Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 31/08/2017
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002839-16.2007.4.03.6181/SP
2007.61.81.002839-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : CARLOS ALBERTO FARO
: DANIELA PENHA FARO
ADVOGADO : SP140527 MARCO ANTONIO SANTOS VICENTE e outro(a)
: SP140473 PAULO OBLONZIK NETO
APELANTE : LUIS CARLOS SPERCHE
ADVOGADO : SP303035 MIRELLA MARIE KUDO (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELANTE : RENATA MALUF SAYEG PANEQUE
: MAURICIO MARTINEZ PANEQUE
ADVOGADO : PR069636 TULIO ALEXANDRE FERREIRA
APELADO(A) : Justica Publica
CONDENADO(A) : SIOMARIO RODRIGUES DOS REIS
No. ORIG. : 00028391620074036181 6P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. GESTÃO TEMERÁRIA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO PARA OPERAR INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. APRESENTAÇÃO DE INFORMAÇÕES FALSAS À SUSEP. ARTIGOS 4º, PARÁGRAFO ÚNICO, 16, 6º, TODOS DA LEI Nº 7.492/86. COMUNICAÇÃO FALSA DE CRIME. ARTIGO 340 DO CP. PRELIMINARES AFASTADAS. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. CONDENAÇÕES MANTIDAS. DOLO PRESENTE. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA APENAS PARA ABSOLVIÇÃO DE UMA DAS ACUSADAS. IN DUBIO PRO REO.
1. Denúncia adequadamente formulada. Preenchimento dos requisitos do artigo 41, do CPP. Alegação de defeitos na inicial acusatória formulada em momento processual inadequado. Preliminar afastada.
2. Inexistência de violação ao artigo 155, do Código de Processo Penal. O processo administrativo elaborado pela SUSEP constitui prova idônea para provar a materialidade dos fatos imputados aos acusados. Além disso, foi submetido ao contraditório e à ampla defesa, sendo, ainda, corroborado por provas produzidas em juízo.
3. Gestão temerária - artigo 4º, parágrafo único da Lei nº 7.492/86. Materialidade e autoria demonstradas. Condenação mantida.
4. Delito do artigo 16, da Lei nº 7.492/86.
5. In casu, apurou-se que a empresa Preferencial emitia apólices de seguros sem possuir autorização para tanto. Materialidade demonstrada.
6. A autoria dos acusados também foi corroborada pelas provas produzidas, tanto em sede policial, quanto em juízo. O dolo é igualmente inconteste.
7. Desnecessidade de obtenção de proveito econômico para a tipificação da conduta.
8. Crime comum, não sendo necessária a comprovação de qualquer característica especial do sujeito ativo.
9. Pedido de desclassificação para o artigo 27-E, da Lei nº 6.385/76 afastado.
10. A materialidade do delito do artigo 6º, da Lei nº 7.492/86 foi corroborada.
11. A autoria apenas foi demonstrada em face de uma das acusadas, sendo mantida sua condenação.
12. No tocante à outra corré, aplicação do in dubio pro reo. Provas insuficientes. Absolvição com fundamento no artigo 386, VII, CPP.
13. Comunicação falsa de crime. Artigo 340, do CP. Condenação mantida. Materialidade, autoria e dolo presentes.
14. Sentença parcialmente reformada.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento aos recursos de CARLOS ALBERTO FARO, DANIELA PENHA FARO, LUIS CARLOS SPERCHE e MAURÍCIO MARTINEZ PANEQUE; e dar parcial provimento ao apelo de RENATA MALUF SAYEG PANEQUE, para absolvê-la do delito do artigo 6º, da Lei nº 7.492/86, com fulcro no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 23 de agosto de 2017.
PAULO FONTES
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002839-16.2007.4.03.6181/SP
2007.61.81.002839-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : CARLOS ALBERTO FARO
: DANIELA PENHA FARO
ADVOGADO : SP140527 MARCO ANTONIO SANTOS VICENTE e outro(a)
: SP140473 PAULO OBLONZIK NETO
APELANTE : LUIS CARLOS SPERCHE
ADVOGADO : SP303035 MIRELLA MARIE KUDO (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELANTE : RENATA MALUF SAYEG PANEQUE
: MAURICIO MARTINEZ PANEQUE
ADVOGADO : PR069636 TULIO ALEXANDRE FERREIRA
APELADO(A) : Justica Publica
CONDENADO(A) : SIOMARIO RODRIGUES DOS REIS
No. ORIG. : 00028391620074036181 6P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de Apelações Criminais interpostas por CARLOS ALBERTO FARO, DANIELA PENHA FARO, LUIS CARLOS SPERCHE, RENATA MALUF SAYEG PANEQUE e MAURÍCIO MARTINEZ PANEQUE, contra sentença de fls. 1333/1356, proferida pelo Juízo da 6ª Vara Criminal da Seção Judiciária de São Paulo, que julgou parcialmente procedente a denúncia para:


a) absolver MAURÍCIO MARTINEZ PANEQUE do delito do artigo 288, do Código Penal, com fundamento no artigo 386, III, do Código de Processo Penal; e condená-lo pela prática dos delitos do artigo 4º, parágrafo único, e artigo 16, ambos da Lei nº 7.492/86, à pena privativa de liberdade de 4 (quatro) anos de reclusão e pagamento de 74 (setenta e quatro) dias-multa, à razão de 1/5 (um quinto) do salário mínimo vigente à época dos fatos; pena corporal substituída por prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e prestação pecuniária de 50 (cinquenta) salários mínimos;

b) absolver RENATA MALUF SAYEG PANEQUE do delito do artigo 288, do Código Penal, com fundamento no artigo 386, III, do Código de Processo Penal, e da prática do delito do artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86, com fulcro no artigo 386, IV, do Código de Processo Penal; e condená-la como incursa nos delitos dos artigos 6º e 16, da Lei nº 7.492/86, à pena privativa de liberdade de 3 (três) anos de reclusão e 20 (vinte) dias-multa, à razão de 1/5 (um quinto) do salário mínimo vigente à época dos fatos; pena corporal substituída por prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e prestação pecuniária de 20 (vinte) salários mínimos;

c) absolver CARLOS ALBERTO FARO da prática dos crimes dos artigos 6º, da Lei nº 7.492/86 e artigo 288, do Código Penal, com fundamento no artigo 386, III, do Código de Processo Penal, e da prática do delito do artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86, com fulcro no artigo 386, IV, do Código de Processo Penal; e condená-lo pelo delito tipificado no artigo 16, da Lei nº 7.492/86, à pena privativa de liberdade de 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa, no valor de 1/5 (um quinto) do salário mínimo vigente à época dos fatos; pena corporal substituída por prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas;

d) absolver LUIZ CARLOS SPERCHE da prática dos crimes dos artigos 6º, da Lei nº 7.492/86, e artigo 288, do Código Penal, com fulcro no artigo 386, III, do Código de Processo Penal, e da prática do delito do artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86; e condená-lo pelo delito do artigo 16, da Lei nº 7.492/86, à pena privativa de liberdade de 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa, no valor de 1/5 (um quinto) do salário mínimo vigente à época dos fatos; pena corporal substituída por prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas;

e) absolver DANIELA PENHA FARO da prática do delito do artigo 288, do Código Penal, com fulcro no artigo 386, III, do Código de Processo Penal; e condená-la pelos crimes dos artigos 6º e 16, ambos da Lei nº 7.492/86 e no artigo 340, do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 3 (três) anos de reclusão e 30 (trinta) dias-multa, no valor de 1/5 (um quinto) do salário mínimo vigente à época dos fatos; pena corporal substituída por prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e prestação pecuniária de 20 (vinte) salários mínimos;

f) absolver SIOMÁRIO RODRIGUES DOS REIS da prática dos crimes dos artigos 6º, da Lei nº 7.492/86 e 299 e 288, do Código Penal, com fundamento no artigo 386, III, do Código de Processo Penal; e condená-lo pelo delito do artigo 16, da Lei nº 7.492/86, à pena privativa de liberdade de 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos; pena corporal substituída por prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas.


Em sede de razões recursais (fls. 1412/1420), CARLOS ALBERTO FARO pretende a reforma da sentença, para que seja absolvido do delito do artigo 16, da Lei nº 7.492/86. Argumenta que a instrução estaria baseada em relatório do órgão regulador, produzido sem respeito ao contraditório; que a denúncia possui defeitos que impediram o exercício da ampla defesa; e que a sentença não está de acordo com as provas produzidas. Na sequência, sustenta ausência de dolo e que não houve a obtenção de nenhum proveito econômico da companhia seguradora.

