Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 01/12/2017
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007665-09.2009.4.03.6119/SP
2009.61.19.007665-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS
APELANTE : ANTONIO DE SOUSA COELHO
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00076650920094036119 4 Vr GUARULHOS/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. FACILITAÇÃO DECAMINHO. PRELIMINAR CERCEAMENTO DEFESA. OITIVA TESTEMUNHAS SEM PRESENÇA RÉU. NÃO ACOLHIDA. QUESTÃO PREJUDICIAL. DESNECESSIDADE DE INVESTIGAÇÃO DO DESCAMINHO. TIPICIDADE E DE DOLO COMPROVADOS. ERRO DE PROIBIÇÃO. NÃO CONFIGURADO. PRINCÍPIO INTERVENÇÃO MÍNIMA. NÃO APLICAÇÃO. DESCLASSIFICAÇÃO ART. 313-B, CP. NÃO CABÍVEL. DOSIMETRIA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.
1. Tribunais Superiores têm entendimento firmado no sentido de que a ausência do réu à audiência de oitiva de vítima e testemunhas configura nulidade relativa, devendo haver comprovação concreta do prejuízo sofrido à defesa. No caso concreto, os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório foram respeitados, vez que a Defensoria Pública da União estava presente na audiência de oitiva de testemunhas. Ademais, o apelante sequer indicou de que modo a renovação dos referidos atos processuais poderia beneficiá-lo, limitando-se a tecer considerações genéricas sobre o princípio do devido processo legal.
2. Em relação à configuração do crime de facilitação de contrabando ou descaminho, a jurisprudência é unânime no sentido de que se trata de crime formal, o qual possui conduta típica consistente em facilitar (promover, tornar propício) de forma comissiva ou omissiva, com infração de dever funcional de reprimir e combater o contrabando ou descaminho e prescinde, para sua configuração, do resultado material do descaminho. E mais. O tipo penal do artigo 318, do Código Penal protege a Administração Pública, especialmente nos aspectos da moralidade e da probidade administrativa, violadas pelo funcionário público.
3. Como bem assinalado na r. sentença, a carga liberada pelo acusado tinha evidentes sinais de adulteração: "a empresa Itamaracá Truck Imports Ltda., em 06/07/2004, realizou uma importação cuja descrição da mercadoria não se enquadra a seu objeto social. E foi assim durante os meses de julho e agosto de 2004, sendo as importações realizadas pelo Aeroporto Internacional de São Paulo/Guarulhos" (fls. 334). Mais especificamente, as mercadorias liberadas, correspondentes a produtos eletroeletrônicos e de informática, não condizem com o objeto social da empresa, qual seja, importação de pneumáticos, câmaras de ar, peças e acessórios automotivos.
4. Dessa forma, claro está que o apelante, apesar de ter consciência de que não poderia liberar as cargas, sem autorização superior e fiscalização mais detalhada, assim procedeu, assumindo o risco, uma vez que já havia suspeita em relação às cargas e à licitude da importação, praticando o crime de facilitação ao contrabando e ao descaminho com dolo eventual.
5. A defesa pleiteia, ainda, exclusão da culpabilidade do réu em virtude de ter incorrido em erro de proibição, vez que seu acesso no sistema permitia o desembaraço das cargas, o que o fez sentir-se legitimado a prosseguir na liberação da mercadoria. No caso dos autos, o simples fato do apelante possuir um perfil de supervisor no sistema da Receita Federal, não lhe dava poderes para agir em desconformidade com os ditames legais. Além do mais, a carga havia sido indisponibilizada pelo auditor fiscal de pista Sérgio Gonçalves, o que, no mínimo, deveria tê-lo feito desconfiar da licitude da mercadoria, tomando maiores cuidados na análise da documentação em comparação com a carga importada. Sendo assim, não há que se falar em exclusão da culpabilidade por erro de proibição.
6. Inicialmente, cumpre ressaltar que o princípio da intervenção mínima rege e limita o poder punitivo estatal e significa que o direito penal só deve intervir quando os demais ramos do direito não forem suficientes para proteger os bens jurídicos considerados de maior importância. O direito penal deve intervir o mínimo possível na vida em sociedade. Alega a defesa que, no caso em análise, não se deve aplicar o direito penal, vez que o apelante já fora "apenado severamente" na esfera administrativa com a demissão do serviço. Vale ressaltar que a sentença criminal somente afastará a punição administrativa se reconhecer a não ocorrência do fato ou a negativa de autoria.
7. Pese embora o réu tenha alterado o sistema de informações da Receita Federal, tal conduta tinha o objetivo de facilitar o delito de descaminho, por meio da liberação de mercadorias indisponibilizadas em razão de suspeita de irregularidades. Sendo assim, a conduta perpetrada pelo apelante amolda-se ao tipo penal do artigo 318, do Código Penal.
8. Apelação não provida.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação defensiva para, manter a condenação do réu, como incurso no artigo 318, do Código Penal, às penas de 03 (três) anos de reclusão, em regime aberto, e 10 (dez) dias-multa, na razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do pagamento, atualizada monetariamente. Substituo a pena privativa de liberdade por 02 (duas) penas restritivas de direito, quais sejam, prestação pecuniária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e prestação de serviços à comunidade ou entidade pública, pelo mesmo prazo da pena corporal. Alterar, de ofício, a destinação da pena de prestação pecuniária para a União Federal. Por maioria, determinar a imediata expedição de guia de execução, nos termos do voto do Des. Fed. Valdeci dos Santos, acompanhado pelo Des. Fed. Hélio Nogueira, vencido o Des. Fed. Wilson Zauhy que entende deva ser determinada a expedição de guia somente após o trânsito em julgado.



