Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 14/11/2017
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000800-63.2006.4.03.6122/SP
2006.61.22.000800-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : CARLOS CESAR DE FRANCA HAMADA
ADVOGADO : SP231624 LIGIA REGINA GIGLIO CAMPOS (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
CONDENADO(A) : FLAVIO AUGUSTO DE OLIVEIRA

EMENTA

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. MATERIALIDADE. DESCRIÇÃO DO PRINCÍPIO ATIVO NO LAUDO PERICIAL. REFERÊNCIA À PORTARIA DA ANVISA. DESCRIÇÃO DAS TÉCNICAS DE ANÁLISE UTILIZADAS. DESNECESSIDADE. AUTORIA DELITIVA COMPROVADA. DOSIMETRIA. REFORMATIO IN PEJUS INDIRETA. COMBINAÇÃO DE LEIS. SÚMULA N. 501 DO STJ. PENA REDIMENSIONADA DE OFÍCIO EM OBSERVÂNCIA À COISA JULGADA E VEDAÇÃO DA REFORMATIO IN PEJUS. APELAÇÃO DA DEFESA DESPROVIDA.
1. Réu denunciado como incurso nos artigos 12 e 14, combinados com o artigo 18, inciso I, todos da Lei n.º 6.368/76. Apreensão de 62 (sessenta e duas cápsulas de cocaína provenientes da Bolívia ingeridas pelo codenunciado.
2. Materialidade. Prescindível a especificação do princípio ativo quando claramente demonstrada a identificação da substância "cocaína", entorpecente de uso proscrito no Brasil, conforme Portaria 344/1998 SVS/MS (Lista F1) Precedentes das Cortes Superiores (REsp 1444537/RS - STJ e HC 122247-STF).
3. Autoria demonstrada.
4. Decreto condenatório mantido.
5. Dosimetria. Reformatio in pejus indireta. Fixada pena superior em relação a sentença anulada. Embora vedada a combinação de leis, nos termos da Súmula n. 501 do Superior Tribunal de Justiça, aplicada diante da peculiaridade do caso. Observância à coisa julgada. Primeiro acórdão de mérito. Pena total reduzida para 04 (quatro) anos e 01 (um) mês de reclusão e pagamento de 67 (sessenta e sete) dias-multa.
6. Mantidos o regime inicial fechado, nos termos nos termos do art. 33, § 3º, do Código Penal, e a não substituição do artigo 44 do Código Penal, pois não preenchidos dos requisitos objetivos e subjetivos.
7. Recurso desprovido.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso da defesa e, de ofício, reduzir a pena privativa de liberdade para 04 (quatro) anos e 01 (um) mês de reclusão e pagamento de 67 (sessenta e sete) dias-multa, em observância à coisa julgada e à vedação a reformatio in pejus indireta, nos termos do voto do relator, acompanhado pelo Des. Fed. Fausto de Sanctis, vencido o Des. Fed. Wilson Zauhy que, de ofício, fixava o regime semiaberto. Por maioria, determinar a expedição de mandado de prisão somente após a certificação de esgotamento dos recursos ordinários no caso concreto, nos termos do voto do Des. Fed. Wilson Zauhy acompanhado pelo Des. Fed. Fausto de Sanctis, vencido o Des. Fed. Hélio Nogueira que entende deva ser determinada a imediata expedição de mandado de prisão.

São Paulo, 31 de outubro de 2017.
HÉLIO NOGUEIRA


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000800-63.2006.4.03.6122/SP
2006.61.22.000800-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : CARLOS CESAR DE FRANCA HAMADA
ADVOGADO : SP231624 LIGIA REGINA GIGLIO CAMPOS (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
CONDENADO(A) : FLAVIO AUGUSTO DE OLIVEIRA

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (Relator):

Trata-se de Apelação Criminal interposta por CARLOS CÉSAR DE FRANÇA RAMADA contra sentença proferida pelo Juízo da Federal da 1ª Vara Federal de Tupã/SP, que o condenou à pena 06 (seis) anos e 08 (oito) meses e pagamento de 110 (cento e dez) dias-multa, condenando também FLÁVIO AUGUSTO DE OLIVEIRA à pena de 05 (cinco) anos, 06 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e pagamento de 93 (noventa e três dias multa, ambos pela prática do crime capitulado no artigo 12, caput, da Lei n. 6.368/76, bem como os absolveu da prática do delito previsto no artigo 14 da mesma lei, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal (fls. 1.187/1.194).

Narra a denúncia que (fls. 02/04):

(...) no dia 13 de abril de 2006, por volta das 18 horas e 30 minutos, no interior da residência localizada na Rua Francisco Pato Gomes, Jardim Apoena, Tupã (SP), agentes policiais lotados na DISE - delegacia de investigações sobre entorpecentes, Tupã/SP, localizaram um pacote contendo em seu interior invólucros plásticos com substância semelhante à cocaína que exalavam forte odor de fezes. Ali se encontrava Flávio Augusto de Oliveira que confessou que a droga havia sido expelida por sua pessoa e que havia outros invólucros ainda para serem expelidos, o que ocorreu posteriormente no recinto da Delegacia e também na Santa Casa de Misericórdia de Tupã.
Apurou-se que o responsável pela residência era Carlos César de França Hamada, que, na chegada dos policiais, afirmou estar sozinho na casa. Com a entrada dos agentes policiais no referido imóvel, tal afirmação restou desmentida. Ainda assim, Carlos César alegou não conhecer Flávio que ali se encontrava.
Ao ser interrogado perante a Autoridade Policial, Flávio alegou 'que compareceu em um local em Puerto Suaréz na Bolívia onde ficam todos os "barrigueiros", ou seja, aquelas pessoas que ingerem drogas para serem transportadas e engoliu 62 invólucros de cocaína para serem trazidos até a cidade de Tupã/SP, onde deveria evacuar e entregar o entorpecente. Embarcou, então, em um voo da companha aérea boliviana Aerosur até São Paulo e depois veio até a cidade de Tupã onde foi pego na rodoviária por um mototaxista que o levou até a residência onde ficou evacuando e foi preso (...) não sabe citar o nem de ninguém, apenas do responsável pela casa onde ficou, de nome Carlos é quem cuidava do interrogando até que evacuasse todos os invólucros e fosse embora. Que inclusive, Carlos havia comprado uma marmita de alimentos para o interrogado comer. Em relação a seu pagamento, receberia R$ 10,00 por cápsula ingerida, ou seja, R$ 620,00 pela viagem (fls. 53/54) o outro denunciado, carlos, nada revelou sobre os fatos pois reservou-se o direito de depor somente em Juízo.
A materialidade do delito restou comprovada através dos autos de apreensão (fls. 15 e 22), bem como dos laudos preliminares de constatação de substância entorpecente de n. 755/2006, 756 e 759/2006 (fls. 23, 25 e 47), os quais apontam ser cocaína a substância encontrada nos 62 invólucros de plástico e borracha, selados por aquecimento. Quanto à autoria, esta se mostra incontroversa, tendo em vista os fatos narrados perante a Autoridade Policial e o fato de que parte da droga foi expelida do corpo de Flávio na Própria Delegacia de Polícia (fls. 38/39).
A internacionalidade do crime narrado na denúncia está provada pelas declarações prestadas por Flávio, bem como pela passagem aérea apreendida em seu poder no dia dos fatos (fls. 9/10 e 19). A associação de Carlos César e Flávio para a prática do delito restou provada pelo fato de Flávio, que mora em Uberlândia (MG) vir a Tupã com destino de residência de Carlos, onde deveria permanecer até evacuar toda a droga, tendo inclusive recebido alimentação de Carlos César. (...)

