Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 20/02/2018
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0000829-32.2014.4.03.6123/SP
2014.61.23.000829-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
REL. ACÓRDÃO : Desembargador Federal Andre Nekatschalow
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : DANIEL IVAN DAROZ
: JOSE LUIZ DAROZ
ADVOGADO : SP336518 MARCIO JOSE BARBERO e outro(a)
No. ORIG. : 00008293220144036123 1P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. DENÚNCIA. REJEIÇÃO. JUSTA CAUSA. PROVA DA MATERIALIDADE. SIGILO BANCÁRIO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. QUEBRA. ADMISSIBILIDADE.
1. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial Representativo de Controvérsia n. 1.134.665/SP, firmou o entendimento de que é lícito ao Fisco receber informações sobre a movimentação bancária dos contribuintes sem a necessidade de prévia autorização judicial, desde que seja resguardado o sigilo das informações, a teor do art. 1º, § 3º, VI, c. c. o art. 5º, caput, da Lei Complementar n. 105/01, c. c. o art. 11, §§ 2º e 3º, da Lei n. 9.311/96.
2. A controvérsia cinge-se ao emprego dessa prova para fins de instrução de processo-crime, pois há entendimento tanto no sentido de que para isso seria imprescindível decisão judicial para a quebra do sigilo bancário (STJ, HC n. 243.034, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 26.08.14, AGRESP n. 201300982789, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 19.08.14, RHC n. 201303405552, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 11.02.14), quanto no sentido de que, tendo sido a prova produzida validamente no âmbito administrativo, não há como invalidá-la posteriormente. Filio-me a esse entendimento, dado não se conceber nulidade a posteriori: a autoridade fiscal tem o dever jurídico (vinculado) de, ao concluir o lançamento de crédito constituído em decorrência de crime fiscal, proceder à respectiva comunicação ao Ministério Público para a propositura de ação penal. Não se compreende como, ao assim fazer, acabe por inviabilizar a persecutio criminis (STJ, HC n. 281.588, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 17.12.13; HC n. 48.059, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 12.06.06).
3. Resta confirmada a validade da aplicação imediata da Lei Complementar n. 105/01 em relação a fatos ocorridos anteriormente a sua vigência, pois se trata de norma caráter procedimental (STJ, HC n. 118.849, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, j. 07.08.12).
4. Anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal pronunciou-se sobre a constitucionalidade do referido procedimento no RE n. 601.314, com acórdão publicado em 16.09.16, bem como nas ADIs ns. 2390, 2859, 2397 e 2386, publicados os respectivos acórdãos em 21.10.16.
5. Do mesmo modo que o sigilo é transferido, sem autorização judicial, da instituição financeira ao Fisco e deste à Advocacia-Geral da União, para cobrança do crédito tributário, também o é ao Ministério Público, sempre que, no curso de ação fiscal de que resulte lavratura de auto de infração de exigência de crédito de tributos e contribuições, constate-se fato que configure, em tese, crime contra a ordem tributária (Decreto n. 2.730, de 10.08.98, art. 1º e Lei n. 9.430/96, art. 83).
6. Não se entrevê ilicitude no compartilhamento, com o Ministério Público Federal, dos dados protegidos pelo sigilo bancário que a Receita Federal obteve em conformidade com o art. 6º da Lei Complementar n. 105/01.
7. Na espécie, a denúncia é apta e apresenta justa causa, demonstrada pela existência de indícios suficientes de autoria e materialidade delitivas. O crédito tributário foi definitivamente constituído em 30.06.11 (cfr. fl. 773).
8. Recurso em sentido estrito provido.
9. Anulada a decisão recorrida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar provimento ao recurso em sentido estrito do Ministério Público Federal para anular a decisão que rejeitou a denúncia e determinar o retorno dos autos à Vara de origem para o prosseguimento da ação penal contra os recorridos, nos termos do relatório e voto condutor que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 22 de janeiro de 2018.
Andre Nekatschalow
Relator para o acórdão


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): ANDRE CUSTODIO NEKATSCHALOW:10050
Nº de Série do Certificado: 11A21704266A748F
Data e Hora: 14/02/2018 18:38:15



RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0000829-32.2014.4.03.6123/SP
2014.61.23.000829-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
REL. ACÓRDÃO : Desembargador Federal Andre Nekatschalow
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : DANIEL IVAN DAROZ
: JOSE LUIZ DAROZ
ADVOGADO : SP336518 MARCIO JOSE BARBERO e outro(a)
No. ORIG. : 00008293220144036123 1P Vr SAO PAULO/SP

VOTO CONDUTOR

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra a decisão (fls. 779/783) que rejeitou a denúncia oferecida contra Daniel Ivan Daroz e José Luiz Daroz pela prática do delito do art. 1º, I e II, da Lei n. 8.137/90 c. c. os arts. 29 e 71, ambos do Código Penal, por ausência de justa causa para o exercício da ação penal (CPP, art. 395, III).

Em suas razões recursais, o Ministério Público Federal aduz, em síntese:

a) a Receita Federal pode afastar o sigilo bancário, nos termos da Lei Complementar n. 105/01 e do Decreto n. 3.724/01;
b) a CR/88 não previu expressamente a cláusula de reserva de jurisdição para os casos de quebra do sigilo bancário, razão pela qual a Lei Complementar n. 105/01 teria disciplinado adequadamente a matéria; e
c) na espécie, se fez necessária a investigação a respeito da movimentação financeira da empresa dos acusados, não havendo tendo havido ofensa aos direitos de intimidade e privacidade do contribuinte, estando a matéria, ademais, vinculada à atuação da fiscalização e a indispensável elucidação da prática de delito (cfr. fls. 785/792).

Foram apresentadas contrarrazões (fls. 797/804).

O Juízo a quo manteve a decisão recorrida por seus próprios fundamentos (fl. 805).

O Ilustre Procurador Regional da República, Dr. João Francisco Bezerra de Carvalho, manifestou-se pelo conhecimento do recurso interposto como apelação, pois interposto contra sentença de absolvição sumária, tendo requerido seu provimento para a retomada da ação penal contra os acusados (fls. 806/812v.).

O Em. Relator, Des. Fed. Maurício Kato, negou provimento ao recurso, mantendo a decisão que rejeitou a denúncia.

Com a devida vênia, discordo do Em. Relator pelos motivos a seguir expostos.