São Paulo, 14 de novembro de 2017.
VALDECI DOS SANTOS
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007665-09.2009.4.03.6119/SP
2009.61.19.007665-7/SP
RELATOR : Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS
APELANTE : ANTONIO DE SOUSA COELHO
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00076650920094036119 4 Vr GUARULHOS/SP

VOTO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS:

1.Das preliminares.

1.1.Preliminar de cerceamento de defesa.

Com relação à preliminar de cerceamento de defesa, em razão de testemunhas terem sido ouvidas sem a presença do acusado, os Tribunais Superiores têm entendimento firmado no sentido de que a ausência do réu à audiência de oitiva de vítima e testemunhas configura nulidade relativa, devendo haver comprovação concreta do prejuízo sofrido à defesa. In verbs:

"HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ALEGAÇÃO DE NULIDADE. OITIVA DE TESTEMUNHAS SEM A PRESENÇA DE RÉU PRESO. DISPENSA PELO ADVOGADO CONSTITUÍDO. INTELIGÊNCIA DO ART. 565 DO CPP. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. PRECEDENTES. SUPOSTO VÍCIO OCORRIDO NA INSTRUÇÃO QUE DEVERIA TER SIDO SUSCITADO EM ALEGAÇÕES FINAIS (ART. 571, I DO CPP). ORDEM DENEGADA. 1. A ausência do paciente na audiência de oitiva de testemunhas não constitui nulidade de modo a comprometer os atos processuais, na medida em que, além de o paciente não ter manifestado a intenção de comparecer ao ato processual, houve expressa dispensa por parte do advogado constituído. Não cabe, portanto, a alegação de cerceamento de defesa, a teor do que dispõe o art. 565 do CPP: "Nenhuma das partes poderá arguir nulidade a que haja dado causa, ou para que tenha concorrido". 2. Ademais, em sede de repercussão geral, o Tribunal fixou o entendimento, mutatis mutandis aqui aplicável, de que não há nulidade na realização de audiência de oitiva de testemunha por carta precatória, se ausente réu preso que não manifestou expressamente a sua intenção em participar da audiência (RE 602.543-QO-RG, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO). 3. Não se pode ignorar, ainda, que a jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que o reconhecimento de nulidade dos atos processuais, em regra, a demonstração do efetivo prejuízo causado à parte (CPP, art. 563). 4. Na espécie, entretanto, o impetrante sequer indicou de que modo a renovação dos referidos atos processuais poderia beneficiar o paciente, limitando-se a tecer considerações genéricas sobre o princípio do devido processo legal. Caso a parte se considerasse prejudicada em seu direito, poderia ter se manifestado na audiência, em preliminar de alegações finais, ou até mesmo nos recursos interpostos contra a sentença de pronúncia (CPP, art. 571). Ocorre que a insurgência só foi veiculada depois do trânsito em julgado da sentença de pronúncia, vale dizer, cinco anos após a prática do ato processual. 5. Ordem denegada." (STF, HC 120759, Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 28/10/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-223 DIVULG 12-11-2014 PUBLIC 13-11-2014)
"HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. RÉU AUSENTE NA AUDIÊNCIA DE OITIVA DA TESTEMUNHA. NULIDADE RELATIVA. ALEGAÇÃO APENAS EM EMBARGOS DECLARATÓRIOS AO ACÓRDÃO QUE CONFIRMOU A CONDENAÇÃO. PROCESSO QUE OBEDECEU RIGOROSAMENTE OS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. PRECEDENTES DO STJ. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA.
1. De acordo com a remansosa jurisprudência desta Corte, a ausência do réu à audiência realizada para oitiva das testemunhas e vítimas configura nulidade relativa, de sorte que deve ser alegada oportunamente e depende da comprovação concreta do prejuízo sofrido. Inteligência do art. 564 do CPP e da Súmula 523 do STF. Precedentes.
2. No caso concreto, os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório foram sobejamente respeitados, sendo certo que o Defensor do acusado esteve presente na audiência de ouvida da testemunha, quedando-se silente quanto à ausência de seu assistido na sala de sessão, somente se insurgindo contra tal fato por ocasião da oposição de Embargos Declaratórios contra o acórdão que julgou a Apelação defensiva, não havendo sequer insinuação sobre qual teria sido o prejuízo sofrido, razão pela qual é totalmente vazia a alegação de nulidade.
3. Parecer do MPF pela denegação da ordem.
4. Ordem denegada." (STJ, HC 123.917/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 03/05/2011, DJe 30/05/2011)
No processo penal, como cediço, não se declara nulidade de ato, se dele não resultar prejuízo comprovado para o réu, consoante o disposto no art. 564, do Código de Processo Penal e na Súmula 523 do STF, segundo a qual "nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa".

