Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 02/10/2017
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003690-76.2013.4.03.6106/SP
2013.61.06.003690-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : ALEXANDRE HIDEO DOHO
ADVOGADO : SP141150 PAULO HENRIQUE FEITOSA (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00036907620134036106 1 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

EMENTA

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A FAUNA. PÁSSAROS SILVESTRES. USO INDEVIDO DE SIMBOLO PÚBLICO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO DEMONSTRADOS. CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE. ERRO DE PROIBIÇÃO NÃO CONFIGURADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NÃO APLICÁVEL. DOSIMETRIA DA PENA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. A materialidade dos delitos é inconteste e está devidamente demonstrada nos autos pelos Boletim de Ocorrência, Auto de Infração Ambiental, Termo de Apreensão, Termo de Destinação de Animais, Materiais e/ou Produtos Apreendidos, Laudo Biológico, Auto de Apreensão e Laudo Pericial.
2. A autoria dos delitos resta evidente pelas declarações testemunhais e oitiva do réu, tanto na fase do Inquérito Policial quanto em sede Judicial. Ademais, a apreensão se realizou na residência do acusado
3. O apelante alega que não tinha conhecimento acerca da adulteração das anilhas, ressaltando que não tinha condições de averiguá-las por se tratar de pessoa simples e sem instrução. Ocorre que, sendo o réu um criador de pássaros, registrado no Sistema de Cadastro de Criadores Amadoristas de Passeriformes, há quase 10 (dez) anos, tem como dever conferir o número e a regularidade da anilha ao adquirir cada ave. Além disso, não é razoável que não tenha atentado para a situação das anilhas nos pássaros que estava adquirindo ou trocando, já que não se trata de pessoa leiga.
4. Obviamente que, somente por conta disso, não se pode concluir ser o réu o autor da falsificação, mas, por outro lado, não há como eximi-lo da prática do uso indevido das anilhas falsificadas, uma vez que tinha condições de aferir que as mesmas estavam adulteradas, bem como tinha a obrigação de notificar o órgão competente quanto a possíveis irregularidades encontradas.
5. Não há como se acolher a tese de erro de proibição do acusado, de modo a afastar o elemento subjetivo do tipo (o dolo), restando demonstrado pelas próprias circunstâncias fáticas e da alegada condição de criador de aves autorizado pelo IBAMA. Ao não averiguar a regularidade das anilhas dos seus pássaros, pode-se afirmar que, no mínimo, o réu assumiu o risco do resultado, ensejando a condenação, ainda que pela caracterização do dolo eventual.
6. Não se pode aceitar tratar-se de caso a ser abrangido pela teoria do princípio da insignificância penal, sendo preciso consignar que o bem juridicamente tutelado não se resume na proteção de alguns espécimes, mas sim do ecossistema, como um todo, que está ligado, intimamente, à política de proteção ao meio ambiente, como direito fundamental do ser humano, direito de ter um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Na verdade, a lei cuida não só da proteção do meio ambiente em prol de uma melhor qualidade de vida da sociedade hodierna, como também das futuras gerações, em obediência ao princípio da solidariedade em relação aos que estão por vir, previsto no artigo 225 da Carta Magna (direito fundamental de terceira geração).
7. Dosimetria da pena mantida. Não havendo irresignação da defesa quanto à fixação da pena-base e com relação às demais fases de fixação da pena privativa de liberdade, tenho que a mesma deve ser mantida, nos termos em que lançada, posto que observada a jurisprudência atual e os preceitos legais atinentes à matéria, não havendo necessidade de reformá-la.
8. Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 20 de setembro de 2017.