Sigilo bancário. Processo administrativo. Quebra. Admissibilidade. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial Representativo de Controvérsia n. 1.134.665/SP, firmou o entendimento de que é lícito ao Fisco receber informações sobre a movimentação bancária dos contribuintes sem a necessidade de prévia autorização judicial, desde que seja resguardado o sigilo das informações, a teor do art. 1º, § 3º, VI, c. c. o art. 5º, caput, da Lei Complementar n. 105/01, c. c. o art. 11, §§ 2º e 3º, da Lei n. 9.311/96:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS REFERENTES A FATOS IMPONÍVEIS ANTERIORES À VIGÊNCIA DA LEI COMPLEMENTAR 105/2001. APLICAÇÃO IMEDIATA. ARTIGO 144, § 1º, DO CTN. EXCEÇÃO AO PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE.
1. A quebra do sigilo bancário sem prévia autorização judicial, para fins de constituição de crédito tributário não extinto, é autorizada pela Lei 8.021/90 e pela Lei Complementar 105/2001, normas procedimentais, cuja aplicação é imediata, à luz do disposto no artigo 144, § 1º, do CTN.
2. O § 1º, do artigo 38, da Lei 4.595/64 (revogado pela Lei Complementar 105/2001), autorizava a quebra de sigilo bancário, desde que em virtude de determinação judicial, sendo certo que o acesso às informações e esclarecimentos, prestados pelo Banco Central ou pelas instituições financeiras, restringir-se-iam às partes legítimas na causa e para os fins nela delineados.
3. A Lei 8.021/90 (que dispôs sobre a identificação dos contribuintes para fins fiscais), em seu artigo 8º, estabeleceu que, iniciado o procedimento fiscal para o lançamento tributário de ofício (nos casos em que constatado sinal exterior de riqueza, vale dizer, gastos incompatíveis com a renda disponível do contribuinte), a autoridade fiscal poderia solicitar informações sobre operações realizadas pelo contribuinte em instituições financeiras, inclusive extratos de contas bancárias, não se aplicando, nesta hipótese, o disposto no artigo 38, da Lei 4.595/64.
4. O § 3º, do artigo 11, da Lei 9.311/96, com a redação dada pela Lei 10.174, de 9 de janeiro de 2001, determinou que a Secretaria da Receita Federal era obrigada a resguardar o sigilo das informações financeiras relativas à CPMF, facultando sua utilização para instaurar procedimento administrativo tendente a verificar a existência de crédito tributário relativo a impostos e contribuições e para lançamento, no âmbito do procedimento fiscal, do crédito tributário porventura existente.
5. A Lei Complementar 105, de 10 de janeiro de 2001, revogou o artigo 38, da Lei 4.595/64, e passou a regular o sigilo das operações de instituições financeiras, preceituando que não constitui violação do dever de sigilo a prestação de informações, à Secretaria da Receita Federal, sobre as operações financeiras efetuadas pelos usuários dos serviços (artigo 1º, § 3º, inciso VI, c/c o artigo 5º, caput, da aludida lei complementar, e 1º, do Decreto 4.489/2002).
6. As informações prestadas pelas instituições financeiras (ou equiparadas) restringem-se a informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e os montantes globais mensalmente movimentados, vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados (artigo 5º, § 2º, da Lei Complementar 105/2001).
7. O artigo 6º, da lei complementar em tela, determina que: "Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.
Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária." 8. O lançamento tributário, em regra, reporta-se à data da ocorrência do fato ensejador da tributação, regendo-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada (artigo 144, caput, do CTN).
9. O artigo 144, § 1º, do Codex Tributário, dispõe que se aplica imediatamente ao lançamento tributário a legislação que, após a ocorrência do fato imponível, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros.
10. Conseqüentemente, as leis tributárias procedimentais ou formais, conducentes à constituição do crédito tributário não alcançado pela decadência, são aplicáveis a fatos pretéritos, razão pela qual a Lei 8.021/90 e a Lei Complementar 105/2001, por envergarem essa natureza, legitimam a atuação fiscalizatória/investigativa da Administração Tributária, ainda que os fatos imponíveis a serem apurados lhes sejam anteriores (Precedentes da Primeira Seção: EREsp 806.753/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 22.08.2007, DJe 01.09.2008; EREsp 726.778/PR, Rel. Ministro Castro Meira, julgado em 14.02.2007, DJ 05.03.2007; e EREsp 608.053/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em 09.08.2006, DJ 04.09.2006).
11. A razoabilidade restaria violada com a adoção de tese inversa conducente à conclusão de que Administração Tributária, ciente de possível sonegação fiscal, encontrar-se-ia impedida de apurá-la.
12. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 facultou à Administração Tributária, nos termos da lei, a criação de instrumentos/mecanismos que lhe possibilitassem identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte, respeitados os direitos individuais, especialmente com o escopo de conferir efetividade aos princípios da pessoalidade e da capacidade contributiva (artigo 145, § 1º).
13. Destarte, o sigilo bancário, como cediço, não tem caráter absoluto, devendo ceder ao princípio da moralidade aplicável de forma absoluta às relações de direito público e privado, devendo ser mitigado nas hipóteses em que as transações bancárias são denotadoras de ilicitude, porquanto não pode o cidadão, sob o alegado manto de garantias fundamentais, cometer ilícitos. Isto porque, conquanto o sigilo bancário seja garantido pela Constituição Federal como direito fundamental, não o é para preservar a intimidade das pessoas no afã de encobrir ilícitos.
14. O suposto direito adquirido de obstar a fiscalização tributária não subsiste frente ao dever vinculativo de a autoridade fiscal proceder ao lançamento de crédito tributário não extinto.
15. In casu, a autoridade fiscal pretende utilizar-se de dados da CPMF para apuração do imposto de renda relativo ao ano de 1998, tendo sido instaurado procedimento administrativo, razão pela qual merece reforma o acórdão regional.
16. O Supremo Tribunal Federal, em 22.10.2009, reconheceu a repercussão geral do Recurso Extraordinário 601.314/SP, cujo thema iudicandum restou assim identificado: "Fornecimento de informações sobre movimentação bancária de contribuintes, pelas instituições financeiras, diretamente ao Fisco por meio de procedimento administrativo, sem a prévia autorização judicial. Art. 6º da Lei Complementar 105/2001." 17. O reconhecimento da repercussão geral pelo STF, com fulcro no artigo 543-B, do CPC, não tem o condão, em regra, de sobrestar o julgamento dos recursos especiais pertinentes.
18. Os artigos 543-A e 543-B, do CPC, asseguram o sobrestamento de eventual recurso extraordinário, interposto contra acórdão proferido pelo STJ ou por outros tribunais, que verse sobre a controvérsia de índole constitucional cuja repercussão geral tenha sido reconhecida pela Excelsa Corte (Precedentes do STJ: AgRg nos EREsp 863.702/RN, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em 13.05.2009, DJe 27.05.2009; AgRg no Ag 1.087.650/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 18.08.2009, DJe 31.08.2009; AgRg no REsp 1.078.878/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 18.06.2009, DJe 06.08.2009; AgRg no REsp 1.084.194/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 05.02.2009, DJe 26.02.2009; EDcl no AgRg nos EDcl no AgRg no REsp 805.223/RS, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 04.11.2008, DJe 24.11.2008; EDcl no AgRg no REsp 950.637/MG, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 13.05.2008, DJe 21.05.2008; e AgRg nos EDcl no REsp 970.580/RN, Rel. Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, julgado em 05.06.2008, DJe 29.09.2008).
19. Destarte, o sobrestamento do feito, ante o reconhecimento da repercussão geral do thema iudicandum, configura questão a ser apreciada tão somente no momento do exame de admissibilidade do apelo dirigido ao Pretório Excelso.
20. Recurso especial da Fazenda Nacional provido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.
(STJ, REsp n. 1134665, Rel. Min. Luiz Fux, j. 25.11.09, para fins do art. 543-C do CPC)

