Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 08/11/2017
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003186-15.2014.4.03.6113/SP
2014.61.13.003186-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : AMELIA TAVEIRA ENGLER PINTO
ADVOGADO : SP083761 EDSON MENDONCA JUNQUEIRA e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00031861520144036113 1 Vr FRANCA/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO. ART. 171 § 3º C.C. O ART. 71, AMBOS DO CP. PRELIMINAR DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE EM RAZÃO DA RESTITUIÇÃO DOS VALORES INDEVIDAMENTE RECEBIDOS REJEITADA. PRELIMINAR DE SUSPENSÃO DO PROCESSO REJEITADA. DOLO NÃO DEMONSTRADO. APELAÇÃO PROVIDA. ABSOLVIÇÃO.
1. Não é possível a extinção da punibilidade em razão da restituição integral do valor indevidamente recebido a título de benefício assistencial. Situação dos autos que não se enquadra na hipótese prevista no artigo 9º, § 2º da Lei n.º 10.684/2003, por não se referir aos delitos previstos nos artigos 1º e 2º da Lei n.º 8.137/1990 e artigos 168-A e 337-A do Código Penal. Trata-se de possibilidade excepcional de extinção da punibilidade prevista no ordenamento, e que, por tal, deve ser interpretada restritivamente, ou seja, sua aplicação cinge-se às estritas hipóteses mencionadas. Ademais, o recurso à analogia, como forma de integração do ordenamento, requer que não haja regulação normativa expressa para a situação fática que se examina, o que não é o caso. Preliminar rejeitada.
2. Não procede o pleito de concessão do benefício da suspensão condicional do processo, previsto no artigo 89 da Lei n.º 9.099/95, em razão do não preenchimento do requisito objetivo para o seu cabimento. O delito inscrito no artigo 171, § 3º do Código Penal tem pena mínima de 1 (um) ano, acrescida da cota única de 1/3 (um terço), o que faz com que seja comumente chamada tal hipótese de "estelionato qualificado", posto ser a causa de aumento uma qualificadora em sentido amplo. Preliminar rejeitada.
3. Materialidade inconteste e bem evidenciada nos autos a partir do procedimento administrativo do INSS (fls. 89/131 do Apenso I), Ofício n.º 590/2015 do INSS (fls. 186/194), além das declarações prestadas pela apelante à autoridade policial (fls. 27), bem como seu interrogatório e oitivas das testemunhas tomados em juízo (mídia à fls. 224).
4. Assiste razão à defesa quando diz que na situação concreta não restou suficientemente caracterizado o dolo na conduta da ré. Discussão não se cinge à verificação da condição socioeconômica da apelante. Trata-se, em verdade, de se aferir se a ré conhecia ou tinha condições de conhecer os requisitos para o recebimento do mencionado benefício, situação esta que não restou demonstrada a partir do conjunto probatório dos autos.
5. A ré supriu, com o comportamento de ter procurado assistência jurídica profissional, o quesito de buscar cercar-se de condições e de mecanismos que a esclarecessem sobre eventual licitude ou ilicitude de sua pretensão, não sendo possível, diante dessa postura, cogitar-se do dolo na modalidade eventual.
6. Nesse sentido, diante do mandamento decorrente da presunção de inocência, de que o édito condenatório, para revestir-se de validade ético-jurídica, deve sempre assentar-se em elementos de certeza, aptos a dissipar quaisquer ambiguidades ou situações equívocas, resta acolhido o pleito defensivo de absolvição, por ausência de comprovação suficiente nos autos do dolo na conduta da ré.
5. Apelo provido. Sentença reformada para absolver a ré por ausência de elementos probatórios do dolo.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso de AMÉLIA TAVEIRA ENGLER PINTO, para absolvê-la da acusação de prática do delito previsto no artigo 171, § 3º c.c. o artigo 71 do Código Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 25 de outubro de 2017.
PAULO FONTES
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003186-15.2014.4.03.6113/SP
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RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
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No. ORIG. : 00031861520144036113 1 Vr FRANCA/SP

RELATÓRIO


Trata-se de APELAÇÃO CRIMINAL interposta por AMÉLIA TAVEIRA ENGLER PINTO em face da sentença de fls. 462/465, proferida pelo MM. Juiz Federal da 1ª Vara Federal de Franca/SP, que julgou procedente a ação penal a fim de condenar a apelante ao cumprimento da pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e pagamento de 17 (dezessete) dias-multa, fixado o dia-multa no valor de um salário mínimo, pela prática do crime previsto no artigo 171, § 3º c.c. o artigo 71, ambos do Código Penal. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em limitação de fim de semana e no fornecimento de fraldas geriátricas no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a entidades filantrópicas, a serem definidas pelo juízo da execução.