PAULO FONTES
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003690-76.2013.4.03.6106/SP
2013.61.06.003690-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : ALEXANDRE HIDEO DOHO
ADVOGADO : SP141150 PAULO HENRIQUE FEITOSA (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00036907620134036106 1 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de APELAÇÃO CRIMINAL interposta por ALEXANDRE HIDEO DOHO em face da sentença (fls. 173/176v) proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal de São José do Rio Preto/SP, que o condenou pela prática dos crimes previstos nos artigos 29, §1º, inc. III, da Lei nº 9.605/98, e 296, §1º, inc. III, do Código Penal, à pena de 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 12 (doze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo.
A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em interdição temporária de direitos - criação de pássaros, e limitação de fim de semana, pelo prazo da pena aplicada.
Em sede de razões recursais (fls. 186/196), a defesa requereu a absolvição do apelante, alegando insuficiência de provas em relação à autoria e ao dolo dos crimes. E, de forma subsidiária, a aplicação do princípio da insignificância.
Contrarrazões às fls. 201/202v.
A Exma. Procuradora Regional da República, Adriana Scordamaglia, manifestou-se pelo não provimento do recurso apresentado pela defesa, a fim de que seja mantida na íntegra a r. sentença. Por fim, pleiteou a execução provisória da pena, considerando os julgados proferidos pelo Plenário do Egrégio Supremo Tribunal Federal (fls.204/207).
É o relatório.
À revisão, nos termos regimentais.
PAULO FONTES
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003690-76.2013.4.03.6106/SP
2013.61.06.003690-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : ALEXANDRE HIDEO DOHO
ADVOGADO : SP141150 PAULO HENRIQUE FEITOSA (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00036907620134036106 1 Vr SAO JOSE DO RIO PRETO/SP

VOTO

Do caso dos autos. ALEXANDRE HIDEO DOHO foi denunciado pela suposta prática dos crimes previstos nos artigos 29, §1º, inc. III, da Lei nº 9.605/98, e 296, §1º, inc. III, do Código Penal.
Narra a denúncia (fls. 51/53) o que se segue:
" (...) Alexandre Hideo Doho, manteve em cativeiro, sem permissão dos órgãos competentes, aves da fauna silvestre, conforme Anexos I e II da instrução normativa IBAMA nº 10 de 20 de setembro de 2011. Na mesma ocasião, fez uso indevido de selos (anilhas) utilizadas pela Administração Pública.
Com feito, em 22 de janeiro de 2013, o denunciado foi surpreendido pela polícia ambiental na Rua Francisco Lárazi, nº 305, Vila Novaes, São José do Rio Preto/SP, mantendo em cativeiro de forma indevida 20 (vinte) espécimes de pássaros, sendo: 17 (dezessete) coleirinha-papa-capim "sporophila caremlescens"; 02 (dois) trinca-ferro "saltator similis"; e 01 (um) coleiro-baiano "sporophila nigricollis", bem como utilizando anilhas adulteradas.
A materialidade do delito encontra-se no boletim de ocorrência, acostado às fls. 04/05 e no auto de infração ambiental nº 279769 (fl. 06) e apreensão dos pássaros e suas gaiolas (fl. 07).
Fora elaborado o termo de destinação de animais, materiais e/ou produtos apreendidos(fls. 08/10), bem como laudo biológico (fl. 12).
Realizou-se perícia em 06 (seis) anilhas apreendidas. O laudo pericial de fls. 29/35 revelou que 04 (quatro) delas eram autênticas, porém adulteradas em seu diâmetro interno, e 02 (duas) eram falsas com gravação artesanal manual dos caracteres."
Não havendo arguições preliminares, passo a análise do mérito recursal.
Da materialidade. A materialidade dos delitos é inconteste e está devidamente demonstrada nos autos pelos Boletim de Ocorrência (fls. 04/05), Auto de Infração Ambiental (fl. 06), Termo de Apreensão (fl. 07), Termo de Destinação de Animais, Materiais e/ou Produtos Apreendidos (fls. 08/11), Laudo Biológico (fl. 12), Auto de Apreensão (fl. 13) e Laudo Pericial de fls. 29/35.