A controvérsia cinge-se ao emprego dessa prova para fins de instrução de processo-crime, pois há entendimento tanto no sentido de que para isso seria imprescindível decisão judicial para a quebra do sigilo bancário (STJ, HC n. 243.034, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 26.08.14, AGRESP n. 201300982789, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 19.08.14, RHC n. 201303405552, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 11.02.14), quanto no sentido de que, tendo sido a prova produzida validamente no âmbito administrativo, não há como invalidá-la posteriormente. Filio-me a esse entendimento, dado não se conceber nulidade a posteriori: a autoridade fiscal tem o dever jurídico (vinculado) de, ao concluir o lançamento de crédito constituído em decorrência de crime fiscal, proceder à respectiva comunicação ao Ministério Público para a propositura de ação penal. Não se compreende como, ao assim fazer, acabe por inviabilizar a persecutio criminis:


HABEAS CORPUS (...). QUADRILHA E CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ARTIGO 288 DO CÓDIGO PENAL E ARTIGO 1º, INCISOS I E II, DA LEI 8.137/1990). ALEGADA NULIDADE DA AÇÃO PENAL. PROCESSO CRIMINAL QUE TERIA SIDO DEFLAGRADO A PARTIR DE PROVAS ILÍCITAS. AVENTADA IMPOSSIBILIDADE DE QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. LEI COMPLEMENTAR 105/2001. PERMISSÃO DE FORNECIMENTO DE INFORMAÇÕES PELAS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS DIRETAMENTE À RECEITA FEDERAL. NORMA NÃO DECLARADA INCONSTITUCIONAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO.
1. O Supremo Tribunal, nos autos do RE 601.314/SP reconheceu a repercussão geral do tema referente à possibilidade de as instituições financeiras fornecerem, diretamente ao Fisco, informações sobre a movimentação bancária dos contribuintes.
2. Todavia, esta Corte Superior de Justiça firmou entendimento no sentido de que o reconhecimento de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal não enseja o sobrestamento dos recursos especiais e ações em trâmite neste Sodalício.
3. O trancamento de ação penal ou de inquérito policial em sede de habeas corpus é medida excepcional, só admitida quando restar provada, inequivocamente, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático-probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito.
4. A 1ª Seção desta Corte Superior de Justiça, no julgamento do REsp 1.134.655/SP, submetido ao rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil, consolidou o entendimento de que a quebra do sigilo bancário sem prévia autorização judicial, para fins de constituição de crédito tributário é autorizada pela Lei 8.021/1990 e pela Lei Complementar 105/2001, normas procedimentais cuja aplicação é imediata.
5. No caso dos autos, não se vislumbra qualquer ilegalidade no procedimento adotado pela autoridade fiscal que, com base nas normas legais vigentes, solicitou as informações que os investigados não prestaram diretamente às instituições financeiras, a despeito de terem sido para tanto intimados.
6. Habeas corpus não conhecido.
(STJ, HC n. 281.588, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 17.12.13)
CRIMINAL. HC. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. DENÚNCIA BASEADA EM PROVAS ILÍCITAS. INOCORRÊNCIA. LEI COMPLEMENTAR N.º 105/2001. RETROATIVIDADE. DADOS BANCÁRIOS COLHIDOS PELA AUTORIDADE FISCAL. UTILIZAÇÃO NA SEARA PENAL. POSSIBILIDADE. APRESENTAÇÃO DOS EXTRATOS PELO PRÓPRIO RÉU. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL NÃO EVIDENCIADA. LEI COMPLEMENTAR N.º 105/2001. INCONSTITUCIONALIDADE. QUESTÃO NÃO ANALISADA PELO TRIBUNAL A QUO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E DENEGADA.
No campo tributário, esta Corte tem se orientado pela possibilidade de retroação do art. 6º da Lei Complementar n.º 105/2001 para atingir fatos geradores verificados anteriormente à sua vigência.
Precedentes da Primeira e Segunda Turmas.
Não havendo, a princípio, qualquer ilegalidade no procedimento adotado pelo fisco, nada impede que os resultados das diligências sejam encaminhados ao representante do Ministério Público Federal, o qual, visualizando possível incursão do paciente no tipo previsto no art. 1º, inciso I, da Lei n.º 8.137/90, busque a melhor averiguação dos fatos.
Se a conduta do acusado, consolidada ainda entre os anos de 1997 e 2000, já constituída, à época, suposto crime, o conhecimento posterior desse fato pelo Parquet, em decorrência de atividade legalmente autorizada à fiscalização tributária, não pode ser considerado ilícito, a inquinar de nulidade todas as provas posteriores e inviabilizar a investigação policial.
Descabido o argumento de impossibilidade de os dados fiscais do indiciado serem encaminhados ao Ministério Público, pois resta evidenciado que o próprio acusado colaborou com as investigações fiscais, apresentando os extratos bancários que, posteriormente, serviram de motivação para a constituição de crédito tributário e para a denúncia.
Se o argumento referente à inconstitucionalidade do art. 6º da Lei Complementar n.º 105/2001 não foi objeto de debate e decisão por parte de órgão colegiado do Tribunal de origem, sobressai a flagrante incompetência desta Corte para a análise desta parte da irresignação, sob pena de indevida supressão de instância.
Ordem parcialmente conhecida e, nesta extensão, denegada.
(STJ, HC n. 48.059, Rel. Min. Gilson Dipp, j. 12.06.06)

Resta confirmada a validade da aplicação imediata da Lei Complementar n. 105/01 em relação a fatos ocorridos anteriormente a sua vigência, pois se trata de norma caráter procedimental:


PENAL. TRIBUTÁRIO. HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. 1. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INVIABILIDADE. MEDIDA EXCEPCIONAL. 2. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES OBTIDAS A PARTIR DA ARRECADAÇÃO DA CPMF PARA A CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITO REFERENTE A OUTROS TRIBUTOS. ARTS. 6º DA LC 105/2001 E 11, § 3º, DA LEI Nº 9.311/1996 NA REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 10.174/2001. NORMAS DE CARÁTER PROCEDIMENTAL. APLICAÇÃO RETROATIVA. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO DO ART. 144, § 1º, DO CTN. 3. ORDEM DENEGADA (...).
2. A Lei Complementar nº 105/2001 revogou expressamente o art. 38 da Lei nº 4.595/1964, que autorizava a quebra de sigilo bancário apenas por meio de requerimento judicial.
3. Com o advento da Lei nº 9.311/1996, que instituiu a CPMF, determinou-se que as instituições financeiras responsáveis pela retenção dessa contribuição prestassem informações à Secretaria da Receita Federal, especificamente, sobre a identificação dos contribuintes e os valores globais das respectivas operações efetuadas, vedando, contudo, no seu § 3º a utilização desses dados para constituição do crédito relativo a outras contribuições ou impostos.
4. Todavia a Lei nº 10.174/2001 revogou o § 3º do art. 11 da Lei n.º 9.311/1991, permitindo a utilização das informações prestadas para a instauração de procedimento administrativo-fiscal a fim de possibilitar a cobrança de eventuais créditos tributários referentes a outros tributos.
5. O art. 144, § 1º, do CTN prevê que as normas tributárias procedimentais ou formais têm aplicação imediata, ao contrário daquelas de natureza material que somente alcançariam fatos geradores ocorridos durante a sua vigência.
6. Os dispositivos que autorizam a utilização de dados da CPMF pelo Fisco para apuração de eventuais créditos tributários referentes a outros tributos são normas procedimentais e, por essa razão, não se submetem ao princípio da irretroatividade das leis, ou seja, incidem de imediato, ainda que relativas a fato gerador ocorrido antes de sua entrada em vigor. Precedentes.
7. Habeas corpus denegado.
(STJ, HC n. 118.849, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, j. 07.08.12)

Anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal pronunciou-se sobre a constitucionalidade do referido procedimento no RE n. 601.314, com acórdão publicado em 16.09.16, bem como nas ADIs ns. 2390, 2859, 2397 e 2386, publicados os respectivos acórdãos em 21.10.16.

