Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 26/09/2018
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001857-28.2006.4.03.6119/SP
2006.61.19.001857-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : MARILENE DA SILVA SANTOS
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica

EMENTA

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVA COMPROVADA. DOSIMETRIA. REFORMATIO IN PEJUS INDIRETA. COMBINAÇÃO DE LEIS. SÚMULA N. 501 DO STJ. PENA REDIMENSIONADA EM OBSERVÂNCIA À COISA JULGADA E VEDAÇÃO DA REFORMATIO IN PEJUS. CAUSA DE AUMENTO DA PENA PELA INTERNACIONALIDADE DO DELITO. INOCORRÊNCIA DE BIS IN IDEM. BENESSE DO § 4º DO ART. 33 DA LEI Nº 11.343/06. DIMINUIÇÃO DO PATAMAR FIXADO EM PRIMEIRO GRAU. SUBSTITUIÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. DESCABIMENTO. APELAÇÃO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDA.
1. Ré denunciada como incursa no artigo 12, combinado com o artigo 18, inciso I, todos da Lei n.º 6.368/76.
2. Deferido o pedido de concessão dos benefícios da Assistência Judiciária Gratuita, considerando-se a situação de hipossuficiência da apelante, extraída notadamente pela representação processual pela Defensoria Pública da União.
3. Materialidade e a autoria demonstrada.
4. Decreto condenatório mantido.
5. Dosimetria. Reformatio in pejus indireta. Fixada pena superior em relação a sentença anulada. Embora vedada a combinação de leis, nos termos da Súmula n. 501 do Superior Tribunal de Justiça, aplicada diante da peculiaridade do caso. Observância à coisa julgada.
6. Pena-base majorada com fundamento no art. 42 da Lei nº 11.343/06. Precedentes dos Tribunais Superiores.
7. Não merece prosperar a alegação da Defesa de ocorrência de bis in idem na aplicação da causa de aumento prevista no artigo 18, I, da antiga Lei de Drogas, com a conduta típica "exportar", uma vez que se trata de delito de ação múltipla e a ré incidiu nos verbos "transportar" e "trazer consigo". Registro, outrossim, que a distância a ser percorrida pela droga não é variável a ser cotejada, conforme precedentes desta Corte Regional. Mantida a causa de aumento à razão de 1/6 (um sexto).
8. Causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 mantida à razão de 1/2, ante a ausência de insurgência da Acusação quanto ao ponto.
9. A multa é sanção legalmente prevista, de forma cumulativa à pena privativa de liberdade, devendo ser, portanto, aplicada. Questões envolvendo a alegada impossibilidade de pagamento da multa devem ser veiculadas, oportunamente, pela via adequada.
10. Incabível, in casu, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, porquanto não preenchidos os requisitos subjetivos do art. 44 do Código Penal, não se afigurando socialmente recomendável a substituição.
11. Recurso parcialmente provido.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso da defesa para reduzir a pena-base, de ofício, aplicar a circunstância atenuante da confissão (art. 65, III, "d" do CP), resultando na pena definitiva de 01 (um) ano e 09 (nove) meses de reclusão, em regime inicial aberto, e pagamento de 29 (vinte e nove) dias-multa, em observância à coisa julgada e à vedação a reformatio in pejus indireta, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 18 de setembro de 2018.
HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001857-28.2006.4.03.6119/SP
2006.61.19.001857-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : MARILENE DA SILVA SANTOS
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica

RELATÓRIO

O Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA (Relator):

O Ministério Público Federal denunciou MARILENE DA SILVA SANTOS, qualificada nos autos, brasileira, nascida aos 19/08/1980, como incursa no artigo 12, combinado com o artigo 18, inciso I, da Lei n° 6.368/76. Consta da denúncia:

No dia 23 de março de 2006, por volta das 19:30 horas, no Aeroporto Internacional de Guarulhos, MARILENE DA SILVA SANTOS foi presa em flagrante delito, quando tentava embarcar em vôo da companhia aérea KLM com destino a Zurique/Suíça, trazendo consigo, para fins de comércio ou entrega, de qualquer forma, a consumo de terceiros, no exterior, aproximadamente 1.460g (um mil, quatrocentos e sessenta gramas) de cocaína, substância entorpecente que determina dependência física e/ou psíquica, sem autorização legal ou regulamentar
Segundo apurou-se, no dia 22 de março de 2006, a 4ª Delegacia de Investigações sobre Entorpecentes do Departamento de Investigações sobre Narcóticos DENARC, recebeu denúncia anônima, dando conta que uma pessoa de nome MARILENE DA SILVA SANTOS, de cor branca e aproximadamente 1,75 de altura, iria realizar naquela data uma viagem pelo Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, com destino a cidade de Zurique/Suíça, transportando consigo, de forma ilegal e oculta, substância entorpecente do tipo cocaína.
Após receberem determinação da Autoridade Policial, os Investigadores de Polícia FÁBIO LUIZ TESSARE e FÁBIO CRISTIANO LUCHETTI dirigiram-se ao Aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, lá realizando as diligências pertinentes à investigação da denúncia anônima. De fato, os agentes policiais puderam verificar na empresa aérea KLM a existência de uma reserva em nome da denunciada, sendo certo que a mesma iria embarcar naquela data, às 20:40, para a cidade de Zurique/Suíça.
Diante da verossimilhança com os fatos denunciados anonimamente, os policiais solicitaram aos funcionários da empresa aérea que censurasse o nome daquela passageira quando da realização do "check-in", permanecendo ambos de campana perto do local. Por volta das 19:30 horas, os policiais avistaram, na fila do "check-in", uma pessoa com as mesmas características descritas na ordem de serviço, momento em que efetuaram a abordagem da passageira, identificando-se como policiais civis do DENARC, dando ciência a respeito da abordagem e da denúncia recebida e solicitando a apresentação de documento de identificação.
A suspeita apresentou um passaporte em nome de MARILENE DA SILVA SANTOS, além de um bilhete aéreo da referida empresa em seu nome, com destino a Zurique/Suíça.
Face a confirmação dos fatos, a ora denunciada foi conduzida até um local reservado, próximo àquele "check-in", e na presença da testemunha RODRIGO BRAZ DA SILVA, funcionário da empresa ORBITAL, foi realizada a revista em sua bagagem, que se compunha de uma mala pequena e uma bolsa, mas nada de interesse policial foi encontrado.
Durante a revista, a ora denunciada admitiu que transportava drogas sob as vestes, momento em que retirou uma cinta elástica costurada artesanalmente, presa junto às suas pernas, contendo sete invólucros finos e de tamanhos variados, confeccionados com fita adesiva crepe. Ato contínuo, foram todos os invólucros perfurados, constatando-se conter no interior de cada um substância branca, com aparência de entorpecente do tipo cocaína.
Inquirida pelos policiais a respeito dos fatos, a denunciada permaneceu em silêncio. Diante do exposto, foi dada voz de prisão em flagrante a MARILENE DA SILVA SANTOS.
A materialidade delitiva restou comprovada pelo Laudo Preliminar de fl. 15, que confirmou ser cocaína a substância contida nos 07 (sete) invólucros encontrados junto ao corpo de MARILENE DA SILVA SANTOS.
A autoria também resta inconteste, vez que a denunciada foi presa em flagrante delito. Ademais, a própria denunciada confessou a prática da conduta delituosa aos policiais condutores, fato este presenciado também pela testemunha RODRIGO BRAZ DA SILVA (fls. 05/06).
O fato de haver a intenção de transportar o entorpecente de um país para o outro caracteriza a internacionalidade do tráfico, ensejando a aplicação da causa de aumento de pena prevista no art. 18, inc. I, da Lei n° 6.368/76.

A denúncia foi recebida em 26/06/2006 (fls. 149/150) e, após processamento do feito, foi proferida sentença pelo Juízo da 4ª Vara Federal de Guarulhos/SP (fls. 300/322), publicada em 18/12/2006 (fls. 323), condenando a ré como incursa no artigo 33, caput, c.c. artigo 40, I, da Lei 11.343/2006 à pena de 3 (três) anos, 4 (quatro) meses e 25 (vinte e cinco) dias de reclusão, no regime inicial fechado, e ao pagamento de 339 (trezentos e trinta e nove) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na data do fato, e ainda decretando o perdimento do valor correspondente ao reembolso do percurso aéreo não utilizada pela acusada e do numerário nacional e estrangeiro apreendido, bem como a destruição do aparelho celular.

