D.E. Publicado em 02/10/2018 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, afastar as preliminares arguidas, negar provimento aos recursos e reverter, de ofício, as prestações pecuniárias substitutivas em favor da União, e determinar a expedição das guias de execução, nos termos do relatório e voto do Relator, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado, acompanhado pelo Des. Fed. Valdeci dos Santos, vencido o Des. Fed. Wilson Zauhy, que absolvia os réus do delito tipificado no art. 318 do Código Penal.
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DECLARAÇÃO DE VOTO
Quanto à materialidade delitiva, tenho que ela não se apresenta de modo a permitir o decreto condenatório.
Como se nota, os laudos indiretos meramente homologam o Auto de Infração.
Ora, não se pode presumir a origem estrangeira das mercadorias apenas porque não é possível determinar o país de procedência dos bens em questão. Conforme já decido pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, para formular denúncia válida pelo crime de contrabando na hipótese de apreensão de máquina "caça-níquel", o Ministério Público deve apontar indícios concretos acerca da origem estrangeira dos equipamentos eletrônicos, bem como da ciência do acusado no tocante à introdução clandestina do produto no país, sendo insuficiente, para tanto, a mera presunção nesse sentido tão somente por ser proprietário do estabelecimento comercial onde as máquinas foram apreendidas.
Destarte, ainda que assim não fosse, tendo-se em conta a orientação jurisprudencial citada e a inconsistência do laudo, como se pode afirmar que os réus conheciam a origem estrangeira dos equipamentos se sequer a perícia pôde fazê-lo? Não se há de afirmar, portanto, com a segurança necessária para a condenação que os réus conhecessem essa circunstância fática.
Sendo essa a situação versada na espécie, mister a reforma da r. sentença para que os réus sejam absolvidos do delito tipificado no artigo 318 do Código Penal.
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RELATÓRIO
Exmo. Desembargador Federal HELIO NOGUEIRA (Relator):
Trata-se de Apelações Criminais interpostas por DANILO SÉRGIO GRILLO e RICHARD MONTOVANELLI contra sentença (fls. 251/274-v) proferida pelo Juízo da 1º Vara Criminal Federal de Jaú/SP, que julgou parcialmente procedente o pedido e:
- condenou DANILO SÉRGIO GRILLO como incurso na conduta descrita no artigo 318 do Código Penal, à pena de 03 (três) anos de reclusão e pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo, substituída pelas penas de prestação pecuniária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e prestação de serviços à comunidade pelo mesmo prazo da condenação, a ser discriminada pelo Juízo da Execução;
- condenou RICHARD MANTOVANELLI como incurso na conduta descrita no artigo 318 do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 03 (três) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo, substituída pelas penas de prestação pecuniária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e prestação de serviços à comunidade pelo mesmo prazo da condenação, a ser discriminada pelo Juízo da Execução;
- absolveu JOÃO LUIZ AURÉLIO CALADO, nos termos do artigo 386, VII, do Código de Processo Penal.
Consta da denúncia, no tocante aos réus apelantes processados na presente ação, fruto do desmembramento da ação penal 2007.61.17.002322-5 (mídia fls. 03 - fls. 168/298 dos autos principais):
Restaram denunciados pelo Ministério Público Federal em conjunto com o Ministério Público do Estado de São Paulo neste feito:
a) DANILO SÉRGIO GRILLO, qualificado nos autos, nascido aos 02/12/1952, como incurso no artigo 288 do CP; artigo 317, §1º c.c artigo 71 do CP; artigos 318 e 319 c.c artigo 71 do CP, em concurso formal, e todos em concurso material.
b) JOÃO LUIZ AURÉLIO CALADO (absolvido), qualificado nos autos, nascido aos 09/11/1967, como incurso no artigo 288 do CP; artigo 317, §1º c.c artigo 71 do CP; artigos 318 e 319 c.c artigo 71 do CP, em concurso formal, e todos em concurso material.
c) JOÃO GERALDO DE ALMEIDA FRANÇA, qualificado nos autos, nascido aos 08/11/1963, como incurso no artigo 288 do CP; artigo 317, §1º c.c artigo 71 do CP; artigos 318 e 319 c.c artigo 71 do CP, em concurso formal, e todos em concurso material.
d) RICHARD MONTOVANELLI, qualificado nos autos, nascido aos 20/01/1961, como incurso no artigo 288 do CP; artigo 317, §1º c.c artigo 71 do CP; artigos 318 e 319 c.c artigo 71 do CP, em concurso formal, e todos em concurso material.
