risco de lesão ao regular funcionamento do sistema de telecomunicações. Doutrina. 4. Comprovado que o paciente colocou em funcionamento rádio comunitária, de forma irregular, (a) com equipamentos de potência superior ao permitido para entidades exploradoras do serviço de radiodifusão comunitária e (b) capaz de interferir em outras atividades de telecomunicações, (c) além de já haver sido anteriormente surpreendido por fiscais da Anatel praticando a mesma conduta, não há espaço para a incidência do denominado princípio da insignificância, pois ausente os requisitos da inexpressividade da lesão jurídica e da mínima ofensividade da conduta. Precedentes. 5. Ambas as Turmas desta já decidiram que "a conduta tipificada no art. 70 do antigo Código Brasileiro de Telecomunicações diferencia-se daquela prevista no art. 183 da nova Lei de Telecomunicações por força do requisito da habitualidade" (HC 120602, Primeira Turma, DJe de 18/3/2014). Assim, ante a patente habitualidade descrita na denúncia, improcede o pleito desclassificatório. 6. Ordem denegada.
(HC 128567, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 08/09/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-189 DIVULG 22-09-2015 PUBLIC 23-09-2015)

Quanto ao ponto, registro ainda precedentes do STJ no sentido da inaplicabilidade do princípio da insignificância, ainda que se trate de serviço de valor adicionado (SVA):

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE. TELECOMUNICAÇÕES. ART. 183 DA LEI N. 9.472/1997.SERVIÇO DE PROVEDOR DE INTERNET. SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO MULTIMÍDIA (INTERNET VIA RÁDIO). EXPLORAÇÃO CLANDESTINA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. DELITO FORMAL E ABSTRATO.PRECEDENTES.
1. É pacífico o entendimento no Superior Tribunal de Justiça de que a prática de serviço de radiodifusão clandestina, mesmo que de baixa potência e sem a obrigatoriedade de autorização por parte do órgão regulador, como na hipótese de serviço de valor adicionado (SVA), constitui delito formal de perigo abstrato, o que afasta o reconhecimento da atipicidade material da conduta pela aplicação do princípio da insignificância. Precedentes de ambas as Turmas da Terceira Seção.
2. Agravo regimento improvido.
(AgRg no REsp 1555092/PE, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 15/12/2015, DJe 02/02/2016)

Da continuidade delitiva. Pede a defesa o afastamento da causa de aumento do artigo 71 do CP, ao argumento que a natureza do crime do artigo 183 da Lei nº 9.472/97 exige a habitualidade, o que o torna incompatível com a continuidade delitiva.

Não procede a alegação.

Ainda que o crime do artigo 183 da Lei 9.472/97 seja permanente, segundo apurado, o acusado foi flagrado em diversas oportunidades pelos fiscais da Anatel desenvolvendo irregularmente atividades de telecomunicação, tendo seus equipamentos sido lacrados e apreendidos por duas vezes.

Conforme mencionado pelo magistrado a quo "a partir do momento em que ocorre a fiscalização que faz cessar a atividade clandestina, a posterior continuidade na prática delitiva revela a existência de um novo crime, uma vez que pressupõe que o agente novamente envide esforços para iniciar a conduta de desenvolvimento outrora interrompida. Em sendo assim, haverá crimes distintos toda a vez em que ocorrer a interrupção das atividades clandestinas e o agente iniciar uma nova prática - no caso das telecomunicações instalando novos equipamentos para que a atividade interrompida pela ANATEL seja retomada ou deslacrando os equipamentos de modo a configurar uma atividade dolosa autônoma relacionada à prática anterior" (fl. 767).

Ademais, verifico que não há proximidade temporal entre as ações autônomas praticadas, considerado que o intervalo em que foram apuradas as infrações supera 30 dias, pois praticados em 06/10/2004, 09/03/2005, 28 e 29/04/2005 e 16/08/2007. Ademais, em duas dessas diligências, houve a apreensão dos equipamentos de transmissão clandestina e lacração das antenas, ficando claramente demonstrado e comprovado que tratam de ações distintas.

Dessa forma, em regra, estaria caracterizada a hipótese de concurso material de crimes. Contudo, à mingua de recurso da acusação quanto ao ponto e da proibição da reformatio in pejus, é de se manter o instituto da continuidade delitiva, no patamar aplicado na sentença.

Da dosimetria da pena. Não houve insurgência das partes quanto à fixação da pena-base, fixada pelo magistrado a quo em 02 anos e 06 meses de reclusão, devidamente fundamentada nas circunstâncias e culpabilidade desfavoráveis, que resta mantida.

Na segunda fase, não foram reconhecidas agravantes e atenuantes.

Na terceira fase, presente a causa de aumento da pena da continuidade delitiva, que resta mantida, tal como mencionado acima. Quanto ao ponto, verifico que a infração foi constatada em quatro oportunidades distintas (06/10/2004, 09/03/2005, 28 e 29/04/2005 e 16/08/2007). No entanto, tendo o magistrado a quo firmado na r. sentença que foram cometidas três infrações (cfr. fl. 788), é de se manter essa circunstância, bem como a majoração no patamar de 1/5 (um quinto). Assim, a pena resulta definitiva em 03 (três) anos de detenção.

Quanto à pena de multa, observo que o juízo de primeira instancia entendeu por bem afastar sua aplicação, por estar em desacordo com o principio constitucional da individualização da pena, e porque sua substituição pelo critério previsto no Código Penal fere o princípio da legalidade, não se insurgindo também o MPF quanto ao tópico, que fica mantido. .

Mantenho ainda o regime aberto para início do cumprimento da pena e a substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos, consistente na prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 06 salários mínimos, a despeito do reconhecimento de circunstância judicial desfavorável, à vista da ausência de recurso da acusação quanto ao ponto, em respeito aos princípios tantum devolutum quantum apellatum e da proibição da reformatio in pejus.

Quanto à destinação da referida pena de prestação pecuniária, substitutiva da pena privativa de liberdade, a sentença comporta reparo, de ofício, posto que a mesma deve ser revertida em favor da entidade lesada com a ação criminosa, nos termos do artigo 45, §1° do Código Penal, no caso, a União.

Por estas razões, nego provimento ao apelo do réu, e, de ofício, altero a destinação da pena de prestação pecuniária em favor da União.

Nos termos do entendimento recente do STF (HC 126.292; ADCs 43 e 44 e ARE 964.246), expeça-se carta de guia para o início imediato de cumprimento das penas restritivas de direito aplicada ao réu. Anoto que em recente decisão o Ministro Roberto Barroso, analisando a possibilidade de execução provisória de penas restritivas de direito aplicadas em substituição a pena privativa de liberdade diante da tese firmada pelo E. STF a partir do julgamento do HC 126.292 e do quanto disposto no art. 147 da LEP assentou: "9. Naquela ocasião, o Plenário da Corte declarou a constitucionalidade da execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, não restringindo o alcance dessa deliberação apenas aos condenados a penas privativas de liberdade não substituídas." (HC 156/661/SP, dec. 09.05.2018).

É como voto.

HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): HELIO EGYDIO MATOS NOGUEIRA:10106
Nº de Série do Certificado: 68D9614EDFBF95E3
Data e Hora: 30/05/2018 13:59:32