A denúncia foi recebida em 05/06/2006 (fls. 242/243) e, após processamento do feito, a sentença condenatória de fls. 821/8551, publicada em 16/10/2006, restou anulada por decisão unânime e de ofício da então Colenda Primeira Turma, em sessão de julgamento de 13/12/2011, a qual determinou que outra decisão fosse proferida, tendo em vista que a "pena foi estipulada segundo a Lei 11.343/2006, cuja pena-base prevista é mais gravosa ao réu, confrontando com o princípio penal e constitucional da irretroatividade da lei penal ou retroatividade da lei mais benéfica"(fls. 1.150/1.152).

Outra sentença foi proferida às fls. 1.187/1.194, sendo publicada em 15/10/2012 (fl. 1.195), nos termos acima expostos.

Os autos retornaram a esta Corte em 21/11/2013 (fl. 1.260).

Nas razões de recurso (fls. 1.271/1.283), a Defesa de CARLOS CÉSAR pretende a absolvição, alegando:

- ausência de materialidade delitiva;

- que o material periciado era diverso daquele portado pelo acusado, podendo ter sido trocado;

- que o laudo toxicológico não está devidamente fundamentado, não explicita as espécies de exame realizadas, nem indica o princípio ativo causador da dependência química eventualmente encontrado;

- ausência de provas de autoria;

- não caracterização da internacionalidade do delito;

- serem aplicáveis as penas previstas na Lei n. 6.368/76, por mais benéfica, combinada com a causa de diminuição do §4º do artigo 33 da Lei n. 11.343/06, bem como a substituição do artigo 44 do Código de Penal.

Contrarrazões do Ministério Público Federal às fls. 1.292/1.303.

A Procuradoria Regional da República, por sua ilustre representante Dra. Eugênia Augusta Gonzaga, opinou pelo desprovimento do recurso e pela diminuição, de ofício, da pena-base dos réus e da fração de aumento de decorrente da majorante do art. 40, I, da Lei n. 11.343/06 (fls.1.309/1.314).

É o relatório.

À revisão.



HÉLIO NOGUEIRA


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000800-63.2006.4.03.6122/SP
2006.61.22.000800-3/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : CARLOS CESAR DE FRANCA HAMADA
ADVOGADO : SP231624 LIGIA REGINA GIGLIO CAMPOS (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
CONDENADO(A) : FLAVIO AUGUSTO DE OLIVEIRA

VOTO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (Relator):

CARLOS CÉSAR DE FRANÇA HAMADA foi denunciado, juntamente com FLÁVIO AUGUSTO DE OLIVEIRA pelos delitos de tráfico internacional de drogas e associação para o tráfico, ainda, soba a égide da Lei n. 6.368/1976 (arts. 12 e 14 da Lei nº 6.368/76).

Segundo a acusação, CARLOS CÉSAR DE FRANÇA HAMADA foi surpreendido, em 13/04/2006, em sua residência, localizada na cidade de Tupã/SP, na companhia de FLÁVIO AUGUSTO DE OLIVEIRA, local onde ambos aguardavam que este último expelisse 62 (sessenta e duas) cápsulas de cocaína oriundas da Bolívia. Consta da denúncia que FLÁVIO expeliu cápsulas na residência do codenunciado, na delegacia e na Santa Casa de Misericórdia de Tupã.

Após regular instrução, o Juízo de primeiro grau condenou o apelante CARLOS à pena 06 (seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão e pagamento de 110 (cento e dez) dias-multa e o codenunciado FLÁVIO AUGUSTO DE OLIVEIRA à pena de 05 (cinco) anos, 06 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão e pagamento de 93 (noventa e três) dias multa, tão somente, pela prática do crime capitulado no artigo 12, caput, da Lei n. 6.368/76 (fls. 1187/1194).

A sentença condenatória transitou em julgado para FLÁVIO AUGUSTO DE OLIVEIRA em 02/07/2013 (fl. 1.221).

Passo à matéria devolvida.

Ao contrário do quanto alegado pela DefesA de CARLOS, o conjunto probatório é coeso e uníssono, não restando dúvida sobre a materialidade e a autoria.

A materialidade do delito restou devidamente comprovada por meio do Auto de Prisão em Flagrante Delito (fls. 06/16), Boletins de Ocorrência n. 22/2006 e n. 28/09 (fls. 18 e 54), Auto de Exibição e Apreensão (fls. 19/21), dos Laudos de Constatação Preliminares n. 755/2006, n. 756/2006 e n. 759/2006 (fls. 33, 35 e 57), dos Laudos de Exame Químico Toxicológico n. 748/06 e n. 730/06 (fls. 145 e 171), todos com resultado positivo para cocaína.

