Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 08/11/2017
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0010638-17.2016.4.03.6110/SP
2016.61.10.010638-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : RICARDO RODRIGUES FORTE
ADVOGADO : SP337777 EDUARDO ANTONIO DOS SANTOS e outro(a)
No. ORIG. : 00106381720164036110 3 Vr SOROCABA/SP

EMENTA

PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CIGARROS. CRIME DE CONTRABANDO. LICITUDE DA PROVA DA MATERIALIDADE DELITIVA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA INAPLICÁVEL. RECURSO MINISTERIAL PROVIDO.
1. Trata-se do crime de contrabando, praticado no exercício de atividade comercial (art. 334-A, §1º, IV, CP), considerando as informações acostadas a indicar que os cigarros estavam expostos à venda.
2. Consta na denúncia que foram apreendidos 879 (oitocentos e setenta e nove) maços de cigarro, de procedência estrangeira e introdução irregular no país, no estabelecimento comercial "Padaria do Ricardo", de propriedade do recorrido.
3. O contrabando de cigarros, de procedência estrangeira, de importação e comercialização proibidas no país, não pode ser considerado crime meramente fiscal, dado que o bem jurídico tutelado é a Administração Pública, nos seus interesses regulamentares que transcendem a mera tutela do aspecto meramente patrimonial, salvaguardando também, por exemplo, questões de saúde pública. De se constatar que a vedação ao contrabando de cigarros busca tutelar também a saúde pública, considerando as diversas regras nacionais e internacionais, e normas de controle a respeito do tema.
4. Inaplicável ao caso dos autos o princípio da insignificância. O entendimento consolidado da jurisprudência é de que no crime de contrabando não pode ser aplicado o princípio da insignificância, tendo em vista que o bem jurídico tutelado é a saúde pública. A destacada importância do bem jurídico tutelado e a reprovabilidade da conduta ofensiva ao bem comum impedem a aplicação do princípio da insignificância na hipótese em exame.
5. Em que pesem as recentes decisões tendentes a considerar a irrelevância penal da conduta quando a quantidade apreendida de cigarros contrabandeados é diminuta e não restar evidenciada a finalidade de mercancia, as peculiaridades do caso impossibilitam que o fato seja tido como excepcionalmente insignificante. À vista da vultosa quantidade de maços e da destinação comercial caracterizada, não restaram contemplados os requisitos aptos a ensejar a aplicação do princípio da insignificância, referentes à mínima ofensividade da conduta, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e à inexpressividade da lesão jurídica provocada.
6. Destaque-se, ainda, o teor da Súmula n. 709 do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o provimento de recurso em sentido estrito interposto contra a decisão que rejeita a denúncia importa no seu recebimento.
7. Recurso ministerial provido. Denúncia recebida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso ministerial, a fim de receber a denúncia oferecida em desfavor de RICARDO RODRIGUES FORTE, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 25 de outubro de 2017.
PAULO FONTES
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): PAULO GUSTAVO GUEDES FONTES:10067
Nº de Série do Certificado: 11A2170419468351
Data e Hora: 30/10/2017 13:31:18



RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0010638-17.2016.4.03.6110/SP
2016.61.10.010638-6/SP
RELATOR : Desembargador Federal PAULO FONTES
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : RICARDO RODRIGUES FORTE
ADVOGADO : SP337777 EDUARDO ANTONIO DOS SANTOS e outro(a)
No. ORIG. : 00106381720164036110 3 Vr SOROCABA/SP

RELATÓRIO

Trata-se de Recurso em Sentido Estrito interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, contra decisão de fls. 90/95, proferida pelo MM. Juízo Federal de Sorocaba/SP, que rejeitou a denúncia ofertada em face de RICARDO RODRIGUES FORTE, com base no artigo 395, III do Código de Processo Penal, em razão do reconhecimento do princípio da insignificância.

Narra a denúncia (fls. 87/88) que:


" No dia 14 de dezembro de 2016, por volta das 14 horas, na Rua Joaquim Cesário Rosa, nº 429, bairro Jd. Nova Pilar, Pilar do Sul, SP, RICARDO RODRIGUES FORTE mantinha em depósito, para posterior venda, 51 (cinquenta e um) pacotes de cigarros e 58 (cinquenta e oito) maços avulsos da marca "KOP", 24 (vinte e quatro) pacotes de cigarro e 36 (trinta e seis) maços avulsos da marca "San Marino", e 35 (trinta e cinco) maços de cigarro da marca "Eight", todos de origem estrangeira, somando 879 (oitocentos e setenta e nove) maços de cigarro.
Segundo consta, na data dos fatos, os policiais militares Geral Alves Feitoza Junir e Claudinei Antunes de Camargo avistaram um menor soltando pipa com a utilização de linha contendo "cerol" e, indagado de onde adquiriu, indicou o estabelecimento "Padaria do Ricardo". Dirigiram-se para o local, na Rua Joaquim Cesario Rosa, nº 429, bairro Jd. Nova Pilar, Pilar do Sul, Sp, de propriedade de RICARDO RODRIGUES FORTE e encontraram, além de linhas com "cerol" e as mercadorias para sua fabricação, grande quantidade de cigarros de origem estrangeira.
RICARDO RODRIGUES FORTE, proprietário da "Padaria do Ricardo", situado na Rua Joaquim Cesario Rosa, nº 429, bairro Jd. Nova Pilar, Pilar do Sul, SP, ao ser questionado, reconheceu a prática do crime, afirmando que efetuava a venda de cigarros de origem estrangeira para revenda. Declarou que adquiriu os cigarros de "Marcelo", não sabendo se este é seu verdadeiro nome, e que paga R$ 1,00 (um real) por maço de cigarro e revende por R$ 2,50 (dois reais e cinquenta centavos)." (g.n.)