A ação penal originária nº 2007.61.17.002322-5 foi proposta em face de 52 denunciados.
Em 24/03/2009, a denúncia foi recebida em relação aos acusados não servidores públicos, com exceção da imputação da contravenção do artigo 50 do Decreto-lei 3.668/41 (fls. 299/335 dos autos principais n. 0002322-09.2007.403.6117 - mídia de fls. 03).
Em relação aos denunciados e aos demais servidores públicos, a denúncia foi recebida em 06/05/2009 (fls. 2.598/2.599 dos autos originais n. 0002322-09.2007.403.6117 - mídia à fl. 03 - vol. 10).
Posteriormente, nos autos do HC 0025563-59.2009.403.0000 a 1ª Turma deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região concedeu parcialmente a ordem para anular os atos processuais praticados na ação penal originária, a partir da defesa preliminar do artigo 396-A do Código de Processo Penal, determinando-se sua renovação, fase processual também concedida aos servidores públicos (mídia digital de fls. 03 - volume 17 - fls. 4.720/4.737).
Abriu-se novo prazo para a apresentação de defesa prévia a todos os 52 acusados (mídia digital de fls. 03 - volume 17 - fls. 4.708)
Procedeu o Juízo à nova deliberação sobre o recebimento da denúncia, reconsiderando a decisão de fls. 299/335 dos autos principais n. 0002322-09.2007.403.6117, determinando, ainda, que o desmembramento do feito seria processado somente após a oitiva das testemunhas arroladas pela acusação, exceto em relação ao acusado Denizar Rivail Liziero, cujo desmembramento restou realizado de imediato em virtude da instauração de incidente de insanidade mental (mídia de fls. 03 - volume 19 - fls. 5.407/5.419 dos autos principais n. 0002322-09.2007.403.6117).
Às fls. 6.144/6.146 (mídia de fls. 03 - n. 0002322-09.2007.403.6117), determinou-se, novamente, o desmembramento dos autos originais (2007.61.17.002322-5) em doze processos, incluindo o presente.
À fl. 236, foi determinado o desmembramento deste feito em relação ao codenunciado JOÃO GERALDO DE ALMEIDA FRANÇA.
A sentença parcialmente procedente foi publicada em 29/09/2011 (fl. 275), restando condenados pela prática do delito de facilitação de contrabando os corréus DANILO SÉRGIO GRILLO e RICHARD MONTOVANELLI, absolvidos das demais imputações, assim como o codenunciado JOÃO LUIZ AURÉLIO CALADO, este absolvido de todas as imputações, com fulcro no artigo 386, VII, do Código Penal.
Em razões de fls. 288/303, a defesa de DANILO SÉRGIO GRILLO pretende a absolvição, alegando:
a) Infringência ao artigo 5º da Lei n. 9.296/96 diante da renovação, por treze vezes, da interceptação telefônica sem fundamentação consistente;
b) Insuficiência de provas para condenação e atipicidade da conduta;
c) Impossibilidade do réu DANILO praticar o delito previsto no artigo 318 do Código Penal, pois o crime em tela somente pode ser cometido por funcionário público que tenha o dever funcional de coibir o contrabando;
Por sua vez, a defesa de RICHARD MONTOVANELLI, às fls. 304/311, aduz, preliminarmente, a nulidade por ausência de citação e, no mérito, pugna pela absolvição, alegando, em síntese:
a) a fragilidade do conjunto probatório;
b) impossibilidade de subsumir a conduta do acusado ao tipo previsto do artigo 318 do Código Penal, pois não se pode exigir que a polícia civil desempenhe funções alfandegárias;
c) atipicidade do delito, pois "o acusado não poderia se ocultar ou fazer a mencionada "tábua rasa" a uma prática delitiva posto que a mesma não se opera, por absoluta impropriedade do meio, o plantão policial".
Contrarrazões ministeriais às fls. 316/331.
A Procuradoria Regional da República, em parecer de fls. 315/328, da lavra da Dra. Rosane Cima Campiotto, opinou pelo desprovimento das apelações das defesas.
Os autos baixaram em diligência para a juntada da cópia digitalizada dos áudios obtidos nos autos de Interceptação Telefônica n. 0000956.61.2009.403.6117, o que foi feito às fls. 361/363.