A defesa de DANIELA PENHA FARO, em sede recursal (fls. 1421/ 1426), pugna pela absolvição da ré, sob a assertiva de que ela não praticou nenhum ato de gestão, tendo se limitado a cumprir as ordens da companhia. Alega que a acusada não participou da conduta delitiva; que desconhecia a ausência de autorização da seguradora. Sustenta, ainda, que não elaborou nenhum documento e nem o produziu falsamente.

A defesa de LUIZ CARLOS SPERCHE, em razões recursais de fls. 1428/1439, aduz que o réu deve ser absolvido do delito do artigo 16, da Lei nº 7.492/86, pois nenhuma prova foi produzida, em juízo, de que ele teria função de diretor, gerência ou qualquer outra apta a se subsumir ao tipo penal referido. Subsidiariamente, requer a desclassificação do delito do artigo 16, da Lei nº 7.492/86 para o delito do artigo 27-E, da Lei nº 6.385/76.

RENATA MALUF SAYEG PANAQUE apresentou suas razões de apelação às fls. 1472/1507, requerendo a absolvição dos delitos dos artigos 6º e 16, da Lei nº 7.492/86, sob a alegação de falta de provas acerca da autoria, produzidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, ou, ainda, pelo reconhecimento do in dubio pro reo. Subsidiariamente, pretende a desclassificação do delito do artigo 16, da Lei nº 7.492/86 para o delito do artigo 27-E, da Lei nº 6.385/76.

Em igual sentido, MAURÍCIO MARTINEZ PENEQUE (fls. 1508/1541), também sustenta que a condenação foi baseada em elementos indiciários. Assim, pretende a absolvição dos delitos dos artigos 4º, parágrafo único e 16, ambos da Lei n 7.492/86, sob a alegação de ausência de provas da autoria delitiva, produzidas sob o crivo do contraditório, ou, ainda, pelo reconhecimento do in dubio pro reo.

As contrarrazões da acusação foram apresentadas às fls. 1550/1563.

O Parquet, representado pela Exma. Procuradora Regional da República Stella Fátima Scampini, manifestou-se pelo desprovimento dos recursos (fls. 1566/1576).


É o Relatório.


À Revisão, nos termos regimentais.


PAULO FONTES
Desembargador Federal Relator


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): PAULO GUSTAVO GUEDES FONTES:10067
Nº de Série do Certificado: 11A2170419468351
Data e Hora: 24/08/2017 18:22:06



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002839-16.2007.4.03.6181/SP
2007.61.81.002839-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
APELANTE : CARLOS ALBERTO FARO
: DANIELA PENHA FARO
ADVOGADO : SP140527 MARCO ANTONIO SANTOS VICENTE e outro(a)
: SP140473 PAULO OBLONZIK NETO
APELANTE : LUIS CARLOS SPERCHE
ADVOGADO : SP303035 MIRELLA MARIE KUDO (Int.Pessoal)
: SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELANTE : RENATA MALUF SAYEG PANEQUE
: MAURICIO MARTINEZ PANEQUE
ADVOGADO : PR069636 TULIO ALEXANDRE FERREIRA
APELADO(A) : Justica Publica
CONDENADO(A) : SIOMARIO RODRIGUES DOS REIS
No. ORIG. : 00028391620074036181 6P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

1. Do caso dos autos. Narra a denúncia (fls. 866/874), em síntese, que:


"O presente apuratório foi instaurado para apurar-se a conduta dos administradores da empresa PREFERENCIAL CIA DE SEGUROS S.A., tendo em vista noticia criminis oriunda da SUSEP, informando que tal empresa vinha atuando, desde 2006, na comercialização de seguros, sem a devida autorização por parte da SUSEP, órgão responsável pela regulamentação e fiscalização do funcionamento das seguradoras.
Consta dos autos relato de que a empresa PREFERENCIAL COMPANHIA DE SEGUROS S/A estaria negociando coberturas de seguros nas modalidades 'seguro-garantia' e 'seguro de vida em grupo', entre outras, sem autorização da SUSEP, em tese, cometidos por seus representantes legais, emitindo, para tanto, fraudulentamente, apólices de seguro.
Foi apurada a existência de mais de 250 apólices de seguro garantia emitidas no período de 20/12/2006 a 26/05/2007, havendo, inclusive, com relação a alguns tomadores, contratos de contra garantias. Os valores segurados envolviam de pequenas a vultuosas importâncias, segundo destacado no quadro de fls. 481. Técnicos e fiscais da SUSEP, presentes no local de funcionamento da empresa, no momento da fiscalização, teriam presenciado a entrega de Aviso de Sinistro, fato este a demonstrar que a empresa, efetivamente, atuava no ramo segurador.
(...)
Com efeito, MAURÍCIO MARTINEZ PANEQUE teve destacada participação nos fatos ora denunciados, já tendo sido diretor-presidente da Interbrazil Seguradora S/A, também liquidada extrajudicialmente pela SUSEP, em 17/8/2005, estando, à época dos fatos, na condução dos negócios da PREFERENCIAL, consoante documento de fls. 153/156.
Os fatos retratados nestes autos indicam que MAURÍCIO seguiu, de forma indiscriminada e destemida, na gestão de outras seguradoras, tendo sido, em 11/5/2006, nomeado Procurador pela F&Z Participações Societárias Ltda., representada por seu Diretor, o denunciado CARLOS ALBERTO FARO, para o fim de representá-la comercialmente. Ainda, recebeu poderes da mesma empresa, com cláusulas 'ad judicia' e 'extra judicia', quando a mesma era representada pelos sócios e ora denunciados RENATA MALUF PANEQUE (esposa de Maurício Paneque) e LUIZ CARLOS SPERCHE, em 10/01/2007. Foram, ainda, encontradas correspondências eletrônicas encaminhadas a MAURÍCIO PANEQUE, sendo que uma delas, datada de 26/2/2007, trata de uma negociação para emissão de apólice de seguro de vida em grupo, à que MAURÍCIO respondeu que estava 'pedindo a emissão agora'. Também fora informado por DANIELA sobre a fiscalização da SUSEPE junto ao endereço da PREFERENCIAL. Inclusive, suas despesas pessoais eram pagas pela mesma empresa. Ele foi, inclusive, responsável pelo acompanhamento da contratação da apólice de seguro pela Vida Clube Seguros, conforme por esta informado (fls. 127), documentação apreendida em seu poder demonstrou que a empresa Seguradora em questão vinha atuando, ao menos, em dois endereços.
(...)
Segundo apurado, a denunciada RENATA MALUF SAYEG PANAQUE, juntamente com CARLOS ALBERTO FARO, então diretores da PREFERENCIAL, quase todas as faturas de seguros e apólices irregularmente emitidas; foi responsável, em conjunto com LUIS CARLOS SPERCHE, pela movimentação financeira da PREFERENCIAL e da F&Z PARTICIPAÇÕES SOCIETÁRIAS LTDA; prestou e assinou declarações falsas à fiscalização da SUSEP, ao informar que a empresa não havia emitido nenhuma apólice, confessando tal fato à Polícia Federal. Atestou, ainda, que, apesar de o presidente da PREFERENCIAL ser CARLOS ALBERTO FARO, o principal mentor da organização era MAURÍCIO PANEQUE.
Apurou-se ter sido a denunciada DANIELA PENHA FARO a pessoa que encaminhou, via fax, os referidos documentos, com o fim de induzir em erro a SUSEP (...). Visando, ainda, conferir maior autenticidade à documentação produzida, DANIELA noticiou tais fatos sabidamente falsos à Polícia Civil, solicitando a instauração de inquérito policial, fato, aliás, admitido, posteriormente, em seu depoimento à Polícia Federal.
(...)
O denunciado CARLOS ALBERTO FARO tentou ocultar o conteúdo de um cofre, dizendo, falsamente, aos policiais, por ocasião da busca e apreensão em seu escritório, que este já havia sido vistoriado por outros policiais. Nele continha informações sobre diversas contas fiscais, com senhas e instruções para acesso via internet. (...) Tal fato evidenciou, em tese, que os valores nelas depositados tinham origem ilícita, referente à ilegal atuação da PREFERENCIAL COMPANHIA DE SEGUROS S/A, no mercado securitário. Ao lado de RENATA MALUF, assinou, em nome da PREFERENCIAL, quase todas as apólices irregularmente emitidas, e prestou declarações falsas à SUSEP, informando que a empresa ainda não havia começado a operar. Ademais, em sua residência e na de DANIELA PENHA FARO, a polícia encontrou escondidas, no fosso do banheiro, mais de 100 apólices de seguros emitidas pela PREFERENCIAL (item 1 do auto circunstanciado contido na fl. 763 do vol. 4 dos autos).
Tais fatos - que vieram reforçados por outros documentos indicativos da comercialização de seguros internacionais - revelaram, inequivocamente, que a empresa operava, clandestinamente, no mercado de seguros, sendo o denunciado MAURÍCIO MARTINEZ PANEQUE o principal responsável pela administração da empresa.
Os autos trazem notícia de que os denunciados SIOMÁRIO, RENATA, CARLOS e DANIELA também eram sócios diretores e administradores da empresa VIDA CLUBE DE SEGUROS e da F&Z PARTICIPAÇÕES SOCIETÁRIAS, que, da mesma forma, por funcionarem irregularmente acabaram por ter a sua liquidação extrajudicial decretada, por extensão da decretação da liquidação da PREFERENCIAL.
(...)".

