Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 27/02/2018
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000249-65.2010.4.03.6115/SP
2010.61.15.000249-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : VANDERLI GILSON DE SOUSA
ADVOGADO : SP270141A CARLOS ALBERTO DE ARRUDA SILVEIRA e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00002496520104036115 2 Vr SAO CARLOS/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. ART. 183 DA LEI N. 9.472/97. ATIVIDADE CLANDESTINA DE TELECOMUNICAÇÃO. PRESCRIÇÃO. ALEGAÇÃO REJEITADA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. RADIODIFUSÃO. LEI N. 9.472/97. ART. 183. PENA PECUNIÁRIA NO VALOR DE R$ 10.000,00. INCONSTITUCIONALIDADE. CÓDIGO PENAL. APLICABILIDADE. APELAÇÃO CRIMINAL PARCIALMENTE PROVIDA.
1. Réu denunciado por prática do crime previsto no art. 183 da Lei n. 9.472/97, haja vista que mantinha em sua residência central clandestina de retransmissão de sinal de internet por equipamento de rádio, sem a devida autorização legal.
2. Ao acusado foi aplicada a pena de 2 (dois) anos de detenção. À míngua de recurso da acusação, é a pena a ser considerada para fins de verificação da prescrição (CP, art. 110, § 1º), e a que corresponde o prazo prescricional de 4 (quatro) anos (CP, art. 109, V), não verificado entre nenhum dos sucessivos marcos interruptivos da contagem prescricional.
3. Comprovadas a materialidade e a autoria do delito.
4. O Órgão Especial do TRF da 3ª Região, em Arguição de Inconstitucionalidade Criminal, declarou a inconstitucionalidade da expressão "R$ 10.000,00" contida no preceito secundário do art. 183 da Lei n. 9.472/97, por entender violado o princípio da individualização da pena, previsto no art. 5º, XLVI, da Constituição da República.
5. Afastada a pena pecuniária prevista no art. 183 da Lei n. 9.472/97, tem-se aplicado as disposições do Código Penal.
6. Apelação parcialmente provida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação criminal do réu Vanderli Gilson de Sousa para, reconhecida a inconstitucionalidade da expressão "R$ 10.000,00" contida no preceito secundário do art. 183 da Lei n. 9.472/97, substituir a pena de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo, conforme os arts. 49 e 60 do Código Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 19 de fevereiro de 2018.
Andre Nekatschalow
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000249-65.2010.4.03.6115/SP
2010.61.15.000249-5/SP
RELATOR : Desembargador Federal ANDRÉ NEKATSCHALOW
APELANTE : VANDERLI GILSON DE SOUSA
ADVOGADO : SP270141A CARLOS ALBERTO DE ARRUDA SILVEIRA e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00002496520104036115 2 Vr SAO CARLOS/SP

RELATÓRIO

Trata-se de apelação criminal interposta pelo réu Vanderli Gilson de Sousa contra a sentença que o condenou às penas de 2 (dois) anos de detenção, regime aberto, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais), por prática do crime previsto no art. 183 da Lei n. 9.472/97, substituída a pena privativa de liberdade por 2 (duas) penas restritivas de direitos consistentes em proibição de ausentar-se da cidade onde domiciliado, pelo tempo da condenação, e pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/3 (um terço) do salário mínimo (fls. 322/324v.).

Aduz o seguinte:

a) está prescrita a pretensão punitiva com base na pena aplicada;

b) a exigência de autorização estatal para a exploração de serviço de radiofrequência teve início a partir do Decreto n. 7.776/12, que não se aplica a fato anterior;

c) o acusado não possui recursos para pagar a multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais), que requer seja substituída por outras penas restritivas de direitos (fls. 330/334).

O Ministério Público Federal apresentou contrarrazões (fls. 343/345).

A Ilustre Procuradora Regional da República, Dra. Rosane Cima Campiotto, manifestou-se pelo parcial provimento da apelação criminal, para que a pena de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais) seja substituída por pena de multa fixada conforme os arts. 40 e 60 do Código Penal (fls. 349/352).