É o relatório.
Ao Revisor nos termos regimentais.
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VOTO
O Exmo. Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA (Relator):
Considerações inaugurais: a investigação, levada a cabo na fase extraprocessual, detectou a existência de agremiações criminosas diversas, atuantes na região de Jaú/SP, e Rio Claro/SP, especializadas no contrabando de peças eletrônicas de máquinas caça níqueis, as quais se encontravam disseminadas em estabelecimentos comerciais da aludida região do interior do Estado de São Paulo, também, para a exploração do jogo de azar, contravenção penal sob a competência do Juízo Estadual.
As investigações também elucidaram a participação de autoridades públicas que garantiam a impunidade e a perpetuação da prática delituosa, atuando, mormente, como informantes de operações policiais, como no caso dos ora denunciados, policiais civis.
Cabe ainda pontuar, antes de adentrar propriamente na matéria recursal, e até para evitar repetições desnecessárias, que a interceptação telefônica, prevista constitucional e legalmente, foi determinada por ordem judicial, obedecendo aos trâmites da Lei nº 9.296/96 (autos nº 2008.61.17.000342-5), sendo meio de prova que não pode, pois, ser descartado do nosso ordenamento jurídico, ainda mais quando, in casu, o monitoramento telefônico conduziu à produção de outros elementos de prova ou fizeram referência a eventos ocorridos e demonstrados nos autos, não restando insulada no acervo probatório.
Nessa ordem de ideias, pontifica José Paulo Baltazar Junior: "Tendo em vista a adoção do princípio do livre convencimento motivado, não se pode qualificar, a priori, a prova decorrente da interceptação telefônica como secundária, devendo ser considerada no conjunto com as demais (...)" (in "Crimes Federais", 8ª ed., 2012. Ed. Livraria do Advogado, p. 674).
Feitas essas colocações inaugurais, passo ao exame dos recursos das Defesas.
Das preliminares
1.Nulidade decorrente da inobservância do artigo 5º da Lei n. 9.2196/96
Alega a defesa de DANILO SÉRGIO GRILLO que houve infringência ao artigo 5º da Lei n. 9.296/96 ao serem renovadas as interceptação telefônicas por treze vezes consecutivas sem fundamentação consiste.
Não lhe assiste razão.
In casu, a interceptação telefônica, autos n. 0000956.61.2009.403.6117, cuja cópia digitalizada encontra-se na mídia acostada à fl. 363 dos presentes autos, foi deferida e prorrogada por autoridade judicial competente, por meio de decisões devidamente motivadas, o que torna a prova legítima.
Ademais, as interceptações telefônicas não embasaram exclusivamente o decreto condenatório, havendo nos autos outros elementos probatórios da prática da conduta, que serão apreciados por ocasião da análise do mérito.
Nesta esteira, observo, ainda, que a Lei n.º 9.296/96 não delimita prazo máximo para a vigência da interceptação.
No caso concreto, considerando a complexidade da prática delitiva e o número de pessoas envolvidas (52 denunciados), tem-se que a interceptação perdurou pelo tempo necessário para a elucidação da trama criminosa em toda sua extensão, inexistindo qualquer vício.
Note-se que, conquanto o artigo 5° da Lei n° 9.296/96 tenha previsto que a interceptação de comunicação telefônica tem prazo de 15 (quinze) dias, renovável pelo mesmo período, o que, frise-se, foi rigorosamente cumprido neste caso (fls. 26, 43, 54, 78, 85, 100, 105, 112, 139, 209/210 e 224/225 dos autos de interceptação telefônica n. 0000956.61.2009.403.6117 - mídia fl. 363), a jurisprudência das Cortes Superiores é pacífica no sentido da possibilidade das prorrogações, mediante fundamentação adequada, por quantas vezes necessárias à investigação, comprovada a indispensabilidade do referido meio de prova (na dicção do próprio artigo 5º da Lei nº 9.296/96), hipótese dos autos, o que afasta a alegação de nulidade por excesso de prazo e ausência de razoabilidade. Confiram-se:
Desta feita, afasto a nulidade arguida.
2. Da nulidade por ausência de citação nos termos do artigo 396-A do CPP
Alega a defesa de RICHARD MONTOVANELLI que, embora observada a regra do artigo 514 do Código de Processo Penal, o réu RICHARD não fora intimado do recebimento da denúncia e não fora citado para se defender, nos termos do artigo 396-A do Código de Processo Penal, acarretando vício insanável.
