D.E. Publicado em 10/10/2018 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar as preliminares arguidas pelos réus e negar provimento às suas apelações; por maioria, dar parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal para majorar pena-base dos réus, reconhecer a agravante do artigo 62, I, do CP ao corréu Djalma, resultando na pena definitiva de 03 anos de reclusão e pagamento de 15 dias-multa para Juliana e 03 anos e 06 meses de reclusão e pagamento de 17 dias-multa para Djalma, bem como para majorar o valor de cada dia-multa para 1/3 (um terço) do salário mínimo e alterar a pena substitutiva de limitação de fim de semana para prestação pecuniária, mantida, no mais, a r. sentença apelada nos termos do relatório e voto do Relator, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado, acompanhado pelo Des. Fed. Valdeci dos Santos, vencido o Des. Fed. Wilson Zauhy, que dava parcial provimento ao apelo ministerial em maior extensão e fixava a pena definitiva do réu Djalma em 04 anos e 01 mês de reclusão e 20 dias-multa, em regime semiaberto, sendo incabível a substituição por restritivas de direitos; da ré Juliana em 03 anos e 06 meses de reclusão e 16 dias-multa, em regime aberto, substituída a pena por prestação pecuniária (um salário mínimo mensal pelo prazo da condenação em favor da União) e prestação de serviços à comunidade. Por fim, a turma, por maioria, determinou a expedição de carta de guia para o início imediato do cumprimento das penas restritivas de direito, conforme entendimento recente do STF (HC 126.292; ADCs 43 e 44), nos termos do voto do Des. Fed. Hélio Nogueira, acompanhado pelo Des. Fed. Valdeci dos Santos, vencido o Des. Fed. Wilson Zauhy que deixava de determinar a expedição de guia de execução em relação à ré Juliana ante o posicionamento firmado pelo C. STJ no bojo do EREsp 1619087/SC, Terceira Seção, julgado em 14/06/2017, em que se fixou entendimento de que nas hipóteses de condenação à pena restritiva de direitos, a expedição da competente guia de execução somente é possível após o trânsito em julgado, em consonância com disposição do artigo 147 da LEP e, em relação ao réu Djalma, após verificado o esgotamento da instância ordinária, determinava a expedição de ofício à Vara de origem para o início da execução da pena de acordo com o entendimento do STF no HC nº 126.292 e nas ADCs 43 e 44. Declarará voto o Des. Fed. Wilson Zauhy.
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DECLARAÇÃO DE VOTO
A sentença fixou as penas-bases no mínimo legal. O Relator majorou as penas-bases em razão das circunstâncias (pois efetivamente receberam os valores e dividiram entre si) e consequências do crime (exigiam dinheiro para acobertar fraudes, prejudicando consumidores).
O Relator fixou as penas-bases em 3 (três) anos.
Com efeito, segundo orientação do C. STJ, o aumento da pena em razão das circunstâncias judiciais deve levar em conta "o consagrado parâmetro de aumento de 1/8 (um oitavo) para cada circunstância desfavorável" (HC 325.306-RS - Rel. Min. Ribeiro Dantas, STJ).
Considerando a incidência da fração (1/8) sobre o intervalo da pena em abstrato do preceito secundário do crime de concussão (de 02 a 08 anos = intervalo de 06 anos), tem-se 09 meses para cada circunstância desfavorável, o que resulta, no caso concreto, na pena-base de 03 anos e 06 meses de reclusão, tendo em vista a presença de duas circunstâncias desfavoráveis.
Ao réu Djalma, o Relator aplicou a agravante do artigo 62, I, do CP, passando a pena dele para 04 anos e 01 mês nessa fase.
A pena definitiva de cada réu é a seguinte, portanto:
- Djalma: 04 anos e 01 mês de reclusão e 20 dias-multa, regime semi-aberto; incabível a substituição por restritivas de direitos;
- Juliana: 03 anos e 06 meses de reclusão e 16 dias-multa, regime aberto, substituída a pena por prestação pecuniária (um salário mínimo mensal pelo prazo da condenação em favor da União) e prestação de serviços à comunidade.
Dia-multa em 1/3 do salário mínimo.
Ante o exposto, acompanho o Relator para rejeitar as preliminares arguidas pelos réus e nego provimento às suas apelações; e dou parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal, em maior extensão, para majorar pena-base dos réus e reconhecer a agravante do artigo 62, I, do CP ao corréu Djalma, fazendo as alterações correspondentes na dosimetria, bem como para majorar o valor de cada dia-multa para 1/3 (um terço) do salário mínimo e alterar a pena substitutiva de limitação de fim de semana para prestação pecuniária.
Em relação à ré Juliana, deixo de determinar a expedição de guia de execução ante o posicionamento firmado pelo C. STJ no bojo do EREsp 1619087/SC, Terceira Seção, julgado em 14/06/2017, em que se fixou entendimento de que nas hipóteses de condenação à pena restritiva de direitos, a expedição da competente guia de execução somente é possível após o trânsito em julgado, em consonância com disposição do artigo 147 da LEP.
Em relação ao réu Djalma, após verificado o esgotamento da instância ordinária, oficie-se à Vara de origem para que dê início à execução da pena de acordo com o entendimento do STF no HC nº 126.292 e nas ADCs 43 e 44.
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RELATÓRIO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (Relator):
O Ministério Público Federal denunciou DJALMA FERREIRA e JULIANA TRANCHO MEIRA, qualificados nos autos, nascidos aos 04/12/1952 e 21/12/1972, respectivamente, como incursos nas penas do artigo 316, c.c. o artigo 29, ambos do Código Penal. Consta da denúncia:
A denúncia foi recebida em 05/10/2005 (fl. 123) e, após processamento, foi proferida sentença pelo MM. Juiz Federal Roberto Lemos dos Santos Filho (fls. 792/815), publicada em 24/10/2012 (fls. 816), que julgou procedente a denúncia para condenar DJMALMA FERREIRA e JULIANA TRANCHO MEIRA como incursos nas penas do artigo 316 do Código Penal, cada um à pena de 02 anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicial aberto, e ao pagamento de 10 dias-multa, cada um no valor de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana, cujos critérios serão estabelecidos pelo Juízo das Execuções.