A defesa interpôs apelação alegando, em preliminar, a nulidade da sentença, pois a condenação se baseou em lei posterior à data da prática do delito e, ainda, requer a absolvição da acusada dada a insuficiência probatória e tendo em vista que não se logrou provar o dolo, pedindo também o reconhecimento do erro de tipo e, subsidiariamente, a não caracterização da internacionalidade do delito (fls. 393/408).

A Colenda Primeira Turma deste Tribunal, em sessão de julgamento de 13/12/2011, por unanimidade, deu parcial provimento ao apelo da defesa para anular a sentença, determinando que outra decisão fosse proferida, tendo em vista que a "pena foi estipulada segundo a Lei 11.343/2006, cuja pena-base prevista é mais gravosa ao réu, confrontando com o princípio penal e constitucional da irretroatividade da lei penal ou retroatividade da lei mais benéfica" (fls. 492/494).

Baixados os autos ao juízo de origem, outra sentença foi proferida às fls. 500/504 e publicada em 22/06/2012 (fl. 515), condenando a ré MARILENE DA SILVA SANTOS à pena 03 (três) anos, 04 (quatro) meses e 25 (vinte e cinco) dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicial aberto, e ao pagamento de 82 (oitenta e dois) dias-multa, cada um no valor de 1/30 do salario mínimo vigente ao tempo dos fatos, pela prática do crime capitulado no artigo 12, caput, c.c. o artigo 18, I, da Lei n. 6.368/76, bem como decretando o perdimento, em favor da União, dos bens utilizados pela acusada na pratica do delito, em especial o celular e o numerário nacional e estrangeiro apreendido.

Apela a ré, representado pela DPU - Defensoria Pública da União (fls. 563/576), pugnando pela absolvição pela ocorrência de erro de tipo, pois a acusada não sabia que transportava drogas, acreditando tratar-se de ouro e diamantes. Subsidiariamente, requer: a) a fixação da pena-base no mínimo legal; b) o afastamento da causa de aumento de pena relativa à internacionalidade; c) a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º da Lei n.º 11.343/06, em seu maior patamar; d) a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos; e) o afastamento da pena de multa; f) concessão dos benefícios da justiça gratuita.

Contrarrazões do Ministério Público Federal às fls. 578/584 pelo desprovimento do recurso.

A Procuradoria Regional da República, por sua ilustre representante Dra. Samantha Chantal Dobrowolski, opinou pelo parcial provimento do recurso da ré para que seja reduzida a pena-base e para que seja reformada de ofício a sentença, afastando-se a combinação de leis efetivada pelo juízo de primeiro grau, aplicando-se ou a Lei n. 6.368/76 ou a Lei n. 11.343/06, observado, no caso, quanto ao total da pena, o princípio da ne reformatio in pejus (fls. 589/601).

É o relatório.

Ao MM. Revisor.

HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0001857-28.2006.4.03.6119/SP
2006.61.19.001857-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : MARILENE DA SILVA SANTOS
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica

VOTO

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA (Relator): MARILENE DA SILVA SANTOS foi denunciada por transportar substância entorpecente (cocaína - 1.460g)) escondida em cinta elástica, envolvendo suas pernas, em sete invólucros confeccionados com fita crepe, quando tentava embarcar com destino a Zurique/Suíça, no Aeroporto Internacional de Guarulhos.

Na sentença, o Juízo de primeiro grau a condenou à pena definitiva de 03 (três) anos, 04 (quatro) meses e 25 (vinte e cinco) dias de reclusão, no regime inicial aberto, e ao pagamento de 82 (oitenta e dois) dias-multa, no valor unitário mínimo, como incursa no artigo 12, caput, c.c. o artigo 18, I, da Lei n. 6.368/76.

Apela a ré, representada pela DPU - Defensoria Pública da União, pugnando pela absolvição, em razão do erro de tipo. Subsidiariamente, requer: a) a fixação da pena-base no mínimo legal; b) o afastamento da causa de aumento de pena relativa à internacionalidade; c) a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º da Lei n.º 11.343/06, em seu maior patamar; d) a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos; e) o afastamento da pena de multa; f) concessão dos benefícios da justiça gratuita.

Passo a análise do recurso.

Inicialmente, defiro o pedido de concessão dos benefícios da Assistência Judiciária Gratuita, considerando-se a situação de hipossuficiência da apelante MARILENE DA SILVA SANTOS, extraída notadamente pela representação processual pela Defensoria Pública da União.

Registro ainda que a materialidade delitiva restou bem delineada nos autos, pelo B.O. (fls. 15/16), pelo Auto de Prisão em Flagrante Delito (fls. 7), pelo Laudo Preliminar de Constatação (fls. 20), pelo Auto de Exibição e Apreensão (fls. 17/18), e pelo Laudo Pericial Definitivo (fls.50/52), os quais atestam tratar-se de cocaína o material apreendido, totalizando a massa líquida de 1.415g (mil, quatrocentos e quinze gramas).

A transnacionalidade do delito restou comprovada pelo fato de MARILENE DA SILVA SANTOS ter sido presa em flagrante delito quando estava prestes a embarcar em vôo da companhia aérea KLM, com destino a Zurique/Suíca, com escala em Amsterdã/Holanda, transportando substância entorpecente oculta em suas vestes (fls. 21 e 54/57).

O conjunto probatório é coeso e uníssono, não restando dúvida sobre a materialidade e a internacionalidade do delito.

A autoria também é inconteste.

Na fase extrajudicial (fls. 12), a ré fez uso de seu direito constitucional de manter-se em silêncio.

Em Juízo (fls. 126/128 e 183/184), MARILENE a acusada admitiu que iria viajar para Amsterdã/Holanda, mas alegou que não sabia que transportava droga. Alegou que seu namorado de nome Davi pediu a ela que levasse diamantes e ouro para o exterior de forma oculta, para não pagar imposto, e que Davi providenciou seu passaporte e pagou a passagem aérea:

"Que não são verdadeiras as acusações narradas na denúncia. Que não estava levando droga. Que estava levando diamantes e ouro. Que estava indo para Amsterdã/Holanda. Que nunca tinha viajado para o exterior. Que quem lhe forneceu os diamantes foi um rapaz de nome "Davi". Que trabalhava na casa de uma amiga, com a qual saía junto, e conheceu Davi, com quem passou a ter um caso. Que Davi lhe pediu para que levasse os diamantes, para que não pagasse impostos. Que Paulo, irmão de Davi, iria esperar a acusada na Holanda. Que viu Davi colocando jóias "dentro de um saco". Que não sabia que dentro de tal saco havia drogas, "se eu soubesse que tinha drogas eu jamais levaria, senhor". Que Davi fez "tabletes, tipo quadrado, e botou nas minhas pernas". Que não desconfiou de que ali pudesse haver drogas, pois viu Davi fazendo os pacotes com jóias. Que Davi não tinha telefone, "nós se encontrava no hotel, lá na Sé". Que, após apresentadas as fotos de fls. 55 a 57, reconhece que são suas e que foram tiradas no dia de sua prisão, "só que, antes de tirarem as fotos, eles tiraram a minha roupa, doutor, sendo que não havia nenhuma mulher na sala, só homens, depois que veio uma mulher". Que Davi ficava num hotel da Sé, não sabe dizer o nome, mas "sei os pontos que ele fica até hoje, pode procurar no Shopping Light, no Centro de São Paulo, a gente se encontrava ali". Que Davi não lhe ofereceu dinheiro para levar os diamantes, "eu levei as mercadorias porque o Davi me disse que a gente ia morar junto lá, em Amsterdã, na Holanda". Que não conhece as testemunhas arroladas pela acusação, Fábio Cristiano Luchetti e Rodrigo Braz da Silva, não tendo nada contra elas. Que Davi foi quem providenciou a emissão de seu passaporte e pagou tudo, inclusive a passagem aérea. Que, indagada sobre se havia algo mais a dizer em sua defesa, a acusada disse: "eu sou inocente, senhor, se eu soubesse que estava levando droga, não levaria de jeito nenhum, eu tenho filho, senhor"."

A versão apresentada pela ré, de que não sabia que transportava droga, além de inverossímil, não encontra respaldo no conjunto probatório.