Compulsando os autos observo que a denúncia em relação ao apelante RICHARD MONOVANELLI foi recebida em 06/05/2009 (fls. 2.598/2.599 dos autos originais n. 0002322-09.2007.403.6117 - mídia à fl. 03 - vol. 10).
Nesta mesma decisão, o magistrado de primeira instância concedeu a todos os acusados servidores públicos, o prazo de 10 dias para apresentarem defesa preliminar e requerem provas, nos seguintes termos:
Antes, porém, determinou-se a notificação do acusado para responder à acusação nos termos do artigo 514 do CPP, o que não se efetivou na primeira tentativa, conforme certificado à fl. 2.668 dos autos originais (n. 0002322-09.2007.403.6117 - mídia à fl. 03 - vol. 10), sendo tal diligência cumprida após o recebimento da denúncia.
A defesa de RICHARD apresentou a petição de fls. 3.170/3.178 (n. 0002322-09.2007.403.6117 - mídia à fl. 03 - vol. 12) cumprindo a determinação.
O processo seguiu até ser anulado por decisão proferida pela 1ª Turma deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região, no HC 0025563-59.2009.403.0000 (fls. 4.720/4.737 - mídia digital à fl. 03 - volume 17), a partir da defesa preliminar do artigo 396-A do Código de Processo Penal, com a renovação de tal fase processual para todos os denunciados, sem exceção, o que foi determinado pelo Juízo de origem às fls. 4.708/4.708-v dos autos principais (mídia digital de 03 - volume 17).
Devidamente intimada, a defesa de RICHARD MONTOVANELLI não apresentou a defesa escrita nos termos do artigo 396-A do CPP, conforme certificado à fl. 5.406 dos autos originais (n. 0002322-09.2007.403.6117 - mídia digital de 03 - volume 19).
Da análise dos fatos processuais acima indicados, verifico que, de fato, após a notificação para cumprimento do artigo 514 do CPP, deveria ter ocorrido a citação formal do réu RICHARD MONTOVANELLI, o que não ocorreu. Contudo, entendo que o comparecimento do réu devidamente acompanhado de sua defensora aos atos processuais subsequentes, supera o referido vício e não enseja nulidade do feito, pois não vislumbro qualquer prejuízo para a Defesa, nos termos do art. 563 do CPP.
Destaco que a Defesa de RICHARD e o próprio acusado compareceram pessoalmente as audiências para oitiva das testemunhas (fls. 6.118/6.121, fls. 6.135/6.140 dos autos originais - mídia fl. 03 - volume 22; fls. 30/31) e, posteriormente, foi regularmente interrogado (mídia fl. 32), do que se infere teve amplo conhecimento dos fatos que lhe foram imputados.
Curial frisar, também, que a não apresentação de defesa preliminar, nos termos do artigo 396-A do CPP foi opção da Defesa, pois devidamente intimada para tanto.
Pelo exposto, entendo que a finalidade da citação, qual seja, a de cientificar o acusado do teor da denúncia e o seu chamamento ao processo para que possa exercer seu direito de defesa, in casu, foi plenamente alcançada com as notificações e intimações ocorridas.
Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados:
Desta feita, não há nulidade a ser sanada.
Do mérito
Por primeiro, cumpre discorrer sobre a possibilidade ou não da prática da conduta de facilitação de contrabando por policial civil.
Aduzem as Defesas que o delito em questão somente pode ser praticado por funcionário público que tenha "o dever funcional de reprimir o contrabando e descaminho" o que não se insere nas atribuições dos réus, policiais civis.
Não lhes assiste razão.
Aos órgãos de polícia compete, na dicção do artigo 144 da CF, o exercício de atividade que vise a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio.
Aos policiais civis, em específico, também na redação da norma constitucional suprarreferida, ressalvada a competência da União e militar, cabe a função de polícia judiciária que tem por fim a apuração das infrações e penais e de sua autoria.
Neste contexto, delineado pela própria Constituição Federal, qualquer que seja órgão de polícia (polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícia civil, polícia militar e corpo de bombeiros), entendo não ser possível excluir o dever funcional de coibir delitos, seja de competência estadual ou federal, prima facie, pela própria natureza da atividade policial.