Os mesmos laudos indicam o peso líquido total de 433,2g (quatrocentos e trinta e três gramas e dois decigramas - 264,10g(fl. 131) + 14g(fl. 145) + 155,10g(fl.171)) de cocaína.

Improcede a alegação de que as divergências de pesos dos lotes da substância apreendida constantes dos laudos acima referidos sugerem a ocorrência de troca do material.

Em verdade, há divergências nos pesos, contudo, infere-se, claramente, da análise de tais registros, que estas decorrem do fato de se ter registrado nos primeiros laudos o peso bruto, portanto, incluindo os invólucros e, nos posteriores, o peso líquido do material.

Confiram-se os exemplos abaixo:

- Laudo n. 755/2006 (fl. 35) - lote de 22 (vinte e dois) invólucros - peso bruto de 170,0 g (cento e setenta gramas);

- Laudo n. 730/06 (fl. 171) - lote de 22 (vinte e dois) invólucros - peso líquido de 155,10g (cento e cinquenta e cinco gramas e um decigrama);

O mesmo ocorreu com os laudos referentes às amostras retiradas:

- Laudo n. 759/2006 (fl.57) - duas porções acondicionadas em segmentos de plástico e borracha, com remanescente de fezes - 15,7 g (quinze gramas e sete decigramas);

- Laudo n. 748/06 (fl. 145) - dois pacotinhos - peso líquido total de 14,0g (quatorze gramas).

Outrossim, não prospera o argumento de que os laudos não descrevem o princípio ativo causador da dependência química, nem a espécie de exame e/ou as técnicas realizadas, o que segundo acusação descaracterizaria a materialidade delitiva.

Os Laudos de Exame Químico-Toxicológico, acostados às fls. 131 e 171, são categóricos em afirmar que: "as análises físico-químicas realizadas no material acima descrito, revelaram resultado POSITIVO para COCAÍNA, substância listada na Portaria 344/1998 SVS/MS - Lista F1 (Lista de substâncias entorpecentes de uso proscrito no Brasil)".

Com efeito, a portaria supracitada define substância entorpecente e substância proscrita como sendo:

"Entorpecente - Substância que pode determinar dependência física ou psíquica relacionada, como tal, nas listas aprovadas pela Convenção Única sobre Entorpecentes, reproduzidas nos anexos deste Regulamento Técnico.
Substância Proscrita - Substância cujo uso está proibido no Brasil."

Tal norma traz, ainda, na referida Lista F1 (lista de substâncias entorpecentes de uso proscrito no país - consulta ao site http://www.anvisa.gov.br/hotsite/talidomida/legis/Portaria_344_98.pdf) a referência à "COCAÍNA" e não especifica seu princípio ativo, daí considero ser prescindível tal apontamento nos laudos acostados aos autos.

Nesse sentido, a jurisprudência dos Tribunais Superiores:

RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. MATERIALIDADE. SUBSTÂNCIAS CONSTANTES DAS LISTAS E E F1 DA PORTARIA N. 344/1998 DA ANVISA. RECURSO PROVIDO.
1. O art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 apresenta-se como norma penal em branco, porque define o crime de tráfico a partir da prática de dezoito condutas relacionadas a drogas, sem, no entanto, trazer a definição desse elemento do tipo.
2. A definição do que sejam "drogas", capazes de caracterizar os delitos previstos na Lei n. 11.343/2006, advém da Portaria n.
344/1998, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde.
3. Os exames realizados por peritos do Instituto Geral de Perícias concluíram que, no material apreendido e analisado, "foi constatada a presença de canabinoides, característica da espécie vegetal Cannabis sativa", havendo os peritos salientado, ainda, que "a Cannabis sativa contém canabinoides que causam dependência".
4. Irrelevante, para a comprovação da materialidade do delito (art.
33 da Lei n. 11.343/2006), o fato de o laudo pericial não haver revelado a presença de tetrahidrocanabiol (THC) - um dos componentes ativos da Cannabis sativa - na substância, porquanto constatou-se que a substância apreendida contém canabinoides, característicos da espécie vegetal Cannabis sativa, que, nos termos da conclusão do laudo pericial, causam dependência e integram a Lista E da Portaria n. 344, de 12/5/1998, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde.
5. A materialidade do crime de tráfico de drogas também está demonstrada pelo fato de haver sido apreendido em poder do recorrido material contendo cocaína, substância constante da Lista F1 da Portaria n. 344, de 12/5/1998, da Anvisa.
6. Recurso especial provido para, reconhecida a materialidade do crime de tráfico de drogas, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, para que prossiga no julgamento da Apelação Criminal n. 70052225380.
(REsp 1444537/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 12/04/2016, DJe 25/04/2016)
EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. CRIME DE POSSE DE DROGA EM RECINTO CASTRENSE. ATIPICIDADE DA CONDUTA: NÃO INDICAÇÃO DO PRINCÍPIO ATIVO TETRA-HIDRO-CANABINOL (THC) NO LAUDO TOXICOLÓGICO. AFIRMAÇÃO DA NATUREZA ENTORPECENTE DA SUBSTÂNCIA APREENDIDA. NECESSIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS IMPRÓPRIO NA VIA ELEITA. ORDEM DENEGADA. 1. O reexame dos elementos de convicção considerados pelas instâncias ordinárias na avaliação do laudo toxicológico utilizado para, em conjunto com as demais provas, firmar a materialidade delitiva demandaria o revolvimento do conjunto probatório, inviável em habeas corpus. 2. A jurisprudência deste Supremo Tribunal acentua que a ausência de indicação, no laudo toxicológico, de um dos princípios ativos do entorpecente vulgarmente conhecido como "maconha" não impede a caracterização da materialidade delitiva, máxime como no caso dos autos em que o Paciente confessa a prática da infração penal e a instância antecedente afirma que a prova pericial é conclusiva no sentido de que o material examinado consiste em psicotrópico causador de dependência física e/ou psíquica. 3. Ordem denegada.(HC 122247, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 20/05/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-105 DIVULG 30-05-2014 PUBLIC 02-06-2014)

Nesta esteira, também, inarredável a conclusão sobre a dispensabilidade da especificação das técnicas de análise utilizadas.