Em suas razões recursais (fls. 480/522), requer a defesa: a extinção da punibilidade em virtude do pagamento dos valores cobrados administrativamente pelo Instituto Nacional de Seguridade Social; a suspensão condicional do processo, nos termos do artigo 89 da Lei 9.099/95; a absolvição, em razão da não demonstração suficiente do dolo na conduta da ré. Se mantida a condenação, pleiteia a ocorrência de apenas dois delitos, aplicando-se o aumento do artigo 71 do Código Penal no patamar de 1/6; a fixação da pena base no mínimo legal; a compensação, ainda na primeira fase da dosimetria, entre as circunstâncias judiciais favoráveis e desfavoráveis; a redução da pena abaixo do mínimo na segunda fase da dosimetria; a fixação do valor do dia-multa em 1/30; a exclusão da pena de prestação pecuniária ou a redução de seu valor, e a manutenção da não decretação da prisão preventiva da ré.

Contrarrazões do Ministério Público Federal às fls. 607/618, pelo desprovimento do apelo defensivo.

Em parecer (fls. 621/630), a D. Procuradoria manifestou-se pelo parcial provimento do recurso defensivo, apenas no que concerne ao reconhecimento de apenas dois crimes, nos termos do artigo 71 do Código Penal, majorando-se a pena em 1/6, mantendo-se, no mais, a r. sentença.


É o relatório.


À revisão, na forma regimental.


PAULO FONTES
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003186-15.2014.4.03.6113/SP
2014.61.13.003186-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : AMELIA TAVEIRA ENGLER PINTO
ADVOGADO : SP083761 EDSON MENDONCA JUNQUEIRA e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00031861520144036113 1 Vr FRANCA/SP

VOTO

Do caso dos autos.


A ré AMÉLIA TAVEIRA ENGLER PINTO foi denunciada (fls. 49/51) pela prática do delito de estelionato previdenciário, previsto no artigo 171, § 3º c.c. o artigo 71, ambos do Código Penal.

Consta na exordial acusatória conforme segue:


"Segundo restou apurado, em setembro de 2006, Amélia obteve benefício assistencial de prestação continuada junto à Agência da Previdência Social (INSS) de Franca/SP (NB 88/570.165.835-0). O requerimento foi intermediado por sua procuradora, Ana Maria Natal. Em 2012, houve a revisão do benefício, momento no qual a investigada declarou-se novamente "sem rendimentos", resultando na sua manutenção (fls. 33 - Apenso 1).
Entretanto, por intermédio de denúncia feita pela equipe do Cadastro Único em Franca, foi constatado que a beneficiária reside em um prédio de alto padrão, em local nobre do município (fls. 14 - Apenso 1). Além disso, foi apurado em pesquisa da ARISP que Amélia possui 25 (vinte e cinco) imóveis em seu nome fls. 132/133 - Apenso I).
Destarte, o patrimônio da averiguada mostrou-se completamente incompatível com a situação de miserabilidade que justifica a percepção do benefício de prestação continuada."

Superada a fase instrutória, sobreveio sentença que julgou procedente a pretensão punitiva e condenou AMÉLIA TAVEIRA ENGLER PINTO pela prática do delito inscrito no artigo 171, § 3º c.c o artigo 71, ambos do Código Penal, à pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de reclusão e 17 (dezessete) dias-multa, fixados no valor unitário de um salário mínimo por dia de multa.

Presentes os requisitos do artigo 44 do Código Penal, a pena privativa de liberdade restou substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em limitação de fim de semana e no fornecimento de fraldas geriátricas no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a entidades filantrópicas, a cargo do Juízo da Execução.


Passo ao exame das preliminares e do mérito recursal.


2. Da impossibilidade de extinção da punibilidade decorrente da restituição do valor administrativamente cobrado pelo Instituto Nacional de Seguridade Social.


A defesa requer que seja reconhecida a extinção da pretensão punitiva estatal, aduzindo que a restituição integral do valor indevidamente recebido a título de benefício assistencial estaria abrangida, por analogia, na hipótese prevista no artigo 9º, § 2º da Lei n.º 10.684/2003.

Sem razão a defesa.

A norma aludida refere-se à possibilidade de extinção da pretensão punitiva estatal quando houver o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios, no âmbito dos delitos previstos nos artigos 1º e 2º da Lei n.º 8.137/1990 e artigos 168-A e 337-A do Código Penal.

Trata-se de possibilidade excepcional de extinção da punibilidade prevista no ordenamento, e que, por tal, deve ser interpretada restritivamente, ou seja, sua aplicação cinge-se às estritas hipóteses mencionadas.