Apela o Ministério Público Federal postulando, em síntese, o aumento da pena-base, dos dias-multa e do valor destes; a aplicação da agravante genérica do artigo 62, I, do CP para Djalma; a substituição da pena privativa de liberdade por prestação pecuniária em vez de limitação de fim de semana (fls. 818/826).
A defesa de JULIANA opôs embargos de declaração suscitando a omissão e contradição no julgado (fls. 843/848), tendo o magistrado a quo os rejeitado às fls. 850/854.
Contrarrazões de JULIANA e DJALMA às fls. 856/864 e 866/870.
Apela o réu DJALMA ,às fls. 884/891, postulando sua absolvição por ausência de crime, uma vez que o flagrante foi preparado, invocando a Sumula 145 do E.STF. No mérito, alega que o frigorífico apresentava irregularidades; que o acusado recusou diversos "presentes" da empresa; que foi vítima de uma "armação" por não ter colaborado com o estabelecimento; que não restou provado nos autos que recebeu propina ou que estava em conluio com qualquer pessoa; questiona a idoneidade do Sr. Luiz Eugenio, pois "além de imputar conduta criminosa injustamente e ardilosamente contra o APELANTE, sumiu e deixou o frigorifico cheio de dívidas".
Contrarrazões do Ministério Público Federal às fls. 893/895 pelo desprovimento do recurso de Djalma.
A ré JULIANA interpôs recurso de apelação à fl. 881, cujas razões foram apresentadas nos termos do artigo 600, §4º, do CPP (fls. 903/966). Sustenta a defesa, em suma:
a) nulidade de todo o vídeo e áudio constante dos autos, pois a degravação não foi completa e por não ter sido assegurado o direito ao silêncio à acusada, devendo o interrogatório na fase policial ser considerado como prova ilícita e desentranhado dos autos;
b) violação da garantia do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, por ter tido acesso parcial da degravação e somente na fase das alegações finais sido concedido a vista integral do vídeo;
c) nulidade da degravação feita por agente policial federal e não por perito oficial;
d) nulidade por cerceamento de defesa, em razão do indeferimento do reinterrogatório, nos termos do artigo 400 do CPP, na redação dada pela Lei 11.719/2008, inclusive porque a defesa somente teve acesso aos áudios e vídeos na fase da apresentação das alegações finais;
e) nulidade por cerceamento de defesa, em razão do indeferimento da oitiva da testemunha de defesa, alegando que não houve desistência nem desinteresse na produção da prova, causando prejuízo à defesa, pois a testemunha iria "demonstrar a retidão de sua conduta profissional ao fiscalizar o abatedouro", "bem como esclarecer como funcionava denominada 'ajuda de custo', como ela era cobrada e no que consistia, que é o cerne da acusação".
f) no mérito, sustenta a atipicidade da conduta, pois a acusada tinha "valores devidos e em atraso que deveriam ser pagos pelo abatedouro, jamais tendo exigido vantagem indevida qualquer", sendo a acusada medica veterinária encarregada pela fiscalização do abatedouro, nomeada pelo Ministério da Agricultura, mas contratada e remunerada pelo próprio fiscalizado, e os valores recebidos a título de ajuda de custo eram previsto no contrato de prestação de serviço, regido pela CLT, diferente do corréu Djalma, que era remunerado pelo Ministério da Agricultura; a remuneração de 08 salários mínimos é compatível om os valores mencionados no flagrante;
g) ausência de provas nos autos de que a alegada intensificação da fiscalização em caso de não recebimento dos valores atrasados referia-se à acusada Juliana, não tendo a acusada sido conivente com a cobrança feita por Djalma;
h) ocorrência de crime impossível, por ter sido o flagrante preparado por Luiz Eugenio Mantoni, nos termos do artigo 17 do CP e Súmula 145 do E.STF.
A Procuradoria Regional da República, em manifestação do Dr. Elton Venturi, apresentou contrarrazões e parecer às fls. 968/978, opinando pelo provimento do recurso da Acusação e pelo desprovimento dos recursos das Defesas.
A fim de se evitar qualquer ocorrência de nulidade, ante a ausência de contrarrazões, foi determinada baixa dos autos para que o órgão ministerial oficiante no primeiro grau de jurisdição apresentasse as contrarrazões ao recurso da defesa de Juliana (fls. 980/981).
O Ministério Público Federal oficiante em primeira instância apresentou contrarrazões ao recurso de apelação às fls. 1001/1006 requerendo o desprovimento do recurso da defesa de Juliana.
A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra da Dra. Maria Luisa Rodrigues de Lima Carvalho, reiterou o parecer de fls. 968/978 e se manifestou pelo desprovimento dos recursos de apelação das defesas e pelo provimento do recurso da acusação, para majorar a pena-base, bem como a quantidade de dias-multa e seu valor, de ambos os réus; aplicar a agravante do artigo 62, I, do CP a Djalma; substituir a pena restritiva de direitos consistente em limitação de fim de semana por pena pecuniária, com relação a ambos os réus, mantendo-se, no mais, a sentença condenatória (fls. 1012).
É o relatório.
Ao MM. Revisor.
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VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (Relator):
DJALMA FERREIRA e JULIANA TRANCHO MEIRA foram denunciados e condenados como incursos nas penas do artigo 316 do Código Penal, por terem, na qualidade de funcionários do SIF - Serviço de Inspeção Federal, exigido para si a quantia de R$ 2.500,00 para não autuarem o frigorífico de frangos de Avaré, bem como por terem, efetivamente recebido o montante de R$ 500,00.
Apelam os réus suscitando preliminares de nulidade e no mérito absolvição por atipicidade.
Apela o MPF buscando a majoração das pena-base aplicadas aos réus, reconhecimento da agravante do artigo 62, I, do CP ao réu Djalma e a substituição da limitação de fim de semana por pena pecuniária.
Passo à análise das preliminares.
Da preliminar ocorrência de crime impossível, por ter sido o flagrante supostamente preparado.
Aduz a defesa dos acusados que foi a suposta vítima Luiz Eugenio quem tomou a iniciativa de oferecer dinheiro e ficou "insistindo em dar o dinheiro, que exibia o tempo todo, induzindo e provocando DJALMA a pegar o numerário", o que torna o crime impossível, nos termos do artigo 17 do CP e Súmula 145 do STF.
Não assiste razão à defesa dos réus.