Foram apreendidas e periciadas 06 (seis) anilhas de passeriformes. O laudo pericial, após analisá-las, confirmou que 04 (quatro) eram autênticas, com vestígios de adulteração mecânica, e 02 (duas) eram falsas com gravação artesanal manual dos caracteres (fls. 29/35).
Da autoria e do dolo. No que tange à autoria dos delitos, resta evidente pelas declarações testemunhais e oitiva do réu, tanto na fase do Inquérito Policial quanto em sede Judicial. Ademais, a apreensão se realizou na residência do acusado.
Tanto em sede policial (fl. 18) quanto em Juízo (mídia de fl. 119), o apelante alegou ter adquirido os pássaros de terceiros, em torneios, sem saber que as anilhas estavam adulteradas. Em Juízo, ele afirmou que é criador registrado junto ao IBAMA e que policiais ambientais já realizaram diligências anteriores em sua residência e nada encontraram de irregular, nem fizeram medição com paquímetro.
As declarações prestadas pelo policial militar Júlio Cesar Alves, que participou das diligências, à época dos fatos, corroborou os fatos descritos na denúncia. Ao ser ouvido em Juízo, ele confirmou o conteúdo do Auto de Infração de fl. 06 (mídia de fl. 107).
Resta, pois, apenas avaliar o dolo.
Diante do conjunto probatório carreado nos autos e das circunstâncias do caso, não é possível dar guarida à versão defensiva, de que o réu não tinha ciência da adulteração das anilhas. Vejamos.
O apelante alega que não tinha conhecimento acerca da adulteração das anilhas, ressaltando que não tinha condições de averiguá-las por se tratar de pessoa simples e sem instrução.
Ocorre que, sendo o réu um criador de pássaros, registrado no Sistema de Cadastro de Criadores Amadoristas de Passeriformes, há quase 10 (dez) anos (fls. 05v e históricos das anilhas encaminhados pelo IBAMA de fls. 25/28), tem como dever conferir o número e a regularidade da anilha ao adquirir cada ave. Além disso, não é razoável que não tenha atentado para a situação das anilhas nos pássaros que estava adquirindo ou trocando, já que não se trata de pessoa leiga.
Além disso, em nenhum momento, houve tentativa de identificar os supostos vendedores das aves silvestres ou ao menos arrolar testemunhas que comprovassem a versão apresentada pelo réu.
Obviamente que, somente por conta disso, não se pode concluir ser o réu o autor da falsificação, mas, por outro lado, não há como eximi-lo da prática do uso indevido das anilhas falsificadas, uma vez que tinha condições de aferir que as mesmas estavam adulteradas, bem como tinha a obrigação de notificar o órgão competente quanto a possíveis irregularidades encontradas.
Assim, não há como se acolher a tese de erro de proibição do acusado, de modo a afastar o elemento subjetivo do tipo (o dolo), restando demonstrado pelas próprias circunstâncias fáticas e da alegada condição de criador de aves autorizado pelo IBAMA.
Ao não averiguar a regularidade das anilhas dos seus pássaros, pode-se afirmar que, no mínimo, o réu assumiu o risco do resultado, ensejando a condenação, ainda que pela caracterização do dolo eventual.
Desse modo, ao utilizar anilhas adulteradas, procedeu à guarda de espécimes da fauna silvestre em situação irregular.
Nesse diapasão, merece destaque a fundamentação do MM. Juiz a quo. Confira-se:
" ... Não há que prosperar a alegação do acusado de desconhecimento da adulteração das anilhas, pois foram encontradas nas aves por ele mantidas em seu plantel, como se observa do "histórico das anilhas" de fls. 25/28. Mais: os registros constantes nos históricos das anilhas demonstram que o acusado tinha pleno conhecimento e domínio da necessidade de manter os registros junto ao órgão fiscalizador, assim como de atualizá-los, pois ele mesmo realizou ou confirmou a transferência para seu nome. Portanto, demonstrou o acusado pleno conhecimento das rotinas e procedimentos legais necessários junto ao órgão fiscalizador a serem cumpridas pelos criadores amadores.