Certo é que o caso dos autos não se refere a crimes tributários (artigos 1º e 2º da Lei n.º 8.137/1990), apropriação indébita previdenciária (art. 168-A do Código Penal) ou sonegação de contribuição previdenciária (art. 337-A do Código Penal), não sendo possível, então, que a disposição da Lei n.º 10.684/2003 em tela seja aqui aplicada.

Não se olvida que o recurso à analogia, como forma de integração do ordenamento, requer que não haja regulação normativa expressa para a situação fática que se examina. Diante dessa lacuna normativa, transfere-se a solução prevista para determinado caso a outro não regulado expressamente pelo ordenamento jurídico, mas que compartilhe com o primeiro elementos essenciais ou a mesma e suficiente razão.

A situação dos autos não informa lacuna normativa a possibilitar integração por meio da analogia, como bem arrazoou em parecer (fls. 622v) a Procuradoria Regional da República, cujas razões transcrevo adiante:

"Na hipótese discutida nos autos, não há lacuna a ser preenchida, pois os benefícios provenientes do ressarcimento integral do dano são regulados de forma expressa nos artigos 16 e 65, inciso III, alínea "b", da Parte Geral do Código penal, sendo inteiramente aplicáveis ao delito previsto no artigo 171, §3º da Parte Especial do Código."

Nesse mesmo sentido é o entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça, quando aduz a impossibilidade de se aplicar o artigo 9º, §2º da Lei n.º 10.684/2003 ao crime de estelionato:


"CRIMINAL. RHC. CRIME CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA. INCLUSÃO NO REGIME DE PARCELAMENTO. LEI 10.684/03. SUSPENSÃO DA PUNIBILIDADE. REQUISITOS COMPROVADOS. ESTELIONATO. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO-EVIDENCIADA. CONDUTA QUE NÃO SE ENCONTRA LIVRE DE CONTROVÉRSIAS. NECESSIDADE DO PROCEDIMENTO INQUISITORIAL PARA A APURAÇÃO DOS FATOS. MERO INDICIAMENTO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
I. Hipótese em que o recorrente foi indiciado pela suposta prática dos crimes do art. 2º, inciso I, da Lei 8.137/90 e do art. 171, § 3º, do Código Penal, pois teria omitido informações e efetuado declarações falsas visando a aumentar o valor da sua restituição do Imposto de Renda de Pessoa Física.
II. Evidenciado ter sido o parcelamento do débito tributário deferido já na vigência da Lei 10.684/2003, aplica-se ao caso o disposto no art. 9º do referido Diploma Legal, afastando-se a incidência da Lei 9.249/95.
III. Embora o mencionado artigo 9º da Lei 10.684/2003 faça alusão apenas a "pessoa jurídica", o art. 1º, § 3º, inciso III traz menção expressa à aplicação das regras do parcelamento às pessoas físicas.
IV. Comprovado, a partir de prova inequívoca, a inserção do débito tributário no programa de parcelamento, torna-se possível a suspensão da pretensão punitiva estatal, no tocante ao delito do art. 2º, inciso I, da Lei 8.137/90, e, em conseqüência, o trancamento do inquérito policial quanto a esta suposta prática criminosa.
V. A extinção da punibilidade, com base na Lei 10.684/2003, depende da demonstração de pagamento integral da dívida fiscal, que não é a hipótese dos autos.
VI.O mencionado art. 9º da Lei 10.684/2003 não trata do crime de estelionato, no que se refere à suspensão ou extinção da punibilidade do agente, não podendo ser obstado o curso das investigações pela mesma motivação aplicada ao delito tributário.
VII. Afastada a incidência do art. 9º em questão para o crime de estelionato, os elementos constantes dos autos autorizam o prosseguimento do inquérito policial, não havendo razões para o seu integral trancamento.
VIII. Somente após o correto procedimento inquisitorial, com a devida apuração dos fatos e provas, é que se poderá averiguar, com certeza, a tipicidade, ou não, da suposta obtenção de vantagem ilícita, em detrimento alheio, em tese praticada pelo paciente, em tese, pelo paciente - sendo certo que a tipificação pode ser alterada pelo Representante do Parquet, quando do oferecimento de eventual denúncia.
IX. O mero indiciamento em inquérito não caracteriza constrangimento ilegal reparável via habeas corpus. Precedente desta Corte.
X. Recurso parcialmente provido, nos termos do voto do Relator.
(STJ - RHC: 18178 TO 2005/0125547-2, Relator: Ministro GILSON DIPP, Data de Julgamento: 14/03/2006, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 03.04.2006 p. 370) - grifei

3. Da impossibilidade de suspensão condicional do processo


Não procede o pleito de concessão do benefício da suspensão condicional do processo, previsto no artigo 89 da Lei n.º 9.099/95, em razão do não preenchimento do requisito objetivo para o seu cabimento.