Não é crível que uma pessoa aceite a proposta de um suposto namorado, sequer sabendo indicar seu nome completo, dados qualificativos ou telefone de contato, para transportar objetos a serem entregues em um outro país, sem estar ciente ou ao menos desconfiar do seu conteúdo.

Acrescente-se a forma como a droga foi acondicionada, em diversos tabletes preenchidos exclusivamente com cocaína, presos às pernas da acusada por meio de duas bermudas de compressão, não se revela compatível com o transporte de substância lícita, não se afigurando plausível que a ré não tivesse ciência de que não eram pedras preciosas aquilo que transportava escondido em suas pernas

Ademais, nenhuma das testemunhas de defesa sequer souberam indicar se a acusada tinha namorado (fls. 189/191, 273/274).

Em verdade, o contexto fático revela que MARILENE, diferentemente do erro de tipo aventado pela Defesa, voluntária e conscientemente, diligenciou no sentido de transportar cocaína de um país para outro.

Neste sentido, colaciono julgado desta Corte.

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO OCORRÊNCIA. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. AUTORIA MATERIALIDADE E DOLO COMPROVADOS. ERRO DE TIPO NÃO DEMONSTRADO PENA BASE CORRETAMENTE APLICADA. APLICAÇÃO RETROATIVA DAS BENESSES D LEI 11.343/06. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
I - Afastada a alegação de nulidade do processo por cerceamento do defesa, porquanto o indeferimento das testemunhas ocorreu em razão da intempestividade do pedido, aliado à ausência de comprovação do prejuízo.
II - A materialidade do delito restou demonstrada pelo laudo de exame químico toxicológico.
III - A autoria e o dolo restaram claros pelo conjunto probatório, visto que não havia nenhuma escusa crível para que o réu não tivesse ciência da droga contida na mala de seu comparsa.
IV - É imprescindível que a defesa comprove a caracterização do erro sobre elementar do tipo penal - o que não ocorreu no caso dos autos - não sendo suficiente mera alegação isolada do réu sobre desconhecimento da empreitada criminosa.
V - A causa de aumento da transnacionalidade recebeu tratamento mais favorável pelo art. 40, inciso I, da Lei 11.343/2006, devendo, assim, Incidir, de ofício, no caso concreto, o quantum da majorante prevista na novatio legis in mellius.
VI - Causa de diminuição de pena prevista no art. 33 § 4º, da Lei n.º 11.343/06 não aplicável na hipótese concreta, porquanto o apelante integrava organização criminosa de âmbito internacional, tendo sido, inclusive, o responsável pelo aliciamento do correu.
VI - Preliminar rejeitada. Recurso parcialmente provido.
(Acr - Apelação Criminal - 28073. 2006.61.19.002152-7. Desembargador Federal José Lunardelli. Primeira Turma. 07/12/2010. Djf3 Cj1 Data:14/01/2011 Página: 280)(g.n)

É de se ressaltar que as testemunhas de acusação foram enfáticas nas fases policial e judicial em afirmar que a acusada confessou que transportava cocaína por baixo de sua vestimenta, o que afasta a alegada ocorrência de erro de tipo.

Destarte, o investigador de polícia Fabio Cristiano Lucheti (fls. 8) narrou na fase inquisitorial:

O depoente recebeu ordem de serviço n°. 23/2006 para que fosse apurar se uma mulher de nome Marilene Silva Santos, cor branca, estatura aproximada de 1,75 mts., iria embarcar no dia de ontem (22/03/2006), pelo aeroporto internacional de Guarulhos, em vôo da empresa aérea KLM, com destino a cidade de Zurique-Suíça na posse cocaína. Dirigiu-se até o aeroporto internacional de Guarulhos em companhia de seu colega de serviço Fabio Luiz Tessare e apurou que realmente havia uma reserva para a cidade de Zurique em nome de Marilene da Silva Santos, com vôo marcado para o dia de ontem. Diante da confirmação do nome da suspeita, pediu para os funcionários da empresa para que o nome fosse censurado e permaneceu nas proximidades do check-in, quando por volta das 19:30 horas, percebeu que uma pessoa com as mesmas características descrita na ordem de serviço entrou na fila do check-in, momento em que veio a ser abordada pelo depoente e seu colega Fabio Luiz Tessarre. A suspeita, a pedido do depoente, apresentou um passaporte em nome de Marilene da Silva Santos e uma passagem aérea com destino final para a cidade de Zurique-Suíça. Face suspeita de que poderia haver droga na bagagem, se dirigiram todos até uma sala reservada existente no aeroporto juntamente com a testemunha Rodrigo Braz da Silva para a realização de uma revista que seria realizada na bagagem da indiciada. Já na sala reservada existente no aeroporto internacional de Guarulhos, na presença da testemunha arrolada, após a indiciada admitir que possuía cocaína presa ao corpo, foi realizada uma revista em uma mala pequena e uma bolsa portada pela indiciada, nada encontrando de ilícito no interior de ambas. Comprovou que realmente a indiciada possuía invólucros contendo cocaína presos ao corpo através de um toque na perna da indiciada que o depoente e a testemunha fizeram. Sob a roupa da indiciada foi encontrada uma cinta elástica costurada artesanalmente sob uma bermuda elástica. No interior da cinta elástica foram encontrados sete invólucros finos e de tamanhos variados confeccionados com fita adesiva crepe, os quais foram perfurados e veio a ser constatado que continham pó de cor branca semelhante a cocaína. A indiciada nada quis informar sobre os fatos. Foi feita declaração de valores de próprio punho pela indiciada. Os sete invólucros foram encaminhados para exame pericial e restou apurado que continham cocaína.

Por sua vez, Rodrigo Braz da Silva, que trabalha na empresa Orbital no aeroporto de Guarulhos, (fls. 10/11) declarou:

Informa que trabalha na empresa ORBITAL que presta serviços no aeroporto Internacional de Guarulhos. Na data de hoje por volta das 19:30 horas veio a ser solicitada a sua presença por um dos policiais para acompanhar a revista em uma mulher que era suspeita de estar transportando substancia entorpecente, de imediato aceitou o convite do policial. Ao chegar em uma sala próxima ao check in, ali estava uma mulher acompanhada por outro policial. Em seguida foi procedida uma revista em uma mala de viagem e uma bolsa de mão, mas nada de interesse policial foi encontrado. Esclarece o depoente que, antes do policial revistar a mala de viagem e a bolsa de mão, indiciada identificada como sendo Marilene Silva Santos veio a confessar que estava com drogas presas ao corpo. Neste momento o policial veio a tocar levemente a perna da indiciada e pode notar que havia algo em suas pernas da indiciada. Em seguida, a indiciada veio a retirar uma bermuda de cor preta de lycra e uma bermuda elástica feita artesanalmente de cor bege contendo sete invólucros de tamanhos variados confeccionados em fita crepe contendo cada um substancia entorpecente semelhante a cocaína. A indicada foi inquirida sobre o entorpecente e veio a informar que, queria ganhar um dinheiro para arrumar a casa.

Na fase judicial, referidas testemunhas reconheceram a ré e ratificaram as declarações prestadas esfera policial (fls. 185/188):

"Reconheço a acusada aqui presente. Tenho conhecimento dos fatos narrados na denúncia. Recebi uma ordem de serviço, emitida por conta de uma denúncia anônima, para investigar o fato de que uma passageira chamada MARILENE SILVA SANTOS iria embarcar para Zurique transportando drogas. Então, eu e meu parceiro FABIO TESSARE fomos ao aeroporto Internacional de Guarulhos para investigar a ocorrência. Chegando ao aeroporto fomos ao balcão da cia. KLM e solicitamos censura no nome da passageira. Ficamos aguardando o check in referente ao vôo mencionado na denuncia anônima e ao final do check in a passageira MARILENE compareceu. Nos identificamos como policiais e solicitamos a acusada que nos acompanhasse até uma sala reservada do aeroporto. Na sala reservada do aeroporto a acusada confessou que estava levando cocaína consigo. Depois da confissão revistamos as bagagens da acusada. Não encontramos nada na bagagem. Então fizemos uma revista pessoal na acusada, e verificamos que ela estava com um short sob sua saia e embaixo desse short estava a substância entorpecente. A diligência foi acompanhada por uma testemunha civil, funcionária da cia. KLM. A acusada, quando encontrada a droga não forneceu nenhum nome de alguma pessoa que poderia ter fornecido a substância entorpecente. Em nenhum momento a acusada mencionou que estaria transportando jóias. (...) A substância entorpecente estava acondicionada sob um short artesanal em saquinhos envolvidos por esparadrapo. Após a revista, eu, meu parceiro, a testemunha civil e a acusada fomos ao DENARC, em São Paulo/Capital. Não acompanhei o depoimento da acusada na delegacia. Prestei depoimento na delegacia. Assinei o boletim de ocorrência, o termo de depoimento e o auto de prisão em flagrante. Não sei dizer se a ré assinou os documentos referentes ao auto de prisão em flagrante. Não sei dizer se a acusada confessou o fato perante o delegado de polícia. Em minha equipe não há policial feminina. Na revista pessoal nós obedecemos o que está descrito no Código de Processo Penal. A acusada, na frente da testemunha civil, disse que estava transportando drogas no corpo. Revistamos primeiro a bagagem porque tal procedimento é de praxe. (depoimento da testemunha de acusação, investigador de policia Fabio Cristiano Lucheti, fls. 185/186)