A denúncia foi recebida em 10.02.2011 (fls. 875/876).

Em decisão de fls. 1005/1009, os acusados foram absolvidos sumariamente da prática do delito do artigo 66, da Lei nº 8.078/90, com fulcro no artigo 397, III, do Código de Processo Penal. O magistrado a quo afastou as alegações de inépcia da denúncia e de atipicidade dos fatos, ressalvando, ainda, que a inicial acusatória imputou o crime do artigo 3º, IX, da Lei nº 1.521/51, que seria, atualmente, tipificado pelo artigo 4º, caput e parágrafo único, da Lei nº 7.492/86.

Após regular instrução processual, sobreveio sentença de fls. 1333/1356, publicada em 17.03.2014.

2. Da alegação de defeitos na inicial acusatória. Preliminarmente, a defesa de CARLOS ALBERTO FARO aduz que a denúncia possui defeitos que impediram o exercício da ampla defesa.

A assertiva defensiva foi extremamente genérica e se limitou a aduzir que a peça acusatória apresentaria defeitos, sem apontar quais seriam as irregularidades que impediram o exercício do direito de defesa do acusado.

O acusado não suscitou a existência de defeitos na denúncia em momento anterior, vindo a sustentar tal circunstância apenas em suas razões recursais.

Malgrado a impropriedade da alegação em sede recursal, certo é que a peça inaugural da presente ação penal atendeu aos requisitos elencados no artigo 41, do Código de Processo Penal, porquanto qualificou os acusados, descreveu os fatos criminosos e suas respectivas circunstâncias, classificando-os e apresentou o rol de testemunhas.

Nesse ponto, cumpre ressaltar que alguns dos acusados suscitaram a inépcia da denúncia em resposta à acusação, tendo o magistrado a quo, em decisão de fls. 1005/1009, afastado a alegação de inépcia da denúncia, por ela "descrever de forma satisfatória as circunstâncias elementares de cada um dos delitos que imputa aos acusados, estabelecendo, ademais, o vínculo dos denunciados com os ilícitos que lhes atribui".

No caso em tela, a inicial acusatória narra que a empresa Preferencial Companhia de Seguros S/A estaria negociando coberturas de seguros sem autorização da SUSEP. Houve a apuração da existência de mais de 250 apólices de seguros emitidas no período de 20.12.2006 a 26.05.2007, envolvendo valores de pequenas a vultosas importâncias.

Especificamente quanto ao réu, infere-se da denúncia que era um dos integrantes da diretoria da Preferencial e que, apesar de não haver a SUSEP reconhecido a regularidade da empresa para funcionamento como seguradora, ele e os demais diretores, seguiram executando atividades relacionadas à contratação de seguros no mercado.

Consta, ainda, que o acusado, juntamente com RENATA MALUF SAYEG PANEQUE, assinava, em nome da Preferencial, faturas de seguros e apólices irregularmente emitidas e prestou declarações falsas à SUSEP.

A inicial descreve também que o apelante, Siomário, RENATA e DANIELA também seriam sócios diretores e administradores da empresa Vida Clube de Seguros e da F&Z Participações Societárias. Foi indicada uma confusão na atuação de tais empresas, concluindo que eram usadas como instrumento para as irregularidades perpetradas pela Preferencial.

Nota-se, pois, que, a denúncia, na medida do possível, tratou de vincular o apelante aos ilícitos que lhe imputou, proporcionando-lhe, destarte, o direito de defesa, como se observou ao longo do trâmite da presente ação penal.

Dessa forma, a denúncia foi adequadamente elaborada, inexistindo qualquer defeito a ser reconhecido.

Por tais razões, rejeito a preliminar suscitada.


3. Da violação ao artigo 155, do Código de Processo Penal. Em sede de razões recursais, CARLOS ALBERTO FARO, LUIZ CARLOS SPERCHE, RENATA MALUF SAYEG e MAURÍCIO MARTINEZ PANEQUE, sustentam que a sentença estaria embasada apenas em elementos indiciários, não confirmados em juízo. E, ainda, que a instrução estaria fundamentada apenas em relatório do órgão regulador, produzido sem respeito ao contraditório.

O artigo 155 do Código de Processo Penal não veda a utilização da prova colhida no inquérito policial, mas apenas dispõe que ela não pode ser considerada isoladamente.

Merece ser transcrito o disposto no referido artigo:

"Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas".

Os dados levantados pela SUSEP, apesar de obtidos antes do início da ação penal, foram submetidos ao contraditório e à ampla defesa. E, considerando que as informações produzidas pela autarquia possuem presunção de veracidade, constituem prova idônea para provar a materialidade dos fatos imputados aos acusados.

Ademais, a prova coligida no transcorrer da instrução criminal corrobora aquela produzida na seara administrativa, de forma a atestar a materialidade do crime narrado na peça acusatória.

Destarte, os acusados, ao se manifestarem, não trouxeram aos autos nenhuma prova documental capaz de abalar o processo administrativo elaborado pela SUSEP e, portanto, houve justa causa para a ação penal que culminou com a condenação dos réus.

Nesse contexto, observa-se que as condenações dos réus, ora apelantes, não foram fundamentadas apenas em elementos informativos colhidos na fase extraprocessual, tendo se amparado também em provas produzidas em juízo, sob o crivo do contraditório.


4. Do Mérito Recursal.


4.1. Do delito de gestão temerária. MAURÍCIO PANEQUE foi condenado pela prática do crime de gestão temerária.

A defesa pretende a absolvição do réu, sob alegação de ausência de provas da autoria delitiva ou, subsidiariamente, pelo reconhecimento do in dubio pro reo.

O tipo previsto no artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86, tem a seguinte redação:


Art. 4º. (...).
Parágrafo único. Se a gestão é temerária:
Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.

A criminalização da gestão financeira e da gestão temerária visa, especialmente, a incutir nos agentes financeiros o receio de sofrer sanções criminais pela prática de atos que possam colocar em xeque o sistema financeiro como um todo e, em particular, o patrimônio de terceiros. Assim, os delitos têm como função essencial a prevenção geral.

In casu, o juízo a quo tipificou a conduta de MAURÍCIO no parágrafo único, do artigo 4º, da Lei nº 7.492/86, por concluir que:


"Os dados levantados pela SUSEP aliados às provas colhidas ao longo da instrução criminal apontam para uma gestão caracterizada pela irresponsabilidade e pelo desprezo às mínimas garantias de segurança e liquidez exigidas pela boa técnica empresarial, uma vez que expuseram a entidade gerida a risco desnecessário. Tanto é verdade que os atos empreendidos culminaram com a liquidação extrajudicial da empresa".

A conclusão extraída pelo magistrado de primeiro grau não carece de qualquer reparo. Vejamos.

A materialidade do delito de gestão temerária foi comprovada pelos documentos coligidos pela SUSEP no processo administrativo nº 15414.100117/07-82 e documentação produzida no IPL nº 0094/2007-11.