O delito inscrito no artigo 171, § 3º do Código Penal tem pena mínima de 1 (um) ano, acrescida da cota única de 1/3 (um terço), o que faz com que seja comumente chamada tal hipótese de "estelionato qualificado", posto ser a causa de aumento uma qualificadora em sentido amplo.

Nesse mesmo entendimento é o Enunciado n.º 24 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, quando preleciona que: "Aplica-se ao crime de estelionato, em que figure como vítima entidade autárquica da Previdência Social, a qualificadora do § 3.º do art. 171 do Código Penal".

Assim considerado, a pena mínima do delito em questão resulta em 1 (um) ano e 4 (quatro) meses, não satisfazendo o requisito de pena mínima não superior a 1 (um) ano para a concessão do benefício da suspensão condicional do processo.


Rejeitadas, assim, as preliminares arguidas.

Passo ao exame do mérito.


4. Materialidade e autoria


A materialidade do delito restou comprovada nos autos através do procedimento administrativo do INSS (fls. 89/131 do Apenso I), Informações da Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo - ARISP (fls. 133 do Apenso I), Ofício n.º 590/2015 do INSS (fls. 186/194), além das oitivas das testemunhas e interrogatório do réu (mídia à fls. 224).

Apurou-se que o benefício recebido indevidamente totalizou o montante de R$ 64.207,87 (sessenta e quatro mil, duzentos e sete reais e oitenta e sete centavos), valor que a apelante ressarciu aos cofres públicos, conforme comprovante de pagamento da Guia de Previdência Social (GPS) à fls. 90.

O procedimento administrativo demonstra que AMELIA TAVEIRA ENGLER PINTO recebeu o benefício de prestação continuada previsto no artigo 20, § 3º, da Lei n.º 8.742/1993 (Amparo Assistencial ao Idoso, NB 88/520.954.962-0) entre 28/09/2006 e 30/11/2014, sem, no entanto, satisfazer os requisitos legais para tanto. Restou cabalmente constatado nos autos que a apelante possui vinte e cinco imóveis registrados em seu nome (fls. 25/26 do Apenso I).

Do exposto, não restam dúvidas de que a condição socioeconômica da acusada é incompatível com a percepção do benefício assistencial em tela, mormente se considerada a exigência de perfazer renda mensal per capita familiar inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo para sua fruição.


Da autoria. Todavia, consigno assistir razão à defesa quando diz não ter restado suficientemente caracterizado o dolo na conduta da ré quando percebeu indevidamente o benefício assistencial ao idoso.

Extraio a conclusão acerca da inexistência do elemento volitivo a partir das especificidades concretas do caso, as quais não possibilitam formar juízo seguro acerca da consciência da acusada de que não fazia jus ao benefício recebido. Reitero que a discussão não se cinge à verificação da condição socioeconômica da apelante. Trata-se, em verdade, de se aferir se a ré conhecia ou tinha condições de conhecer os requisitos para o recebimento do mencionado benefício, de modo a orientar sua conduta para fraudar ou manter em erro a instituição previdenciária.

Passo então ao exame dos depoimentos colhidos em sede policial e em juízo, além dos documentos constantes do Apenso I destes autos, relativos ao procedimento administrativo instaurado pelo INSS, e demais elementos de prova trazidos aos autos, posto que fundamentam as conclusões que elucidarei adiante.

Em sede policial foram colhidos os depoimentos da ré, de sua procuradora, a advogada Ana Maria Natal, e da técnica de seguro social do INSS, Ana Carolina Moreira Costa Pimenta, os quais colaciono adiante.

Ana Carolina Moreira Costa Pimenta (fls. 18), às perguntas que lhe foram dirigidas, relatou:


"QUE, trabalha como técnica do seguro social, junto ao Instituto Nacional do Seguro Social do Posto de Franca, há dez anos e um mês; QUE, faz o atendimento de concessão e revisão de benefícios na APS Franca, contudo não recorda se fez a concessão do benefício da pessoa de Amélia Taveira Engler Pinto; QUE, não conhece Ana Maria Natal; QUE, não tinha conhecimento que Amélia era proprietária de vinte e cinco imóveis, na época do requerimento, pois os sistemas de pesquisas do INSS não captam se a pessoa tem ou não imóvel em seu nome, apenas buscam informações, junto Cadastro Nacional de Informações Sociais (...)" - (grifei)

Mencione-se que a servidora do INSS Ana Carolina Moreira Costa Pimenta foi responsável pelos procedimentos relativos à revisão e confirmação da continuidade do recebimento do referido benefício, revisão esta realizada em 30.12.2012, conforme documentos de fls. 100/128 constantes do Apenso I.