"Trabalho na empresa ORBITAL Serviços Auxiliares de Transporte Aéreo, há aproximadamente dois anos. Estava trabalhando em março deste ano. Recordo-me da acusada aqui presente. Na data dos fatos estava trabalhando no raio x quando fui chamado para comparecer ao check in da Cia. KLM. Chegando ao check in fui chamado por dois policiais civis para acompanhá-los até uma sala reservada para revista da acusada. Na sala reservada, a acusada chorava muito e antes da revista dos policiais a acusada disse que transportava droga com ela. Os policiais revistaram primeiro as malas e depois fizeram revista pessoal na acusada. A acusada chegou a mostrar que levava drogas nas pernas. Na bagagem da acusada nada foi encontrado. Após revista na acusada os policiais verificaram que ela estava com uma espécie de bermuda elástica, acho que era confeccionada. Debaixo dessa bermuda, havia mais ou menos uns sete tabletes, com tamanho aproximado de trinta centímetros cada um, que continham um pó branco. Após a revista da acusada, eu, dois policiais e a acusada fomos até o DEIC, em São Paulo. Não me recordo se vi o exame de narcoteste. (...) A acusada tinha um bilhete de passagem, se não me engano era uma conexão para Zurique. Não sei dizer se a acusada chegou a despachar as bagagens no check in. O deslocamento do aeroporto até a delegacia de policia foi feita através de um carro de polícia, todos nós fomos juntos. O pó branco a que me referi, eu vi no aeroporto. O policial teve que fazer um corte na bermuda elástica para localizar a droga. Os tabletes estavam envolvidos por fita crepe branca. Na delegacia, a acusada confessou. (depoimento da testemunha de acusação Rodrigo Braz da Silva, fls. 187/188)

Do conjunto probatório colhido nos autos, a autoria delitiva exsurge cristalina, haja vista o reconhecimento judicial da ré pelas aludidas testemunhas, corroborando os fatos delitivos descritos na denúncia, e a própria admissão da acusada em Juízo, admitindo que transportava os tabletes preso ao seu corpo, por baixo da roupa.

Destarte, deve ser mantido o decreto condenatório pela prática do delito previsto no art. 12, caput, c.c. o art. 18, I, ambos da Lei nº 11.343/06.

Passo, por conseguinte, à análise da dosimetria da pena.

Pretende a defesa a redução da pena com aplicação das penas previstas na Lei n. 6.368/76 combinada com as benesses previstas na Lei n. 11.343/06, em especial, aquela do §4º do artigo 33 da referida norma e, ainda, o afastamento da causa de aumento de pena relativa à internacionalidade e da pena de multa e seja a pena privativa de liberdade substituída por restritivas de direitos, nos termos do artigo 44 do Código Penal.

Compulsando os autos verifico que quando da primeira sentença, anulada por decisão da então Primeira Turma desta Corte Regional, em 13/12/2011, o magistrado a quo calculou as penas com base nos dois diplomas legais, quais sejam, a Lei n. 6.368/76 e Lei n. 11.434/06, elegendo a mais nova em razão do quantum total da pena ser mais favorável à acusada, nos seguintes termos:

Tecidas essas considerações, passo à individualização da sanção penal com base na Lei n° 11.343/2006, que, comparada à Lei 6.368/76, considero mais favorável à acusada neste caso concreto, pois, conquanto a novel Lei de Drogas tenha majorado as penas abstratamente cominadas ao tráfico, inovou ao estabelecer causa de diminuição de pena (art. 33, § 4°) antes inexistente, reduziu de 1/3 para 1/6 a fração mínima de aumento atinente à transnacionalidade do tráfico (art. 40, I) e, ainda, deixou de considerar a associação eventual para o tráfico como causa de aumento de pena (vide incisos do art. 40).
1a fase - Circunstâncias Judiciais.
Culpabilidade exacerbada. A ré tinha elevado grau de consciência da ilicitude de sua conduta, tanto que aceitou camuflar a droga em bermuda vestida debaixo de sua saia, para ludibriar a fiscalização da polícia.
No que concerne aos antecedentes não há informações, nos documentos juntados às fls. 91, 108 e 167, que permitam reconhecer a existência de maus antecedentes.
Nada digno de nota quanto à conduta social ou personalidade da ré.
O motivo do crime é normal ao tipo, o lucro fácil e abjeto proporcionado pela narcotraficância, e não justifica a elevação da pena-base.
As circunstâncias circunstâncias e as conseqüências do crime, por seu turno, justificam a majoração da pena-base, devido à natureza (cocaína) da droga apreendida, psicotrópico de elevado efeito nocivo ao organismo dos usuários.
Vale ressaltar que a cocaína possui efeitos deletérios e catastróficos sobre o organismo dos usuários, mais do que em relação a outros tipos de drogas (lança-perfume, maconha, v.g.), senão veja-se: (...)
O comportamento da vítima em nada influenciou no cometimento do delito, posto tratar-se, na espécie, de crime que atinge a coletividade como um todo (o bem jurídico tutelado é a saúde pública).
Assim, a pena privativa de liberdade, dentro dos parâmetros traçados no preceito secundário do art. 33 da Lei 11.343/2006 (de 5 a 15 anos de reclusão), à luz das variáveis do art. 59 do Código Penal e precipuamente diante da natureza da substância entorpecente (art. 42 da Lei 11.343/2006), fica estabelecida acima do mínimo legal, isto é, em 5 anos e 10 meses de reclusão.
2a fase - Circunstâncias atenuantes e agravantes.
Não reconheço a atenuante da confissão, prevista no art. 65, "d", do Código Penal, tendo em vista que a acusada negou expressamente a intenção de transportar a droga para o exterior, apresentando em juízo a frágil versão de que não sabia que estava transportando droga sob suas vestes.
Ora, se a ré nega o dolo e sendo este um dos elementos componentes do crime, logo tenho para mim que a acusada não confessou a prática delitiva.
Não vejo na espécie outras atenuantes estampadas nos arts. 65 e 66 do Código Penal.
Inexistentes, no caso em tela, circunstâncias agravantes previstas nos arts. 61 a 64 do Código Penal.
Dessa maneira, na segunda etapa de fixação da pena esta permanece inalterada (5 anos e 10 meses de reclusão).
3a fase - Causas de diminuição e causas de aumento.
Tendo em vista que a acusada ostenta a condição de primária e de portadora de bons antecedentes e, ainda, que não há provas nos autos de que se dedique a atividades criminosas ou de que integre organização criminosa, reconheço a causa especial de redução de pena prevista no § 4° do art. 33 da Lei 11.343/2006 na fração de 1/2 (metade), tendo em vista a natureza e a quantidade da droga apreendida, qual seja, 1.415,2 g, peso líquido, de cocaína (fl. 51).
Outrossim, consoante a fundamentação desta sentença, reconheço a transnacionalidade do tráfico (art. 40, I, da Lei 11.343/2006), aumentando a pena na fração de 1/6 (um sexto).
Desse modo, a pena privativa de liberdade, até agora calculada em 5 anos e 10 meses de reclusão, com a diminuição de 1/2 (metade) em função do art. 33, § 4°, e com o aumento de 1/6 (um sexto) em virtude da aplicação do art. 40, I, ambos da Lei 11.343/2006, após a referida operação aritmética atinge o patamar de 3 anos, 4 meses e 25 dias de reclusão.
A pena de multa, de acordo com os critérios acima delineados para o cálculo da pena privativa de liberdade, fica estabelecida, à luz do art. 33 da Lei 11.343/2006, que prevê quantidade variável entre 500 e 1.500 dias-multa, no patamar de 339 (trezentos e trinta e nove) dias-multa, arbitrado o dia-multa à razão de 1/30 do salário-mínimo vigente à época do fato (22-3-2006), haja vista a inexistência de concretos elementos para aferir a situação econômica da acusada.
Esclareço que deixei de aplicar a Lei 6.368/76, vigente na época da prática do crime, porque a ultra-atividade da revogada Lei Antitóxicos seria prejudicial à acusada na medida em que ceifaria a sua liberdade por maior tempo, se comparada à novel Lei de Drogas, senão veja-se: com base nos mesmos critérios acima delineados, a pena privativa de liberdade, na primeira etapa, seria calculada à razão de 3 anos e 6 meses de reclusão; na segunda etapa, a pena ficaria inalterada; na terceira e última etapa, não haveria causa de diminuição de pena semelhe te à prevista no art. 33, § 4°, da Lei 11.343/2006, porém incidiria a causa de aumento em função da internacionalidade do tráfico, no percentual mínimo de 1/3 (art. 18, I da Lei 6.368/76), motivo pela qual a pena privativa de liberdade seria estabelecida no patamar de 4 anos e 8 meses de reclusão.