Deveras, às fls. 480/498, o Relatório de Diligência nº 21/2007 demonstra que a empresa Preferencial, em vários casos, emitiu apólices mesmo com o "tomador apresentando restrições no SERASA (fls. 923/947), limite tomado no IRB (fls. 1178/1188), cadastro no IRB desatualizado (fls. 1379/1386) ou até ausência de cadastro naquele ressegurador (fls. 969/983 e 2659)".

Consta, ainda, do Relatório a descrição de algumas circunstâncias demonstrativas de uma confusão administrativa entre a Preferencial Companhia de Seguros S/A e a F&Z Participações Societárias.

O Relatório de Encerramento, em liquidação extrajudicial, constante às fls. 708/731, concluiu que:

"Após a análise conjunta dos Relatórios de Fiscalização, dos Relatórios do Interventor, das informações e documentos fornecidos, e das alegações dos ex-administradores, puderam ser vislumbradas diversas causas e irregularidades que colaboraram para que a liquidação extrajudicial por extensão do VIDA CLUBE DE SEGUROS fosse decretada. A existência do VIDA CLUBE DE SEGUROS e da F&Z PARTICIPAÇÕES, e as irregularidades então perpetradas, foram um instrumento para a atuação ilegal da Preferencial Cia de Seguros.
A confusão entre funcionários, gestão, endereço de atuação, "contabilidade" e movimentação financeira permitiam que fosse dificultada a fiscalização na entidade seguradora e a apuração das responsabilidades. (...)".

Em juízo, a confusão entre a Preferencial e a F&Z restou demonstrada pelas declarações de algumas das testemunhas, como Mildred Helena Salles Cardoso, Nayara Alves Barbosa e Gabriela K. Alonso, que relataram trabalhar na Preferencial, mas que o registro teria sido realizado pela F&Z (mídia de fl. 1101).

Diante disso, nota-se a adoção de uma prática administrativa totalmente desorganizada, aliada à ausência das cautelas necessárias ao funcionamento regular de uma "seguradora".

A materialidade do crime do artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86 resta patente.

A autoria de MAURÍCIO, ao contrário do que sustenta a defesa, também foi devidamente comprovada, tanto pelos elementos informativos produzidos em sede policial, quanto pelo acervo probatório colhido em juízo.

Em declarações de fls. 141/142, Nayara Alves Barbosa aduziu que os donos da Preferencial seriam MAURÍCIO PANEQUE e RENATA PANEQUE, mas que quem dirigia, de fato, a seguradora era MAURÍCIO.

Em igual sentido, André Noschese também informou que MAURÍCIO era quem dirigia de fato a Preferencial, auxiliado por Mildred Helena Salles Cardoso (fls. 144/145).

Mildred, em sua oitiva de fls. 149/150, diz que foi contratada por "MAURÍCIO PANEQUE (real proprietário de ambas as citadas empresas) para o cargo de gerente administrativo".

DANIELA PENHA FARO (fls. 146/148) sustenta que:


"(...) foi contratada para o cargo de advogada da empresa por MAURÍCIO PANEQUE, na verdade real proprietário de ambas as empresas, isto é, FAZ PARTICIPAÇÕES LTDA e PREFERENCIAL COMPANHIA DE SEGUROS S/A; que a declarante esclarece que MAURÍCIO PANEQUE não pode figurar formalmente nessas empresas em razão dos procedimentos que responde perante a Superintendência de Seguros Privados - SUSEP (...)".

RENATA MALUF SAYEG PANEQUE, em sede policial (fls. 133/135), prestou as seguintes informações:


"(...) apesar de o presidente da PREFERENCIAL COMPANHIA DE SEGUROS S/A ser CARLOS ALBERTO FARO, o principal dirigente e mentor dessa organização é MAURÍCIO PANEQUE, visto que tem conhecimento e experiência na área de seguros e ingressou com o principal aporte de capital; que a interrogada informa que seu marido atua de maneira indireta, uma vez que não está habilitado e enfrenta diversos problemas relacionados a fiscalizações, bem como no caso da INTERBRAZIL. (...) que, especificamente em relação às atividades de seu marido, MAURÍCIO MARTINEZ PANEQUE na PREFERENCIAL COMPANHIA DE SEGUROS S/A, estas consistem na orientação e coordenação dos negócios (...)".

Em juízo, tais informações foram corroboradas. Mildred relatou que MAURÍCIO era o dono, o diretor presidente, apesar de não constar formalmente no contrato social (mídia de fl. 1101). Nayara, também em mídia de fl. 1101, aduziu que todos diziam que MAURÍCIO era o dono da empresa. Gabriela K. Alonso, no mesmo sentido, disse que MAURÍCIO era o presidente da empresa.

Em mídia de fl. 1157, Diego da Silva Braga narra que MAURÍCIO se apresentou como presidente da Preferencial, diretor da F&Z Participações e ainda havia outra empresa em Ribeirão Preto.

Em sede judicial (mídia de fl. 1165), DANIELA confirma que MAURÍCIO seria o dono da empresa, assim como também sustenta o corréu SIOMÁRIO.

O conjunto probatório é suficiente para apontar a responsabilidade de MAURÍCIO pela prática delitiva. Inexistem dúvidas de que ele era o detentor de fato de toda a administração da Preferencial.

O juízo a quo acertadamente concluiu que:


"Diante de todo o exposto, infere-se que MAURÍCIO era quem detinha o domínio do fato, o domínio das ações dos demais corréus. Era ele quem determinava as operações financeiras a serem realizadas. Da instrução processual pode-se concluir que era ele quem elaborava e determinava, ao fim e ao cabo, as práticas delitivas ocorridas no âmbito da seguradora PREFERENCIAL.
Assim, o réu MAURÍCIO PANEQUE era, à época dos fatos, o administrador da instituição financeira que geriu temerariamente, ainda que não se lhe possa imputar formalmente tal função. Isto, contudo, não impede a sua responsabilização criminal".

Dessa forma, apesar de MAURÍCIO não constar nos registros da Preferencial como sendo o seu real gestor, as provas são uníssonas em demostrar que ele era quem tomava todas as decisões referentes à empresa.

É perfeitamente possível, portanto, que aquele que detém, apenas de fato, o domínio da ação responda pelo delito de gestão temerária, sendo de rigor a manutenção da condenação do réu nas penas do artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86.

4.2. Do delito do artigo 16, da Lei nº 7.492/86. MAURÍCIO, RENATA, CARLOS ALBERTO, LUIZ CARLOS e DANIELA foram condenados nas penas do artigo 16, da Lei nº 7.492/86.

Com efeito, a Lei 7.492/1986, que define os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, dispõe em seu artigo 16:


Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração (Vetado) falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio:
Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Consigne-se que a empresa - Preferencial Companhia de Seguros S/A - enquadra-se no conceito de instituição financeira por equiparação, a teor do que dispõe o artigo 1º, parágrafo único, I, da Lei nº 7.492/86, que preceitua:


"Art. 1º. Considera-se instituição financeira, para efeito desta Lei, a pessoa jurídica de direito público ou privado, que tenha como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não, a captação, intermediação ou aplicação de recursos financeiros de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, ou a custódia, emissão, distribuição, negociação, intermediação ou administração de valores mobiliários.
Parágrafo único. Equipara-se a instituição financeira:
I - a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros"

In casu, apurou-se que a empresa Preferencial emitia apólices de seguros sem possuir autorização para tanto.

A materialidade do delito restou demonstrada pelo Parecer SUSEP/DEFIS/GEFIS nº 4019/07 (fls. 95/97), Relatório de Diligência nº 21/2007 (fls. 480/498), Pedido de Homologação dos nomes dos eleitos em Assembleia Geral Extraordinária (fls. 380/392), Carta SUSEP/DECON/GAB nº 1093/06 (fl.393), Carta SUSEP/GABIN nº 225/2006 (fl. 559).

Exemplificando a emissão irregular, consta a cópia de uma apólice em favor do Banco Central do Brasil às fls. 349. Tal instituição procedeu a uma consulta junto à SUSEP para aferir a validade do documento (fl. 3648), obtendo como resposta que a emissão da apólice se deu sem a devida autorização legal (fl. 406).

No mesmo sentido, a SUSEP constatou que uma apólice de seguros em favor da Marinha do Brasil também teria sido emitida pela Preferencial sem a devida autorização legal, sendo, assim, desprovida de validade (fl. 431).