Depreende-se, todavia, do documento acostado às fls. 78 do Apenso I, que a servidora que atuou, em um primeiro momento, na concessão do benefício de amparo assistencial à ré foi a funcionária identificada a partir da matrícula 1535065 - Silmara Saturi Frazão, cuja oitiva não se realizou nestes autos.

Por seu turno, ouvida em sede policial (fls. 27), a ré contou:


"QUE, neste ato tomou ciência da presente carta precatória, oriunda da Delegacia de Polícia Federal de Ribeirão Preto/SP; QUE, conta com setenta e cinco anos de idade; QUE , não trabalha, sendo que recebe benefício assistencial pelo INSS, no valor de um salário mínimo; QUE, sua única renda mensal é o valor do benefício que recebe; QUE, possui um bem imóvel, o qual é a residência que reside; QUE, possui um veículo VW/Specefox Trend placas FIZ-9532/SP, QUE, ingressou com o pedido de benefício de prestação continuada, junto ao INSS, o qual foi concedido e continua recebendo até os dias de hoje; QUE, entregou toda a documentação para a advogada Ana Maria Natal, a qual ingressou com o pedido, junto ao INSS; que, quem atuou como intermediário no pedido foi a advogada, Ana Maria Natal; QUE, pagou a quantia de um salário mínimo da época à advogada, Ana Maria Natal, pelos serviços prestados, após o primeiro pagamento do benefício; QUE, não tem relação ou mantém relação de amizade com a servidora do INSS, Ana Carolina Moreira;  QUE, não prestou informações falsas, junto ao INSS, bem como não possui imóveis em seu nome; QUE, Ana Maria Natal tinha total conhecimento da situação da declarante (...)" - (grifei)

Ainda em fase inquisitiva, Ana Maria Natal, procuradora da ré, relatou (fls. 42):


" (...) QUE, é advogada, no entanto também trabalha com administração de imóveis; QUE, atuou como intermediária no pedido de benefício de prestação continuada de Amélia Taveira Engler Pinto; QUE, não cobrou nada pelos serviços prestados; QUE, foi um favor que fez para Dona Amélia, sendo que a mesma é genitora de uma colega de trabalho da declarante; QUE, não mantém relação de amizade com Amélia, somente com sua filha, Eliana Taveira Engler Raiz Coelho; QUE, já atuou, anteriormente como procuradora de Amélia em outra causa; QUE, atuou em uma ação de restituição de valores de viagem, contra a empresa "Nena Viagens"; QUE, não tinha conhecimento de que, à época do requerimento do benefício, Amélia era proprietária de pelo menos 25 imóveis; QUE, não conhece e não mantém relação de amizade com a servidora do INSS, Ana Carolina Moreira Costa; (...)QUE, toda a documentação foi preenchida por Amélia, sendo que a declarante somente agendou o atendimento, junto ao INSS, e apresentou a documentação preenchida por Amélia; (...) - (grifei)

Outrossim, de suma importância para a elucidação dos fatos aqui trazidos são os documentos juntados às fls. 85/128 do Apenso I, relativos ao processo de requerimento do benefício intentado pela ré, bem como de sua revisão, havida em 2002.

Do documento de fls. 85 do Apenso I extraem-se as informações de que para a concessão do referido benefício não foi feita diligência ou vistoria, que a atendente responsável foi a servidora Silmara Saturi Frazão, que a entrada do requerimento se deu em 3.07.2003, ocorrendo nesta mesma data a pré-habilitação, a habilitação, a formatação da concessão e o despacho de concessão do benefício.

Especial atenção merecem os documentos (fls. 87/89 do Apenso I) de requerimento do benefício levados à agência do INSS pela advogada Ana Maria Natal.

De se destacar que o documento padrão de requerimento de benefício assistencial, contendo a assinatura da ré, apresenta os seguintes campos de informações a serem preenchidos pelo requerente: nome, data de nascimento, nome da mãe, nome do pai, endereço, sexo, naturalidade, se é deficiente, se é idoso, estado civil, se já recebe benefício de instituição previdenciária, sendo positiva a resposta ao item precedente, indicar qual, campos referentes à assinatura da requerente, local e data, bem como campo para preenchimento do procurador, curador ou tutor.

Outro documento em que também constou a assinatura da ré foi a "Declaração sobre a composição do Grupo e Renda Familiar do Idoso e da Pessoa Portadora de Deficiência" (fls. 88 do Apenso I). Neste documento, o requerente do benefício em questão deve informar quais pessoas convivem com ele sob o mesmo teto, informando ainda os seguintes dados para cada pessoa mencionada: nome, data de nascimento, situação ocupacional, rendimento mensal, se há comprovação deste rendimento e grau de parentesco. In casu, tal documento restou preenchido apenas com os dados pessoais da requerente, restando os demais campos em branco.