Anulado o referido decisum, outra sentença foi proferida, a de fls. 500/514, em que o Juiz a quo, atendendo determinação desta Corte, aplicou a Lei n. 6.368/76 e fez incidir nos pontos mais favoráveis a Lei n. 11.343/06. Confira-se (fls. 510v/512v):

1ª fase - Circunstâncias judiciais.
Na análise do artigo 59 do CP, merecem registro as seguintes circunstâncias judiciais:
A) culpabilidade: é circunstância judicial que deve ser valorada em prejuízo da acusada, pois o acautelamento de entorpecentes no próprio corpo é fato que sempre indica que o agente está disposto a levar a empreitada criminosa às últimas conseqüências, expondo-se ao risco da perda da liberdade por troca de razoável quantia de dinheiro. Ademais, trata de pessoa que, na época dos fatos, possuía 26 anos de idade, o que lhe garantia experiência suficiente para entender o caráter ilícito de sua conduta. Considerando que a preparação da viagem da ré demandou tempo e esforços, ressalto que a acusada não agiu de inopino, teve tempo para refletir a respeito dessa conduta e ainda assim persistiu no intento criminoso.
B) antecedentes: nada a registrar no que concerne aos antecedentes.
C) conduta social: no tocante à conduta social, as testemunhas de defesa mencionaram que desconhecem qualquer fato desabonador em relação à acusada; com relação à personalidade da acusada, nada digno de nota foi constatado, além do desvio que a levou à prática delitiva.
D) motivo: o motivo do crime é circunstância que não prejudica a acusada, tendo em vista que, em seu interrogatório judicial, alegou não possuir conhecimento do transporte do entorpecente.
E) circunstâncias e conseqüências: As circunstâncias e conseqüências do crime também prejudicam seriamente a ré no quantum das penas. De fato, a acusada foi presa transportando 1.415,2 (mil, quatrocentos e quinze gramas e dois decigramas) peso líquido, de cocaína, psicotrópico de elevado efeito nocivo ao organismo dos usuários. Se chegasse a seu destino, a quantidade elevada da droga apreendida seria idônea para corroer a saúde de uma miríade de usuários e desestabilizar suas relações familiares e sociais, gerando mais crimes, num terrível círculo vicioso. É necessária, nestes casos, uma reprimenda severa, como argumentou a Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE, em trecho de seu voto na apelação criminal 14561, processo nº 2002.61.19.001202-8: "As conseqüências do crime, caso a droga chegasse ao seu destino, seriam desastrosas para a saúde pública, em especial à população mais jovem, que tende a ser o alvo principal de aliciadores e traficantes de droga com promessas de novas sensações. Ressalte-se que, no caso, a quantidade da droga apreendida é considerável, sendo capaz de afetar um grande número de pessoas, podendo causar danos irreparáveis à saúde física e psíquica dos usuários, bem como ao seu convívio no âmbito familiar e social." Vale lembrar, ainda, que a cocaína possui efeitos deletérios e catastróficos sobre o organismo dos usuários, mais do que em relação a outros tipos de drogas (lança-perfume, maconha, v.g.).
F) comportamento da vítima: em nada influenciou no cometimento do delito, porquanto o objeto jurídico tutelado na espécie é a saúde pública.
Assim e, finalmente, considerando as penas abstratamente cominadas no preceito secundário do artigo 12 da Lei 6.368/76 entre os patamares de 3 a 15 anos de reclusão e 50 a 360 dias multa, fixo a pena-base em 5 anos e 10 meses de reclusão e 140 dias-multa.
2ª fase - Circunstâncias atenuantes e agravantes.
Não há circunstâncias agravantes comprovadas nestes autos, tanto que sequer foram requeridas pelo Ministério Público Federal na denúncia ou em seus memoriais. Do mesmo modo, não há circunstâncias atenuantes.
3ª fase - Causas de diminuição e de aumento.
No âmbito das causas especiais, é necessária a dosagem da causa de aumento prevista no art. 18, inciso I, da Lei 6.368/76 e da causa de diminuição do 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06.
Conforme adiantado anteriormente, não há como se negar que do ponto de vista geográfico, a transnacionalidade em questão é ampla, já que a droga tinha como destino um país num outro continente, para o qual seria necessária uma viagem de várias horas de avião; no caso concreto, a acusada faria a viagem num relativo deslocamento em termos geográficos.
Mas, por outro lado, há que se convir que, ao que consta dos autos, a droga foi entregue em São Paulo e não chegou a percorrer longa distância até ser apreendida em Guarulhos/SP; logo, não chegou a iniciar sua trajetória transnacional a partir do Brasil.
Desse modo, considero ser o caso de fixar a causa de aumento no mínimo legal, haja vista que não restou concluída a jornada transnacional da droga.
Assim, nos termos do artigo 68, parágrafo único, do CP, com base nas premissas acima expostas, fixo a causa de aumento do artigo 18, inciso I, da Lei nº 6.368/76 em 1/6, diante da superveniência da Lei nº 11.343/2006, que estabeleceu um novo patamar mínimo para esse aumento. A pena alcança, assim, 6 anos, 9 meses e 20 dias de reclusão e 163 dias-multa.
Quanto à causa de diminuição do 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, segundo já mencionado, manterei o quantum de diminuição em 1/2, a fim de evitar alegação de reformatio in pejus, de modo a consolidar as penas atribuídas à acusada em 3 anos, 4 meses e 25 dias de reclusão, e ao pagamento de 82 dias-multas cada qual em 1/30 do salário mínimo, ante a ausência de elementos seguros sobre as condições financeiras da acusada, na mesma proporção aplicada à pena privativa de liberdade, anteriormente fixada, lembrando que o máximo hipotético da pena poderia alcançar 50 anos e 360 dias multa.

Como se observa da leitura dos excertos acima, inegável que houve piora da situação do réu comparada à pena fixada inicialmente na sentença anulada, a qual havia sido objeto de recurso somente da defesa.

Note-se que na primeira fase da segunda sentença, o magistrado aplicou fração de aumento muito superior (94%) ao quanto determinado na primeira ocasião (1/6 ou 16%).

Assim sendo, houve, neste ponto, a reformatio in pejus indireta, levando ao necessário redimensionamento.