Do caso dos autos. Daniel Ivan Daroz e José Luiz Daroz foram denunciados pelo crime do art. 1º, I e II, da Lei n. 8.137/90, c. c. os arts. 29 e 71, ambos do Código Penal, porque, nos anos de 2002 a 2004, exercícios de 2003 a 2005, na condição de administradores da empresa Rigor Alimentos Ltda., de modo consciente e voluntário, suprimiram ou reduziram tributos e contribuições sociais, mediante omissão de informações às autoridades fazendárias e fraude em detrimento da fiscalização tributária.

De acordo com a denúncia (fls. 614/617), foram lavrados autos de infração (fls. 387, 407, 419 e 433) constitutivos de créditos tributários nos valores de R$ 17.042.867,56 (dezessete milhões, quarenta e dois mil, oitocentos e sessenta e sete reais e cinquenta e seis centavos), relativos ao IRPJ suprimido; R$ 3.327.119,64 (três milhões, trezentos e vinte e sete mil, cento e dezenove reais e sessenta e quatro centavos), relativos ao PIS; R$ 15.355.940,01 (quinze milhões, trezentos e cinquenta e cinco mil, novecentos e quarenta reais e um centavo), relativos à COFINS; e R$ 7.698.389,03 (sete milhões, seiscentos e noventa e oito mil, trezentos e oitenta e nove reais e três centavos), relativos à CSLL.

O parcelamento dos créditos tributários foi rescindido em 24.01.14 (cfr. fl. 539).

A denúncia foi recebida pela 1ª Vara da Justiça Federal em Bragança Paulista (SP) no dia 08.08.14 (fl. 620).

Os acusados opuseram exceção de incompetência (fls. 735/743), julgada procedente, tendo os autos sido remetidos ao Juízo Federal da 1ª Vara Criminal de São Paulo (SP) (cfr. fls. 748/749v., 751 e 757).

Considerando não haver impedimento na reconsideração da decisão que recebeu a denúncia pelo Juízo considerado incompetente, o Juiz a quo rejeitou a denúncia, por ausência de justa causa, com fundamento no art. 395, III, do Código de Processo Penal. Conforme o Juízo a quo, seria ilícita a prova produzida no curso do procedimento administrativo-fiscal dada a utilização dos dados bancários do contribuinte, obtidos sem que houvesse qualquer determinação do Poder Judiciário (cfr. fls. 779/783).

Merece provimento a irresignação do Parquet Federal.

No curso da ação fiscal, os acusados foram intimados da expedição de mandado de procedimento fiscal e do termo de início da ação fiscal para apresentarem, dentre outros documentos, extratos de contas bancárias e de aplicações financeiras.

Em 26.06.06, a empresa dos acusados apresentou a movimentação financeira de conta corrente mantida no Banco do Brasil em relação ao período requerido.

Contudo, por meio de Requisição de Informações sobre a Movimentação Financeira - RMF, a Receita Federal constatou que a empresa do acusado também movimentou contas correntes no Banco Rural, Banco Itaú e Banco BCN.

De posse dos extratos bancários, inclusive daqueles referentes aos bancos cujo relacionamento não havia sido informado, a Receita Federal apurou depósitos não contabilizados no valor de R$ 45.935.913,42 (quarenta e cinco milhões novecentos e trinta e cinco mil novecentos e treze reais e quarenta e dois centavos), no ano calendário de 2002, e de R$ 118.983.443,50 (cento e dezoito milhões novecentos e oitenta e três mil quatrocentos e quarenta e três reais e cinquenta centavos), nos anos calendários de 2003 e 2004, valores esses muito superiores e incompatíveis com a soma das receitas líquidas das atividades da empresa no mesmo período declaradas na DIPJ.

Como a empresa não comprovou a origem da movimentação financeira, concluiu-se que os acusados, na qualidade de administradores, omitiram informações das autoridades fazendárias relativas aos anos calendário de 2002 a 2004, bem como fraudaram a fiscalização tributária, omitindo operação de qualquer natureza em livro exigido pela lei fiscal.

Do mesmo modo que o sigilo é transferido, sem autorização judicial, da instituição financeira ao Fisco e deste à Advocacia-Geral da União, para cobrança do crédito tributário, também o é ao Ministério Público, sempre que, no curso de ação fiscal de que resulte lavratura de auto de infração de exigência de crédito de tributos e contribuições, constate-se fato que configure, em tese, crime contra a ordem tributária (Decreto n. 2.730, de 10.08.98, art. 1º e Lei n. 9.430/96, art. 83).

Assim, não se entrevê ilicitude no compartilhamento, com o Ministério Público Federal, dos dados protegidos pelo sigilo bancário que a Receita Federal obteve em conformidade com o art. 6º da Lei Complementar n. 105/01.

Ademais, a denúncia é apta e apresenta justa causa, demonstrada pela existência de indícios suficientes de autoria e materialidade delitivas. O crédito tributário foi definitivamente constituído em 30.06.11 (cfr. fl. 773).

Dessa forma, deve ser anulada a decisão recorrida, a fim de que a ação penal prossiga até seus ulteriores termos.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso em sentido estrito do Ministério Público Federal para anular a decisão que rejeitou a denúncia e determinar o retorno dos autos à Vara de origem para o prosseguimento da ação penal contra os recorridos (divirjo do Relator).

É o voto.



Andre Nekatschalow
Relator para o acórdão


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 0000829-32.2014.4.03.6123/SP
2014.61.23.000829-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
RECORRENTE : Justica Publica
RECORRIDO(A) : DANIEL IVAN DAROZ
: JOSE LUIZ DAROZ
ADVOGADO : SP336518 MARCIO JOSE BARBERO e outro(a)
No. ORIG. : 00008293220144036123 1P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra a decisão de fls. 779/783, que rejeitou a denúncia oferecida contra Daniel Ivan Daroz e José Luiz Daroz pela prática do delito do artigo 1°, incisos I e II, da Lei 8.137/90, c.c os artigos 29 e 71, ambos do Código Penal, por ausência de justa causa para o exercício da ação penal (artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal).

Em razões recursais de fls. 785/792, o órgão ministerial aduz que a Receita Federal possui poderes para solicitar a quebra do sigilo bancário, nos termos da Lei Complementar n. 105, de 10 de janeiro de 2001 e Decreto n. 3.724/2001.

Sustenta que a Constituição Federal de 1988 não previu expressamente a cláusula de reserva de jurisdição para os casos de quebra do sigilo bancário, razão pela qual, a Lei Complementar n. 105/2001 teria disciplinado adequadamente a matéria.