Ademais, o presente feito trata da apreensão de máquinas caça-níqueis, atividade indissociável da prática de jogos de azar, delito previsto no artigo 50 da Lei de Contravenções Penais, este, indiscutivelmente, inserido nas atribuições específicas da Polícia Civil, como bem anotado pelo magistrado a quo.
O Superior Tribunal de Justiça, em situação análoga, já se posicionou sobre a possibilidade do policial civil incorrer em delito de facilitação de contrabando, confira-se:
Desse modo, perfeita e adequada a imputação do crime de facilitação de contrabando aos réus.
Outrossim, cumpre consignar que a jurisprudência deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região é no sentido de que o crime de facilitação de descaminho/contrabando é de mera conduta, consumando-se independentemente da consumação do descaminho/contrabando. Nesse sentido:
Ainda nessa senda, o entendimento doutrinário, que cito: José Paulo Baltazar Junior, "Crimes Federais", 8a. ed., Livraria do Advogado, p. 175.
Isto posto, cumpre anotar, ainda, que a ação repressiva estatal à prática do contrabando e de jogos de azar culminou em inúmeras apreensões de máquinas caça-níquel em diversos estabelecimentos comerciais na cidade de Jaú e região, destacando-se especialmente o arquivo digital intitulado "2007.61.17.002322-5-APENSOS" - constante da mídia de fl. 03, compilando diversos Autos de Infração e Termo de Apreensão de Guarda Fiscal lavrados, a demonstrar as apreensões dos equipamentos em questão.
Outrossim, registro que vários laudos atestam a origem estrangeira dos componentes das máquinas apreendidas, dentre eles:
- o Laudo de Exame Merceológico nº 1471/2009 - fls. 2.339/2.340 - volume 9 - mídia de fls. 03;
- Laudo nº 4296/08 - apenso 11 - mídia de fls. 13;
- o Laudo de Exame Merceológico n.º 173/2010 - mídia de fls. 03, fls. 5.430/5.432 - volume 19.
Assentadas tais proposições, prossigo analisando, em separado, as condutas atribuídas a cada um dos apelantes.
- Da conduta atribuída a DANILO SÉRGIO GRILLO
A acusação imputa a DANILO SÉRGIO GRILLO a condição de informante de operações policiais àqueles que detinham e exploravam máquinas caça níqueis. Segundo o Ministério Público Federal, DANILO, investigador de polícia civil, mantinha contato frequente com VLADMIR IVANOVAS, integrante da organização criminosa voltada para a exploração de máquinas caça-níqueis na região de Jaú/SP, encabeçada pelo codenunciado HERMÍNIO MASSARO JUNIOR.
Segundo a acusação HERMÍNIO MASSARO JUNIOR gerenciava a montagem de máquinas caça-níqueis em um dos locais alvo das apreensões realizadas em 26/08/2008 e 29/08/2008, bem como adquiria peças importadas para montagem das referidas máquinas e explorava pontos de jogos.
De acordo com a denúncia, o episódio que atestou a participação de DANILO no esquema delituoso ocorreu em 19/08/2008, durante a execução de um mandado de busca e apreensão de máquinas caça-níqueis, diligência esta conduzida por DANILO SÉRGIO GRILLO. Durante a investida policial, VLADIMIR IVANOVAS, vulgo "Vlad", telefonou para o referido investigador de polícia e o comunicou que aquele local era explorado por seu grupo, na tentativa de obstar a apreensão, aduzindo ter esquecido de avisá-lo que o local era explorado pelo grupo delituoso.
Interrogado, DANILO (mídia fl. 32) negou a participação no esquema de exploração de máquinas caça-níqueis. Confirmou, entretanto, ter recebido a ligação de VLADIMIR supracitada, o qual intencionava que as máquinas caça-níqueis não fossem apreendidas. Afirmou, porém, que desconsiderou o telefonema e cumpriu a sua função realizando a apreensão. Negou ter recebido ordens superiores para não proceder a apreensões de máquinas caça-níqueis, bem como de possuir qualquer inimizade dentro e fora da polícia.
Pertinente a transcrição de excertos de seu interrogatório:
Perguntado sobre VLADIMIR, respondeu que o conhecia, que possuía o celular dele em razão de umas ocorrências que eram investigadas e acrescentou:
Contudo a negativa de DANILO é esvaziada pelos elementos de prova constantes dos autos.