Apesar de não se olvidar a orientação da Súmula n. 501 do Superior Tribunal de Justiça que considera descabida a aplicação conjugada das Leis n. 6.368/76 e 11.343/06 no que concerne à dosimetria da pena e determina a aplicação, na íntegra, daquela que resulte pena mais benéfica ao réu, não deve ser desobedecido o comando do acórdão primeiro, que restou assim ementado (fl. 494 e verso):

PENAL. PROCESSO PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. FATOS OCORRIDOS SOB A ÉGIDE DA LEI 6.368/76. PENA APLICADA DE ACORDO COM A LEI 11.343/2006. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS BENÉFICA. ARTIGO 2º DO CP. ARTIGO 5º, XL, CF. SENTENÇA ANULADA DE OFÍCIO.
1. A ré foi denunciada como incursa no artigo 12, caput, c.c. artigo 18, I, ambos da Lei 6.368/76. A sentença, todavia, a condenou como incursa no artigo 33, caput e §4º, c.c. artigo 40, I, da Lei 11.343/2006.
2. O Direito Penal se sustenta sobre três grandes pilares: o princípio da legalidade, o princípio da anterioridade da lei e o princípio da irretroatividade legal, constantes dos artigos 1º e 2º do Código Penal e artigo 5º, incisos XXXIX e XL da Constituição Federal.
3. A regra geral é a aplicação da lei vigente à época dos fatos (tempus regit actum). Portanto, só há crime se houver lei que o defina, sendo que esta lei deve, ainda, ser anterior ao fato que se pretende punir, de modo que lei posterior, em princípio, não poderá retroagir atingindo condutas praticadas anteriormente à sua vigência.
4. Essa regra tem uma exceção, que diz respeito à retroação da lei posterior ao fato quando ela for mais benéfica ao réu.
5. No caso concreto, os fatos ocorreram na data de 23/03/2006, quando ainda vigorava a Lei 6.368/76, a qual previa uma pena de 03 (três) a 15 (quinze) anos de reclusão e o pagamento de 50 (cinquenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa para o crime de tráfico de drogas (vide artigo 12 da Lei 6.368/76).
6. O magistrado a quo aplicou a pena de acordo com a Nova Lei de Drogas - Lei 11.343/2006, que passou a vigorar somente a partir de 08 de outubro de 2006, e que previa, em seu artigo 33, uma pena de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos de reclusão e o pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
7. Há jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e da Primeira Turma deste Tribunal Regional Federal no sentido de manter o cálculo da pena de acordo com a Lei 6.368/76 relativamente aos fatos ocorridos na sua vigência, aplicando a Lei 11.343/2006 apenas no que for benéfico ao acusado.
8. Sentença anulada de ofício.

Deste modo, cumpre proceder ao cálculo da pena privativa de liberdade considerando os pontos mais favoráveis à ré consignados nas sentenças de primeiro grau, observando-se, ainda, a vedação da reformatio in pejus.

Na primeira fase, o magistrado a quo ponderou como circunstâncias judiciais negativas a culpabilidade exacerbada, as circunstâncias e consequências do crime.

A Defesa pretende a fixação da pena-base no mínimo legal.

Assiste em parte o pedido da defesa.

Em relação à culpabilidade, o fato de a ré não ter agido de inopino, mas com tempo de refletir a respeito da conduta e persistir no intento criminoso, constitui circunstância ínsita à circunstância judicial em foco.

Por outro lado, a significativa quantidade e a alta nocividade da droga apreendida (cocaína) permitem a fixação da pena-base acima do mínimo legal, antes mesmo que viesse à lume a norma do art. 42 da Lei nº 11.343/06, que, aliás, estabelece estes dois parâmetros como circunstâncias preponderantes àquelas do art. 59 do Código Penal.

É pacífica a jurisprudência neste sentido:

"PENAL - PROCESSO PENAL - TRÁFICO TRANSNACIONAL DE ENTORPECENTES - EMBARGOS INFRINGENTES - DIVERGÊNCIA, RESTRINGIDA PELO PRÓPRIO EMBARGANTE, QUANTO À POSSIBILIDADE DE SE CONSIDERAR A NATUREZA DA DROGA APREENDIDA EM SEU PODER PARA AUMENTAR A PENA-BASE - QUESTÃO QUE SE REVOLVE À LUZ DO PRECEITO CONTIDO NO ARTIGO 42 DA LEI 11.343/2006 - EMBARGOS DESPROVIDOS. 1- O embargante, em suas razões recursais, restringiu o recurso à divergência havida na dosimetria da pena-base, razão pela qual os dissídios referentes ao quantum de aumento da pena pela transnacionalidade do tráfico e à aplicação da minorante prevista no art. 33, §4º, da Lei nº. 11.343/06, não foram devolvidos ao conhecimento desta E. Primeira Seção. 2- Sobre a possibilidade de o embargante restringir a divergência objeto dos embargos infringentes em matéria penal confira-se o voto proferido nos autos dos EIfNu nº 2010.61.19.004482-8, julgado em 21.11.2013, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 29.11.2013. 3- É praticamente pacífico nos tribunais pátrios o entendimento de que, em casos envolvendo o tráfico de entorpecentes, a qualidade e a quantidade de droga apreendida são circunstâncias que devem ser sopesadas na primeira fase de individualização da pena, nos termos do artigo 42 da Lei 11.343/2006 c.c. artigo 59 do Código Penal. Precedentes do STF e do STJ. 4- Sem dúvida, a natureza da substância entorpecente, a par da quantidade apreendida, exerce papel de grande relevância na individualização da pena a ser aplicada em retribuição à prática de cada um dos delitos previstos na Lei 11.343/2006, pois permite deduzir o grau de periculosidade concreta de sua conduta. 5- É importante ressaltar, ademais, que, conforme ensinamento doutrinário, desde antes do advento do artigo 42 da Lei 11.343/2006, a jurisprudência pátria já admitia que a natureza e a quantidade da substância entorpecente fossem levadas em consideração na dosimetria da pena, de sorte que o preceito em questão só veio positivar uma prática de há muito vigente nos tribunais de nosso País. 6- Na hipótese dos autos, deve prevalecer o entendimento sufragado no voto-condutor, admitindo-se, destarte, que não só a significativa quantidade- 12,804 kg -, mas também a natureza da substância entorpecente encontrada em poder do embargante - cocaína -, sejam utilizadas para aumentar a pena-base, a par da censurável personalidade do acusado e dos motivos reprováveis do crime. 7- Embargos infringentes a que se nega provimento." (destaquei)
(EIFNU 00110468820104036119, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES, TRF3 - PRIMEIRA SEÇÃO, e-DJF3 Judicial 1 DATA:19/12/2013 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA. PREPONDERÂNCIA. VETORES UTILIZADOS PARA A FIXAÇÃO DA PENA-BASE. POSSIBILIDADE.
1. Consoante firme entendimento desta Corte, a quantidade e a qualidade do entorpecente devem preponderar no momento de fixação da pena-base. Precedentes.
2. Assim, considerando-se a apreensão, na espécie, de 4.985g de cocaína, bem como que a ponderação das circunstâncias judiciais não configura mera operação aritmética, em que se dá pesos absolutos a cada uma, mostra-se justificado o aumento em 02 anos da pena-base."
(STJ - Ag no REsp - 1317708/SP - Ministro Relator JORGE MUSSI - DJe 29.10.13)

Como consabido, o potencial lesivo da droga é conferido pelo seu princípio ativo, sendo desnecessária a verificação do grau de pureza do entorpecente apreendido.

Ademais, os efeitos da droga podem ser mais ou menos acentuados dependendo da maneira pela qual é ingerida e do processo de refino onde são adicionadas diversas substâncias (processo pelo qual obrigatoriamente passa a droga apreendida, em casos como o dos autos, antes de ser distribuída ao usuário final), variáveis estas que fogem da análise em questão.

In casu, tendo em vista a quantidade da droga apreendida (1.415 gramas) e sua natureza (cocaína) afigura-se razoável o recrudescimento maior da pena-base.

Assim, mantenho a fração de aumento de 1/6 (um sexto) aplicado na sentença anulada, o que soma a pena de 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão e o pagamento de 58 (cinquenta e oito) dias-multa, com fulcro na Lei n. 6.368/76.

Na segunda fase não foram consideradas circunstâncias agravantes ou atenuantes. No entanto, a atenuante da confissão (art. 65, III, "d" do CP) deve ser aqui considerada, já que houve confissão extrajudicial utilizada na fundamentação da sentença (Súmula n. 545 do STJ), mesmo que, em sede judicial, tenha a ré negado a imputação a ela irrogada. Assim, reduzo em 1/6 (um sexto) a sanção penal, levando ao mínimo legal de 03 anos de reclusão e 50 dias-multa, no piso legal, tendo em vista o disposto na Súmula 231 do STJ.

Na terceira fase, aplicável a causa de aumento prevista no artigo 18, inciso I da Lei n.º 6.368/76, porquanto, conforme fundamentado por ocasião da análise da transnacionalidade e autoria, restou amplamente demonstrado que a substância entorpecente tinha como destino a cidade de Zurique/Suíça.