No relatório de Diligência nº 21/2007, foi constatado que, no período de 20.12.2006 a 26.05.2007, foram emitidas mais de 250 apólices de seguro. Conclui que os valores segurados envolviam desde pequenas somas até importâncias vultosas.

Nessas circunstâncias, patente a materialidade do crime previsto no artigo 16, da Lei nº 7.492/86.


4.2.1. Autoria e dolo. Da mesma forma, afigura-se indiscutível a responsabilidade dos apelantes pela prática delitiva.


A) Maurício. No tocante a MAURÍCIO, conforme já ressaltado no tópico 4.1, ele era o responsável de fato pela administração da Preferencial.

Nesse sentido, as declarações das testemunhas às fls. 141/142, 144/145, 149/150. Em juízo, tal circunstância foi corroborada em mídias de fls. 1101 e 1157.

DANIELA e RENATA, extrajudicialmente, também atribuem a gestão da empresa a MAURÍCIO (fls. 133/135 e 146/148). Em juízo (mídia de fl. 1165), os corréus DANIELA e SIOMÁRIO confirmam que MAURÍCIO seria o dono, o presidente da empresa. CARLOS ALBERTO FARO relatou, em sede judicial (mídia de fl. 1165), que apenas assumiu um cargo diretivo na Preferencial porque MAURÍCIO estaria impedido de exercer a função, em razão de problemas anteriores.

A r. sentença recorrida faz referência a um trecho do Relatório de Diligência nº 21/2007 (fl. 496), o qual a seguir também transcrevo, considerando a relevância para a comprovação da autoria do apelante, vejamos:


"(...) Existe um Instrumento de Procuração datado de 11/05/2006 (poucos dias após a assinatura do contrato de compra das ações da Preferencial Cia de Seguros, ocorrida em 24/04/2006), em que a F&Z Participações Societárias Ltda, representada por seu Diretor, Carlos Alberto Faro, nomeia seu procurador o Sr. Maurício Martinez Paneque, conferindo-lhe poderes para representa-la comercialmente (fl. 7183).
Há procuração "ad juditia" de 10/01/2007, em que a F&Z Participações Societárias Ltda, representada pelos sócios Renata Maluf Sayeg Paneque (esposa de Maurício Martinez Paneque) e Luiz Carlos Sperche, nomeia e constitui seu procurador o Sr. Maurício Martinez Paneque a quem foram conferidos poderes contidos nas cláusulas "ad juditia" e "extra juditia" (fl. 7184).
Foi também encontrada uma cotação para produção de cartões de visita da "Preferencial Cia de Seguros S/A", em que consta o nome de Maurício Martinez Paneque (fls. 7185/7190).
Há correspondências eletrônicas encaminhadas ao Sr. Maurício Paneque. Uma delas, de 26/02/2007, trata de uma negociação para emissão de apólice de seguro de vida em grupo, que foi respondida pelo Sr. Maurício Paneque, dizendo que estava "pedindo a emissão agora" (fl. 7191). Em outra correspondência, de 12/02/2007, a advogada Daniela Faro relata a Maurício Paneque a diligência realizada pelos Analistas Técnicos da GRFSP da SUSEP no dia 09/02/2007 no endereço da Preferencial Av. Eng. Luis Carlos Berrini (fl. 7192).
Até mesmo despesas pessoais do Sr. Maurício Paneque, como fatura de cartão de crédito, foram pagas pela Preferencial (fls. 7193/7194)".

Diante de tais elementos, inexistem dúvidas de que MAURÍCIO era o responsável por dirigir toda a prática delitiva. Ele era o gestor da empresa e, por intermédio dos demais acusados, procedia à emissão de apólices de seguros sem possuir autorização legal para assim atuar.

Não há dúvidas, ainda, de que possui pleno conhecimento da ilicitude de sua conduta. Conforme informado, em sede policial, pela sua esposa, RENATA (fls. 133/135), MAURÍCIO tinha conhecimento e experiência na área de seguros. Em acréscimo, ela relata que ele atuaria na empresa de maneira indireta, pois enfrentaria problemas relacionados a fiscalizações.

Nesse contexto, ele já havia atuado anteriormente na área securitária, tendo consciência, assim, da necessidade de autorização para poder atuar. Isso é comprovado ainda pelo fato de ter se valido de interpostas pessoas para a obtenção da autorização, uma vez que seu nome apresentava certas restrições.

Mantida, portanto, a condenação de MAURÍCIO pelo delito do artigo 16, da Lei nº 7.492/86.


B) Renata. Em sede policial (fls. 133/135), RENATA declarou que:

"(...) iniciou suas atividades na PREFERENCIAL COMPANHIA DE SEGUROS S/A aproximadamente em setembro de 2006; que a interrogada atua como vice-presidente da PREFERENCIAL COMPANHIA DE SEGUROS S/A, sendo responsável pelas áreas administrativa e comercial; que, nessa condição, a interrogada era responsável pela assinatura das apólices de seguro emitidas pela citada companhia; (...) que, segundo a interrogada, esta não comparecia diariamente ao trabalho e quando comparecia assinava as apólices e eventualmente atuava na administração da empresa; (...) inquirida pela autoridade acerca de uma quantificação das apólices emitidas e assinadas, a interrogada não sabe informar quantas passaram por suas mãos e por ela foram assinadas; que a interrogada tinha consciência de que a empresa PREFERENCIAL COMPANHIA DE SEGUROS S/A não estava ainda habilitada a iniciar suas atividades, visto que a permissão das autoridades competentes não havia sido, ainda, publicada. Porém, acreditava que poderia atuar na área, uma vez que o processo estava em andamento (...)".

A acusada não foi novamente ouvida em juízo, visto que não compareceu ao interrogatório, o que foi interpretado pelo juízo a quo como opção em exercer o direito ao silêncio.

Apesar da ausência da ré, as declarações que ela apresentou em sede extrajudicial foram corroboradas em juízo.

Mildred Helena Salles Cardoso, conforme mídia de fl. 1101, declarou que RENATA constava no contrato social da Preferencial. Além disso, ainda relatou que RENATA era quem assinava as apólices pela Preferencial, assim como os cheques.

Nayara Alves Barbosa (mídia de fl. 1101) relata que as correspondências da empresa eram todas em nome de RENATA, fato que demonstra a sua atuação perante terceiros.

Nesse contexto, vislumbra-se que RENATA participou da emissão irregular das apólices de seguros em nome da Preferencial.

Não há dúvidas de que tinha conhecimento da ilicitude da conduta que praticava. Ela aceitou integrar a empresa para que MAURÍCIO pudesse administrar a Preferencial, mesmo sabendo das restrições e dos impedimentos que ele possuía na SUSEP. Ela também sabia da ausência de autorização para a emissão das apólices, como declarou em sede policial.

Cumpre ponderar, ainda, que a ré era administradora de empresas, e, assim, não se afigura crível que achasse que o mero fato de o processo estar em andamento na SUSEP corresponderia a uma autorização para operar no ramo securitário.

Diante desse contexto, conclui-se que a prova acusatória é subsistente e hábil a comprovar a materialidade, a autoria e o dolo, devendo ser mantida a condenação de RENATA PANEQUE.


C) Carlos Alberto. De acordo com o Relatório de Diligência nº 21/2007 (fl. 497), a conduta atribuída a CARLOS ALBERTO FARO foi a de assinar, em nome da Preferencial, juntamente com RENATA MALUF SAYEG PANEQUE, quase todas as apólices irregularmente emitidas, bem como prestar declarações falsas à fiscalização da SUSEP.

Às fls. 146/148, DANIELA PENHA FARO declarou que:


"(...) afirma que assinam as apólices RENATA MALUF PANEQUE e também seu pai, CARLOS ALBERTO FARO, consoante se vê no documento de fls. 56, cuja assinatura digital a declarante reconhece como sendo de seu pai (...)".

O acusado CARLOS ALBERTO FARO, em sede policial (fls. 177/179), fez uso do seu direito constitucional de permanecer em silêncio.

Em juízo, Mildred Helena de Salles Cardoso (mídia de fl. 1101), confirma que CARLOS ALBERTO FARO era uma das pessoas responsáveis por assinar as apólices de seguros.