Curial destacar, igualmente, que do Superior Tribunal de Justiça já entendeu ser possível a comprovação da materialidade delitiva do delito de tráfico de drogas mesmo através do laudo de constatação preliminar, dispensando em razão do contexto fático, a realização de exame toxicológico conclusivo. Confira-se:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. LAUDO TOXICOLÓGICO DEFINITIVO JUNTADO APÓS A SENTENÇA. ALTERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA. ERESP N. 1.544.057 DE 2/12/2016. POSSIBILIDADE DE COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE POR LAUDO PRELIMINAR ASSINADO POR PERITO CRIMINAL. 1. A Terceira Seção, quando do julgamento do EREsp n. 1.544.057 - DJe 2/12/2016, entendeu que a ausência de laudo definitivo pode ser suprida por laudo provisório de constatação que possua condições técnicas de atestar a natureza da droga apreendida.
2. In casu, foi juntado laudo preliminar de constatação, assinado por perito criminal, identificando o material apreendido como cocaína, o que enquadra o caso em questão em uma das exceções em que a materialidade do delito pode ser comprovada apenas com base no laudo preliminar de constatação.
3. Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp 1653979/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 23/05/2017, DJe 30/05/2017)

A transnacionalidade do delito, do mesmo modo, resta claramente evidenciada pelas passagens aérea e terrestre utilizadas por FLÁVIO, bem como pelo comprovante de pagamento da taxa de desembarque por passageiro em viagem internacional pago ao governo boliviano e "destyinada ao mejoramento de los servicios prestados por el Goberno em matéria Aeronàutica" (fls.18/21; 26 e 30).

Tais documentos denotam a inverossimilhança da tese de que Flávio teria ingerido as cápsulas em Corumbá e se dirigido à Bolívia para depois adentrar ao país para fugir da fiscalização.

Irretorquíveis, no ponto, as anotações da acusação em parecer (fl. 1.312-v):

(...) Como se extrai do conjunto de passagens aérea e rodoviárias apreendidas com Flávio (fls. 18/21), o referido corréu, a partir de 08/04/2006, se desclocou de Uberlândia, onde mora, até a Bolívia (passando por campo grande e corumbá/MS), tendo, em 12/04/2006, embarcado em voo oriundo de puerto suarez, naquele país, para Guarulhos/SP, no Brasil, de onde apanhou ônibus até são Paulo/SP e, em seguida, rumo à tupã/SP.não como considerar verdadeira a alegação de Flávio, de que ingeriu cápsulas em Corumbá/SP, pois é fato notório que a cocaína obtida naquela região origina-se principalmente da Bolívia e do Paraguai, cujas fronteiras são próxomas dali, não sendo o Brasil produtor expressivo de drogas. Ademais, o réu deslocou-se de Uberlândia até aquela região, certamente porque o destinatário da encomenda pretendia pagar mais barato pela droga adquirida diretamente na Bolívia, sendo totalmente desprovida de verossimilhança a versão de que comprou a cocaína no Brasil e, posteriormente, atravessou a fronteira com a Bolívia na posse do entorpecente, para, de lá, voltar de avião diretamente para Guarulhos/SP. (...)

Além disso, em Juízo, o policial, que participou do flagrante, asseverou que FLAVIO revelou ter ingerido a droga em Puerto Suarez na Bolívia (fl. 273).

Assim, entendo que a materialidade delitiva do delito de tráfico internacional de drogas restou devida e fartamente demonstrada.

A autoria também é inconteste.

CARLOS, na fase extrajudicial (fl. 15/16), reservou-se o direito de permanecer calado.

Em Juízo, às fls. 161/162, CARLOS CÉSAR alegou que desconhecia o codenunciado FLÁVIO e que apenas permitiu que ele utilizasse seu banheiro porque estava passando mal. Acrescentou, ainda, que os dois "marmitex" encontrados no local tinham sido comprados pela sua genitora:

(...) estava sentado em frente sua residência no dia dos fatos, quando por volta das 17h da tarde, chegou um rapaz, que depois soube chamar-se Flávio, pedindo para usar o banheiro. Flávio chegou ao local a pé. O acusado estava na companhia de uma amiga, Daiane. O rapaz aparentava passar mal. Permitiu que o rapaz adentrasse em sua casa para usar o banheiro. Ficou entre a porta da cozinha e o quintal, perto do banheiro. (...) o rapaz estava no banheiro quando a polícia chegou.(...) Não conhecia Flávio. Não tinha conhecimento que Flávio tinha drogas. Não tinha conhecimento onde a droga estava escondida. Mora sozinho. Não tem telefone na residência, só celular, apreendido pela polícia. (...) não viu Flávio chegando de mototaxi. Flávio veio até direção da casa do depoente andando. Não serviu comida a Flávio. Tinha duas marmitex em casa, compradas por sua mãe para o jantar. Alega que mora sozinho, não faz comida em casa e tem um animal, por isso as duas marmitex (...)

Reinterrogado (fls. 270/271), o apelante apenas revelou que Flávio chegou em sua residência por volta das cinco horas da tarde. Disse não se recordar de ter recebido ligações entre as seis e sete horas da manhã do dia em que foi preso, do endereço de residência da sua genitora, nem do telefone da mesma. Sobre a frequência com que utilizou o celular, informou apenas que falava com amigos.

Contudo a tentativa de desvencilhar-se da pessoa e da conduta de FLÁVIO não encontra respaldo no conjunto probatório coligido. A versão de que CARLOS CESAR apenas acolheu FLÁVIO em sua residência, por este estar passando, é pueril e não se sustenta.

Destaco, de início, que, na fase extrajudicial, FLAVIO AUGUSTO DE OLIVEIRA admitiu ter ido até a Bolívia, onde ingeriu, em um local onde ficam os "barrigueiros", sessenta e duas cápsulas de cocaína para trazer até a cidade de Tupã. Revelou que foi levado até a casa de CARLOS para que lá expelisse a droga ingerida, única pessoa dentre as envolvidas que soube declinar o nome, a qual, inclusive, comprou-lhe ainda comida. Acrescentou que receberia R$ 10,00 por cápsula ingerida (fls. 13/14).