O Juízo rejeitou a denúncia (fls. 90/95) sob o entendimento de que a conduta delitiva amolda-se ao crime de descaminho, e que, à vista da cifra diminuta dos tributos elididos, a conduta estaria abrangida pela insignificância. Diante disso, procedeu à absolvição, nos termos do artigo 395, III, do Código de Processo Penal.

Inconformado, o Ministério Público Federal interpôs o presente recurso (fls. 98/102), requerendo a reforma da decisão a fim de que a denúncia seja recebida. Aduz que o fato foi praticado após a vigência da Lei n.º 13.008/2014, sendo que, por tal, a conduta em exame amolda-se formalmente à descrição típica do delito de contrabando, contida no art. 334-A do Código Penal, e não ao delito de descaminho. Sustenta, ademais, a impossibilidade de aplicação do principio da insignificância à hipótese de contrabando de cigarros.

Contrarrazões às fls. 108/110.

A decisão recorrida foi mantida (fl. 111).

A D. Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo provimento do recurso (fls.114/119v).

É O RELATÓRIO.

Dispensada a revisão, na forma regimental.



VOTO

O recurso comporta provimento.

Como relatado, a decisão recorrida afastou o delito do artigo 334, §1º do Código Penal, em decorrência da aplicação do princípio da insignificância, ao fundamento de que não se dá a persecução penal em crimes de descaminho com valores de tributos sonegados inferiores ao patamar consolidado de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).

De acordo com informações da Receita Federal (fl. 79), o valor dos tributos elididos (R$ 2.446,61 - dois mil, quatrocentos e quarenta e seis reais, e sessenta e um centavos) está abaixo do patamar consolidado de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), nos termos do artigo 20 da Lei n.º 10.522/2002 e das Portarias n.º 75 e n.º130 do Ministério da Fazenda.

Contudo, tratando o caso dos autos da apreensão de 879 (oitocentos e setenta e nove) maços de cigarros, de origem estrangeira e introdução irregular, expostos à venda em estabelecimento comercial, aduzo ser inaplicável o princípio da insignificância.

Destaco o trecho extraído do interrogatório do recorrido, em sede policial (fl. 6):


"QUE é proprietário do armazém, nome fantasia "Padaria do Ricardo" situado na Travessa Joaquim Cesário Rosa, n 429, Jardim Nova Pilar, Pilar do Sul/SP; (...) QUE confirma que efetuava a venda de linhas com "cerol" e também de cigarros de origem estrangeira; QUE teve dificuldades em receber produtos da empresa SOUZA CRUZ e acabou por adquirir cigarros de origem estrangeira para revenda."

O entendimento consolidado na Jurisprudência é de que no crime de contrabando não pode ser aplicado o princípio da insignificância, tendo em vista que o bem jurídico tutelado é a saúde pública. A destacada importância do bem jurídico tutelado e a reprovabilidade da conduta ofensiva ao bem comum impedem a aplicação do princípio da insignificância na hipótese em exame.

Ademais, o contrabando de cigarros de procedência estrangeira e de importação e comercialização proibidas no país não pode ser considerado crime meramente fiscal, dado que o bem jurídico tutelado é a Administração Pública, nos seus interesses regulamentares que transcendem a mera tutela do aspecto meramente patrimonial, salvaguardando também, por exemplo, questões de saúde pública.

De se constatar que a vedação ao contrabando de cigarros tutela também a saúde pública, consideradas as diversas regras nacionais e internacionais, e normas de controle a respeito do tema. Como observa Júlio Fabbrini Mirabete:


(...) são tutelados, também, a saúde, a higiene, a moral, a ordem pública, quando se trata de mercadorias proibidas, e até a indústria nacional, protegida pelas barreiras alfandegárias - Manual de Direito Penal, ed. 2001, vol. 3, p. 385

De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:


AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRABANDO DE CIGARRO S. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA . IMPOSSIBILIDADE. CRIME CONTRA A SAÚDE PÚBLICA. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. É aplicável ao crime de descaminho o princípio da insignificância , quando o valor do tributo iludido for inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).
2. Entretanto, o entendimento acima aplica-se apenas ao delito de descaminho, que corresponde à entrada ou à saída de produtos permitidos, elidindo, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou de imposto, não abrangendo, portanto, o crime de contrabando , cujo objetivo precípuo da tipificação legal é evitar o fomento de transporte e comercialização de produtos proibidos por lei.
3. Agravo regimental improvido.
(STJ - QUINTA TURMA - AGARESP 201300258894 - Relator: Ministro CAMPOS MARQUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PR), data de julgamento: 21/03/2013, data de publicação: 26/03/2013)
PENAL E PROCESSUAL PENAL - CONTRABANDO DE CIGARRO S DE PROCEDÊNCIA ESTRANGEIRA - MARCA DE IMPORTAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO PROIBIDAS, NÃO CONSTANTE DA RELAÇÃO DE MARCAS CADASTRADAS DA ANVISA (RESOLUÇÃO RDC 346, DE 02/12/2003) - ART. 334, CAPUT, PRIMEIRA PARTE, DO CÓDIGO PENAL - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - INAPLICABILIDADE - NOVA DEFINIÇÃO JURÍDICA DO FATO, QUANDO DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA - POSSIBILIDADE - PRECEDENTE DO STJ - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO PROVIDO.
I - A introdução, em território nacional, de cigarro s de origem estrangeira e de importação proibida, de marca não constante da Relação de Marcas Cadastradas da ANVISA (Resolução RDC 346, de 02/12/2003), ou a sua manutenção em depósito (arts. 2º e 3º do Decreto-lei 399, de 30/12/68), configura o delito de contrabando , tipificado no art. 337, caput, primeira parte, do Código Penal.
II - A vedação ao contrabando de cigarro s busca tutelar também a saúde pública, considerando as diversas regras nacionais e internacionais e normas de controle a respeito do tema. Como observa Júlio Fabbrini Mirabete, "são tutelados, também, a saúde, a higiene, a moral, a ordem pública, quando se trata de mercadorias proibidas, e até a indústria nacional, protegida pelas barreiras alfandegárias" (Manual de Direito Penal, ed. 2001, vol. 3, p. 385).
III - O contrabando de cigarro s, de procedência estrangeira, de importação e comercialização proibidas no país, não pode ser considerado crime meramente fiscal, seja porque a mercadoria de importação proibida não estaria sujeita à tributação, pela Fazenda Nacional, seja porque o bem jurídico tutelado é a Administração Pública, nos seus interesses que transcendem o aspecto meramente patrimonial, entre eles questões de saúde pública.
IV - Tanto na doutrina, como na jurisprudência, o princípio da insignificância configura causa supra-legal de exclusão da tipicidade, acaso presentes uma das seguintes hipóteses: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; d) inexpressividade da lesão jurídica provocada. Precedente do STF: HC 84.412-0/SP, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma do STF, unânime, DJU de 19/11/2004.
V - A importância do bem jurídico tutelado e a reprovabilidade da conduta ofensiva ao bem comum impedem a aplicação do princípio da insignificância , na hipótese em exame, que trata da prática de delito de contrabando . Precedentes do STJ e do TRF/1ª Região.
VI - Possibilidade da atribuição de nova definição jurídica ao fato, com base no art. 383 do CPP, para ajustar a conduta do acusado ao delito de contrabando quando do recebimento da peça acusatória, conforme entendimento do STJ: "Não há vedação a que se altere a capitulação logo no recebimento da exordial, nos casos em que é flagrante que a conduta descrita não se amolda ao tipo penal indicado na denúncia. Tal possibilidade, acentua-se ainda mais quando o tipo indicado e aquele aparentemente cometido possuem conseqüências jurídicas diversas, com reflexos imediatos na defesa no acusado. Nessas hipóteses, é patente o excesso de acusação (Precedentes do STJ e do STF). (...)" (STJ, HC 103763/MG, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª Turma, unânime, DJe de 16/03/2009).

Em que pesem as recentes decisões tendentes a considerar a irrelevância penal da conduta quando a quantidade apreendida de cigarros contrabandeados é diminuta e não houver indícios da finalidade de mercancia, as peculiaridades do caso impossibilitam que o fato seja tido como excepcionalmente insignificante.

À vista da vultosa quantidade de maços e da destinação comercial caracterizada, não restaram contemplados os requisitos aptos a ensejar a aplicação do princípio da insignificância, relativos à mínima ofensividade da conduta, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e à inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Portanto, tendo em vista que o crime imputado ao recorrido é o crime de contrabando e que, dadas as especificidades concretas do caso, é inaplicável o princípio da insignificância, a denúncia deve ser recebida.

Destaque-se, ainda, o teor da Súmula nº 709 do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o provimento de recurso em sentido estrito interposto contra a decisão que rejeita a denúncia importa no seu recebimento:


Súmula 709. Salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso ministerial, a fim de receber a denúncia oferecida em desfavor de RICARDO RODRIGUES FORTE, determinando o retorno dos autos ao Juízo a quo para o prosseguimento do feito.




PAULO FONTES
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): PAULO GUSTAVO GUEDES FONTES:10067
Nº de Série do Certificado: 11A2170419468351
Data e Hora: 31/08/2017 16:36:01