O acusado, em seu interrogatório judicial (mídia de fl. 1165), diz que foi sócio da F&Z Participações. Tal empresa seria usada para a aquisição de uma seguradora. Ele relatou que ingressou na F&Z por sugestão de MAURÍCIO, sendo que este não poderia integrar o quadro, em razão de problemas na SUSEP. O réu também alega falsificações no contrato que assinou. Diz que acredita que assinou o contrato de aquisição da Preferencial. Narrou ter saído da F&Z e ficado como diretor da Preferencial. Inquirido pelo magistrado, relatou que sua filha trabalhava na Preferencial e que a intenção era de que os dois assumissem a área jurídica da seguradora. Ao final, aduz que assinou apólices, mas que apenas assim procedeu por ter sido informado por MAURÍCIO de que a SUSEP havia concedido autorização à Preferencial.

Do conjunto probatório infere-se que o acusado participou da empreitada criminosa. Ele era um dos responsáveis pela emissão das apólices de seguro.

A alegação de que desconhecia a ausência de autorização é totalmente inverossímil.

Os elementos de prova coligidos no transcorrer da instrução não indicam a baixa escolaridade do acusado, mas demonstram que o réu era advogado e que tinha conhecimento das regras do mercado securitário, já tendo inclusive nele atuado anteriormente, como ressaltado em juízo.

Nessa esteira, não se há falar em ausência de dolo.

Portanto, mantida a condenação de CARLOS ALBERTO FARO pela prática do delito do artigo 16, da Lei nº 7.492/86.


D) Daniela. Quanto à atuação da acusada DANIELA, consta no Relatório de Diligência nº 21/2007 (fl. 497), que ela teria assinado, em nome da Preferencial, algumas apólices de seguro garantia irregularmente emitidas.

Em sede policial, a ré informou que (fls. 146/148):


"(...) foi contratada para um cargo de advogada da empresa por MAURÍCIO PANEQUE, na verdade real proprietário de ambas as empresas, isto é, FZ PARTICIPAÇÕES LTDA e PREFERENCIAL COMPANHIA DE SEGUROS S/A; (...) que a declarante foi contratada principalmente para defender os interesses das citadas empresas junto à SUSEP e, sobretudo, acompanhar o processo de autorização para funcionamento da PREFERENCIAL COMPANHIA DE SEGUROS S/A; (...) que a declarante esclarece que, desde que iniciou seu trabalho na empresa em fevereiro, já havia emissão de apólices de seguros, constatação esta realizada posteriormente (...)".

Em juízo (mídia de fl. 1165), DANIELA narrou que foi convidada para trabalhar na empresa por MAURÍCIO. Relatou que a empresa passou por fiscalização da SUSEP. Disse que até então não tinha conhecimento da emissão de apólices pela empresa, ressaltando que era ela quem estava acompanhando o processo de obtenção de autorização na SUSEP. A apelante narra que recebeu a informação de que a SUSEP não daria a autorização naquele momento. Mas, que, quando chegou a São Paulo, recebeu uma ligação de que no dia seguinte a autorização seria publicada. Não houve a publicação, entretanto a ré sustenta que a Preferencial teria recebido um documento. Disse que a informação da autorização seria de alguém da SUSEP. Alegou que desconhecia a emissão de apólices á época em que o pessoal da SUSEP compareceu na empresa. Sustenta ter recebido um fax, o qual seria a autorização. A única informação que teve foi por telefone. Documento não foi publicado.

Das informações prestadas pela acusada, não se afigura crível que ela, como advogada, desconhecesse a necessidade de publicação da autorização pela SUSEP para que tivesse validade. Além disso, a ré não soube declinar as razões pelas quais a empresa teria sido informada por telefone de que estaria autorizada e, posteriormente, recebido um fax com a informação, mas não teria acontecido a publicação do documento.

São informações imprecisas e não comprovadas por qualquer documento colacionado aos autos.

Nesse ponto, cumpre ainda destacar o seguinte trecho da r. sentença recorrida:


"Dessume-se, pois, que DANIELA também incorreu na prática delitiva capitulado no artigo 16 da Lei nº 7.492/86, na medida em que assinou apólices de seguros emitidas irregularmente pela PREFERENCIAL, extrapolando os limites de sua atividade como mera advogada da empresa.
Com o objetivo de elidir a sua responsabilização criminal, a acusada alega que não tinha ciência de que a seguradora operava sem autorização. Tal alegação cai por terra ao verificarmos que mesmo após a fiscalização realizada pela SUSEP nos endereços da seguradora, em 10.02.2007, na qual a acusada DANIELA estava presente, a instituição financeira por equiparação continuou a operar irregularmente, o que ensejou a realização de busca e apreensão nos endereços da seguradora e seus sócios, culminando com a apreensão de apólices de seguros ocultas no endereço residencial da ré (fls. 761/765)".

Por fim, em sede de razões recursais, a defesa argumenta que DANIELA apenas cumpria ordens da companhia. Contudo, as circunstâncias do caso retiram a credibilidade da alegação.

A acusada, como advogada, tinha conhecimento das regras do mercado securitário, assim como das formalidades necessárias à validade de uma autorização concedida pela SUSEP. Assim, não se pode dizer que, ao assinar as apólices pela empresa, desconhecia a inexistência de autorização, inclusive pelo fato de ser a responsável pelo acompanhamento do processo de obtenção de tal documento.

Diante desse contexto, conclui-se que a prova acusatória é subsistente e hábil a amparar um decreto condenatório em desfavor de DANIELA DA PENHA FARO pela prática do delito do artigo 16, da Lei nº 7.492/86.


E) Luiz Carlos. A autoria de LUIZ CARLOS SPERCHE restou corroborada pelo conjunto probatório colacionado aos autos.

Mildred Helena de Salles Cardoso, às fls. 149/150, informou que os responsáveis por assinar pela Preferencial seriam RENATA MALUF PANEQUE e LUIZ CARLOS SPERCHE. Em relação à participação de tais pessoas, afirmou que a participação "restringe-se à assinatura dos cheques e demais documentos, que são levados aos respectivos domicílios para a assinatura, quando então retornam às mãos da declarante". A testemunha também informou ser responsável pelo "pagamento dos sinistros informados à seguradora, os quais são reembolsados através de cheques da PREFERENCIAL COMPANHIA DE SEGUROS S/A, assinados por RENATA e LUIZ CARLOS (...)".

RENATA PANEQUE, em sede policial (fls. 133/135), relatou que:

"(...) também a pessoa de LUIZ CARLOS SPERCHE assinava as apólices em nome da PREFERENCIAL COMPANHIA DE SEGUROS, consoante se verifica, à guisa de exemplo, da apólice de seguro-garantia de fls. 101 dos autos, cuja assinatura a interrogada reconhece como sua, além do reconhecimento da assinatura de LUIZ CARLOS SPERCHE ao lado da sua; que a interrogada informa que LUIZ CARLOS SPERCHE também atuava como diretor na área comercial, tendo ingressado na PREFERENCIAL em substituição de ANDRÉ NOSCHESE (...)".

O apelante, extrajudicialmente (fls. 198/199), declarou que:


"(...) segue figurando no quadro social da empresa PREFERENCIAL COMPANHIA DE SEGUROS S/A até o presente momento; que a atuação do declarante na PREFERENCIAL diz respeito à área comercial, sendo o declarante o diretor-comercial da empresa; (...) que o declarante informa que recebeu um convite de MAURÍCIO para participar da sociedade da empresa PREFERENCIAL COMPANHIA DE SEGUROS S/A, há aproximadamente um ano, por ocasião de uma reunião familiar; que, segundo o declarante, a proposta da sociedade consistia na participação deste com seu conhecimento técnico na área comercial, especificamente na área de vendas; (...) que o declarante sabia vagamente do processo de regularização da PEFERENCIAL COMPANHIA DE SEGUROS perante a SUSEP; (...) que o declarante informa que desconhece detalhes acerca do referido procedimento (...) o declarante informa que assinou o contrato constitutivo da PREFERENCIAL COMPANHIA DE SEGUROS S/A, além de alguns outros documentos de cujo conteúdo não se recorda; que, nas ocasiões em que se fez presente na PREFERENCIAL COMPANHIA DE SEGUROS S/A, o declarante pode constatar que a empresa estava em plena atividade, não sabendo, contudo, especificar quais eram as tarefas de cada um dos funcionários da empresa; que o declarante soube dos primeiros problemas com a empresa INTERBRAZIL SEGUROS, da qual seu cunhado, MAURÍCIO PANEQUE, foi sócio, há aproximadamente dois anos, quando da instalação da CPI dos Correios (...)".