Como pontuou a acusação em suas contrarrazões, não houve qualquer indução ou provocação inicial por parte dos policiais ou da vítima:
Destarte, o crime de concussão de consumou com a mera exigência por parte dos réus da vantagem indevida, antes mesmo da gravação do vídeo.
Ademais, depreende-se da gravação audiovisual que o Djalma e Juliana já estavam esperando o pagamento da alegada "ajuda de custo" e que os acusados queriam receber os valores em espécie, não em cheque.
Note-se, portanto, que não houve instigação pela vítima ou pelos policiais para a prática do ilícito por parte de DJALMA e JULIANA, pois eles já o haviam cometido quando da exigência dos valores, sendo a entrega do numerário mero exaurimento do crime do artigo 316 do CP, não havendo, portanto, em se falar de flagrante preparado.
Irretorquíveis os apontamentos da Procuradoria Regional da República (fl. 969v/971v.):
Nesta linha, precedentes do E. TRF1 e dessa Corte:
Da nulidade do interrogatório policial por não ter sido o direito ao silêncio assegurado à acusada Juliana, devendo ser considerado como prova ilícita e desentranhado dos autos.
A preliminar é de ser rejeitada.
Depreende-se do auto de prisão em flagrante que, antes de serem formalmente interrogados, aos acusados tomaram ciência dos direitos constitucionais (fl. 17):
A circunstância dos corréus, no momento da detenção, terem sido arguidos acerca dos fatos pelos agentes federais, o que ordinariamente acontece, não consubstancia nulidade, uma vez que perante a Autoridade Policial, que lavrou formalmente o auto de prisão em flagrante, foram, como vistos, respeitadas todas as formalidades legais, inclusive a garantia ao silêncio.
A jurisprudência do STJ tem a compreensão de que não se vislumbra nulidade se o suspeito é perquirido por policiais no momento da prisão em flagrante sem que lhe seja, naquela oportunidade, informado seu direito ao silêncio, o que somente se verificará no auto de prisão em flagrante. Nesse sentido, julgado que colaciono, mencionado pelo MPF em sede de contrarrazões recursais (fls. 1002/1003):
De qualquer sorte, a ré JULIANA não forneceu versões distintas no momento da prisão em flagrante e no interrogatório formal: pelo contrário, as explicações sobre os fatos são semelhantes, não se divisando, pois, prejuízo que pudesse levar a alguma eiva processual (art. 563 do CPP).
Dessa forma, descabida a alegação de que não foi comunicado o direito ao silêncio à acusada Juliana, tendo seu interrogatório na fase policial sido regularmente colhido.
Da violação da garantia do devido processo legal, do contraditório e ampla defesa, por terem os defensores tido acesso às transcrições parciais no curso do processo, sendo deferido o acesso ao vídeo e áudio somente fase da apresentação das alegações finais.
De igual forma, a preliminar é de ser rejeitada.
Compulsando os autos, verifico que a defesa de Juliana, na audiência de oitiva das testemunhas de acusação, pleiteou a cópia das gravações de áudio e vídeo objeto do processo, tendo o juízo determinado o aguardo do retorno das cartas precatórias expedidas (fls. 357/358).
No curso da instrução, requereu novamente (fls. 637/638), tendo o juízo a quo indeferido o pedido formulado, pois formulado por estagiário de direito, determinando a abertura de prazo para requerimento de diligências complementares, conforme decisão abaixo (fl. 640):
O pedido de extração de cópia da mídia foi novamente requerido à fls. 650/651, 685/686 e 689/690, o que foi deferido às fls. 728, juntando-se aos autos às fls. 735.
Como se observa, não há que se falar em cerceamento de defesa, pois os defensores tiveram acesso à mídia antes da prolação da sentença, no momento das finais alegações, oportunidade culminante da atividade da defesa, onde a prova pode ser examinada com toda a acuidade, permitindo a elaboração das teses defensivas, o que se evidenciou em tela. Não restou comprovado a contento que se o contraditório tivesse de dado em oportunidade diversa, poderia ter a Defesa produzido ou seguido nova linha probatória, o que torna impossível o reconhecimento de vício a macular o processo.
Ademais, o conteúdo da mídia já era de conhecimento da defesa, tendo a ré assistido ao vídeo quando de seu interrogatório na fase policial, constando ainda a transcrição do diálogo às fls. 76/94 dos autos, que se coaduna com o vídeo constante nos DVDs de fl. 735.
É de se destacar ainda que, conforme mencionado na sentença apelada, "os elementos de prova analisados, independente da impugnada prova obtida via registro audiovisual, é suficiente ao alcance da conclusão da procedência da denuncia, dado que comprovado que os réus efetivamente praticaram a ação descrita na inicial, que se aperfeiçoa ao tipo do art. 316 do Código Penal" (fl. 812).
Da preliminar de nulidade das transcrições do diálogo ao argumento que não foram efetuadas por peritos.
Rejeito a preliminar, dada a desnecessidade de as transcrições dos diálogos captados serem realizadas por peritos judiciais, diante da não determinação legal para a transcrição por perito oficial.
O Colendo Superior Tribunal de Justiça já se manifestou a respeito, no mesmo sentido ora esposado, em caso de interceptação telefônica, o que pode ser aplicado no caso em tela, em que há, em verdade, gravação ambiental a comprovar a ocorrência de concussão:
Quanto à alegação de necessidade de transcrição integral de todos os diálogos captados, a orientação pretoriana é no sentido de ser despicienda seja realizada a transcrição integral de todas as gravações, como se observa do seguinte julgado do E. STJ, também aplicável mutatis mutantis:
Em verdade, afigura-se despicienda a transcrição de todos os diálogos, ou perícia integral no material (que não foi requerida), já que houve a transcrição suficiente, nos autos, de excertos para embasamento do oferecimento da denúncia, estando juntados esses nos autos desde os primórdios da investigação criminal. Diga-se que degravações integrais muitas vezes são inconvenientes ou desnecessárias, porque muitos trechos da gravação não dizem obviamente respeito ao apuratório, não tendo a Defesa in casu apontado com clareza em que pontos as transcrições levam a uma falta de compreensão dos fatos, não bastando para tanto alegações genéricas ou assertivas de que o agente policial e a vítima teriam se retirado do recinto para que os réus "falassem coisas importantes" para a investigação, sem declinar quais seriam esses diálogos e qual a relevância dessa conversa para o deslinde da causa.