Dispensada a revisão, nos termos regimentais.

É o relatório.


VOTO

Imputação. Vanderli Gilson de Sousa foi denunciado por prática do crime previsto no art. 183 da Lei n. 9.472/97 por ter desenvolvido, até 11.12.09, atividade clandestina de telecomunicação consistente em uso não autorizado de espectro de radiofrequência, mediante operação de central de fornecimento de serviços de internet por meio de rádio, sem a devida autorização legal.

A denúncia narra que Vanderli Gilson de Sousa foi detido em flagrante após Agentes da Polícia Civil constatarem, durante o cumprimento de mandado de busca e apreensão, que o denunciado havia organizado em sua residência, na cidade de Pirassununga (SP), uma central com diversos equipamentos por meio dos quais retransmitia sinal de internet recebido por cabo. O denunciado exercia essa atividade não autorizada com finalidade lucrativa e possuía clientes em um raio de até 8 km (oito quilômetros) da central de transmissão. Além disso, mantinha contabilidade do negócio ilícito em um caderno, que restou apreendido (fls. 152/154).

Prescrição. O réu alega a extinção da punibilidade em razão da prescrição da pretensão punitiva.

Não lhe assiste razão.

Ao acusado foi aplicada a pena de 2 (dois) anos de detenção, a que corresponde o prazo prescricional de 4 (quatro) anos (CP, art. 109, V), diante da ausência de recurso da acusação (CP, art. 110, § 1º).

Os fatos são de 11.12.09 (fl. 153), a denúncia foi recebida em 31.07.13 (fl. 155/155v.) e a publicação da sentença condenatória foi realizada em 20.09.16 (fl. 324). Não restou superado o prazo prescricional de 4 (quatro) anos entre nenhum desses marcos interruptivos da contagem prescricional.

Rejeitada, portanto, a alegação de prescrição.

Materialidade. Está comprovada a materialidade delitiva diante dos seguintes elementos de convicção:

a) auto de prisão em flagrante (fls. 2/3);
b) auto de exibição e apreensão dos equipamentos utilizados para a prática delitiva (fls. 25/30);
c) informação técnica da Polícia Federal, com a conclusão de que os itens apreendidos eram aptos ao acesso à internet e à utilização do espectro eletromagnético para retransmissão de dados digitais por meio de rádio (fls. 129/132).

Autoria. Está comprovada a autoria delitiva.

A testemunha Domingos Claudio de Oliveira, Investigador da Polícia Civil de Pirassununga (SP), declarou em Juízo que esteve na residência do acusado para cumprir um mandado de busca e apreensão. No quarto do réu havia equipamentos de retransmissão de sinais de internet. O acusado atuava como espécie de provedor de internet e em sua casa foi apreendido um caderno contendo anotações de diversos nomes de supostos clientes. O réu negou os fatos (fl. 203).

Tabajara Zuliana dos Santos, Delegado de Polícia Civil, em seu depoimento judicial afirmou que no local dos fatos funcionava uma central de transmissão clandestina de internet. A investigação policial teve início após funcionários da empresa Telefônica estranharem a instalação de três aparelhos modem potentes no mesmo local. Passou em frente à residência e se tratava de um local simples, mas avistou uma antena de formato diferente daquele que conhecia. Representou pela busca e apreensão e constatou o funcionamento da central clandestina. Também foram localizados vários cadernos com listas de clientes, controle de pagamentos e quantidade de megabytes. O réu não estava presente no momento da diligência. Vizinhos indicaram onde ele trabalhava e ao final da diligência o réu foi conduzido à Delegacia. O acusado estava com todo o maquinário pronto para retransmitir também sinal de televisão (mídia eletrônica à fl. 258).

Marcelo Spiandorelli Fagnani, Fiscal de Telecomunicações, declarou em Juízo que não se recordava de detalhes do caso. Apenas esclareceu como geralmente se dava a retransmissão não autorizada de sinal de internet por meio de rádio (mídia eletrônica à fl. 288).