A conversa entre DANILO e VLADMIR foi captada nos autos de interceptação telefônica (000095661.2009.4.03.6117 - mídias fls. 361, 362 e 363), cujos áudio e transcrição encontram-se à mídia acostada à fl. 100. Confira-se o inteiro teor da conversa:
Há outro diálogo captado, na sequência, em que VLADMIR, após falar com o investigador DANILO, telefona para um de seus comparsas (WILLIAM) avisando-o que é DANILO que está à frente daquela diligência e diz para o interlocutor orientar a pessoa que estava na residência alvo da apreensão para ela esconder as máquinas caça-níqueis e conversar diretamente com DANILO:
No mesmo dia, VLADIMIR e WILLIAM voltam a conversar sobre as máquinas apreendidas na diligência em que participou DANILO. O objeto da conversa é uma chave que seria utilizada para abrir uma das máquinas que continha dinheiro. Imediatamente após esta conversa, VLADMIR volta a falar com DANILO, comunicando-o que estava com a chave em mãos, do que se infere que a intenção era que DANILO retirasse os valores a contidos no interior do equipamento apreendido. Porém, DANILO avisa que não poderia fazê-lo com a expressão: "deu zica aqui". Confira-se o diálogo:
Curial destacar, que os dados constantes do Boletim de Ocorrência n. 1716/2008, acostado às fls. 43/44 (fls. 02/03 do apenso 19 - mídia fl. 03), referente a esta apreensão e no qual DANILO aparece como condutor, coadunam-se perfeitamente com o teor das conversas, notadamente, em relação aos locais em que foram escondidas as máquinas:
Por oportuno, consigno que em relação a tais máquinas o Laudo n. 4.296/09, atesta a origem estrangeira do equipamento (fls. 16/17 do apenso 19 - mídia fl. 03).
Do cotejo das transcrições acima, revelou-se a existência de uma relação próxima entre DANILO e VLADIMIR, bem como restou evidenciada a participação de DANILO, ainda que não habitual, no auxílio a atividades ilícitas do grupo ao qual pertencia VLADIMIR, o que somente não ocorreu in casu porque, conforme dito pelo próprio VLADIMIR, foi esquecido de se avisar ao réu DANILO que naquele ponto explorava-se jogos com máquinas caça-níqueis pertencentes ao grupo criminoso.
Nesta esteira, a alegação da defesa de que a efetiva apreensão das máquinas no dia do telefonema interceptado obstaria à prática do delito de facilitação de contrabando por parte de DANILO não prospera.
Em verdade, o conteúdo da interceptação revela claramente que DANILO tinha conhecimento das atividades de VLADIMIR e que o auxiliava, alias, justificativa única para que VLADIMIR telefonasse para DANILO durante o transcorrer da diligência na tentativa de evitar que as máquinas caça-níques, constituídas por peças de origem estrangeira, fossem apreendidas, como o próprio DANILO admitiu em interrogatório e, após a apreensão, para que o policial tentasse reaver a quantidade de dinheiro em espécie contida no interior dos equipamentos.
Nesta senda, como bem pontuou o magistrado sentenciante, DANILO foi informado que o ponto pertencia ao grupo do qual VLADIMIR era integrante e claro seu enredamento com a organização criminosa, ao menos como informante, ao relatar que seria impossível retirar o dinheiro das máquinas apreendidas naquela diligência, relembrando a natureza formal do delito de contrabando, que se consuma ainda que esse não venha a ser efetivado.
Assim, a conduta do increpado, aderindo às ações do grupo de VLADIMIR, tornava mais fácil a prática do contrabando pelo grupo de HERMÍNIO, e, no dia 19.08.08, ao não tomar providência em relação a VLADIMIR (cf. se observa do B.O. de fls. 43/44 - mídia de fls. 03), incorreu em omissão dolosa penalmente relevante (art. 13, §2º do CP).
Impende consignar, também, que conquanto as testemunhas de acusação (mídia digital fl. 03 - n. 0002322-09.2007.403.6117) não tenham se referido especificamente às condutas atribuídas ao réu DANILO e a esta apreensão realizada por ele no dia 19/08/2008, certo é que seus depoimentos são convergentes no sentido de que, à época dos fatos, houve uma grande colocação de caça- níqueis na região de Jaú/SP, que, por vezes, as apreensões foram obstaculizadas pela ocorrência de vazamentos sobre as operações que seriam realizadas e que integrantes da polícia civil, incluindo a cúpula da instituição, estavam envolvidos com a exploração de máquinas caça-níqueis.