O acusado não foi novamente ouvido em juízo, visto que não compareceu ao interrogatório, o que foi interpretado pelo juízo a quo como opção em exercer o direito ao silêncio.

Em mídia de fl. 1101, a testemunha Mildred relata que LUIZ CARLOS SPERCHE era o responsável pela assinatura dos talões de cheque em nome da seguradora.

Apesar de LUIZ CARLOS não ter sido novamente ouvido, a sua atuação na empresa foi comprovada em juízo por MILDRED, funcionária da Preferencial e detentora da confiança de MAURÍCIO.

Assim, não há dúvidas de que o réu tinha conhecimento da ilicitude da conduta que praticava. Ele aceitou integrar a empresa para que MAURÍCIO pudesse administrar a Preferencial, mesmo sabendo das restrições e dos impedimentos que ele possuía na SUSEP. Em acréscimo, ainda cumpre ponderar que não aceitaria assinar diversos cheques sem saber o real motivo de tal proceder.

Os elementos de prova coligidos no transcorrer da instrução também não indicam uma baixa escolaridade do acusado. Ao contrário, ele mesmo pontua que foi convidado a integrar a sociedade pelo conhecimento técnico que possuía.

Nesse contexto, deve ser mantida a condenação de LUIZ CARLOS SPERCHE pela prática do delito do artigo 16, da Lei nº 7.492/86.


4.2.2. Da alegação de ausência de proveito econômico. A alegação de que o delito do artigo 16, da Lei nº 7.492/86 não estaria configurado pela ausência de proveito econômico deve ser afastada.

A obtenção de qualquer proveito pelos agentes é desnecessária para a consumação delitiva, visto que o crime em análise é de perigo abstrato e de mera conduta.

Nesse sentido, o seguinte julgado:


CRIME CONTRA OM SISTEMA FINANCEIRO. ARTIGO 16 E 1ºPARÁGRAFO ÚNICO. INCISO I AMBOS DA LEI 7.492/86. CAPTAÇÃO ANTECIPADA DE RECURSOS FINANCEIROS DE TERCEIROS. PROMESSA DE ENTREGA FUTURA DO BEM. FALTA DE AUTORIZAÇÃO PELO BANCO CENTRAL. AUTORIA E MATERIALIDADE. COMPROVAÇÃO. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO E INOCORRÊNCIA DE PREJUÍZO. DESNECESSIDADE. RÉU AGIU COM CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE TENDO PERSISTIDO NA SUA PRÁTICA. DELITO DE MERA CONDUTA. DOSIMETRIA DA PENA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. EXTENSA FOLHA DE ANTECEDENTES CRIMINAIS. REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA MANTIDO. "SURSIS". REVOGAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA.
(...)
VII - O delito de que se cogita é de mera conduta, sendo, portanto, desnecessária a demonstração da ocorrência de qualquer resultado para que o tipo se complete, afigurando-se despiciendo indagar sobre a ocorrência de proveito ou vantagem, ou mesmo de prejuízo alheio. VIII - Afiguram-se inequívocas as evidências da prova acusatória quanto ao comprometimento do réu com a prática criminosa que lhe é imputada, consubstanciada na captação e aplicação de recursos financeiros de terceiros, sem a necessária autorização do Banco Central do Brasil, de molde a incidir na conduta tipificada no artigo 16 c.c. artigo 1º,parágrafo único, I, ambos da Lei nº 7.492/86. IX - Comprovadas a autoria e a materialidade delitivas, o decreto condenatório era de rigor. (...).(ACR 03020049119904036102, DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO, TRF3 - SEGUNDA TURMA, DJU DATA:02/07/2004)

4.2.3. Do pedido de desclassificação da conduta. Finalmente, o pleito de desclassificação do delito do artigo 16, da Lei nº 7.492/86 para o delito do artigo 27-E, da Lei nº 6.385/76, formulado por LUIZ CARLOS SPERCHE e RENATA MALUF SAYEG PANAQUE.

Argumentam as defesas dos acusados que eles apenas poderiam incorrer no artigo 16, da Lei nº 7.492/86 se ficasse demonstrado que possuíam poder de mando na instituição.

A tese apresentada pelos acusados não se sustenta, haja vista que o delito do artigo 16, da Lei nº 7.492/86 é comum e, assim, não exige a comprovação de nenhuma característica especial do sujeito ativo. Qualquer pessoa pode ser enquadrada em tal dispositivo.

É improcedente também o pleito de desclassificação porque os bens jurídicos tutelados pelos dispositivos são diversos.

O artigo 27-E, da Lei nº 6.385/76 tipifica a seguinte conduta delitiva:

Art. 27-E. Atuar, ainda que a título gratuito, no mercado de valores mobiliários, como instituição integrante do sistema de distribuição, administrador de carteira coletiva ou individual, agente autônomo de investimento, auditor independente, analista de valores mobiliários, agente fiduciário ou exercer qualquer cargo, profissão, atividade ou função, sem estar, para esse fim, autorizado ou registrado junto à autoridade administrativa competente, quando exigido por lei ou regulamento:
Pena - detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

O artigo 16, da Lei nº 7.492/86 dispõe que:


Art. 16. Fazer operar, sem a devida autorização, ou com autorização obtida mediante declaração (Vetado) falsa, instituição financeira, inclusive de distribuição de valores mobiliários ou de câmbio:
Pena - Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

O artigo 16, da Lei nº 7.492/86 tutela a higidez do Sistema Financeiro Nacional, enquanto o delito do artigo 27-E, da Lei nº 6.385/76 tutela o regular funcionamento do mercado de valores mobiliários.

No caso em tela, restou patente que a atuação dos réus no mercado de seguros, sem a devida autorização para tanto, colocou em risco o Sistema Financeiro Nacional. As emissões irregulares de apólices de seguros não possuíam relação com o mercado de valores mobiliários.

Dessa forma, nesse ponto, não há qualquer reparo a ser feito na r. sentença ora recorrida.


4.3. Do delito do artigo 6º, da Lei nº 7.492/86. RENATA PANEQUE e DANIELA PENHA FARO foram também condenadas pela prática do delito do artigo 6º, da Lei nº 7.492/86.

Em sede de razões recursais, a defesa de RENATA aduz que a condenação não se sustenta, por ausência de provas suficientes acerca da autoria. E, ainda, alega que não foram produzidas provas em sede judicial.

A defesa de DANIELA também requer a absolvição, sob o fundamento de insuficiência probatório. Aduz que a acusada não produziu falsamente nenhum documento e nem participou da sua elaboração.

O dispositivo em análise preceitua que:


"Art. 6º Induzir ou manter em erro, sócio, investidor ou repartição pública competente, relativamente a operação ou situação financeira, sonegando-lhe informação ou prestando-a falsamente:
Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa".

A materialidade delitiva restou demonstrada pelo documento de fls. 62/64, em que são prestadas informações inverídicas à SUSEP.

De acordo com o ofício, a Preferencial não teria emitido qualquer apólice. No documento consta ainda que "por informações obtidas no mercado securitário, fomos informados que estariam comercializando produtos em nome da Preferencial Companhia de Seguros".

Foi, ainda, atribuída a emissão da apólice nº 01.001.200701-745-0074, em que figura como segurada a Marinha do Brasil, à AVS Seguradora S.A, entretanto, às fls. 431, restou demonstrada que a apólice foi de fato emitida pela Preferencial.

No tocante à acusada RENATA, infere-se que as provas não são, de fato, suficientes para sustentar um decreto condenatório.

Em sede policial, RENATA narrou que (fls. 133/135):


"(...) que a interrogada reconhece como seu o documento de fls. 62/64, onde constam as justificativas aos questionamentos feitos pela Superintendência de Seguros Privados - SUSEP, que, quanto ao referido documento, a interrogada reconhece que são falsas as alegações atinentes à não-emissão de apólices de seguros anteriores à data do documento, bem como a alegação de que recebeu informações "obtidas no mercado securitário" de que terceiros estariam comercializando produtos em nome da PREFERENCIAL COMPANHIA DE SEGUROS S/A; que, ainda sobre o citado documento, a interrogada acredita que o mesmo passa pela análise e aprovação da advogada da empresa, DANIELA PENHA FARO, não sabendo, entretanto, se referida pessoa participou da elaboração do documento; (...) que, inquirida sobre quem a orientou no sentido de assinar referido documento de fls. 62/64, a interrogada deseja permanecer em silêncio (...)".