Rejeito a preliminar de nulidade arguida pela Defesa de Juliana, por violação ao artigo 400 do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei nº 11.719/2008, ao argumento de não ter sido o interrogatório do réu realizado após a oitiva das testemunhas.
Primeiramente, destaco que a Lei nº 11.719/2008, publicada no DOU de 23.06.2008, tinha previsão para entrada em vigor sessenta dias após sua publicação. Assim, sua vigência teve início em 22.08.2008.
Em matéria processual, aplica-se o princípio tempus regit actum. A nova lei aplica-se imediatamente, inclusive aos processos em curso, mantida a validade dos atos processuais praticados em conformidade com a legislação anterior. Deveras, o art. 2º do CPP, em sua parte final, ressalta que os atos praticados de forma diversa na vigência da lei anterior são válidos, vale dizer, não necessitam ser repetidos de acordo com as novas disposições legais.
No caso concreto, o interrogatório foi realizado em 20/02/2006 (fls. 296/298), anteriormente à vigência da Lei nº 11.719/2008, sendo absolutamente regular porquanto realizado de acordo com o rito processual então vigente.
Nesse sentido, aponto precedentes do Superior Tribunal de Justiça e desta Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região:
Da nulidade por cerceamento de defesa em razão do indeferimento da oitiva da testemunha de defesa, alegando que não houve desistência nem desinteresse na produção da prova, causando prejuízo à defesa, uma vez que a testemunha de defesa José Carlos Zancheta iria "demonstrar a retidão de sua conduta profissional ao fiscalizar o abatedouro", "bem como esclarecer como funcionava denominada 'ajuda de custo', como ela era cobrada e no que consistia, que é o cerne da acusação".
O magistrado a quo rejeitou a alegação de nulidade, sob o seguinte fundamento:
Com razão o Juízo singular ao apontar para o intuito protelatório da Defesa da ré JULIANA. Como se verifica dos autos, primeiramente a defesa arrolou como testemunha o Sr. José Carlos Zancheta e indicou como seu endereço a Rua Joana Fabri Thomé, 466, Santa Claudina, Vinhedo/SP, consoante petição de fls. 285/286.
Para a oitiva da testemunha, expediu-se a Carta Precatória nº 122/2009 (fls. 485 e 499/509), que voltou sem cumprimento, diante da não localização da testemunha, tendo o Sr. Oficial de Justiça certificado que o proprietário da empresa afirmou que a testemunha poderá ser encontrada na matriz da mesma, localizada no município de Boituva (fls. 503 verso).
Assim, a defesa indicou novo endereço, na Rodovia Camilo Príncipe Morais, km 83, Agua Rasa, no município de Bofete/SP (fls. 495/496) e foi expedida a Carta Precatória nº 044/2009 (fl. 571 e 577/590), que retornou negativa, diante da não localização da testemunha, novamente tendo o Sr. Oficial de Justiça certificado que o endereço é de uma empresa da testemunha indicada, que por ali comparece esporadicamente (fls. 585verso).
Ato subsequente, o Juízo a quo determinou preclusa a prova, ao fundamento que "o réu e seus defensores não compareceram à audiência designada para inquirição da referida testemunha (fl. 586), demonstrado claro desinteresse em acompanhar a possível inquirição. Desse modo, não cabe outra oportunidade para a indicação de novo endereço ou substituição da testemunha, restando preclusa a prova" (fls. 610).
Referida decisão foi publicada no Diário Eletrônico da Justiça Federal no dia 13/12/0010, considerando-se a data da publicação o primeiro dia útil subsequente (fl. 611).
No dia 12/01/2011, a defesa de Juliana manifesta que a oitiva da testemunha José Carlos Zancheta é fundamental à sua defesa, que o endereço indicado está correto e que somente não compareceram em audiência, pois já haviam confirmado em cartório que o oficial de justiça não havia intimado a testemunha por estar viajando, embora o endereço estivesse correto. Aduz que "solicitaram, assim, que a peticionaria comparecesse, mas que não havia necessidade de seus advogados viajarem ao interior, com custos absolutamente desnecessários, para um ato que, de antemão, já tinha ciência que não se realizaria. Jamais houve, portanto, 'claro desinteresse'; tanto assim, inclusive, que a acusada JULIANA lá compareceu", postulando-se a assim, a reconsideração da decisão de fl. 610, item 022, a fim de que seja expedida nova carta precatória para a oitiva da testemunha fls. 617/618).
Por decisão de fls. 633, o magistrado a quo rejeitou o pedido, por considerar meramente protelatório, intempestivo e por não ter sido demonstrada a indispensabilidade da prova:
A defesa reitera às fls. 642/646 que a oitiva da testemunha é fundamental para a defesa da acusada, informando que a ré "esteve pessoalmente em Porangaba, demonstrando todo interesse em ouvi-la, inclusive com a nomeação de defensor ad hoc que não desistiu da oitiva da testemunha"; que tentou protocolar a petição no recesso forense, não tendo conseguido diante da suspensão dos prazos, que perdurou ate do dia 07/01/2011, protocolizando no dia 12/01/2011, diretamente no fórum de Bauru, sendo o pedido novamente rejeitado (fls. 684):
De início, verifico do termo de audiência, que ao contrário do alegado pela defesa, a acusada ali não compareceu pessoalmente, mas somente o representante do MPF e os defensores nomeados para o ato, à vista da ausência dos defensores constituídos.
Constato ainda a intempestividade da manifestação da defesa. A decisão que declarou a preclusão da prova testemunhal foi disponibilizada no Diário Eletrônico da Justiça Federal da 3ª Região no dia 13/12/2010, considerando-se como data da publicação o dia 14/12/2010 (quarta-feira), consoante certidão de fls. 611, de modo que o prazo para manifestação iniciou-se em 15/12/2010 (quinta-feira) e encerrou-se no dia 20/12/2010 (segunda-feira). Tendo em vista que prazo processual penal transcorre normalmente, sem interrupções, durante o recesso forense (de 20/12/2010 a 06/01/2011), em observância à continuidade dos prazos estabelecida no art. 798, caput, do Código de Processo Penal, e o término do prazo é prorrogado até o dia útil imediato ao feriado, o prazo para manifestação expirou em 07/01/2011 (sexta-feira). A manifestação da defesa foi protocolada no dia 12/01/2011 (quarta-feira), portanto, fora do prazo legal.