Destaco dentre os depoimentos, os prestados pelo Subcomandante do Batalhão da Polícia Militar de Jaú/SP, Airton Troijo, compilado às fls. 258/259, pelo Delegado de Polícia aposentado Roberto Fernandes, conteúdo transcrito às fls. 260-v/261, pelo Investigador de Polícia Antônio Carlos Pavini 256-v/258 e pelo Diretor de Fiscalização da Prefeitura de Jaú, João Fernandes Coelho da Silva, reproduzido à fl. 258.
Transcrevo, por oportuno, os respectivos excertos contidos na r. sentença (fls. 255-v/261):
Deste modo, considero que há prova seguras, colhidas sob o crivo do contraditório, que o réu DANILO SÉRGIO GRILLO praticou os fatos que lhe foram imputados na inicial, razão pela qual mantenho o decreto condenatório em relação a ele.
b. Da conduta imputada a RICHARD MONTOVANELLI
A acusação imputa a RICHARD MONTOVANELLI, a exemplo do corréu DANILO SÉRGIO GRILLO, o papel de informante de operações policiais a VLADIMIR IVANOVAS, como sobredito e segundo a acusação, integrante da organização criminosa voltada para a exploração de máquinas caça-níqueis na região de Jaú/SP, encabeçada pelo codenunciado HERMÍNIO MASSARO JUNIOR.
De acordo com a denúncia (fl. 197-v - n. 0002322-09.2007.403.6117 - mídia fl. 03), em 28/05/2008, VLADIMIR IVANOVAS teria buscado e obtido de RICHARD MONTOVANELLI informações sobre operações policiais na cidade de Jaú.
Em troca de informações como estas, VLADIMIR teria enviado ao referido investigador, em 17/04/2008, durante um plantão policial, propina ou outro tipo de favorecimento, por meio do advogado e codenunciado GUSTAVO ZANATTO CRESPILHO, mencionada nas conversas telefônicas captadas como as palavras "formigas" e "lanche".
Interrogado, RICHARD negou veementemente as acusações. Informou que as apreensões eram determinadas pelos delegados de polícia, que por trabalhar em plantões policiais não possuía competência para decidir sobre a pertinência ou não de uma apreensão. Admitiu conhecer VLADIMIR IVANOVAS e ter conversado com ele por telefone. Entretanto, negou que o contato tenha sido para obtenção de informações sobre operações policiais, disse que VLADIMIR trabalhava com segurança privada e que o contato era mantido com VLADIMIR para a realização de "bicos" na área de segurança. Negou ter o apelido de "Gordo".
Sobre a entrega de um suposto "lanche", citado em uma das conversas interceptadas entre VLADIMIR e o advogado GUSTAVO CRESPILHO, RICHARD alegou que "nós conhecemos, nós temos contato, não com esse advogado, com todos praticamente da área criminal, que vão lá, acompanham, eles levam até lanche para os presos e não vou negar que teve algumas vezes que eles levaram lanche para nós, pizza pra nós, alguma coisa assim. Mas nada é cobrado. Eles dão gratuitamente. Porque nós não temos horário de saída" .
Entretanto, os diálogos interceptados entre o VLADIMIR e o advogado GUSTAVO CRESPILHO, bem como entre VLADIMIR e o próprio réu RICHARD demonstram uma intimidade entre os dois e que este último recebia dos primeiros "agrados" espúrios. Os diálogos ocorridos em 17/04/2008 apontam nesse sentido.
No primeiro, VALDIMIR pergunta ao advogado GUSTAVO o que ocorreu no plantão policial e se chegou as "formigas" para o investigador RICHARD. Na sequência, o próprio VLADIMIR liga para RICHARD para perguntar se o "lanche" foi entregue. Confiram-se as transcrições dos áudios registrados na mídia de fl. 100:
Em outro diálogo ocorrido em 28/05/2008, RICHARD e VLADIMIR marcam um encontro. Na sequência VLADIMIR entra em contato com HERMÍNIO (o proprietário das maquinas caça-níqueis) e diz que conversará com RICHARD, chamado de "GORDO" pelos dois, para saber a respeito das diligências policiais. Também comentam que há "gente de fora", referindo-se aos policiais da cidade de Bauru.
Infere-se, portanto, que RICHARD também mantinha bom relacionamento com VLADIMIR, relacionamento este que extrapolava o simples contato que RICHARD alegou ter com VLADIMIR, em interrogatório, em razão de supostamente prestar serviços esporádicos na área de segurança privada.