Neste ponto, insta mencionar que tais fatos não foram confirmados em sede judicial. Nenhuma testemunha fez referência, em juízo, sobre as informações falsas prestadas à SUSEP.

O magistrado a quo condenou a ré, considerando a sua oitiva em sede inquisitorial. E, na sequência, concluiu que: "ainda que tal prova não tenha sido produzida sob o crivo do contraditório, há que ser analisada em conjunto com o acervo probatório amealhado ao longo da instrução processual, que lhe confere a devida verossimilhança".

Apesar do entendimento declinado na r. sentença recorrida, as provas não são satisfatórias em comprovar a responsabilidade da ré pela prática delitiva.

Outrossim, sendo prova entendida como sinônimo de certeza, neste caso em discussão, vejo que as provas coligidas são insuficientes para constituir a certeza, sabendo-se que a condição essencial de toda condenação é a demonstração completa dos fatos arguidos.

Por derradeiro, cumpre mencionar um dos princípios informadores do processo penal, a saber, "Favor Rei", lecionado por Fernando Capez em sua obra Curso de Processo Penal, 8ª Edição, Editora Saraiva, pág. 39:

"A dúvida sempre beneficia o acusado. Se houver duas interpretações, deve-se optar pela mais benéfica; na dúvida, absolve-se o réu, por insuficiência de provas".

Dessa forma, dúvidas se levantam de forma tal que impedem um decreto condenatório em detrimento de RENATA pela prática do delito do artigo 6º, da Lei nº 7.492/86, sendo de rigor a sua absolvição, nos termos do artigo 386, VII, do Código de Processo Penal, já que prevalece em direito penal a máxima do in dubio pro reo.

No tocante à corré DANIELA, não há qualquer reparo a ser realizado na r. sentença guerreada.

Consta da inicial acusatória, que ela foi a responsável por encaminhar, via fax, os documentos para induzir a SUSEP em erro. De fato, ela foi a responsável por subscrever o documento de fl. 59, encaminhado à SUSEP, contendo como anexo uma apólice de seguro emitida pela AVS Seguradora.

Em sede policial (fls. 146/148), a acusada relatou que:


"(...) que são de sua autoria os esclarecimentos assinados por RENATA PANEQUE nos documentos de fls. 62/64; (...) que a declarante informa que a participação de RENATA em relação a este documento limitou-se à sua assinatura no mesmo; (...) a declarante admite a falsidade dessas informações, bem como que as mesmas são de sua pessoal autoria (...) que a declarante tomou a atitude de produzir o documento ideologicamente falso, visto que era a única alternativa para a empresa no momento (...)".

Em juízo, a acusada tenta se eximir de suas reponsabilidades, alegando que enviou a apólice da AVS Seguradora à SUSEP, mas apenas porque cumpria ordens de MAURÍCIO. Ela ainda argumenta que suas declarações, em sede extrajudicial, seriam questionáveis, pois, para ela, as informações prestadas seriam verdadeiras.

Infere-se de tais assertivas que a ré apresentou versões contraditórias para não responder pela prestação de informações falsas à SUSEP.

Contudo, as circunstâncias fáticas são suficientes para demonstrar a sua participação na conduta criminosa. A ré, como advogada da empresa, foi a responsável por elaborar o documento de fls. 62/64.

Além disso, o magistrado, ainda ressaltou que:


"(...) Analisando as provas amealhadas ao longo da instrução processual, forçoso reconhecer a responsabilidade da acusada no que diz respeito ao delito ora em análise, tendo em vista que, para conferir maior grau de credibilidade às informações prestadas à SUSEP, compareceu à 97º Distrito Policia de Americanópolis noticiando, falsamente, a comercialização de apólices em nome da PREFERENCIAL por pessoas desconhecidas. Tal fato configura delito autônomo, a ser analisado em tópico próprio, mas que interfere diretamente na avaliação quanto à prática delituosa prevista no artigo 6º, da Lei nº 7.492/86.
Não é demais lembrar que, no cumprimento dos mandados de busca e apreensão expedidos por este Juízo, foram apreendidos na residência de DANIELA documentos referentes à atuação na PREFERENCIAL no mercado securitário (fl. 763), o que demonstra eficazmente que a advogada da companhia seguradora tinha pleno conhecimento de seu funcionamento irregular, tendo atuado ativamente na tentativa de ocultar a atuação dos órgãos fiscalizatórios".

Diante de tais elementos, resta mantida a condenação de DANIELA PENHA FARO pela prática do delito do artigo 6º, da Lei nº 7.492/86.


4.4. Do delito do artigo 340, do Código Penal. No tocante ao delito do artigo 340, do Código Penal, a defesa de DANIELA aduz que as declarações prestadas na Delegacia foram dadas de acordo com a orientação da seguradora.

A materialidade delitiva não foi objeto de recurso e restou demonstrada pelo Boletim de Ocorrência nº 421/2007 (fls. 65/66), Requerimento de instauração de Inquérito Policial (fls. 67/68) e aditamento de fls. 73/74.

A autoria é igualmente inconteste, tendo em vista que a ré foi a responsável por subscrever os documentos e também por comparecer perante a autoridade policial para lavrar o Boletim de Ocorrência. Além disso, confirmou em sede policial (fls. 146/148), e, em juízo (mídia de fl. 1165), ter efetuado a comunicação dos fatos.

O dolo também restou demonstrado.

Não se afigura crível a assertiva da acusada de que realizou a comunicação do crime por entender que os fatos se adequariam à realidade. Ela relatou também que fez o Boletim de Ocorrência a pedido de MAURÍCIO.

A ré, como advogada da empresa, tinha conhecimento técnico suficiente para analisar a regularidade das operações da companhia de seguros, não sendo verossímil que aceitasse proceder a uma comunicação de crime pelo simples fato de ter sido solicitado por MAURÍCIO.

Além disso, conforme já ressaltado em tópico próprio, ela era a responsável por acompanhar o processo de obtenção de autorização da Preferencial na SUSEP.

Nesse ponto, pondera o magistrado acertadamente que:


"Ainda que assim não fosse, durante o cumprimento da medida de busca e apreensão (MAB nº 67/2007) deferida por este Juízo, foram apreendidas apólices de seguro emitidas pela PREFERENCIAL ocultas no fosso do banheiro da residência de DANIELA PENHA FARO (fl. 763).
Se de fato, DANIELA não tinha ciência da atuação irregular da seguradora PREFERENCIAL, por que esconderia as apólices emitidas pela empresa em sua própria residência?".

Com efeito, a ocultação das apólices de seguro no fosso do banheiro da residência da acusada demonstra o seu conhecimento acerca da emissão irregular de apólices de seguros, o que afasta a sua alegação de que os fatos que noticiou no Boletim de Ocorrência nº 421/2007 seriam verdadeiros.

Ante o exposto, sua condenação pelo crime do artigo 340, do Código Penal resta mantida, nos termos da sentença.


4.5. Das dosimetrias das Penas. Os acusados não apresentaram recurso quanto à fixação de suas reprimendas. Assim, as penas restam mantidas nos moldes em que estabelecidos na r. sentença guerreada.

Quanto à acusada RENATA PANEQUE, considerando a sua absolvição no tocante ao delito do artigo 6º, da Lei nº 7.492/86, a sua condenação apenas se mantém pelo delito do artigo 16, da Lei nº 7.492/86, sendo a sua reprimenda definitivamente estabelecida em 1 (um) ano de reclusão, em regime inicial aberto, e pagamento de 10 (dez) dias-multa, à razão de 1/5 (um quinto) do salário mínimo vigente à época dos fatos. Nos termos do artigo 44, § 2º, do Código Penal, a reprimenda resta substituída por uma prestação de serviços à comunidade, pelo prazo da pena substituída.


Ante o exposto, nego provimento aos recursos de CARLOS ALBERTO FARO, DANIELA PENHA FARO, LUIS CARLOS SPERCHE e MAURÍCIO MARTINEZ PANEQUE; e dou parcial provimento ao apelo de RENATA MALUF SAYEG PANEQUE, para absolvê-la do delito do artigo 6º, da Lei nº 7.492/86, com fulcro no artigo 386, VII, do Código de Processo Penal.

PAULO FONTES
Desembargador Federal


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