O Juízo a quo procedeu adequadamente, pois seria desarrazoado prolongar-se o andamento do processo à procura de testemunha que comparece esporadicamente no endereço indicado. Nesse sentido:
Não se pode olvidar, de outro vértice, que o julgador é o destinatário das provas, tendo o poder-dever de indeferir aquelas consideradas inúteis e procrastinatórias (art. 400, §1º do CPP), em consonância com o princípio do livre convencimento motivado, de modo a prestar a tutela jurisdicional com a eficácia e celeridade (art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal).
Quanto à alegação de que a testemunha poderia "demonstrar a retidão de sua conduta profissional ao fiscalizar o abatedouro", "bem como esclarecer como funcionava denominada 'ajuda de custo', como ela era cobrada e no que consistia, que é o cerne da acusação", verifico que Jose Carlos Zanheta não era o empregador da acusada à época dos fatos, tendo prestado declaração escrita datada de 29/10/2005 de que "no período de setembro a dezembro de 2001, a Dra. Juliana Trancho Meira, medica veterinária, CRMV-SP 11.536, representando o Serviço de Inspeção Federal do Ministério da Agricultura, trabalhou na inspeção do frigorifico sob registro 2727, de propriedade de Jasco Alimentos Ltda. o qual a ZANCHETA ALIMENTOS LTDA era arrendatária e operava as instalação com abates de frangos. No período que esteve trabalhando junto a nossa empresa não teve nenhuma conduta indevida que a desabonasse" (fl. 498). Dessa forma, eventual ajuda de custo porventura devida por uma empresa, pode não se aplicar da mesma forma à outra empresa que a acusada estava subordinada à época dos fatos.
Rejeitadas as preliminares, passo à análise do mérito recursal.
Apenas relembrando, o acusado Djalma, na qualidade de agente de inspeção sanitária do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) foi designado para proceder à fiscalização da empresa frigorífica ROSCAN Ltda., posteriormente sendo denominado "IJC Abatedouro Ltda". Na época, devido à falta de funcionários, era permitido que as empresas contratassem e colocassem pessoal qualificado à Disposição do Ministério citado e, após, seleção, foi a acusada Juliana escolhida para fiscalização do estabelecimento, ficando subordinada ao Ministério da Agricultura. Djalma recebia seu pagamento do Ministério da Agricultura, enquanto a ré recebia seu salário da empresa.
A vítima mediata Luis Eugênio administrava o estabelecimento, estando negociando seu arrendamento, incluindo o pagamento de dívidas. Os réus trabalhavam diariamente na empresa, sendo certo que Luis acabou procurando a Polícia Federal porque esses funcionários estavam exigindo dele uma "ajuda de custo" mensal e para fazerem "vista grossa" na fiscalização. Por essa razão, agentes federais, com a concordância de Luis, colocaram uma microcâmera nas vestes da vitima, para que fossem captados os diálogos em um encontro entre eles nas dependências do frigorífico.
A defesa de Djalma narra que o frigorífico apresentava diversas irregularidades; que o acusado recusou "presentes como DVD, TV e Rádio", sendo que na sede do SIF sequer havia equipamentos mínimos exigidos, como telefone, computador conectado a internet e máquina de escrever; que foi vítima de uma "armação" por não ter aceitado a proposta de colaboração do proprietário do frigorífico; que não restou provado nos autos que recebeu propina ou que estava em conluio com qualquer pessoa; questiona, por fim, a índole de Luiz Eugenio, pois "além de imputar conduta criminosa injustamente e ardilosamente contra o APELANTE, sumiu e deixou o frigorifico cheio de dívidas".
Não procedem as alegações.
Inicialmente, registro que eventual irregularidade na atividade do frigorífico ou ainda o oferecimento dos mencionados "presentes como DVD, TV e Rádio" não fazem parte do objeto da ação penal, nem justificam as condutas criminosas do funcionário do SIF - Serviço de Inspeção Federal do Ministério da Agricultura, o corréu DJALMA FERREIRA, e da médica veterinária que prestava serviços ao SIF, a corré JULIANA TRANCHO MEIRA.
De igual forma, a índole da vítima Luiz Eugenio Mantoni também não faz parte do objeto da ação penal, sendo certo que os fatos por ela narrados foram demonstrados por meio das gravações, documentos e depoimentos das demais testemunhas; a vítima explicou o motivo de sua saída da cidade de Avaré, temendo por sua integridade física e de sua família, inclusive porque depois da prisão dos réus o estabelecimento da empresa foi efetivamente invadido.
Destarte, restou comprovado nos autos que os acusados DJALMA, agente de inspeção sanitária e JULIANA, médica veterinária contratada pelo frigorífico, mas colocada à disposição do Ministério da Agricultura, exigiram o pagamento mensal de R$ 2.500,00, supostamente a título de ajuda de custo, a fim de, além de terem custeadas despesas do trabalho, omitissem atos de ofício, consistente em impor as devidas sanções ou realizar providências diante das irregularidades cometidas pelo frigorífico. O valor arrecadado pelos réus era dividido pela metade.
A materialidade e autoria do delito estão demonstradas pelos depoimentos das testemunhas de fls. 359/365 e 465/470, e também pelo auto de apreensão (fls. 20), atestando que as cédulas marcadas pela polícia federal (fotografias às fls. 46/54), estavam na posse dos increpados logo após ser proferida ameaça ou promessa de malefícios à vítima.
Observa-se do diálogo travado entre os acusados e a vítima que houve sim a efetiva exigência dos valores para que a empresa não fosse devidamente fiscalizada, exigindo-se ainda os valores devidos pela administração anterior do frigorifico.