No caso concreto, os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório foram respeitados, vez que a Defensoria Pública da União estava presente na audiência de oitiva de testemunhas. Ademais, o apelante sequer indicou de que modo a renovação dos referidos atos processuais poderia beneficiá-lo, limitando-se a tecer considerações genéricas sobre o princípio do devido processo legal.

Sendo assim, não merece prosperar a alegação deduzida, restando afastada a questão preliminar arguida.

2.Do mérito.

2.1.Da questão prejudicial de não investigação do delito de descaminho.

Alega o apelante questão prejudicial, em virtude de não ter sido apurado o delito de descaminho.

Entretanto, em relação à configuração do crime de facilitação de contrabando ou descaminho, a jurisprudência é unânime no sentido de que se trata de crime formal, o qual possui conduta típica consistente em facilitar (promover, tornar propício) de forma comissiva ou omissiva, com infração de dever funcional de reprimir e combater o contrabando ou descaminho e prescinde, para sua configuração, do resultado material do descaminho.
E mais. O tipo penal do artigo 318, do Código Penal protege a Administração Pública, especialmente nos aspectos da moralidade e da probidade administrativa, violadas pelo funcionário público.

Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

"PENAL. RECURSO ESPECIAL. FACILITAÇÃO DE DESCAMINHO. ART. 619 DO CP. ARGUMENTAÇÃO DE VIOLAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA N. 284 DO STF. LUGAR DO CRIME. COMPETÊNCIA RELATIVA. DELAÇÃO ANÔNIMA. VALIDADE DESDE QUE CORROBORADA POR OUTROS ELEMENTOS DE INFORMAÇÃO. REVISÃO DA VEROSSIMILHANÇA. SÚMULA N. 7 DO STJ. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. VIOLAÇÃO GENÉRICA À LEI FEDERAL, SEM ESPECIFICAÇÃO DE DISPOSITIVO LEGAL. SÚMULA N° 284 DO STF. QUEBRA DE SIGILO FISCAL, CONDUÇÃO DO INQUÉRITO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO E EXCESSO DAS AUTORIDADES POLICIAIS. MATÉRIAS NÃO ANALISADAS NA ORIGEM. SÚMULA N. 282 DO STF. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. TESE DE QUE A PROVA PODIA SER REALIZADA POR OUTROS MEIOS. SÚMULA N. 7 DO STJ. RECURSO ESPECIAL QUE PRETENDE DISCUTIR, AMPLAMENTE, VIOLAÇÕES NÃO ANALISADAS PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA N. 352 DO STF. ART. 318 DO CP. CRIME FORMAL QUE PRESCINDE DO RESULTADO MATERIAL DO DESCAMINHO. PROVA DA AUTORIA DELITIVA E DOLO. SÚMULA N. 7 DO STJ. RECURSO ESPECIAL QUE NÃO ATACOU TODOS OS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA N. 283 DO STJ. CRIME IMPOSSÍVEL. NÃO OCORRÊNCIA. FLAGRANTE ESPERADO. RECURSOS NÃO PROVIDOS. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE DOCUMENTOS DEFERIDO.
(...)
12. O crime do art. 318 do CP é formal e consuma-se com a efetiva concreção da conduta descrita no tipo penal, vale dizer, com a facilitação, mediante infração de dever funcional, da prática do descaminho, independentemente da consumação do crime de descaminho. Todas as alegações atinentes ao crime de descaminho são irrelevantes para a tipificação do crime previsto no art. 318 do CP.
13. A falta de impugnação a fundamentos do acórdão recorrido, suficientes para a manutenção do decisum, justifica a aplicação da Súmula n. 283 do STJ.
14. Contraditar as provas de autoria delitiva e a conclusão de que houve dolo implica na incursão em elementos fáticos e probatórios, inadmissível na via do recurso especial. Súmula n. 7 do STJ.