Na verdade, dessume-se do contexto fático delineado nos autos que VLADIMIR trabalhava para os donos das máquinas caça níqueis e obtinha informações sobre as apreensões que seriam feitas pela policia civil de Jaú com os investigadores RICHARD e DANILO, aos quais oferecia, além de "agrados", como flagrado na conversa interceptada acima mencionada, serviços esporádicos na área de segurança, como afirmado pelos próprios réus em interrogatório.
Deste modo, não encontra respaldo nos autos a assertiva de RICHARD de que desconhecia que VLADIMIR estava envolvido com a exploração de caça-níqueis.
Como já assinalado anteriormente, os testemunhos de acusação também esvaziam a versão apresentada por RICHARD em interrogatório, pelos mesmos motivos declinados anteriormente em relação ao corréu DANILO: o aumento exponencial de máquinas caça-níqueis, à época, na região de Jaú/SP, vazamentos sobre a realização de operações policiais conjuntas para apreensão de máquinas caça-níqueis quando havia participação da polícia civil e interferência da cúpula da polícia civil nas apreensões realizadas na região.
De outro turno, não se olvide que as testemunhas de defesa e algumas de acusação referiram-se tanto ao réu RICHARD como ao réu DANILO como profissionais capacitados e eficientes, entretanto, como bem pontuou o magistrado sentenciante, tais referências não elidem a prática do delito de facilitação de contrabando.
A exemplo de DANILO, não há dúvidas que RICHARD também tinha ciência do envolvimento de VLADIMIR com caça níqueis e, ao menos em relação a este, infringiu dever funcional ao prestar-lhe auxílio, caracterizando o delito em questão.
Por fim, aduz a defesa que a conduta de RICHARD é atípica, pois nada teria ocorrido no plantão policial e assim "o acusado não poderia ter feito tábula rasa a uma prática delitiva, posto que a mesma não se opera, por absoluta impropriedade do meio, o plantão policial."
De fato, a denúncia não se refere a eventual apreensão de máquina com componentes eletrônicos de origem estrangeira de internação proibida no país durante aquele plantão policial. Contudo, a denúncia registra que durante diálogo captado entre VLADIMIR e o advogado GUSTAVO há referência à entrega de favorecimento ao correú RICHARD durante o período em que ele estava trabalhando, demonstrado a troca de favores existente entre eles, o que poderia ter ocorrido em qualquer momento, independentemente do plantão policial, pois para caracterização do delito exige-se infringência a dever funcional e não que a prática do delito ocorra no local de trabalho. Ademais, no monitoramento telefônico entre VLADIMIR e HERMÍNIO há menção que policiais de Bauru estariam no local para realizações de apreensões das máquinas e que isso seria conferido com o o acusado RICHARD.
Portanto, desarrazoada tal alegação.
Por todo o exposto, entendo que não há motivo para a reforma da sentença. Assim, mantenho o decreto condenatória, também, em relação ao réu RICHARD MONTOVANELLI.
Passo a dosimetria das penas, embora não tenha sido objeto dos recursos.
Dosimetria
Na primeira fase, o magistrado de primeira instância fixou a pena-base, para cada um dos réus, em seu mínimo legal, 03 (três) anos de reclusão e pagamento de 10 (dez) dias multa, considerando inexistentes circunstâncias judiciais desfavoráveis e a tornou definitiva, ante a ausência de circunstâncias agravantes e atenuantes, bem como de causas de aumento e diminuição, o que não merece reparo.
Irretorquível a fixação do regime inicial de cumprimento de pena no aberto e a fixação do valor unitário mínimo legal para a pena de multa.
Igualmente irreparável a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, também, para cada um os condenados, consistentes em prestação de serviços à comunidade, na forma a ser especificada pelo Juízo da Execução, pelo mesmo prazo da pena corporal e prestação pecuniária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a qual, reverto, de ofício, em favor da União.
Mantidos os demais termos da sentença.
Por esses fundamentos, afasto as preliminares arguidas, nego provimento aos recursos e reverto, de ofício, as prestações pecuniárias substitutivas em favor da União.
Nos termos do entendimento firmado pelo STF no HC 126.292 e ADcs 43 e 44, expeçam-se guias de execução para imediato cumprimento das penas restritivas de direito, encaminhando-as ao Juízo da Execução.
É o voto.
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