Em Juízo, o codenunciado FLÁVIO alterou parcialmente a versão dos fatos, embora tenha admitido ter sido contratado para fazer o transporte da droga.

Revelou, às fls. 158/159, ter sido contratado por uma pessoa chamada "Gustavo", residente em Corumbá, e que ingeriu a droga naquela cidade.

Disse que, na cidade de Tupã, foi procurado por um mototaxista que o levou para a residência de CARLOS. Estranhamente, asseverou que o local não era seu destino final e que pediu para adentrar a residência, pois estava passando mal, bem como que foi até a Bolívia apenas para pegar um voo para Guarulhos, por "determinação da organização".

Em novo interrogatório judicial, FLÁVIO revelou que chegou a cidade de Tupã por volta das sete horas da manhã e que fez contatos telefônicos para a entrega da droga. Confirmou que foi levado por um mototaxista até a residência de CARLOS, pessoa que até então desconhecia, no fim da tarde, por volta das 16 horas.

O Policial Civil que participou do flagrante, Celso dos Santos de Oliveira, revelou em Juízo que:

(...) é policial lotado na DISE local, tendo no dia dos fatos recebido denúncia que pessoa foragida estava no jardim Apoena. Feitas algumas diligências, com viatura descaracterizada, montaram campana próxima a casa de carlos, quem ficaram observando, Carlos estava só mas recebia a visita de uma vizinha que logo saiu do local. Carlos estava em frente a sua casa. Depois de certo tempo, abordaram Carlos por volta das 17:40hm, que informou que estava sozinho. Perceberam pessoa no interior da casa, que souberam depois tratar-se de Flávio. A casa era bem aberta. Seu colega, José Carlos Gimenes Olgado viu Flávio no interior da casa. O delegado de polícia civil. Dr Clóvis conversou com Flávio que dizia ser de Minas Gerais, mas não contava estória convincente, dizendo apenas que estava passeando na cidade. O interior da casa estava escuro. Com uso de faroletes, no interior da casa localizaram uma sacola de plástico comum de supermercado no forro da sala. Esclarece que o forro da sala não estava completo, tinha um buraco. O depoente retirou a sacola e no interior encontrou o que se chama giz de cocaína. Diz que as cápsulas estavam impregnadas de fezes, demonstrando que haviam sido expelidas recentemente. Foram contadas 37 ou 38 cápsulas. Flávio na ocasião disse que nada sabia. Flavio dizia que estava passando pelo local apenas. Na polícia Flávio confessou ser dele as cápsulas na polícia, Flávio expeliu as demais cápsulas, que demorou até 20 horas, no total de 62. Flávio disse que ingeriu as cápsulas em Puerto Suarez na Bolívia".(...)

Do cotejo dos depoimentos, das provas colacionadas e da dinâmica dos fatos acima narrada por FLÁVIO, infere-se a atuação efetiva de CARLOS, que inclusive mentiu aos agentes policiais que se encontrava sozinho em caso, naquele momento.

Além disso, os registros das ligações telefônicas constantes dos extratos das linhas de celulares pertencentes aos denunciados e acostados aos autos revelam, conforme bem pontuou a acusação em contrarrazões, a intensa troca de telefonemas entre os codenunciados nos dias anteriores aos fatos esvaziando a negativa de autoria.

Há diversos registros de chamadas efetuadas e recebidas das linhas de celulares (34) 9908-2077, pertencente a FLÁVIO, da linha (14) 9714-5109, de CARLOS e do número fixo (14) -3441-3240 (fls. 297/549, 555/568, 639/643), conforme resumido de forma irreparável em alegações finais (fl. 773). Como consignado em sentença, embora não tenham os corréus mantido contato telefônico entre si, a prova deixou claro o emprego de comunicação furtiva, como forma de escapar da ação policial, tendocoo centro das ligações o terminal (14) 3441-3240, para o qial eram dirigidas as ligações, sendo certo que tal número de telefone encontadoainda na agenda do réu Flávio e que permaneceu ativo por poucos dias, apenas no período pouco anterior à chegada de Flávio na residência de CARLOS e logo desligado por falta de pagamento.

Outro fato revelador é a presença de dois "marmitex" na casa do apelante CARLOS que certamente seriam destinados ao consumo dos dois denunciados, evidenciando que CARLOS tinha por atribuição receber FLAVIO e com ele permanecer até que expelisse a droga ingerida.

Deste modo, tenho que o conjunto probatório coligido nos autos é indubitavelmente incriminador da autoria de CARLOS CESAR DE FRANÇA HAMADA em relação ao delito de tráfico internacional de drogas.

Por todo exposto, mantenho o decreto condenatório.

Passo, por conseguinte, à análise da dosimetria da pena.

Pretende a defesa a redução da pena com aplicação das previstas na Lei n. 6.368/76 combinada com as benesses previstas na Lei n. 11.343/06, em especial, aquela do §4º do artigo 33 da referida norma e, ainda, seja a pena privativa de liberdade substituída por restritivas de direitos nos termos do artigo 44 do Código Penal.

Compulsando os autos verifico que quando da primeira sentença, anulada por decisão da então Primeira Turma desta Corte Regional em 13/12/2011, o magistrado a quo calculou as penas com base nos dois diplomas legais, quais sejam, a Lei n. 6.368/76 e Lei n. 11.434/06, elegendo a mais nova em razão do quantum total da pena ser mais favorável ao reú CARLOS, nos seguintes termos:

(...) tal como o co-réu Flávio, ao réu Carlos Cesar são favoráveis, como provado nos autos, seus antecedentes, sua conduta social e sua personalidade, uma vez que as certidões de antecedentes juntadas aos autos comprovam que nunca havia anteriormente se envolvido em práticas delituosas e testemunhas de defesa informaram bom convívio social.
Também igualmente ao corréu Flávio, os motivos e as consequências são normais ao tipo, e não há se falar, no caso, em comportamento da vítima. A culpabilidade do réu Carlos César, diferentemente do que sucedeu para o réu Flávio, também é normal para o tipo. As circunstâncias do crime, porém, não lhe são favoráveis dada a quantidade e especialmente a natureza da substância traficada (433,2 gramas de cocaína), bem como o fato de haver prestado serviço, ainda que eventual, para uma organização criminosa, embora não desbaratada.
Como consequência dessas circunstâncias judiciais , sendo uma desfavorável, fixo a pena base acima do mínimo previsto no artigo 12 da lei n. 6.368/76, isto é, em 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão, tendo-a por suficiente para reprovação e prevenção do delito.
Não vislumbro das provas constantes dos autos nenhuma circunstância agravante ou atenuante para o réu Carlos César.
Na última fase de fixação da pena privativa de liberdade, tal como reconhecido, estão presentes para o réu Carlos César as causas de aumento de penas expressas nos incisos I e III do artigo 18 da lei n. 6.368/76, quais sejam, internacionalidade do delito e concurso de agente, para as quais a lei prevê aumento de 1/3 a 2/3 das pena de reclusão para o crime de tráfico de entorpecentes, porque ocorrem duas das quatro causas de aumento de pena previstas no artigo 18 da Lei n. 6.368/76, fixo a fração de aumento na metade da pena de reclusão de 03 anos e 06 meses até agora apurada, resultando assim em uma pena de 05 (cinco) e 03 (três) meses de reclusão.
Não vislumbro provada nos autos, segundo a lei bn. 6.368/76, qualquer causa de diminuição de pena, com o que torno definitiva, segundo essa lei, a pena privativa de liberdade em 05 (cinco) anos e 03 (três mês es de reclusão.
Passo a fixar a pena privativa de liberdade conforme a lei n. 11.343/06.
Ao crime de tráfico de drogas, tipificado no artigo 33, caput, da nova lei sobre drogas lícitas é cominada pena de reclusão de 5 a 15 anos e multa de 500 a 1.500 dias-multa.
Considerando as mesmas circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código penal já apreciadas e adotando-se o mesmo parâmetro de fixação da pena base, fixo-a em um sexto acima da pena mínima de 5 anos prevista no artigo 33 da lei n. 11.343/06, isto é, em 70 meses ou 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão.
Não resulta das provas constantes dos autos nenhuma circunstância agravante ou atenuante para o réu Carlos César.
Na última fase de fixação da pena privativa de liberdade de acordo com a lei n. 11.343/2006, tal como reconhecido, está presente para o réu Carlos César a causa de aumento de pena relativa à internacionalidade do delito expressa no inciso I do artigo 40 da mencionada lei, para o qual é previsto aumento de 1/6 a 2/3 da pena de reclusão para o crime de tráfico de drogas.
Observe-se, mais uma vez, que o concurso de agentes não é, de acordo com a Lei n. 11.343/2006, causa de aumento de pena.
Presente tal sorte, apenas uma das sete causas de aumento de pena previstas no artigo 40 da Lei n. 11.343/06, motivo por que fixo a fração de aumento no mínimo legal de 1/6 da pena de reclusão de 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses até agora apurada segundo a nova lei, o que resulta na pena de 06 (seis) anos e 09 (nove) meses e 20 (vinte ) dias de reclusão.
Por fim, consoante também reconhecido nesta sentença, o réu Carlos César tem direito a aplicação da nova causa de diminuição de pena de 1/6 a 2/3 prevista no §4º do artigo 33 da lei n. 11.343/2006.
A fração de diminuição da pena, dadas as circunstâncias do crime consideradas, especialmente sobre a natureza da droga e o envolvimento, ainda que eventual e organização criminosa, deve ficar um pouco aquém da fração máxima. Fixo-a, então, em 1/3 da pena de reclusão apurada até esta fase, o que faz reduzir para 04 (quatro) anos, 06 (seis) meses e 14 (quatorze) dias.
Torno definitiva, segundo a lei n. 11.343/2006, a pena de liberdade em 04 (quatro) anos e anos, 06 (seis) meses e 14 (quatorze) dias de reclusão.(...)

Anulado o referido decisum, outra sentença foi proferida, a de fls. 1.187/1.194, em que o Juiz a quo, atendendo determinação desta Corte, aplicou a Lei n. 6.368/76 e fez incidir nos pontos mais favoráveis a Lei n. 11.434/06, procedendo à combinação de leis, hodiernamente vedada. Confira-se (fls. 1.192-v-1.193-v):

(...) Assim, como o crime de tráfico de entorpecentes tipificado no artigo 12, caput, da Lei n. 6.368/76, comina pena de reclusão de 3 a 15 anos e multa de 50 a 360 dias multa, fixo a pena-base em 5 (cinco) anos de reclusão e 83 (oitenta e três) dias-multa.
Nenhuma circunstância agravante ou atenuante se vislumbra demonstrada. No âmbito das causas especiais, constata-se a necessidade de exame das previstas nos artigos 33, §4º, 40, , I e 41 da lei n. 11.343/06, porque comparadas à lei n. .6368/76, beneficiam o réu.
Sobre a causa de aumento do artigo 40, inciso I, da lei n. 11.343/06, demonstrada está a transnacionalidade da traficância. No que se refere à dosimetria da acusa de aumento em tela, o quantitativo de aumento deve considerar a distância percorrida ou a percorrer (José Paulo Baltazar Junior, Crimes Federais, 4º ed. rev.. Atual e ampl., Porto Alegre, Livraria do advogado Editora, 2009, p. 638). No caso, todo o percurso necessário à transnacionalidade da traficância restou implementado, razão pela qual fixo a acusa de aumento do artigo 40, inciso I, da lei n. 11.343/06, em 1/3, de modo a apurar a pena de 06 (seis) anos, 08 (oito) meses de reclusão e 110 (cento e dez_ dias-multa).
Quanto à causa de diminuição prevista no artigo 33, §4º, da lei n. 11.343/06 tenho não ser o caso de aplicação em favor do réu. Embora a rigor, primário e de bons antecedentes, o réu integrou organização criminosa, pelas razões jurídicas acima apontadas em desfavor do réu FLÁVIO AUGUSTO DE OLIVEIRA.
Por fim, o réu não empregou qualquer colaboração com a investigação ou com o processo criminal na identificação dos demais responsáveis pelo ilícito, circunstância a afastar a hipótese do art. 41 da lei n. 11.343/06.
Assim, as penas consolidadas resultam para o crime do artigo 12, caput, da lei n. 6.368/76, em 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 110 (cento e dez) dias-multa, que fixo à razão de 1/20 do salário-mínimo, haja vista as condições financeiras do réu evidenciadas (art. 43 do Lei n. 11.343/069).(...)