15. A violação à probidade foi captada no momento das interceptações telefônicas, ante as tratativas para que o sujeito ativo do descaminho fosse recepcionado por um dos recorrentes na alfândega. A Polícia Federal, no dia aprazado, registrou apenas o desenrolar dos fatos, no setor de desembarque, oportunidade em que não foi realizada a fiscalização tributária, consoante previamente ajustado pelos acusados.
16. Diligências policiais para efetuar o flagrante do crime de facilitação de descaminho e não para provocá-lo não podem ser confundidas com flagrante preparado, que torna impossível a consumação do crime.
17. A perda do cargo público não é efeito automático da condenação e depende de fundamentação específica, existente na hipótese, pois o acórdão recorrido destacou que "A medida se impõe em face da incompatibilidade em relação a permanência de agentes no exercício de função pública e a infringência de deveres funcionais, pessoas que tem por dever prevenir e reprimir crimes, violando dever ético e moral inerente à profissão".
(...)
20. Recursos especiais parcialmente conhecidos e, nessa extensão, não providos.
21. É certo que, a teor do art. 118 do CPP, "Antes de transitar em jugado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo". Entretanto, não faz sentido reter, por longo período, documentos particulares do requerente, quando não comprovado que interessam ao deslinde do processo e nem que possuem relação com os crimes objetos da denúncia. Pedido de restituição acolhido, mediante substituição dos documentos por cópias, a cargo do próprio requerente, o que, em última análise, irá salvaguardar eventual pretensão do Ministério Público." (REsp 1304871/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 18/06/2015, DJe 01/07/2015)

2.2.Da atipicidade da conduta e da ausência de dolo.

Por outro lado, pugna a defesa pela absolvição do acusado por atipicidade da conduta, tendo em vista que não houve qualquer comprovação da ausência de recolhimento, parcial ou total, de impostos, bem como ausência de dolo na conduta do agente.

Como bem assinalado na r. sentença, a carga liberada pelo acusado tinha evidentes sinais de adulteração: "a empresa Itamaracá Truck Imports Ltda., em 06/07/2004, realizou uma importação cuja descrição da mercadoria não se enquadra a seu objeto social. E foi assim durante os meses de julho e agosto de 2004, sendo as importações realizadas pelo Aeroporto Internacional de São Paulo/Guarulhos" (fls. 334).

Mais especificamente, as mercadorias liberadas, correspondentes a produtos eletroeletrônicos e de informática, não condizem com o objeto social da empresa, qual seja, importação de pneumáticos, câmaras de ar, peças e acessórios automotivos.

E a corroborar o quanto alegado, a testemunha Maura Aparecida Pessoa de Souza, representante legal da empresa Itamaracá Truck Imports Ltda., quando ouvida no procedimento administrativo disciplinar, aduziu que de acordo com o livro de controle de importações da empresa, a última importação ocorreu em junho de 2003 e apresentou notas fiscais com os mesmos números das notas que acompanharam as declarações de importação das mercadorias liberadas pelo réu. Em juízo, afirmou que sua empresa nunca importou equipamentos eletrônicos. Alegou, ainda, que fora chamada nos órgãos de fiscalização, porque sua empresa não havia pago os tributos referentes a mercadorias importadas, o que demonstra que tais notas são absolutamente suspeitas (mídia fls. 195).

Ademais, a carga foi indisponibilizada no sistema MANTRA pelo auditor fiscal da Receita Federal Sérgio Gonçalves em razão da constatação de irregularidades, sendo encaminhada para o canal vermelho. No setor específico de desembaraço de cargas, o auditor responsável deveria verificar a carga e conferir toda a documentação (mídia fls. 195).