No diálogo gravado dia 12/08/2005 (fls. 77/81), o réu Djalma explica para Luiz Eugenio que o valor devido era de R$ 5.000,00, contando o atrasado; que não era para comentar com seu chefe Marcilio; e que não queria receber esse valor em cheque:
Do diálogo do dia 15/08/2005 (fls. 82/84), verifica-se que Djalma e Juliana exigem o dinheiro referente ao transporte de ambos, à hospedagem de Juliana, e também a "ajuda de custo" para encobrir as irregularidades do frigorífico; Juliana ainda exige que sua parte na ajuda de custo seja em dinheiro, como a de Djalma:
Destarte, do diálogo acima, não se vislumbra a mencionada "armação", tendo os acusados confirmado, nas fases policial e judicial o recebimento dos valores a titulo de "ajuda de custo" de Luiz Eugenio, sustentando que essa ajuda de custo é devida e encontra respaldo legal, no artigo 102 do Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal, afirmando ainda que não prestavam contas desses gastos e não emitiam os respectivos recibos.
Com efeito, DJALMA confirmou na fase policial ter recebido o valor de R$ 500,00 de Luiz Eugenio, que esse valor referia-se a ajuda de custo, destinado ao pagamento de transporte, aluguel e combustível e que essa prática é permitida por sua chefia:
Em juízo, o acusado DJALMA negou a prática de extorsão, alegando que Luiz Eugenio fez a denúncia contra ele por retaliação, por não ter permitido que Luiz Eugênio colocasse gelo e água no frango:
A testemunha de acusação Milton Pontes Ribeiro, Agente da Polícia Federal que efetuou a prisão em flagrante, afirmou, em Juízo, que os réus confirmaram ter recebido valores de Luis Eugenio, que seria para custeio de transporte e estadia, estando acobertados pela lei; asseverou ainda que o réu Djalma disse que sem o recebimento do pagamento exigido não iria permitir que a empresa trabalhasse irregularmente e que ele não permaneceria sem receber nada, tendo repassado metade do numerário ali recebido para a ré Juliana:
No mesmo sentido, foi o depoimento da testemunha de acusação Aldrin Fontana, papiloscopista da policia federal (fls. 365/369), em sede judicial.
No entanto, conforme ofício do chefe do POINS DE BAURU, Celso Fernandes Joaquim, "jamais existiu" a cobrança de "ajuda de custo" baseado no artigo 102 do Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal - RIISPOA (Decreto n . 30.691, de 29/03/1952) (cfr. fl. 57):
Destarte, verifica-se do Oficio n° 29/91 da Coordenação Geral de Inspeção de Produtos de Origem Animal - CIPOA- que desde o ano de 1991 havia a orientação de que a cobrança de ajuda de custo para a alimentação e moradia é indevida (fls. 59/60):
Ao ser ouvido como testemunha de acusação, Celso Fernandes Joaquim contou ter respondido às indagações da autoridade policial sobre o recebimento de valores pelos réus, esclarecendo ainda acerca da proibição de recebimento de ajuda de custo:
Quanto ao ponto, registro que Djalma afirmou trabalhar para o frigorífico de Avaré há cerca de dois anos (desde 2003, fls. 26) e Juliana disse trabalhar no local há 03 anos (desde 2002), ou seja, considerada a proibição do recebimento de "ajuda de custo" desde o ano de 1991, esta nunca foi devida pelo frigorifico, tratando-se de mera roupagem para as exigências de valores indevidos do estabelecimento.
O acusado Djalma insiste em afirmar que recebimento de "ajuda de custo" é legal e que o chefe da Unidade Regional Agrícola do Ministério da Agricultura em Sorocaba, o Sr. Marcilio Henrique Augustos, tinha conhecimento desse fato.
No entanto, ao ser ouvido em juízo como testemunha de acusação, Marcilio afirmou que a empresa poderia fornecer almoço e transporte, mas não poderia oferecer dinheiro:
No mesmo sentido,, sob o crivo do contraditório, foi o depoimento de Mario Roberto do Nascimento, chefe do serviço de inspeção do Estado de São Paulo, acerca da impossibilidade de o fiscal solicitar qualquer forma de ajuda de custo à empresa fiscalizada:
Conforme bem mencionado pelo Ministério Público Federal às fls. 694, "não obstante o regime jurídico de DJALMA e JULIANA serem diversos, a ilegalidade em solicitar ou exigir dinheiro da empresa fiscalizada é igual para ambos! Se havia autorização para auxilio com moradia, transporte e alimentação a DJALMA (autorizada pelo chefe Marcilio - fls. 388/390) e JULIANA (condição "1" do contrato de prestação de serviços de fls. 164/166), estes não deveriam ser na forma de dinheiro em espécie, mas sim por meio de fornecimento de residência, alimentação ou transporte (ofício n. 29/91 - parágrafos 6º, 7º e 8º e sua interpretação nos parágrafos seguintes - fls. 59/60; e declarações de fls. 370/374)."
Cumpre registrar ainda que Luiz Eugenio Mantoni esclareceu que os dois acusados exigiam também o pagamento da "ajuda de custo" referente aos meses anteriores:
Em juízo, ouvido como testemunha de acusação, Luiz Eugenio confirmou ter feito a denúncia à Polícia Federal e que tinha dívidas atrasadas que estavam sendo exigidas por Juliana e Djalma (fls. 465/470), reiterando, em linhas gerais , aquilo que havia dito em sede extrajudicial.
Por sua vez, a defesa de JULIANA sustenta a atipicidade da conduta, pois a acusada tinha "valores devidos e em atraso que deveriam ser pagos pelo abatedouro, jamais tendo exigido vantagem indevida qualquer", sendo ela médica veterinária encarregada pela fiscalização do estabelecimento, nomeada pelo Ministério da Agricultura, mas contratada e remunerada pelo próprio fiscalizado, e os valores recebidos a titulo de ajuda de custo, previsto no contrato de prestação de serviço regido pela CLT, diferente do corréu Djalma, que era remunerado pelo Ministério da Agricultura. Aduz que a remuneração de oito salários mínimos é compatível com os valores mencionados no flagrante. Alega ausência de provas de que a alegada intensificação da fiscalização em caso do não recebimento dos valores atrasados referia-se à acusada Juliana, não tendo a acusada sido conivente com a cobrança feita por Djalma.
Não procedem as alegações da defesa.