Registro, por oportuno, que a distância a ser percorrida pela droga não é variável a ser cotejada para recrudescimento da sanção, conforme precedentes desta Corte Regional (ACR 0004259-72.2012.4.03.6119, Segunda Turma, Rel. Des. Fed. CECILIA MELLO, e-DJF3 Judicial 1 03/07/2014; ACR 0009743-05.2011.4.03.6119, Quinta Turma, Rel. Des. Fed. LUIZ STEFANINI, e-DJF3 Judicial 1:24/06/2014).

Não procede o argumento de que constitui bis in idem a aplicação da causa de aumento da internacionalidade porque a conduta "exportar " do artigo 12 da Lei nº 6.368/76 (atualmente prevista no art. 33 da Lei nº 11.343/2006) já revela, de forma ínsita, a transnacionalidade do delito.

O argumento suscitado é absolutamente desconexo com a denúncia e a condenação. A ré foi denunciada e condenada por "trazer consigo, para fins de comércio ou entrega de qualquer forma a consumo de terceiros no exterior" cocaína em sua bagagem. Nesse sentido aponto precedentes deste Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES... INTERNACIONALIDADE DO TRÁFICO COMPROVADA - INOCORRÊNCIA DE BIS IN IDEM...1. Réu condenado pela prática de tráfico internacional de entorpecentes porque trazia consigo em sua bagagem, dentro de um carregador de bateria para automóveis, para fins de comércio ou entrega de qualquer forma a consumo de terceiros, no exterior, 2.685g (dois mil seiscentos e oitenta e cinco gramas) - peso líquido - de cocaína, substância entorpecente que determina dependência física e/ou psíquica, sem autorização legal ou regulamentar...9. internacionalidade do tráfico comprovada pelo fato de o réu ter sido abordado trazendo consigo cocaína no interior do Aeroporto Internacional de São Paulo, em Guarulhos, prestes a embarcar para o exterior, restando clara e evidente sua intenção de transportar a droga para fora do país, fato suficiente para considerar o crime consumado e para caracterizar a internacionalidade do tráfico perpetrado, ainda que não efetivada a internação da droga em território estrangeiro. 10. Não há que se cogitar da ocorrência de bis in idem, como inutilmente almeja a defesa diante do frágil argumento de que o verbo " exportar ", contido no caput do artigo 33 da Lei nº 11.343/06, já conteria a causa da internacionalidade . É que o crime previsto no artigo 33 da Lei nº 11.343/06 caracteriza-se como tipo penal misto alternativo, e o réu foi denunciado e posteriormente condenado pela conduta de transportar e trazer consigo substância entorpecente destinada à exportação para a Tailândia, e não pela conduta de exportar droga...
TRF 3ª Região, 1ª Turma, ACR 00040507420104036119, Rel. Des.Fed. Johonsom di Salvo, j. 31/07/2012, DJe 06/08/2012
PENAL/PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS . LEI Nº 11.343/06. MATERIALIDADE E AUTORIA. COMPROVAÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. REDUÇÃO DA PENA-BASE.... VI - In casu, a cocaína apreendida em poder das rés era de procedência venezuelana e estava sendo transportada para Portugal, incluindo-se em tal trajeto o Brasil. As rés foram detidas quando estavam prestes a embarcar com a droga com destino ao exterior. VII - Aplicável, portanto, o artigo 40, I, da Lei nº 11.343/06. VIII - Não há de se falar em bis in idem pela aplicação concomitante do artigo 33 e a causa de aumento do artigo 40, I, ambos da Lei nº 11.343/06. As rés não foram condenadas por " exportar " e sim por trazerem consigo a droga, não havendo incompatibilidade entre o núcleo do verbo " exportar " e a causa de aumento relativa à transnacionalidade...
TRF 3ª Região, 2ª Turma, ACR 0001809-35.2007.4.03.6119, Rel. Des.Fed. Cecilia Mello, j. 23/11/2010, DJe 02/12/2010
PENAL - PROCESSUAL PENAL - TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES... INTERNACIONALIDADE DEMONSTRADA...
6. A majorante prevista no artigo 18, inciso I, da Lei n.º 6368/76, aplica-se ao tráfico com o exterior, seja quando o tóxico venha para o Brasil, seja quando esteja em vias de ser exportado. Portanto, é evidente, in casu, a tipificação do tráfico internacional de entorpecentes, já que a transportadora da droga foi presa quando estava prestes a embarcar em vôo com destino à Amsterdã/Holanda. 7. O réu foi tido como incurso no artigo 12 do mesmo diploma legal, pela conduta de " transportar" o entorpecente para exterior e não " exportar ". Outrossim, exsurge, da simples leitura do dispositivo legal, que a referida causa de aumento tem como escopo apenar de maneira mais severa aqueles criminosos que atuam cruzando fronteiras nacionais, demonstrando maior ousadia e organização em sua empreitada criminosa.
TRF 3ª Região, 5ª Turma, ACR 0008101-75.2003.4.03.6119, Rel. Des. Fed. Ramza Tartuce, j. 22/03/2010, DJe 12/04/2010

Dessa forma, é de ser aplicada a causa de aumento do artigo 18, inciso I da Lei 6.368/76.

Neste ponto, tenho que a fração de aumento também se limita ao quantum mínimo, que para Lei n. 11.343/06, mais favorável, consiste em 1/6 (um sexto), o que resulta na pena de 03 anos e 06 meses de reclusão e pagamento de 58 dias-multa.

Ainda na terceira fase, foi reconhecida a incidência da causa de diminuição do §4º do artigo 33 da Lei n. 11.343/06, no patamar de 1/2 (metade).

Pretende a defesa a aplicação da referida causa de diminuição no patamar máximo.

Quanto ao ponto, destaco ser incabível a benesse do § 4º do art. 33 da Lei Antidrogas, que deve ser reservada a pequenos traficantes domésticos de drogas em princípio consideradas mais leves, em quantias ínfimas, e não a traficantes internacionais de grandes quantidades de entorpecentes, extremamente lesivos à saúde pública, tal como a cocaína - como é a hipótese vertente nos autos. A increpada fazia parte de forma habitual ou não de quadrilha organizada para o tráfico transnacional de drogas, integrando, ainda que de maneira menos relevante, a organização delituosa, sendo condição imprescindível para a entrega da carga da droga, que esta realizasse seu transporte via aérea ao exterior, o que arreda a aplicação da aludida causa de diminuição de pena. O E. STJ vem tendo a compreensão que as chamadas "mulas" integram, de qualquer forma, organização criminosa, não fazendo jus ao beneplácito em comento:

"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ART. 33, CAPUT, C/C O ART.
40, I, AMBOS DA LEI 11.343/2006. PACIENTE CONDENADA À PENA CORPORAL DE 5 ANOS E 10 MESES DE RECLUSÃO, EM REGIME FECHADO. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. NÃO RECONHECIMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. AUSÊNCIA DE BIS IN IDEM. CIRCUNSTÂNCIAS QUE DENOTAM QUE A PACIENTE INTEGRA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. TRANSPORTE DE ELEVADA QUANTIDADE DE DROGA. REGIME PRISIONAL FECHADO ESTABELECIDO COM BASE EM FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. REGIME MAIS GRAVOSO MANTIDO. NÃO APLICAÇÃO DO ART. 44 DO CP, ANTE O MONTANTE DA PENA APLICADA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
- O Superior Tribunal de Justiça, seguindo entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, passou a não admitir o conhecimento de habeas corpus substitutivo de recurso previsto para a espécie. No entanto, deve-se analisar o pedido formulado na inicial, tendo em vista a possibilidade de se conceder a ordem de ofício, em razão da existência de eventual coação ilegal.
- O atual entendimento desta Corte é no sentido de que o agente que transporta drogas na qualidade de "mula" do tráfico, como regra, integra organização criminosa. Precedentes.
- Do mesmo modo, esta Corte vem decidindo que a quantidade da droga apreendida, por indicar a dedicação às atividades criminosas, pode embasar o não reconhecimento do tráfico privilegiado.
- Não há bis in idem quando o Tribunal a quo fixa a pena-base acima do mínimo em razão da quantidade elevada da droga apreendida e afasta o redutor do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, em razão da dedicação do paciente às atividades criminosas, que ficou evidenciada pela quantidade e nocividade da droga apreendida e pelas circunstâncias em que ocorreram o delito - Hipótese em que não foi aplicada a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 com base no fato de a paciente ser a transportadora contratada da droga, o que, aliado às circunstâncias em que o delito ocorreu, notadamente a expressiva quantidade da droga apreendida (1.033kg de cocaína), indicam que ela integrava organização criminosa. Alterar a conclusão das instâncias ordinárias implica, sem dúvida, revolver o acervo fático-probatório, inviável na estreita via do habeas corpus.
- Fica prejudicado o pleito de substituição da pena corporal por medidas restritivas de direitos, uma vez que a sanção aplicada é superior a 4 anos de reclusão e, por tal razão, não atende ao requisito objetivo do art. 44, I, do Código Penal.
- A manutenção do regime prisional mais gravoso para cumprimento inicial da reprimenda advém da quantidade da substância apreendida, a evidenciar a existência de circunstância judicial desfavorável à paciente, tanto que a pena-base foi estabelecida acima do mínimo legal, consoante o disposto no art. 33, § 3º, do CP e no art. 42 da Lei n. 11.343/2006.
- Habeas corpus não conhecido"
(HC 288.046/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 02/06/2016, DJe 08/06/2016)
"PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. PLEITO DE APLICAÇÃO DA MINORANTE DE TRÁFICO PRIVILEGIADO. CONDIÇÃO DE "MULA". INVIABILIDADE. REGIME PRISIONAL MAIS GRAVOSO. NATUREZA E QUANTIDADE DE DROGA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
2. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento firme no sentido de que o simples fato de o agente atuar como "mula" do tráfico de drogas é indicativo de que compõe organização criminosa.
Tal premissa, por si só, é suficiente para afastar a aplicação da minorante do art. 33, § 4º, da Lei de Drogas, razão pela qual não há falar em ilegalidade pela instância a quo.
3. Não se mostra ilegal a imposição do regime mais severo com fundamento na natureza e na expressiva quantidade de droga apreendida (2,884g de cocaína), uma vez que tais circunstâncias foram elencadas pelo próprio legislador como prevalecentes, nos termos do art. 33, § 3º, do Código Penal, c/c o art. 42 da Lei n.
11.343/2006.
4. Estabelecido o quantum da pena em patamar superior a 4 (quatro) anos, é inadmissível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, pela falta do preenchimento do requisito objetivo (art. 44, I, do Código Penal).
5. Habeas Corpus não conhecido"
(HC 339.299/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 03/05/2016, DJe 10/05/2016)

Contudo, à mingua de recurso da acusação quanto ao ponto e da proibição da reformatio in pejus, mantenho a aplicação da causa de diminuição no patamar estabelecido na sentença, reduzindo a pena em 1/2 (metade), resultando na pena definitiva de 01 ano e 09 meses de reclusão e pagamento de 29 dias-multa, no valor mínimo unitário.

Quanto à pena de multa, registro que se trata de sanção legalmente prevista, de forma cumulativa à pena privativa de liberdade, devendo ser portanto aplicada. Questões envolvendo a alegada impossibilidade de pagamento da multa devem ser veiculadas, oportunamente, pela via adequada.

No que tange ao regime inicial de cumprimento de pena, observo que o delito perpetrado tinha por objeto o transporte de quantidade considerável de cocaína, substância de elevada potencialidade lesiva, de modo que a fixação de regime inicial diverso do fechado, de fato, faz-se inadequado e insuficiente para a reprovação e prevenção do delito.

Acerca do tema já decidiu o E. Supremo Tribunal Federal:

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES (ARTIGO 33, CAPUT, DA LEI 11.343/06). ART. 2º, § 1º, DA LEI 8.072/90, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.464/07. INCONSTITUCIONALIDADE. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE SUPERIOR A 4 (QUATRO) ANOS E NÃO EXCEDENTE A 8 (OITO) ANOS. REGIME INICIAL SEMIABERTO (ART. 33, § 2º, ALÍNEA B, DO CP). CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. IMPOSIÇÃO DE REGIME MAIS GRAVOSO. POSSIBILIDADE. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS PARCIALMENTE PROVIDO APENAS PARA DETERMINAR AO JUÍZO DA EXECUÇÃO QUE VERIFIQUE SE O PACIENTE PREENCHE, OU NÃO, OS REQUISITOS NECESSÁRIOS À PROGRESSÃO DE REGIME . 1. O artigo 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, na redação conferida pela Lei 11.464/07 - que determina que o condenado pela prática de crime hediondo inicie o cumprimento da pena privativa de liberdade, necessariamente, no regime fechado - foi declarado inconstitucional pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sessão realizada em 27.06.12, ao julgar o HC 11.840, Relator o Ministro Dias Toffoli. Naquela ocasião, contudo, esta Corte destacou que, mesmo na hipótese de condenação por tráfico de entorpecentes, o regime inicial do cumprimento de pena não é mera decorrência do quantum da reprimenda, estando condicionado também à análise das circunstâncias judiciais elencadas no artigo 59 do Código Penal, a que faz remissão o art. 33, § 3°, do mesmo Código. 2. O regime inicial fechado revela-se possível, destarte, em condenações por tráfico de entorpecentes, mesmo para o cumprimento de pena inferior a 9 (oito) anos, desde que desfavoráveis as circunstâncias judiciais elencadas no artigo 59 do Código Penal. 3. In casu, considerada tão-somente a quantidade da pena aplicada (cinco anos e onze dias de reclusão), o paciente teria direito ao regime inicial semiaberto , nos termos do artigo 33, § 2º, alínea b, do Código Penal. Todavia, a fixação de regime mais gravoso, deu-se à luz das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal e, no caso da regência específica do crime de tráfico de entorpecentes, do art. 42 da Lei n. 11.343/2006, verbis: "O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente" (sem grifos no original). 4. Por outro lado, a análise do preenchimento, ou não, dos requisitos necessários à progressão de regime compete ao Juízo da Execução. 5. Recurso ordinário em habeas corpus parcialmente provido apenas para determinar ao Juízo da Execução que verifique se o paciente preenche, ou não, os requisitos necessários à progressão de regime."
(RHC 121063/MT, Rel. Min. LUIZ FUX, j. 25/02/2014, Primeira Turma)

Ainda nesse diapasão, acerca do início do regime de desconto de pena já decidiu este Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

(...) No caso dos autos, deve ser fixado o inicial fechado, único compatível com a prática de crimes extremamente gravosos à sociedade, tal como o verificado no caso presente, tratando-se de apreensão de grande quantidade de droga com potencial de causar consequências gravíssimas à saúde e à vida de número indeterminado de pessoas, sendo, pois, desfavoráveis aos acusados as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, c.c o art. 33, § 3º, ambos do Código Penal.
(ACR 54662/MS - 5ª T. - Rel. Juíza Federal Conv. Louise Filgueiras - e-DJF3 02.02.14).

Ademais, considerando as circunstâncias judiciais desfavoráveis ponderadas na primeira fase da dosimetria da pena, o regime inicial de cumprimento da pena deveria ser mais gravoso, tendo por fundamento o disposto no artigo 33, § 3º, do Código Penal.

Contudo, tendo o magistrado a quo fixado o regime aberto para início do cumprimento da pena e considerada a proibição da reformatio in pejus, é de se manter o regime estipulado na sentença.

Registro, por oportuno, que é incabível na hipótese em tela a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, em face do não preenchimento dos requisitos previstos no inc. III do art. 44 do Código Penal. Com efeito, a acusada subjetivamente não faz jus ao benefício, considerando que as circunstâncias judiciais não lhe são favoráveis, tanto que fixada a pena-base acima do mínimo legal, não se mostrando, ainda, a substituição socialmente recomendável.

Por esses fundamentos, dou parcial provimento ao recurso da defesa para reduzir a pena-base, de ofício, aplicar a circunstância atenuante da confissão (art. 65, III, "d" do CP), resultando na pena definitiva de 01 ano e 09 meses de reclusão, em regime inicial aberto, e pagamento de 29 dias-multa, em observância à coisa julgada e à vedação a reformatio in pejus indireta.

Eventual prescrição será oportunamente analisada na hipótese de superveniência de trânsito em julgado para a acusação.

É o voto

HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal Relator


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