Por fim, consta às fls. 90 do Apenso I uma procuração timbrada pelo INSS, por intermédio da qual a ré, por encontrar-se "ausente", constituiu Ana Maria Natal, na data de 26.09.2006, com poderes especiais para representá-la perante tal instituição.

Descrevo detalhadamente o teor dos documentos preenchidos e assinados pela ré com o intuito de destacar que, além de não haver campo para o requerente informar sua situação econômica pessoal, não consta neles qualquer tipo de informação que explicasse ao seu signatário o benefício que estava sendo requerido mediante tais papeis, bem como sua natureza e requisitos para sua concessão. Em outras palavras, ao assiná-los, o requerente apenas descreve a composição do grupo familiar, sem, contudo, ser esclarecido de que se trata de formulários para pedido de um benefício cuja condição para a sua fruição é auferir renda per capita de até ¼ do salário mínimo vigente.

Nenhum dos documentos de requerimento assinados pela ré permite concluir que ela foi cientificada acerca do requisito de miserabilidade exigido para a concessão devida do benefício.

Outrossim, a concessão não foi antecedida de vistoria ou diligência por parte dos funcionários do órgão previdenciário, situações que, se ocorridas, poderiam embasar a inferência de que a ré conhecia a natureza do benefício em questão.

Dos depoimentos prestados pela ré, depreende-se que ela supunha receber benefício previdenciário em razão de sua idade ou doença, desconhecendo, como esperado de um leigo em questões jurídicas, as exigências legais para percepção de cada tipo de prestação previdenciária existente no ordenamento. Tanto é assim que ela não sabia fazer distinção entre um benefício de aposentadoria e um benefício assistencial. Justamente o desconhecimento das nuances jurídicas de tais prestações que a fez procurar os serviços da advogada Ana Maria Natal para, como declarou "se aposentar", ao que a procuradora disse "que teria um recurso".

Em juízo (mídia às fls. 224), a ré relatou que ouviu do (ex-presidente) Fernando Henrique alguma coisa sobre dona de casa poder se aposentar. Contou que não estava bem, que tinha tido uma isquemia, e que ainda passava por uma fase difícil, de separação. Procurou a advogada para orientá-la sobre a possibilidade de se aposentar. A advogada disse, então, que tinha um recurso que poderia ser feito. Contou que a advogada lhe entregou um formulário, que ela só assinou e que foi então encaminhado para o INSS. Respondeu que, após a separação, não recebeu pensão alimentícia do ex-marido, que a separação foi amigável, e que ele ficaria tomando conta dos bens. Disse que houve desentendimento quanto à partilha dos bens, em razão do qual decidiram doar todos os bens aos filhos. O ex-marido ficou com uma chácara, e a ré ficou com uma casa, que foi posteriormente vendida, e o dinheiro obtido utilizado para comprar o apartamento em que reside atualmente. À menção feita pela magistrada sobre os vinte e cinco imóveis no nome da ré, e que motivaram o presente processo, a ré reiterou que tais imóveis estão no nome de seus filhos, apresentando certidões que a faziam crer de tal modo (foram apresentadas à magistrada quando da audiência, e juntadas aos autos às fls. 390/415). Depois da separação, contou que passou a receber em caráter eventual parte do aluguel das casas de seus filhos. Disse que se trata de um terreno, onde existem várias edículas, algumas delas alugadas, a maioria com problemas relativos a inquilinos inadimplentes. Disse que o aluguel médio delas é de R$100,00. Contou que as despesas de condomínio e demais gastos de sua casa são pagas pelos seus seis filhos. Disse que a faxineira, uma pessoa que vai a sua casa esporadicamente, ela mesma paga, quando recebe dinheiro dos aluguéis mencionados. Reiterou que após sofrer acidente vascular cerebral, procurou a advogada Ana Maria Natal para ver o que era preciso para se aposentar por idade e por doença. Disse que queria se aposentar, não sabia que era um benefício assistencial. Disse que durante o percebimento do benefício, se considerava como aposentada. Disse que participou duas vezes de um recadastramento do INSS em duas situações, uma delas no Banco Itaú, e a outra não se recorda dos detalhes. Contou que todo ano tinha que fazer esse recadastramento, para ver se estava viva. Disse que foi um susto quando recebeu a notificação dizendo que os valores que recebia não eram decorrentes de aposentadoria, mas em virtude do benefício que vinha recebendo irregularmente. Contou que, na sequencia, todos os filhos cooperaram para pagar a quantia recebida indevidamente, realizando depósitos em seu nome.