JULIANA afirmou na fase policial que era empregada do frigorifico, recebendo salário e ajuda de custo da empresa, mas os últimos meses estavam em atraso. Disse que a ajuda de custo seria para custear despesas de transporte, moradia e alimentação, recebendo esse valor em dinheiro ou cheque e que seu chefe sabia da cobrança dessa ajuda de custo, mas não prestava contas desses valores para sua chefia ou para a empresa:
Em juízo, JULIANA confirmou que prestava serviço ao SIF, mas era remunerada pela empresa, que também arcava com ajuda de custo, que tem fundamento no artigo 102 do citado Regulamento, alegando ainda que tinha a receber salário e ajuda de custos atrasados. Disse ter ficado surpresa quando Djalma exigiu R$ 2.500,00 e que não teve tempo de argumentar, pois os policiais logo chegaram para prendê-los:
Não obstante a acusada JULIANA afirmar que tinha valores em atraso a receber, depreende-se dos autos que a acusada não exigia apenas o pagamento da ajuda de custo e das verbas salariais atrasadas, mas também exigia valores, juntamente com o acusado Djalma, para que a empresa não fosse autuada por conta de irregularidades do frigorifico, tal como a inserção de água e gelo na mercadoria por eles produzida, sendo esse valor espúrio dividido entre os acusados.
Destarte, depreende-se do diálogo travado no dia 15/08/2005, que Djalma efetivamente solicitou de Luiz Eugenio o valor de R$ 2.500,00 para deixar de fiscalizar a empresa corretamente, sendo que Juliana estava presente na mesma sala e participou dessa conversa, conforme se observa da mídia de fl. 735, DVD-2:
Quanto à cobrança desse valor, a acusada afirmou em juízo que "eu fiquei surpresa quando Djalma mencionou os R$ 2.500,00, pois foi a primeira vez que escutei essa conversa e não sei se ele costumava exigir essa importância indevidamente", e que "quando o Djalma mencionou os R$ 2.500,00, eu não tomei nenhuma medida porque não houve tempo, pois os policiais chegaram poucos minutos depois. Se houvesse tempo, eu teria tomado providências". Contudo, a mídia é clara no sentido de que Juliana participou da cobrança desse valor, tendo ainda questionado ao final da conversa, sobre os valores atrasados, que seriam pagos numa quarta-feira.
Ademais, conforme mencionado na sentença apelada, não há como se concluir que os R$ 250,00 que estavam em poder da acusada referia-se a parte do pagamento de salário atrasado, pois sequer foi apresentado recibo.
Ainda que a acusada JULIANA tivesse celebrado contrato de prestação de serviços em que estivesse estipulado que receberia além do salario, uma ajuda de custo para pagamento de transporte e hospedagem, a imputação que recai sobre a acusada Juliana é a de estar exigindo, juntamente com Djalma, valores para que a empresa não fosse corretamente fiscalizada.
Consoante mencionado nas contrarrazões ministeriais de fls. 1005v, "a existência da vantagem indevida restou comprovada nas gravações transcritas às fls. 77/94. Além da intenção ilícita, ficou patente nas degravações a existência de um conluio seguro entre os réus, pois DJALMA sempre lembrava Luis Eugenio que era para ambos. JULIANA por sua vez, embora bem sucinta, consentia e/ou dava respostas afirmativas, demonstrando que compactuava com tudo o que ele estava exigindo. Como anteriormente afirmado, as poucas frases de JULIANA sempre foram no mesmo sentido de DJALMA".
Além de ter sido apreendido com a acusada metade do valor do numerário entregue por Luis Eugênio (antes fotografado pelos policiais federais), denotando seu enredamento na conduta típica, não apresentou a increpada recibos ou notas fiscais que comprovasse despesas a serem ressarcidas pelo frigorífico, como "ajuda de custo", ainda que previstas no seu contrato formalizado com o frigorífico. As parcas notas fiscais acostadas aos autos (fls. 655/656), relativas a abastecimento de combustível, diz respeito a valores pouco expressivos e sem comprovação a contento que abasteceria o veículo da ré JULIANA.
As provas coligidas, assim, deixam claro a prática do delito previsto no art. 316 do CPP, com o réu Djalma à frente das exigências e negociações para obtenção da vantagem ilícita em função de seu cargo, tanto que após o devido processo administrativo, foi demitido pelo Ministério da Agricultura , por infringir o disposto no art. 117, XII da Lei nª 8.112/90 (Ao servidor é proibido: XII - receber propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão de suas atribuições (fls. 308/334).
Embora o increpado, de alguma forma, promovesse ou coordenasse a ação delituosa de JULIANA, é suasório que essa também não era a veterinária inocente ou proba que nos quer fazer crer a sua defesa. A acusada, como visto, foi denunciada pela vítima como também participante das exigências ilícitas do frigorífico, atuando nas ações do corréu e das reuniões com Luis Eugênio, concordando com suas exigências, reclamando que sua parte da "ajuda de custo" deveria ser em dinheiro (como Djalma) e aceitando metade do valor ofertado por Luis naquela oportunidade (R$ 250,00), não apresentando à empresa empregadora notas fiscais ou recibos que demonstrassem a real necessidade do pagamento de alguma ajuda de custo.
Nesse contexto, apesar de manter relação de trabalho junto ao frigorífico, por ter aderido e participado conjuntamente com DJALMA das ações delitivas voltadas à concussão, sua responsabilidade encontra amparo no art. 30 do CP.
Assim, comprovada a tipicidade da conduta imputada aos réus, é de ser mantida a condenação pelo crime do artigo 316 do CP.
Da dosimetria da pena
A pena-base dos acusados foi fixada, para ambos, no mínimo legal, em 02 anos de reclusão, em regime inicial aberto, e o pagamento de 10 dias-multa, no valor unitário mínimo, que foi tornada definitiva, por não terem sido reconhecidas agravantes e atenuantes, nem causas de aumento ou de diminuição da pena.
A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana.
Da pena-base. Apela o Ministério Público Federal pretendendo a majoração da pena-base, ao argumento que não foram ponderadas na primeira fase os motivos e as circunstâncias do crime, considerada a odiosa corrupção em suas condutas; as consequências do crime, pois além de exigirem vantagem indevida para si, os réus acobertavam crime de fraude aos consumidores de frangos e, mesmo sendo o crime formal, efetivamente receberam valores indevidos; que a culpabilidade é acentuada, pois na qualidade de responsável do SIF, Djalma exigia do administrador do frigorifico valores para encobrir a fraude que ele mesmo deveria fiscalizar, e Juliana também estava investida da função de fiscalização.
Assiste razão em parte ao MPF.