Como se observa da leitura dos excertos acima, inegável que houve piora da situação do réu comparada à pena fixada inicialmente na sentença anulada, a qual havia sido objeto de recurso da acusação somente em relação à absolvição pela prática de associação para o tráfico e, por conseguinte, no tocante a impossibilidade de aplicação da causa de diminuição prevista no §4º do artigo 33 da Lei n. 11.343/06 ( fls. 858/874).

Note-se que na primeira fase, na segunda sentença, o magistrado aplicou fração de aumento muito superior (2/3 - dois terços) ao quanto determinado na primeira ocasião (1/6 - um sexto). O mesmo ocorreu na terceira fase da dosimetria com o aumento correspondente à internacionalidade (artigo 40, I, da Lei n. 11.343/06).

Assim sendo, houve, como bem registrou a Procuradoria Regional da República, nestes pontos, a reformatio in pejus indireta, levando ao necessário redimensionamento da sanção.

Apesar de não se olvidar a orientação da Súmula n. 501 do Superior Tribunal de Justiça que considera descabida a aplicação conjugada das Leis n. 6.638/76 e 11.343/06, no que concerne à dosimetria da pena e determina a aplicação, na íntegra, daquela que resulte pena mais benéfica ao réu, não deve ser desobedecido o comando do acórdão primevo, que restou assim ementado (fls. 1.150/1.152):

PENAL. PROCESSO PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. FATOS OCORRIDOS SOB A ÉGIDE DA LEI 6.368/76. PENA APLICADA DE ACORDO COM A LEI 11.343/2006. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS BENÉFICA. ARTIGO 2º DO CP. ARTIGO 5º, XL, CF. SENTENÇA ANULADA DE OFÍCIO.
1. Os réus foram denunciados como incursos no artigo 12, caput, e artigo 14 c.c. artigo 18, I, todos da Lei 6.368/76. A sentença, todavia, os condenou como incursos no artigo 33, caput e §4º, c.c. artigo 40, I, da Lei 11.343/2006.
2. O Direito Penal se sustenta sobre três grandes pilares: o princípio da legalidade, o princípio da anterioridade da lei e o princípio da irretroatividade legal, constantes dos artigos 1º e 2º do Código Penal e artigo 5º, incisos XXXIX e XL da Constituição Federal.
3. A regra geral é a aplicação da lei vigente à época dos fatos (tempus regit actum). Portanto, só há crime se houver lei que o defina, sendo que esta lei deve, ainda, ser anterior ao fato que se pretende punir, de modo que lei posterior, em princípio, não poderá retroagir atingindo condutas praticadas anteriormente à sua vigência.
4. Essa regra tem uma exceção, que diz respeito à retroação da lei posterior ao fato quando ela for mais benéfica ao réu.
5. No caso concreto, os fatos ocorreram na data de 03/05/2006, quando ainda vigorava a Lei 6.368/76, a qual previa uma pena de 03 (três) a 15 (quinze) anos de reclusão e o pagamento de 50 (cinquenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa para o crime de tráfico de drogas (vide artigo 12 da Lei 6.368/76).
6. O magistrado a quo aplicou a pena de acordo com a Nova Lei de Drogas - Lei 11.343/2006, que passou a vigorar somente a partir de 08 de outubro de 2006, e que previa, em seu artigo 33, uma pena de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos de reclusão e o pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
7. Há jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e da Primeira Turma deste Tribunal Regional Federal no sentido de manter o cálculo da pena de acordo com a Lei 6.368/76 relativamente aos fatos ocorridos na sua vigência, aplicando a Lei 11.343/2006 apenas no que for benéfico ao acusado.
8. Sentença anulada de ofício.

Deste modo, cumpre proceder ao cálculo da pena privativa de liberdade considerando os pontos mais favoráveis ao réu consignados nas sentenças de primeiro grau, observando-se, ainda, a vedação da reformatio in pejus.

Dosimetria

Na primeira fase, tomando como desfavoráveis as mesmas circunstâncias consideradas pelo magistrado sentenciante (quantidade e natureza da droga - 433,2g de cocaína), mantenho a fração de aumento de 1/6 (um sexto) aplicado na sentença anulada, o que resulta na pena de 03 (três) a anos e 06 (seis) meses de reclusão, com fulcro na Lei n. 6.368/76.

Ausentes circunstâncias agravantes e atenuantes, na terceira fase, o magistrado de primeiro grau aplicou, acertadamente, a causa de aumento referente à internacionalidade.

Neste ponto, tenho que a fração de aumento também se limita ao quantum mínimo (conforme decisum anulado - fl. 845), que para Lei n. 11.343/06, mais favorável, consiste em 1/6 (um terço), o que resulta na pena definitiva de 04 (quatro) anos e 01 (um) mês de reclusão.

Deixo de aplicar a causa de aumento prevista no artigo 18, III, da Lei n. 6.368/76, porquanto inexistente recurso ministerial.

Descabida a incidência da causa de diminuição do §4º do artigo 33 da Lei n. 11.343/06, como pretende a defesa.

Consoante se observa da dinâmica dos fatos e dos elementos de prova coligidos, mormente, a forma de transporte da droga, tudo está a denotar enredamento do increpado com organização voltada para o comércio internacional de droga, o que impede a incidência da referida causa de diminuição.