Ainda, alega que se fez necessária a investigação a respeito da movimentação financeira da empresa, não havendo que se falar em qualquer violação dos direitos de intimidade e privacidade do contribuinte, tratando-se de matéria vinculada à atuação da fiscalização e indispensável à elucidação da prática do delito.

Por fim, requer a reforma da sentença prolatada, reconhecendo-se a constitucionalidade da quebra do sigilo bancário realizado pela Receita Federal com fulcro na Lei Complementar n. 105/2001, bem como sua utilização nesta ação penal, determinando-se, por consequência, o regular processamento do feito, com a remessa dos autos à primeira instância para prosseguimento da ação penal instaurada em face dos acusados.

A defesa apresentou contrarrazões de recurso (fls. 797/804).

Em juízo de retratação, o Magistrado de primeiro grau manteve a decisão recorrida (fl. 805).

A Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo conhecimento e provimento do recurso interposto, recebido, diante da fungibilidade recursal, como apelação contra a sentença de absolvição sumária, sendo retomada a ação penal (fls. 806/812-v°).

É o relatório.

Dispensada a revisão, a teor dos artigos 34 e 236, caput, do Regimento Interno desta Corte Regional.


VOTO

O recurso em sentido estrito não comporta provimento.

Consta dos autos que Daniel e José foram denunciados pelo cometimento do crime previsto no artigo 1°, incisos I e II, da Lei nº 8.137/90, c.c os artigos 29 e 71, ambos do Código Penal, porque, nos anos de 2002 a 2004, exercícios 2003 a 2005, na condição de administradores da empresa "Rigor Alimentos Ltda.", de modo consciente e voluntário, suprimiram ou reduziram tributos e contribuições sociais, mediante as condutas de omissão de informações às autoridades fazendárias e fraude na fiscalização tributária omitindo operação de qualquer natureza, em livro exigido pela lei fiscal (fls. 614/617).

De acordo com a acusação, foram lavrados os Autos de Infração às fls. 387, 407, 419 e 433, os quais perfazem créditos tributários no importe de R$ 17.042.867,56 (dezessete milhões, quarenta e dois mil, oitocentos e sessenta e sete reais e cinquenta e seis centavos), relativos ao IRPJ; R$ 3.327.119,64 (três milhões, trezentos e vinte e sete mil, cento e dezenove reais e sessenta e quatro centavos), relativos ao PIS; R$ 15.355.940,01 (quinze milhões, trezentos e cinquenta e cinco mil, novecentos e quarenta reais e um centavo), relativos à COFINS; e R$ 7.698.389,03 (sete milhões, seiscentos e noventa e oito mil, trezentos e oitenta e nove reais e três centavos), relativos à CSLL.

O débito tributário foi parcelado em 11.09.2009, sendo o referido parcelamento rescindido em 24.01.2014 (fl. 539).

A denúncia foi recebida pela 1ª Vara da Justiça Federal em Bragança Paulista em 8.8.2014 (fl. 620).

Resposta à acusação às fls. 655/683.

Foi interposta exceção de incompetência (fls. 735/743), a qual foi julgada procedente e os autos foram remetidos ao Juízo da 1° Vara Federal Criminal de São Paulo/SP.

Considerando não haver impedimento na reconsideração da decisão que recebeu a denúncia pelo Juízo considerado incompetente, o Juiz de primeiro grau rejeitou a denúncia, por ausência de justa causa, com fundamento no artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal. Consignou que a prova produzida em sede da atuação fiscal restou prejudicada diante da utilização dos dados bancários obtidos sem que houvesse qualquer determinação do Poder Judiciário.

A questão controvertida refere-se à verificação de justa causa para exercício da ação penal instaurada para apurar delito de crime contra a ordem tributária, previsto no artigo 1°, incisos I e II, da Lei nº 8.137/90.

De acordo com o artigo 41 do Código de Processo Penal, a peça acusatória deve conter a exposição do fato criminoso e suas circunstâncias, a indicação da qualificação do acusado (ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo), a classificação do crime e, quando necessário, o rol de testemunhas.

Busca-se, com isso, possibilitar o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa, em observância ao artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal.

Por sua vez, o artigo 395, inciso III, do Código de Processo Penal estabelece que a denúncia será rejeitada quando faltar justa causa para a ação penal.

Presentes, no caso concreto, os elementos que demonstrem a existência de fundamento de direito e de fato para a instauração do processo, há justa causa para a ação penal.

O fundamento de direito está consubstanciado na subsunção da conduta descrita a um tipo penal.

Por outro lado, o fundamento de fato é identificado na acusação em conformidade com a prova, relacionada com a existência material de um fato típico e ilícito (materialidade), indícios suficientes de autoria e um mínimo de culpabilidade.

Nestes termos, a falta de prova da materialidade é causa de rejeição liminar da denúncia.

É esse o caso dos autos.

Com efeito, o cumprimento das exigências do artigo 41 do Código de Processo Penal não justifica, por si só, o recebimento da inicial acusatória. Ainda que preenchidos os requisitos legais, caso seja verificada qualquer uma das hipóteses do artigo 395 do Estatuto Processual Penal, a peça inicial será rejeitada liminarmente.

Aqui, o Ministério Público Federal consigna que não há qualquer inconstitucionalidade na utilização, como fundamento da inicial acusatória, da "quebra" de sigilo bancário realizada pela Receita Federal, em desfavor da empresa administrada pelos acusados.

No entanto, a análise de elementos de prova produzidos em sede administrativa é necessária para a verificação de existência ou não de justa causa. Não se trata, aqui, de exercício de cognição exauriente. Somente com a verificação das provas produzidas até o momento da formalização da acusação será possível aferir se há justa causa para o exercício da ação penal.

No particular, verifico que a ação penal foi baseada em provas que foram obtidas por bojo de procedimento administrativo fiscal, mediante requisição direta pela autoridade fazendária dos dados dos contribuintes junto às instituições financeiras e, portanto, sem prévia autorização judicial, razão pela qual, diante da ilicitude da prova, a ação penal deve ser anulada.

De fato, verifico que a comprovação dos fatos descritos na denúncia somente foi possível a partir da quebra de sigilo bancário de forma ilícita, qual seja, por autoridade administrativa, sem autorização judicial, como é possível depreender do procedimento fiscal nº 13839.005781/2007-17, fls. 1/11 do Volume I.

A inviolabilidade do sigilo de dados, inserta no artigo 5º, XII, da Constituição Federal correlaciona-se com as garantias fundamentais da intimidade e privacidade, insculpidas no inciso X, do mesmo artigo e, conquanto não se revistam de caráter absoluto, como consabido, constituem manifestações expressivas do direito da personalidade frente às intromissões de terceiros, mormente, de atos arbitrários por parte de qualquer órgão do Poder Público.

No particular, a Constituição Federal assim determina:


"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal".


Neste contexto está excepcionalidade da quebra do sigilo de dados, em especial das informações bancárias, em casos de investigação criminal ou instrução processual penal, conforme se extrai do texto constitucional, a qual exige, sempre, a autorização judicial (excetuadas as determinações das Comissões Parlamentares de Inquérito, que por força de dispositivo constitucional despõem de poderes de investigação próprios das autoridades judiciais).