Observo que o fato de a conduta dos acusados configurar "uma odiosa corrupção" e "que precisa ver na reprimenda uma forma de coerção", registro que a exigência da vantagem indevida faz parte da elementar do tipo penal, já sendo ponderado pelo legislador quando do estabelecimento do preceito secundário da pena.
Quanto à alegada culpabilidade acentuada, anoto que os acusados foram condenados por terem, na qualidade de funcionário do SIF e veterinária que prestava servido ao SIF, exigido vantagem indevida para si.
Nesse diapasão, entendo que o fato de Djalma ter exigido do administrador do frigorifico valores para encobrir a fraude que ele mesmo deveria fiscalizar, faz parte da elementar do tipo penal do artigo 316 do CP.
De igual forma, o fato de Juliana também estar investida da função de fiscalização também está atrelada à sua condição de prestadora de serviços ao SIF.
No entanto, a pena-base deve ser fixada acima do mínimo legal, tendo em conta as circunstâncias que envolveram a prática do fato e as consequências do crime.
Com efeito, as atitudes perpetradas pelos acusados merecem uma reprovação social maior que o mínimo legal estipulado. As circunstâncias em que o crime foi praticado ensejam um aumento na pena-base, uma vez que, além de exigirem a vantagem indevida, já caracterizando assim o crime de concussão, os acusados efetivamente receberam os valores da vitima e efetuaram a divisão do numerário entre si.
Verifico, igualmente, que a consequência de suas ações foi de intensa relevância, pois os acusados exigiam o recebimento de vantagem indevida para acobertar as fraudes da empresa por eles fiscalizada em detrimento aos consumidores de frangos.
Destarte, reputo adequado e suficiente fixar a pena-base de Juliana e de Djalma em 03 anos de reclusão, além do pagamento de 15 dias-multa.
Na segunda fase da dosimetria, não foram reconhecidas agravantes e atenuantes. O Ministério Público Federal requer seja aplicada a agravante do artigo 62, I, do Código Penal ao acusado DJALMA, ao argumento que depreende-se da degravação que ele "sempre esteve à frente das exigências indevidas, entabulando os diálogos com o administrador do frigorifico, que foram gravados pela microcâmera instalada nas vestes da vítima".
Assiste razão à acusação. Constata-se dos diálogos gravados nos dias 12 e 15 de agosto de 2005 que o acusado Djalma tinha papel de liderança sobre a acusada Juliana, pois era ele quem marcava encontros, negociava valores e fazia as ameaças à vítima, e Juliana acompanhava e anuia com a negociação e exigências, pelo que organizava e dirigia o delito
Assim, fixo a pena de Djalma em 03 anos e 06 meses de reclusão, além do pagamento de 17 dias-multa, que torno definitiva, à mingua de atenuantes e de causas de aumento e de diminuição da pena..
A pena de Juliana resulta definitiva em 03 anos de reclusão e o pagamento de 15 dias-multa, à mingua de agravantes e atenuantes e de causas de aumento e de diminuição da pena.
Do valor do dia-multa. O MM. Juiz "a quo" fixou cada dia-multa no mínimo legal, em 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, "por não haver nos autos proba de que ostentam situação financeira privilegiada".
O MPF pede ao aumento do valor de cada dia-multa, pois "os réus não são pessoas humildes e hipossuficientes financeiramente e possuíam salário razoável".
A aplicação da pena de multa enseja a imposição de um valor pecuniário de caráter penal bastante para a censura do comportamento praticado, sendo que, para a estipulação do valor da pena de multa, deve ser observada a situação do réu, conforme o artigo 60 Código Penal.
Assim, considerada profissão dos acusados e sua capacidade econômica, além do valor exigido mensalmente da empresa, redimensiono o valor de cada dia-multa para 1/3 (um terço) do salário mínimo, patamar que entendo razoável, considerando os limites mínimo e máximo legais (1/30 a 15 vezes o valor do salario mínimo vigente ao tempo dos fatos - artigos 49, §1º e 60, §1º, do CP).
Mantenho o regime inicial aberto para o início do cumprimento da pena, a teor do artigo 33, §2º, alínea "c" do CP, para evitar reformatio in pejus.
Da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. Não obstante a pena-base ter sido fixada acima do mínimo legal, mantenho a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, como reconhecido na sentença, à mingua de recurso da acusação quanto ao cabimento da pena alternativa. No entanto, merece reparo a pena substitutiva consistente na limitação de fim de semana, tal qual como requerido pelo Ministério Público Federal.
Entendo que a pena de prestação pecuniária é mais conveniente ao caso concreto, pois, por se fundar em valor econômico a ser suportado pelos réus, se mostra a alternativa mais adequada para atingir as finalidades preventiva e repressiva deste tipo de crime. Nesse sentido:
Destarte, a conduta delituosa praticada pelos acusados visava obter vantagem indevida, em prejuízo aos proprietários do frigorifico e consumidores indeterminados, de modo que as penas que lhe afetem o patrimônio devem ter prevalência sobre as demais penas restritivas de direitos.
Além do que, menos gravosa aos réus, na medida em que a limitação de fim de semana importa em segregação social.
Assim, cumpre alterar a pena substitutiva consistente na limitação de fim de semana pela pena de prestação pecuniária, que fixo em um salário mínimo, mensal, para cada réu, pelo mesmo prazo da condenação, que deve ser revertida em favor da entidade lesada com a ação criminosa, nos termos do artigo 45, §1° do Código Penal, no caso, a União Federal.
Por estas razões, rejeito as preliminares arguidas pelos réus e nego provimento às suas apelações; dou parcial provimento à apelação do Ministério Público Federal para majorar pena-base dos réus e reconhecer a agravante do artigo 62, I, do CP ao corréu Djalma, resultando na pena definitiva de 03 anos de reclusão e pagamento de 15 dias-multa para Juliana e 03 anos e 06 meses de reclusão e pagamento de 17 dias-multa para Djalma, bem como para majorar o valor de cada dia-multa para 1/3 (um terço) do salário mínimo e alterar a pena substitutiva de limitação de fim de semana para prestação pecuniária, na forma supra especificada; mantida, no mais, a sentença apelada.
Nos termos do entendimento recente do STF (HC 126.292; ADCs 43 e 44), expeça-se carta de guia para o início imediato de cumprimento das penas restritivas de direito.
É o voto.
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