Em seu interrogatório, o acusado confirmou que liberou as cargas da empresa Itamaracá Truck Imports Ltda., além de aduzir que tomou conhecimento das atribuições de um plantonista estabelecidas pela Instrução Normativa nº 179/2000, quais sejam, liberação de perecíveis, linha azul, etc., inclusive, citando que a EMBRAER possui privilégio para desembaraço de cargas. Quando o magistrado citou que o plantão era para desembaraço de situações emergenciais, cargas perecíveis, específicas e não eletroeletrônicos, o réu apenas confirmou com a cabeça, dando a entender que sabia das vedações mencionadas (mídia fls. 264).

Dessa forma, claro está que o apelante, apesar de ter consciência de que não poderia liberar as cargas, sem autorização superior e fiscalização mais detalhada, assim procedeu, assumindo o risco, uma vez que já havia suspeita em relação às cargas e à licitude da importação, praticando o crime de facilitação ao contrabando e ao descaminho com dolo eventual.

2.3.Da exclusão de culpabilidade por erro de proibição.

A defesa pleiteia, ainda, exclusão da culpabilidade do réu em virtude de ter incorrido em erro de proibição, vez que seu acesso no sistema permitia o desembaraço das cargas, o que o fez sentir-se legitimado a prosseguir na liberação da mercadoria.

No caso dos autos, o simples fato do apelante possuir um perfil de supervisor no sistema da Receita Federal, não lhe dava poderes para agir em desconformidade com os ditames legais.

O acusado, por ser auditor da Receita Federal, aprovado em concurso público, possuía conhecimentos suficientes para evitar o erro. Ele possuía condições de saber os limites de atuação que seu cargo lhe permitia, assim como o que era autorizado a ser liberado durante o plantão.

Como afirmou em seu interrogatório, o réu tomou conhecimento das atribuições de um plantonista estabelecidas pela Instrução Normativa nº 179/2000, o que corrobora o quanto explanado sobre a possibilidade de acesso às informações e de evitar o erro.

Além do mais, a carga havia sido indisponibilizada pelo auditor fiscal de pista Sérgio Gonçalves, o que, no mínimo, deveria tê-lo feito desconfiar da licitude da mercadoria, tomando maiores cuidados na análise da documentação em comparação com a carga importada.

Sendo assim, não há que se falar em exclusão da culpabilidade por erro de proibição.

2.4.Da aplicação do princípio da intervenção mínima.

Inicialmente, cumpre ressaltar que o princípio da intervenção mínima rege e limita o poder punitivo estatal e significa que o direito penal só deve intervir quando os demais ramos do direito não forem suficientes para proteger os bens jurídicos considerados de maior importância. O direito penal deve intervir o mínimo possível na vida em sociedade.

Alega a defesa que, no caso em análise, não se deve aplicar o direito penal, vez que o apelante já fora "apenado severamente" na esfera administrativa com a demissão do serviço.

Entretanto, não assiste razão à defesa.

Saliente-se que as instâncias administrativa e penal são independentes e o fato de o acusado ter sofrido punição pelos mesmos fatos na seara administrativa não obsta a apuração, e eventual condenação, no âmbito penal.

Vale ressaltar que a sentença criminal somente afastará a punição administrativa se reconhecer a não ocorrência do fato ou a negativa de autoria.

E nesse sentido é o entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, in verbs:

"PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. SERVIDOR PÚBLICO. INFRAÇÃO DISCIPLINAR. PENA DE DEMISSÃO. ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL POR FALTA DE PROVAS. NÃO VINCULAÇÃO DA INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA. INDEPENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 83/STJ. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA.
I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015.
II - É pacífico o entendimento no Superior Tribunal de Justiça segundo o qual as instâncias penal, civil e administrativa são independentes e autônomas entre si. Em razão disso, a repercussão da absolvição criminal nas instâncias civil e administrativa somente ocorre quando a sentença, proferida no Juízo criminal, nega a existência do fato ou afasta a sua autoria, o que não ocorreu na espécie.
III - O recurso especial, interposto pela alínea a e/ou pela alínea c, do inciso III, do art. 105, da Constituição da República, não merece prosperar quando o acórdão recorrido encontra-se em sintonia com a jurisprudência dessa Corte, a teor da Súmula n. 83/STJ.
IV - O Agravante não apresenta, no agravo, argumentos suficientes para desconstituir a decisão agravada.
V - Agravo Interno improvido." (AgInt no REsp 1375858/SC, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/05/2017, DJe 02/06/2017)

Ademais, o legislador pátrio achou por bem tipificar a conduta de facilitar o descaminho, para proteger o bem jurídico consistente na Administração Pública, por entender que a proteção efetivada pelas demais esferas do direito são insuficientes.