A inviolabilidade de dados assegurada no texto constitucional acima transcrito está clausulada de forma absolutamente explícita e somente admite exceção mediante atuação de autoridade judiciária e para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

E a quebra aqui tratada foi efetivada por autoridade administrativa fiscal que, evidentemente, não pode ser equiparada à autoridade judiciária e, ainda, não se destinou, na origem, à investigação criminal, mas exclusivamente a apuração de eventual ilícito administrativo.

Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal assim já se pronunciou:


"SIGILO DE DADOS - ATUAÇÃO FISCALIZADORA DO BANCO CENTRAL - AFASTAMENTO - INVIABILIDADE. A atuação fiscalizadora do Banco Central do Brasil não encerra a possibilidade de, no campo administrativo, alcançar dados bancários de correntistas, afastando o sigilo previsto no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal" (RE 461366/DF, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, maioria, DJ 05-10-2007, pág. 025).

E, ainda, em sua composição plenária:


"SIGILO DE DADOS - AFASTAMENTO. Conforme disposto no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, a regra é a privacidade quanto à correspondência, às comunicações telegráficas, aos dados e às comunicações, ficando a exceção - a quebra do sigilo - submetida ao crivo de órgão equidistante - o Judiciário - e, mesmo assim, para efeito de investigação criminal ou instrução processual penal. SIGILO DE DADOS BANCÁRIOS - RECEITA FEDERAL. Conflita com a Carta da República norma legal atribuindo à Receita Federal - parte na relação jurídico-tributária - o afastamento do sigilo de dados relativos ao contribuinte" (STF, RE 389.808, pleno, maioria, rel. Marco Aurélio, DJe 09/05/2011).

Cabe lembrar, ainda, que mesmo nos casos em que tenha sido respeitada a reserva da jurisdição e o campo próprio de atuação (criminal), o sigilo só pode ser quebrado se houver elementos que indiciem de forma minimamente provável a existência de autoria e materialidade delitivas.

Tais elementos devem estar presentes em momento anterior à decretação da quebra do sigilo. Em outras palavras, a quebra do sigilo constitucionalmente assegurado, ainda quando autorizada por decisão judicial, não pode ter o caráter exploratório, mas objetivo de complementar provas anteriormente colhidas.

Esse é o entendimento consagrado pelo Supremo Tribunal Federal, tal como se observa do voto proferido pelo Ministro Celso de Melo, na Medida Cautelar em Ação Cautelar nº 33, senão vejamos:


"(...) Tenho enfatizado, por isso mesmo, que a quebra do sigilo bancário - ato que se reveste de extrema gravidade jurídica - só deve ser decretada, e sempre em caráter de absoluta excepcionalidade, quando existentes fundados elementos que justifiquem, a partir de um critério essencialmente apoiado na prevalência do interesse público, a necessidade da revelação dos dados pertinentes às operações financeiras ativas e passivas resultantes da atividade desenvolvida pelas instituições bancárias.

A relevância do direito ao sigilo bancário impõe, por isso mesmo, cautela e prudência ao poder Judiciário na determinação da ruptura da esfera de privacidade individual que o ordenamento jurídico, em norma de salvaguarda, pretendeu submeter à clausula tutelar de reserva constitucional (CF, art.5º, X).

(...) Contudo para que esta providência extraordinária, e sempre excepcional, que é a decretação da quebra de sigilo bancário seja autorizada, revela-se imprescindível a existência de causa provável, vale dizer de fundada suspeita quanto a ocorrência de fato cuja apuração resulte exigida pelo interesse público.

Na realidade, sem causa provável, não se justifica, sob pena de inadmissível consagração do arbítrio estatal e de inaceitável opressão ao indivíduo pelo poder Público, a "disclosure" das contas bancárias, eis que a decretação da quebra do sigilo bancário não pode converter-se num instrumento de indiscriminada e ordinária devassa da vida financeira das pessoas em geral.

(...)

A exigência de preservação do sigilo bancário - enquanto meio expressivo de proteção ao valor constitucional da intimidade - impõe ao estado o dever de respeitar a esfera jurídica de cada pessoa. A ruptura desse círculo de imunidade só se justificará desde que ordenada por órgão estatal investido, nos termos do nosso estatuto constitucional, da competência jurídica para suspender, excepcional e motivadamente, a eficácia do princípio da reserva das informações bancárias.

Em tema de ruptura do sigilo bancário, somente os órgãos do poder judiciário dispõem do poder de decretara esta medida extraordinária, sob pena da autoridade administrativa interferir, indevidamente, na esfera de privacidade constitucional assegurada às pessoas. Apenas o |Judiciário, ressalvada a competência das Comissões Parlamentares de Inquérito (CF, art.58,§3º) pode eximir as instituições financeiras do dever que lhes incumbe em tema de sigilo bancário. (...)"


No caso dos autos, a autoridade fiscal, diante da omissão para apresentar documentação esclarecimentos quanto à origem de valores creditados nas contas correntes, incompatíveis com os dados declarados ao fisco, solicitou diretamente às instituições financeiras tais elementos e, de posse de tais informações bancárias, logrou apurar os dados que fundamentaram a constituição do crédito tributário.

Em momento posterior, o Fisco compartilhou com o Ministério Público Federal, dados e documentos protegidos por sigilo bancário, à revelia de autorização judicial competente.

Pontuo que a permissão de acesso a informações bancárias e financeiras assegurada pela Lei Complementar n. 105/2001 não contempla a possibilidade divulgação de tais dados pelo Fisco e, a bem verdade, nem poderia, pois estaria em frontal desacordo com a previsão constitucional do inciso XII, do artigo 5º.

Ademais, o dever legal de comunicação do Ministério Público da ocorrência de crime ou indícios de prática delitiva, acompanhados de documentos pertinentes à apuração ou comprovação dos fatos não abrange a entrega de elementos probatórios protegidos pelo sigilo.

E com base, exclusivamente, nestes elementos entregues pelo Fisco e obtidos pela acusação de forma ilícita, que a denúncia foi ofertada, de modo que, desconsideradas as provas de materialidade e autoria advindas de ilegal quebra de sigilo bancário, não restam outros dados a embasar a denúncia.

De se destacar, por oportuno, que o tema foi recentemente analisado pela Suprema Corte, no julgamento realizado em 24/02/2016 das ADI´s n. 2.386, 2.397 e 2.859 e do RE 601.314, com acórdãos publicados em 21/10/2016 e 16/09/2016, assim ementados:


"Ação direta de inconstitucionalidade. Julgamento conjunto das ADI nº 2.390, 2.386, 2.397 e 2.859. Normas federais relativas ao sigilo das operações de instituições financeiras. Decreto nº 4.545/2002. Exaurimento da eficácia. Perda parcial do objeto da ação direta nº 2.859. Expressão "do inquérito ou", constante no § 4º do art. 1º, da Lei
Complementar nº 105/2001. Acesso ao sigilo bancário nos autos do inquérito policial. Possibilidade. Precedentes. Art. 5º e 6º da Lei Complementar nº 105/2001 e seus decretos regulamentadores. Ausência de quebra de sigilo e de ofensa a direito fundamental. Confluência entre os deveres do contribuinte (o dever fundamental de pagar tributos) e os deveres do Fisco (o dever de bem tributar e fiscalizar). Compromissos internacionais assumidos pelo Brasil em matéria de compartilhamento de informações bancárias. Art. 1º da Lei Complementar nº 104/2001. Ausência de quebra de sigilo. Art. 3º, § 3º, da LC 105/2001. Informações necessárias à defesa judicial da atuação do Fisco. Constitucionalidade dos preceitos impugnados. ADI nº 2.859. Ação que se conhece em parte e, na parte conhecida, é julgada improcedente. ADI nº 2.390, 2.386, 2.397. Ações conhecidas e julgadas improcedentes.
1. Julgamento conjunto das ADI nº 2.390, 2.386, 2.397 e 2.859, que têm como núcleo comum de impugnação normas relativas ao fornecimento, pelas instituições financeiras, de informações bancárias de contribuintes à administração tributária.
2. Encontra-se exaurida a eficácia jurídico-normativa do Decreto nº 4.545/2002, visto que a Lei n º 9.311, de 24 de outubro de 1996, de que trata este decreto e que instituiu a CPMF, não está mais em vigência desde janeiro de 2008, conforme se depreende do art. 90, § 1º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias -ADCT. Por essa razão, houve parcial perda de objeto da ADI nº 2.859/DF, restando o pedido desta ação parcialmente prejudicado. Precedentes.
3. A expressão "do inquérito ou", constante do § 4º do art. 1º da Lei Complementar nº 105/2001, refere-se à investigação criminal levada a efeito no inquérito policial, em cujo âmbito esta Suprema Corte admite o acesso ao sigilo bancário do investigado, quando presentes indícios de prática criminosa. Precedentes: AC 3.872/DF-AgR, Relator o Ministro Teori Zavascki, Tribunal Pleno, DJe de 13/11/15; HC 125.585/PE-AgR, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe de 19/12/14; Inq 897-AgR, Relator o Ministro Francisco Rezek, Tribunal Pleno, DJ de 24/3/95.
4. Os artigos 5º e 6º da Lei Complementar nº 105/2001 e seus decretos regulamentares (Decretos nº 3.724, de 10 de janeiro de 2001, e nº 4.489, de 28 de novembro de 2009) consagram, de modo expresso, a permanência do sigilo das informações bancárias obtidas com espeque em seus comandos, não havendo neles autorização para a exposição ou circulação daqueles dados. Trata-se de uma transferência de dados sigilosos de um determinado portador, que tem o dever de sigilo, para outro, que mantém a obrigação de sigilo, permanecendo resguardadas a intimidade e a vida privada do correntista, exatamente como determina o art. 145, § 1º, da Constituição Federal.
5. A ordem constitucional instaurada em 1988 estabeleceu, dentre os objetivos da República Federativa do Brasil, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a erradicação da pobreza e a marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais. Para tanto, a Carta foi generosa na previsão de direitos individuais, sociais, econômicos e culturais para o cidadão. Ocorre que, correlatos a esses direitos, existem também deveres, cujo atendimento é, também, condição sine qua non para a realização do projeto de sociedade esculpido na Carta Federal. Dentre esses deveres, consta o dever fundamental de pagar tributos, visto que são eles que, majoritariamente, financiam as ações estatais voltadas à concretização dos direitos do cidadão. Nesse quadro, é preciso que se adotem mecanismos efetivos de combate à sonegação fiscal, sendo o instrumento fiscalizatório instituído nos arts. 5º e 6º da Lei Complementar nº 105/ 2001 de extrema significância nessa tarefa.
6. O Brasil se comprometeu, perante o G20 e o Fórum Global sobre Transparência e Intercâmbio de Informações para Fins Tributários (Global Forum on Transparency and Exchange of Information for Tax Purposes), a cumprir os padrões internacionais de transparência e de troca de informações bancárias, estabelecidos com o fito de evitar o descumprimento de normas tributárias, assim como combater práticas criminosas. Não deve o Estado brasileiro prescindir do acesso automático aos dados bancários dos contribuintes por sua administração tributária, sob pena de descumprimento de seus compromissos internacionais.
7. O art. 1º da Lei Complementar 104/2001, no ponto em que insere o § 1º, inciso II, e o § 2º ao art. 198 do CTN, não determina quebra de sigilo , mas transferência de informações sigilosas no âmbito da Administração Pública. Outrossim, a previsão vai ao encontro de outros comandos legais já amplamente consolidados em nosso ordenamento jurídico que permitem o acesso da Administração Pública à relação de bens, renda e patrimônio de determinados indivíduos. 8. À Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, órgão da Advocacia-Geral da União, caberá a defesa da atuação do Fisco em âmbito judicial, sendo, para tanto, necessário o conhecimento dos dados e informações embasadores do ato por ela defendido. Resulta, portanto, legítima a previsão constante do art. 3º, § 3º, da LC 105/2001.
9. Ação direta de inconstitucionalidade nº 2.859/DF conhecida parcialmente e, na parte conhecida, julgada improcedente. Ações diretas de inconstitucionalidade nº 2390, 2397, e 2386 conhecidas e julgadas improcedentes. Ressalva em relação aos Estados e Municípios, que somente poderão obter as informações de que trata o art. 6º da Lei Complementar nº 105/2001 quando a matéria estiver devidamente regulamentada, de maneira análoga ao Decreto federal nº 3.724/2001, de modo a resguardar as garantias processuais do contribuinte, na forma preconizada pela Lei nº 9.784/99, e o sigilo dos seus dados bancários."(STF, Tribunal Pleno, julgado em 24/02/2016, DJe de 21/10/2016).
"RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO TRIBUTÁRIO. DIREITO AO SIGILO BANCÁRIO. DEVER DE PAGAR IMPOSTOS. REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÃO DA RECEITA FEDERAL ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. ART. 6º DA LEI COMPLEMENTAR 105/01. MECANISMOS FISCALIZATÓRIOS. APURAÇÃO DE CRÉDITOS RELATIVOS A TRIBUTOS DISTINTOS DA CPMF. PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DA NORMA TRIBUTÁRIA. LEI 10.174/01.
1. O litígio constitucional posto se traduz em um confronto entre o direito ao sigilo bancário e o dever de pagar tributos, ambos referidos a um mesmo cidadão e de caráter constituinte no que se refere à comunidade política, à luz da finalidade precípua da tributação de realizar a igualdade em seu duplo compromisso, a autonomia individual e o autogoverno coletivo.
2. Do ponto de vista da autonomia individual, o sigilo bancário é uma das expressões do direito de personalidade que se traduz em ter suas atividades e informações bancárias livres de ingerências ou ofensas, qualificadas como arbitrárias ou ilegais, de quem quer que seja, inclusive do Estado ou da própria instituição financeira.
3. Entende-se que a igualdade é satisfeita no plano do autogoverno coletivo por meio do pagamento de tributos, na medida da capacidade contributiva do contribuinte, por sua vez vinculado a um Estado soberano comprometido com a satisfação das necessidades coletivas de seu Povo.
4. Verifica-se que o Poder Legislativo não desbordou dos parâmetros constitucionais, ao exercer sua relativa liberdade de conformação da ordem jurídica, na medida em que estabeleceu requisitos objetivos para a requisição de informação pela Administração Tributária às instituições financeiras, assim como manteve o sigilo dos dados a respeito das transações financeiras do contribuinte, observando-se um translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal.
5. A alteração na ordem jurídica promovida pela Lei 10.174/01 não atrai a aplicação do princípio da irretroatividade das leis tributárias, uma vez que aquela se encerra na atribuição de competência administrativa à Secretaria da Receita Federal, o que evidencia o caráter instrumental da norma em questão. Aplica-se, portanto, o artigo 144, §1º, do Código Tributário Nacional.
6. Fixação de tese em relação ao item "a" do Tema 225 da sistemática da repercussão geral: "O art. 6º da Lei Complementar 105/01 não ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal".
7. Fixação de tese em relação ao item "b" do Tema 225 da sistemática da repercussão geral: "A Lei 10.174/01 não atrai a aplicação do princípio da irretroatividade das leis tributárias, tendo em vista o caráter instrumental da norma, nos termos do artigo 144, §1º, do CTN".
8. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (STF, Tribunal Pleno, julgado em 24/02/2016, DJe de 16/09/2016)