O argumento de desconhecimento e mesmo que não tinha como reconhecer a adulteração das anilhas a olho nu também não se sustenta diante do fato de o acusado ser criador amador há vários anos, e, portanto, por cuidar e manusear diariamente as aves, conclui-se que seja sabedor de que a anilha cedida pelo IBAMA segue um padrão quanto aos caracteres e deve ficar adaptada aos diferentes tarsos das aves, o que não ocorre naquelas que foram adulteradas ou são falsas." (fls. 174v/175)
Tampouco se pode aceitar, nesta hipótese fática, tratar-se de caso a ser abrangido pela teoria do princípio da insignificância penal, sendo preciso consignar que o bem juridicamente tutelado não se resume na proteção de alguns espécimes, mas sim do ecossistema, como um todo, que está ligado, intimamente, à política de proteção ao meio ambiente, como direito fundamental do ser humano, direito de ter um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Na verdade, a lei cuida não só da proteção do meio ambiente em prol de uma melhor qualidade de vida da sociedade hodierna, como também das futuras gerações, em obediência ao princípio da solidariedade em relação aos que estão por vir, previsto no artigo 225 da Carta Magna (direito fundamental de terceira geração).
Como ensina, de forma precisa, o professor Alexandre de Moraes:
"...protege-se constitucionalmente, como 'direitos de terceira geração' os chamados 'direitos de solidariedade ou fraternidade', que englobam o direito a um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, ao progresso, a paz, a autodeterminação dos povos e a outros direitos difusos, que são, no dizer de José Marcelo Vigiliar, os interesses de grupos menos determinados de pessoas, sendo que entre elas não há vínculo jurídico ou fático muito preciso." (Moraes, Alexandre. Direito Constitucional. 6ª ed., São Paulo, Editora Atlas, 1999).

A Excelsa Corte, perfilhando o mesmo entendimento, afirmou: "Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado: a consagração constitucional de um típico direito de terceira geração" (RTJ 155/206).
Nesse diapasão, chega-se à conclusão de que o direito ao meio ambiente equilibrado é assegurado pela Constituição Federal como direito fundamental de terceira geração, que está diretamente relacionado com o direito à vida das presentes e das futuras gerações. Não pode, portanto, o Judiciário violar a intenção do legislador, expressa na lei, que teve como substrato a obrigatoriedade da proteção ambiental, estampado no artigo 225, da Constituição Federal, ao proclamar que o Poder Público e a coletividade devem assegurar a todos a efetividade do direito ao meio ambiente sadio e equilibrado.
Desta feita, refutadas todas as teses levantadas pela defesa do acusado, impõe-se a confirmação da condenação.
Da dosimetria das penas. A pena do acusado restou concretizada em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 12 (doze) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo.
A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em interdição temporária de direitos - criação de pássaros, e limitação de fim de semana, pelo prazo da pena aplicada.
Não havendo irresignação da defesa quanto à fixação da pena-base e com relação às demais fases de fixação da pena privativa de liberdade, tenho que a mesma deve ser mantida, nos termos em que lançada, posto que observada a jurisprudência atual e os preceitos legais atinentes à matéria, não havendo necessidade de reformá-la.
Por derradeiro, quanto ao pedido da Exma. Procuradora Regional da República de execução provisória da pena, considerando-se a recente decisão proferida pelo E. Supremo Tribunal Federal, este deverá ser realizado, no momento oportuno, isto é, após a publicação do acordão e esgotadas as vias ordinárias.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso da defesa, mantendo-se a r. sentença nos seus exatos termos.
É COMO VOTO.

PAULO FONTES
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): PAULO GUSTAVO GUEDES FONTES:10067
Nº de Série do Certificado: 11A2170419468351
Data e Hora: 29/06/2017 17:20:28