No mesmo sentido, o artigo 92, I, "a" do Código Penal, determina como efeito da sentença penal condenatória a perda do cargo público nos casos de crime praticado com abuso de poder ou crime praticado contra a Administração Pública, quando da aplicação de pena privativa de liberdade igual ou superior a 01 (um) ano.

Dessa forma, deve ser afastada a incidência do princípio da intervenção mínima.

2.5.Da desclassificação para o delito tipificado no artigo 313-B, do Código Penal.

Pleiteia a defesa a desclassificação da conduta para o delito tipificado no artigo 313-B, do Código Penal.

Contudo, não pode ser acolhida tal alegação. Vejamos.

O artigo 313-B, do Código Penal, possui a seguinte redação:

"Art. 313-B. Modificar ou alterar, o funcionário, sistema de informações ou programa de informática sem autorização ou solicitação de autoridade competente: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
Parágrafo único. As penas são aumentadas de um terço até a metade se da modificação ou alteração resulta dano para a Administração Pública ou para o administrado. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)"

Pese embora o réu tenha alterado o sistema de informações da Receita Federal, tal conduta tinha o objetivo de facilitar o delito de descaminho, por meio da liberação de mercadorias indisponibilizadas em razão de suspeita de irregularidades.

Sendo assim, a conduta perpetrada pelo apelante amolda-se ao tipo penal do artigo 318, do Código Penal.

3.Da dosimetria da pena.

Em relação à dosimetria da pena, bem analisou o MM. Juiz a quo fixando pena-base do acusado no mínimo legal, em razão de não haver circunstâncias que o desfavoreçam, assim fundamentando:

"F) circunstâncias e consequências: nada digno de nota, pois embora sua conduta, inequivocamente, cause abalo à imagem das instituições públicas e à higidez do sistema alfandegário, certo é que tais valores recebem alguma restauração quando o agente sofre punição, nos termos da lei. Quanto às consequências, não há elementos que autorizem a exasperação da pena-base, eis que não restou quantificado o valor de tributo omitido ou iludido na operação em tela." (fls. 340).

Não há circunstâncias atenuantes ou agravantes, nem qualquer causa de aumento ou de diminuição.

Assim, fixou a pena em 03 (três) anos de reclusão, em regime aberto, tornando-a definitiva. Com fundamento nos artigos 43, IV, 44 e 46, todos do Código Penal, substituiu a pena privativa de liberdade por 02 (duas) penas restritivas de direito, quais sejam, prestação pecuniária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) em favor da APAE, e prestação de serviços à comunidade ou entidade pública, pelo mesmo prazo da pena corporal.

Contudo, a sentença comporta reparo, de ofício, no tocante à destinação da pena de prestação pecuniária imposta ao réu, posto que, sendo a União Federal a entidade lesada com a ação delituosa, tais valores deverão ser revertidos aos seus cofres, em conformidade com o disposto no artigo 45, §1º, do Código Penal.

Por fim, mantenho os efeitos da condenação determinados na sentença, no tocante à perda do cargo público, com fundamento no artigo 92, I, "a", do Código Penal.

Ante o exposto, nego provimento à apelação defensiva para, manter a CONDENAÇÃO do réu, como incurso no artigo 318, do Código Penal, às penas de 03 (três) anos de reclusão, em regime aberto, e 10 (dez) dias-multa, na razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do pagamento, atualizada monetariamente. Substituo a pena privativa de liberdade por 02 (duas) penas restritivas de direito, quais sejam, prestação pecuniária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e prestação de serviços à comunidade ou entidade pública, pelo mesmo prazo da pena corporal. Altero, de ofício, a destinação da pena de prestação pecuniária para a União Federal, mantendo-se, no mais, o teor da r. sentença recorrida.

Expeça-se guia de execução, para imediato cumprimento das penas, nos termos do entendimento do STF (HC 126.292, ADCs 43 e 44 e ARE 964.246).

É o voto.

VALDECI DOS SANTOS
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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Data e Hora: 24/11/2017 15:55:08