A testemunha Neiva Teixeira Vasconcelos, às perguntas em juízo, respondeu que participa do mesmo grupo de oração que Amélia há cerca de quarenta anos. Que não se lembra de que Amélia fizesse viagens com seu marido enquanto ainda eram casados. Que Amélia sempre foi dona de casa, que após a separação, o marido deixou um sobradinho bem antigo, que não se lembra de outros imóveis, que, se existem, teriam ficado para os filhos. Que achava que Amélia tinha uma renda decorrente do sobradinho. Que o apartamento de Amélia era simples.

A testemunha Anna Coelho Magalhães Leite contou que Amélia se apresentava como aposentada. Contou que Amélia mora em um apartamento típico de classe média, que sabe que Amélia tem outros imóveis. Que não sabe se ela tem outras rendas. Disse que a ré não costuma viajar, que não se lembra de ela ter viajado alguma vez. Contou que é Amélia quem faz as tarefas domésticas rotineiras, e que tem alguém que faz, esporadicamente, a limpeza pesada.

Ana Maria Natal, advogada e procuradora que apresentou o requerimento do benefício em questão ao INSS, ouvida em juízo, relatou que conhece a ré por intermédio da filha dela, em razão de terem feito um curso de pós graduação juntas. Disse que já cuidou de um processo para a ré. Disse que não se recorda quanto recebeu pelo serviço de ter dado entrada ao benefício junto ao INSS, mas que normalmente cobra um salário mínimo. Disse que a ré a procurou no seu escritório. Contou que a Eliana, filha da ré, ajudava a mãe constantemente, tanto financeiramente como em acompanhamentos ao médico e outras tarefas do dia-a-dia. Contou que não sabia que Amélia tinha vinte e cinco imóveis em seu nome, e que acreditava que fossem imóveis dos filhos. Contou que tem conhecimento de que a ré teve um acidente vascular cerebral (AVC), e que isso motivou a ré a procurar auxílio profissional para requerimento do benefício. Contou que a filha da ré a procurou, dizendo que a mãe teve um AVC e qual benefício poderia receber, ao que a testemunha disse que seria o benefício de prestação continuada. Contou que não tinha ciência da situação econômica da ré. Contou que optou pelo requerimento do benefício assistencial no lugar do benefício de aposentadoria por invalidez pelo fato de que a ré não tinha contribuições.

A procuração juntada às fls. 90 do Apenso I torna indene de dúvidas o quanto relatado nas oitivas realizadas sobre ter sido a advogada Ana Maria Natal quem se dirigiu à agência do INSS com o requerimento e documentos para pleitear o referido benefício. Tal circunstância afasta a suposição de que, em eventual atendimento feito a ré na agência quando do requerimento, pudessem ter lhe sido esclarecidas tanto a natureza desse benefício, como as condições para sua fruição.

Dos fatos examinados, constata-se que a ré constituiu uma advogada, confiando na expertise técnica de sua atuação, para obter um benefício previdenciário, tendo ficado a cargo da procuradora levar a documentação à agência previdenciária.

Nessas circunstâncias, se é o caso de se aferir o conhecimento e o preenchimento das condições para fruição lícita do benefício assistencial, por certo que a advogada, dada a sua formação jurídica e o dever de atuação ética, imbuída que estava de poderes para atuar como procuradora da ré perante o INSS, não poderia se eximir de fazê-lo no momento em que Amélia a procurou.

Outrossim, a demonstrar a inexistência de dolo e a corroborar a boa fé da ré em confiar na assessoria prestada pela procuradora constituída em sua demanda, destaco que, conforme declarado em juízo e em sede policial, a advogada já havia atuado em uma causa pretérita em favor da acusada, sendo, portanto, razoável concluir que a ré depositava confiança em sua atuação profissional.

Ademais, também não é possível extrair o dolo do momento em que a ré se dirigiu à agência do INSS, para fins de revisão da continuidade do recebimento do referido benefício. A convocação para comparecimento à agência do INSS foi feita em 25.10.2012, vindo a ocorrer em 30.10.2012. Nessa ocasião a ré compareceu à agênciadispondo das mesmas informações fornecidas quando do requerimento inicial do benefício. A ré acreditava que estava simplesmente provando "estar viva" para continuar recebendo o que supunha ser sua "aposentadoria por idade", tanto que no documento de sua convocação (fls. 100 do Apenso I), consta que ela devia estar munida dos originais dos documentos pessoais, somente.