Nesta oportunidade, o Supremo Tribunal Federal não tratou da possibilidade da Receita Federal compartilhar dados bancários por ela obtidos sem autorização judicial e mesmo que se possa reconhecer que o artigo 6.º, da Lei Complementar n. 105/2001, permita à autoridade fazendária acessar dados bancários de pessoa jurídica, esta autorização não configura a exigência do art. 5º, XII, da Constituição Federal, tal como noticiado no Informativo n. 815, in verbis:


"O Plenário, em conclusão de julgamento e por maioria, reputou improcedentes os pedidos formulados em ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas em face de normas federais que possibilitam a utilização, por parte da fiscalização tributária, de dados bancários e fiscais acobertados por sigilo constitucional, sem a intermediação do Poder Judiciário (LC 104/2001, art. 1º; LC 105/2001, artigos 1º, § 3º e 4º, 3º, § 3º, 5º e 6º; Decreto 3.724/2001; Decreto 4.489/2002; e Decreto 4.545/2002) - v. Informativo 814. A Corte afirmou que, relativamente à alegação de inconstitucionalidade da expressão "do inquérito ou", contida no § 4º do art. 1º da LC 105/2001, a norma impugnada não cuidaria da transferência de informações bancárias ao Fisco, questão que estaria no cerne das ações diretas. Tratar-se-ia de norma referente à investigação criminal levada a efeito no inquérito policial, em cujo âmbito há muito se admitiria a quebra de sigilo bancário, quando presentes indícios de prática criminosa (AC 3.872 AgR/DF, DJe de 13.11.2015; HC 125.585 AgR/PE, DJe de 19.12.2014; Inq 897 AgR/DF, DJU de 24.3.1995). No que tange à impugnação dos artigos 5º e 6º da LC 105/2001, ponto central das ações diretas de inconstitucionalidade, haveria que se consignar a inexistência, nos dispositivos combatidos, de violação a direito fundamental, notadamente de ofensa à intimidade. Não haveria " quebra de sigilo bancário", mas, ao contrário, a afirmação desse direito. Outrossim, seria clara a confluência entre os deveres do contribuinte - o dever fundamental de pagar tributos - e os deveres do Fisco - o dever de bem tributar e fiscalizar. Esses últimos com fundamento, inclusive, nos mais recentes compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. Nesse sentido, para se falar em " quebra de sigilo bancário" pelos preceitos impugnados, necessário seria vislumbrar, em seus comandos, autorização para a exposição das informações bancárias obtidas pelo Fisco. A previsão de circulação dos dados bancários, todavia, inexistiria nos dispositivos questionados, que consagrariam, de modo expresso, a permanência no sigilo das informações obtidas com base em seus comandos. O que ocorreria não seria propriamente a quebra de sigilo, mas a "transferência de sigilo" dos bancos ao Fisco. Nessa transmutação, inexistiria qualquer distinção entre uma e outra espécie de sigilo que pudesse apontar para uma menor seriedade do sigilo fiscal em face do bancário. Ao contrário, os segredos impostos às instituições financeiras - muitas das quais de natureza privada - se manteria, com ainda mais razão, com relação aos órgãos fiscais integrantes da Administração Pública, submetidos à mais estrita legalidade.
(...)
O Plenário destacou que, em síntese, a LC 105/2001 possibilitara o acesso de dados bancários pelo Fisco, para identificação, com maior precisão, por meio de legítima atividade fiscalizatória, do patrimônio, dos rendimentos e das atividades econômicas do contribuinte. Não permitiria, contudo, a divulgação dessas informações, resguardando-se a intimidade e a vida íntima do correntista. E esse resguardo se tornaria evidente com a leitura sistemática da lei em questão. Essa seria, em verdade, bastante protetiva na ponderação entre o acesso aos dados bancários do contribuinte e o exercício da atividade fiscalizatória pelo Fisco. Além de consistir em medida fiscalizatória sigilosa e pontual, o acesso amplo a dados bancários pelo Fisco exigiria a existência de processo administrativo - ou procedimento fiscal. Isso por si, já atrairia para o contribuinte todas as garantias da Lei 9.784/1999 - dentre elas, a observância dos princípios da finalidade, da motivação, da proporcionalidade e do interesse público -, a permitir extensa possibilidade de controle sobre os atos da Administração Fiscal. De todo modo, por se tratar de mero compartilhamento de informações sigilosas, seria mais adequado situar as previsões legais combatidas na categoria de elementos concretizadores dos deveres dos cidadãos e do Fisco na implementação da justiça social, a qual teria, como um de seus mais poderosos instrumentos, a tributação.
(...)
E de nada adiantaria a possibilidade de acesso dos dados bancários pelo Fisco se não fosse possível que essa utilização legítima fosse objeto de defesa em juízo por meio do órgão por isso responsável, a AGU. Por fim, julgou parcialmente prejudicada uma das ações, relativamente ao Decreto 4.545/2002. O Ministro Roberto Barroso reajustou seu voto para acompanhar o relator. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, que conferiam interpretação conforme aos dispositivos legais atacados, de modo a afastar a possibilidade de acesso direto aos dados bancários pelos órgãos públicos, vedado inclusive o compartilhamento de informações. Este só seria possível, consideradas as finalidades previstas na cláusula final do inciso XII do art. 5º da CF, para fins de investigação criminal ou instrução criminal. Nesse sentido, a decretação da quebra do sigilo bancário, ressalvada a competência extraordinária das CPIs (CF, art. 58, § 3º), pressuporia, sempre, a existência de ordem judicial, sem o que não se imporia à instituição financeira o dever de fornecer à Administração Tributária, ao Ministério Público, à Polícia Judiciária ou, ainda, ao TCU, as informações que lhe tivessem sido solicitadas." (g.n.)

Assim, com base, exclusivamente, em documentação proveniente de quebra de sigilo foi ofertada a denúncia e não foi carreado nos autos qualquer elemento probatório independente a fim de embasar a ação penal.

Portanto, entendo não estar presente um substrato mínimo de provas contra os recorridos, de forma a justificar a persecução penal, de modo que deve mantida a decisão de rejeição da denúncia.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal.

É o voto.


MAURICIO KATO
Desembargador Federal


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