Silente na fase investigativa (fl. 12), em Juízo o réu admitiu que mantinha em sua residência um roteador ligado a uma antena, que não era, no entanto, potente como afirmado pela acusação. Não queria lucrar, nem sabia que era crime retransmitir o sinal. Fornecia o acesso a vizinhos que solicitassem e eles o ajudavam a pagar a conta. Foram 10 (dez) ou 15 (quinze) pessoas, que contribuíam com cerca de R$ 10,00 (dez reais) ou R$ 15,00 (quinze) reais. Como se tratava de faixa cidadã, acreditava que fosse livre. A ideia foi retirada de vídeos do Youtube. Um dos aparelhos tinha um sinal identificador da Anatel (mídia eletrônica à fl. 307).

Analisados os autos, há prova satisfatória para a condenação.

As testemunhas ouvidas em Juízo confirmaram a localização da central clandestina de radiotransmissão de sinal de internet operada pelo acusado, que admitiu a propriedade e o funcionamento dos equipamentos, embora tenha minimizado a proporção do fato narrado na denúncia.

Consoante a informação técnica da Polícia Federal, a exploração comercial da distribuição do sinal de internet exige autorização específica da Anatel para "Serviço de Comunicação Multimídia" (cf. fl. 132).

O Decreto n. 7.776/12, mencionado pela defesa do acusado (fl. 333), promoveu pontuais alterações no Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (Decreto n. 52.795/63), sem aparente relação com a espécie de serviço retratado nestes autos, suficientemente regulamentado à época dos fatos.

Era exigível do acusado, portanto, que obtivesse a devida autorização.

Comprovadas a materialidade e a autoria do delito, à míngua de causas excludentes de culpabilidade, é mantida a condenação.

Radiodifusão. Lei n. 9.472/97. Art. 183. Pena pecuniária no valor de R$ 10.000,00. Inconstitucionalidade. Código Penal. Aplicabilidade. O Órgão Especial do TRF da 3ª Região, em Arguição de Inconstitucionalidade Criminal, declarou a inconstitucionalidade da expressão "R$ 10.000,00" contida no preceito secundário do art. 183 da Lei n. 9.472/97, por entender violado o princípio da individualização da pena, previsto no art. 5º, XLVI, da Constituição da República:


PENAL - PROCESSUAL PENAL - RADIODIFUSÃO - LEI 9472/97 - ARTIGO 183 - PENA PECUNIÁRIA - VALOR FIXO - ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - REDISTRIBUIÇÃO POR PREVENÇÃO - REGULARIDADE - QUESTÃO DE ORDEM REJEITADA - VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA - ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE ACOLHIDA (...).
2. A norma contida no preceito secundário do artigo 183, da Lei 9.472/97, que prevê a pena pecuniária em valor fixo, viola o princípio da individualização da pena, previsto no artigo 5º, XLVI, da Constituição Federal.
4. Argüição acolhida para declarar a inconstitucionalidade da expressão "de R$10.000,00", contida no preceito secundário do artigo 183, da Lei 9472/97.
(TRF da 3ª Região, Arguição de Inconstitucionalidade Criminal n. 2000.61.13.005455-1, Rel. Des. Fed. Ramza Tartuce, j. 29.06.11)

Afastada a pena pecuniária prevista no art. 183 da Lei n. 9.472/97, tem-se aplicado as disposições do Código Penal:


PENAL E PROCESSUAL PENAL - EXPLORAÇÃO DE SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES, SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DO PODER PÚBLICO - RADIOFUSÃO COMUNITÁRIA - ART. 183 DA LEI Nº 9.472/97 - BAIXA FREQUÊNCIA DO EQUIPAMENTO E FINALIDADE NÃO LUCRATIVA DA RÁDIO - IRRELEVÂNCIA - ARTS. 223 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E 6º DA LEI Nº 9.612/98 - CRIME DE PERIGO ABSTRATO - TUTELA DA SEGURANÇA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - INAPLICABILIDADE - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - PENA DE MULTA - IMPOSSIBILIDADE DE SER APLICADA, NA FORMA DO ART. 183 DA LEI Nº 9.472/97, POR OFENSA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA (...).
VI - A Corte Especial do TRF/1ª Região, ao julgar a ArgInc 2005.40.00.006267-0/PI, em 02/09/2010, declarou, à unanimidade, inconstitucional, no art. 183 da Lei 9.472/97, a expressão "de 10.000,00 (dez mil reais)", ao entendimento de que a pena de multa, fixada, no art. 183 da referida Lei, no valor certo de R$10.000,00 (dez mil reais), afronta o princípio constitucional da individualização da pena, na medida em que impossibilita ao magistrado avaliar as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal e aquilatar a situação econômica do sentenciado, impedindo-o de aplicar, corretamente, a sanção penal. Afastamento da multa, tal como estabelecida no art. 183 da Lei 7.472/97, fixando-a de acordo com o direito comum. VII - Apelação provida.
(TRF da 1ª Região, ACr n. 200740000074284, Rel. Des. Fed. Assusete Magalhães, j. 30.09.10)
PENAL. PROCESSUAL PENAL. DESENVOLVIMENTO CLANDESTINO. ATIVIDADES DE TELECOMUNICAÇÕES. ART. 183 DA LEI 9.472/97. ART. 70 DA LEI 4.117/62. REVOGAÇÃO. LEI POSTERIOR. CONDUTAS IDÊNTICAS. ART. 2º, § 1º, DA LICC. ART. 215, INC. I, DA LEI 9.472/97. SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO COMUNITÁRIA. MULTA. VALOR PRÉ-FIXADO. AFRONTA INDIRETA. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. ARTS. 49 E 60 DO CP. (...).
4. A disposição legal prevista no preceito secundário do art. 183 da Lei 9.472/97 afronta o princípio da individualização da pena. 5. Multa arbitrada na forma dos arts. 49 e 60, ambos do CP. 6. Apelação provida.
(TRF da 1ª Região, ACr n. 200640000018594, Rel. Juiz Fed. Conv. Marcus Vinicius Bastos, j. 29.09.10)

Dosimetria. O Juízo a quo fixou a pena-base no mínimo legal de 2 (dois) anos de detenção, resultado definitivo à míngua de circunstâncias atenuantes, agravantes, causas de diminuição ou de aumento de pena.

Fixada a multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais), com base na parte final do preceito secundário do art. 183 da Lei n. 9.472/97.

Estabelecido o regime inicial aberto.

Substituída a pena privativa de liberdade imposta ao acusado por duas penas restritivas de direitos, consistentes em proibição de ausentar-se, sem autorização judicial e durante o tempo da condenação, da cidade onde tenha domicílio e pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/3 (um terço) do salário mínimo.

O acusado recorre contra a imposição da pena de multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais), alegando insuficiência de recursos para pagamento da penalidade.

Assiste-lhe parcial razão, mas por fundamento diverso.

Reconhecida a inconstitucionalidade da multa prevista no preceito secundário do art. 183 da Lei n. 9.472/97, e considerando que o réu foi condenado à pena mínima prevista para esse crime, substituo-a por pena de multa fixada conforme os arts. 49 e 60 do Código Penal.

Fixo, assim, a pena de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato, diante das informações prestadas pelo acusado à fl. 17.

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação criminal do réu Vanderli Gilson de Sousa para, reconhecida a inconstitucionalidade da expressão "R$ 10.000,00" contida no preceito secundário do art. 183 da Lei n. 9.472/97, substituir a pena de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por 10 (dez) dias-multa, no valor unitário mínimo, conforme os arts. 49 e 60 do Código Penal.

É o voto.



Andre Nekatschalow
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 03/01/2018 12:47:17