Destaco também não ser apta a conformar o dolo a declaração feita pela ré em sede policial como em juízo sobre não ter imóveis registrados em seu nome. A situação concreta examinada em conjunto com os seus depoimentos informam plausibilidade no seu relato, mormente se considerados o seu baixo grau de instrução (curso de normalista), sua idade avançada, o fato de ter sido dona-de-casa durante toda a vida e o advento do acidente vascular cerebral (fls. 119) e de seu divórcio concomitantemente à época de requerimento do benefício aqui tratado. São circunstâncias tais que sustentam o entendimento de que assuntos referentes à partilha de bens e demais consequências jurídicas do divórcio não fossem de sua alçada de cognição. Não se olvida que na audiência de instrução e julgamento a ré apresentou documentos (certidões juntadas aos autos às fls. 390/415) que a faziam crer que os imóveis aqui tratados estivessem no nome de seus filhos. Desta feita, as condições pessoais da ré já mencionadas, examinadas em conjunto com referidos documentos apresentados quando de seu interrogatório em juízo e com a exata coincidência do teor de seu depoimento em sede policial e em juízo, permitem concluir que a acusada agiu de boa-fé e não sabia genuinamente da permanência dos imóveis em seu nome.

Nessa mesma toada, também não caracterizou o dolo a declaração feita em sede policial como em juízo sobre não auferir renda mensal, que não o benefício aqui tratado. A indagação sobre percepção de renda mensal induz à crença de um valor fixo que seja percebido de modo contínuo e estável, o que não existia na situação da ré. Embora não se possa afirmar que a sua condição econômica e de sua família a tornasse apta a receber o benefício assistencial aqui tratado, certo é que não tendo profissão e estando divorciada, sem que recebesse pensão do ex-marido, dependia do auxílio de seus filhos e de rendas eventuais obtidas a partir do aluguel dos imóveis que ela supunha já estarem em seus respectivos nomes.

Por tudo exposto, concluo que a alegação defensiva de que a ré não tinha conhecimento da natureza do benefício que recebia e que, portanto, não houve dolo em seu recebimento, tem lastro no conjunto probatório trazido aos autos e nas circunstâncias concretas do caso em exame. Destaco como circunstância preponderante nesta conclusão o fato de incumbir à procuradora constituída pela ré para atuar junto ao INSS, na qualidade de advogada e em face dos deveres éticos decorrentes, elucidar sua cliente acerca de todos os detalhes concernentes à requisição e à fruição de qualquer benefício junto ao INSS, e, principalmente, se assegurar do preenchimento das condições legais para tanto. Dita incumbência se revela ainda mais notável quando considerada a confiança que a ré depositava na atuação de Ana Maria Natal como advogada, em razão de ela já ter atuado em favor da ré em outra demanda, sem perder de vista ainda a condição pessoal da apelante, pessoa simples, de idade, leiga em assuntos jurídicos e que, à época do requerimento do benefício em questão, tinha sido recém acometida de um acidente vascular cerebral, que lhe causou sequelas motoras e cognitivas temporárias, além de ter recém vivenciado um divórcio e suas implicações jurídicas.  

Ademais, a ausência de dolo restou confirmada também pelas oitivas das testemunhas colhidas em juízo. Além da declaração da ré de que havia procurado a advogada Ana Maria Natal para ver se conseguiria se aposentar, ao que recebeu uma resposta confirmativa, todo o círculo social da ré foi uníssono em confirmar que ela supunha receber uma aposentadoria, e não um benefício assistencial. Como já mencionado, desconhecendo os trâmites jurídicos, a ré confiou na atuação de um advogado para cuidar de sua demanda perante a autarquia. Consigno, ademais, que o fato de a ré ter declarado não possuir renda mensal afora o benefício aqui tratado, nos dois momentos em que interrogada (em sede policial e em juízo), não descaracteriza o quadro de inexistência de dolo em sua conduta, pelas razões já anteriormente expostas.

Por tudo quanto trazido, concluo que não há nos autos elementos probatórios bastantes para sustentar que a ré tivesse ciência de que o benefício por ela recebido consistia em um benefício assistencial ao idoso, devido a quem revele condição socioeconômica precária e impossibilidade de ter sua existência digna provida por familiares, diversamente de uma "aposentadoria", como ela supunha.

Destaco ainda que a ré supriu, com o comportamento de ter procurado assistência jurídica profissional, o quesito de buscar cercar-se de condições e de mecanismos que a esclarecessem sobre eventual licitude ou ilicitude de sua pretensão, não sendo possível, diante dessa postura, cogitar-se do dolo na modalidade eventual.

Nesse sentido, diante do mandamento decorrente da presunção de inocência, de que o édito condenatório, para revestir-se de validade ético-jurídica, deve sempre assentar-se em elementos de certeza, aptos a dissipar quaisquer ambiguidades ou situações equívocas, acolho o pleito defensivo de absolvição, por ausência de comprovação suficiente nos autos do dolo na conduta da ré.



Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso de AMÉLIA TAVEIRA ENGLER PINTO, para absolvê-la da acusação pela prática do delito previsto no artigo 171, § 3º c.c. o artigo 71 do Código Penal.


É como voto.


PAULO FONTES
Desembargador Federal


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