Neste ponto, curial deixar anotado que tal benesse concedida pelo legislador deve ficar restrita - quando presentes todos os requisitos legais - a casos excepcionais, de menor gravidade, ou seja, pequenos traficantes, atuantes no mercado doméstico, envolvendo entorpecentes que se possam caracterizar, em princípio, como menos lesivos, e nunca a traficantes internacionais de expressiva quantidade de cocaína - como é a hipótese dos autos, em que o réu sujeitou-se a participar do transporte de enorme quantidade de cocaína (49,87 Kg) do Paraguai para o solo nacional (neste sentido: Tribunal Regional Federal da 3ª Região - ACR 27998 - Proc. nº 2006.61.19.005166-0 - 5ª T. - Rel. Juiz Conv. Hélio Nogueira - j. 14.04.08 - D.E. 06.05.08).

Aqui vale registrar o seguinte aresto desta Corte:

"(...) 8. A pessoa que se sujeita a transportar substância entorpecente para o exterior mediante paga, com despesas integralmente custeadas, integra organização criminosa de forma efetiva, ainda que na condição de 'mula'. Com efeito, a apelante, de forma voluntária, contribuiu para a narcotraficância internacional, representando peça essencial ao sucesso da empreitada criminosa, eis que incumbida de receber a droga devidamente embalada do fornecedor, devendo entregá-la ao destinatário no exterior, representando, portanto, o elo de ligação entre fornecedor e receptor, o que afasta, de plano, o benefício previsto no § 4º, do art. 33, da Lei nº 11.343 /06, cuja aplicação exige a prova extreme de dúvidas da concorrência dos quatro requisitos exigidos na norma.(...)"

(ACR 26478 - Rel. Desembargador Federal Johonsom Di Salvo - DJF3 26.08.09, p. 83)

Neste diapasão, oportuno citar o seguinte precedente da 5ª Turma do E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região e do E. STJ:

PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PROVA. ESTADO DE NECESSIDADE. PENA. TRANSNACIONALIDADE. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º DA LEI Nº 11.343 /06. - Materialidade e autoria dolosa provadas no conjunto processual. - A figura do estado de necessidade requisita a exposição do agente a perigo atual, como tal não se entendendo situação que não se vincula direta e imediatamente à oportunidade de prática de qualquer delito em particular mas à possibilidade genérica de obtenção de recursos teoricamente necessários com violações à ordem jurídico-penal. - Circunstâncias judiciais que não autorizam a graduação da pena-base acima do mínimo legal. - Aplicação da atenuante da confissão espontânea, reconhecida na sentença, afastada com a redução da pena-base ao mínimo legal, uma vez que a incidência de circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal, prejudicada a questão no âmbito do recurso da acusação. - Transnacionalidade do tráfico provada pelas evidências de destinação do entorpecente ao exterior e percentual reduzido ao mínimo previsto. - causa de diminuição do artigo 33, §4º que não incide no caso em virtude das circunstâncias do delito (contato com agentes de organização criminosa atuando no tráfico internacional) a revelarem propensão criminosa, não se lobrigando o preenchimento do requisito cunhado na lei com a expressão "não se dedique às atividades criminosas". Lei que é de combate ao tráfico, a concessão indiscriminada do benefício legal aos agentes transportadores da droga vindo a facilitar as atividades das organizações criminosas, de modo a, também sob pena do paradoxo da aplicação da lei com estímulo ao tráfico, impor-se a interpretação afastando presunções e exigindo fortes e seguros elementos de convicção da delinqüência ocasional. - Recursos parcialmente providos"(ACR 32479 - Rel. Desembargador Federal Peixoto Júnior - DJF3 20.08.09, p. 302) (g.n.)
HABEAS CORPUS. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ELEVADA QUANTIDADE DE COCAÍNA. NÃO APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343 /06. 1. Diz o art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343 /06, que a pena pode ser reduzida de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), desde que o paciente seja primário, portador de bons antecedentes, não integre organização criminosa nem se dedique a tais atividades. 2. A sentença afastou a incidência da benesse pretendida sob o fundamento de que as circunstâncias que ladearam a prática delitiva evidenciaram o envolvimento do paciente em organização criminosa. 3. A elevada quantidade de droga apreendida, a saber, quase um quilo de cocaína, distribuída em 83 cápsulas, ingeridas pelo paciente, o qual estava prestes a embarcar para a Holanda, é circunstância que impede o reconhecimento da modalidade privilegiada do crime. 4. De se ver, que a mens legis da causa de diminuição de pena seria alcançar aqueles pequenos traficantes, circunstância diversa da vivenciada nos autos, dada a apreensão de expressiva quantidade de entorpecente, com alto poder destrutivo. 5. Ordem denegada.
(HC 189.979/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 03/02/2011, DJe 21/02/2011)

Desta feita, inaplicável a mencionada causa de diminuição de pena ao apelante.

Em relação à pena de multa, aplico o mesmo critério utilizado para a pena privativa de liberdade e redimensiono-a para 67 (sessenta e sete) dias multa.

Assim, a pena total definitiva, observadas a coisa julgada e a vedação da reformatio in pejus indireta, resulta em 04 (quatro) anos e 01 (um) mês de reclusão e pagamento de 67 (sessenta e sete) dias multa.

Torno, de ofício, o valor unitário do dia multa fica arbitrado ao mínimo legal, porquanto inexistentes nos autos informações atualizadas sobre a situação financeira do acusado, bem como pelo fato de assim ter sido fixado no decisum anulado (fl. 847).

Considerando as circunstâncias judiciais desfavoráveis, ponderadas na primeira fase da dosimetria da pena, entendo correta a fixação do regime inicial de cumprimento de pena fechado, tendo por fundamento o disposto no artigo 33, § 3º, do Código Penal.

Incabível a substituição do artigo 44 do Código Penal, tendo em vista o não cumprimento dos requisitos subjetivos e objetivos.

Mantidos os demais termos da r. sentença.

Por esses fundamentos, nego provimento ao recurso da defesa e, de ofício, reduzo a pena privativa de liberdade para 04 (quatro) anos e 01 (um) mês de reclusão e pagamento de 67 (sessenta e sete) dias-multa, em observância à coisa julgada e à vedação a reformatio in pejus indireta.

Considerando ter sido preservada a condenação, expeça-se mandado de prisão, nos termos do entendimento do STF (HC 126.292, ADCs 43 e 44), com prazo de validade até 14/10/2020.

É o voto.

HÉLIO NOGUEIRA


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