D.E. Publicado em 17/11/2017 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, após a ratificação da revisão pelo Des. Fed. Hélio Nogueira, negar provimento às apelações e, de ofício, reduzir as penas aplicadas. Por maioria, determinar a expedição de mandado de prisão somente após a certificação de esgotamento dos recursos ordinários no caso concreto nos termos do voto do Des. Fed. Wilson Zauhy acompanhado pelo Des. Fed. Fausto de Sanctis, vencido o Des. Fed. Hélio Nogueira que entende deva ser determinada a imediata expedição de mandado de prisão.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | WILSON ZAUHY FILHO:10079 |
Nº de Série do Certificado: | 11A21705314D3605 |
Data e Hora: | 09/11/2017 17:46:32 |
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VOTO
Consignou o MPF: "No dia 6/junho/2011 os denunciados importaram do Paraguai 5 mil munições de origem estrangeira sem qualquer autorização da autoridade competente."
Consignou o Juiz: "Ante o exposto, e o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a denúncia e, por conseqüência, CONDENO os réus ALEXSSANDRO ARRUDA DE OLIVEIRA e APARECIDO LAERTE VALÉRIO, qualificados nos autos, por violação ao art. 18, da Lei n.° 10.826/2003, à pena de 5 (cinco) anos, 5 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão, no regime inicial fechado, e 12 (doze) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do salário mínimo, vigente na data do fato, atualizado na execução."
Apelam os réus.
DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. TIPICIDADE.
TRÁFICO INTERNACIONAL DE MUNIÇÃO.
O tipo penal imputado à parte ré é o seguinte:
Art. 18. Importar, exportar, favorecer a entrada ou saída do território nacional, a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização da autoridade competente:
Pena - reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
Imputado à parte ré a prática de tráfico internacional de munição, tipificada no artigo 18 da Lei 10.826/2003.
MATERIALIDADE
Consignou o Juiz a respeito da materialidade:
"Há prova da materialidade consistente em auto de apresentação e apreensão (fls. 15/16), bem como em laudo de exame em munição de arma de fogo (fls. 175/179), que demonstraram a proveniência estrangeira das mercadorias e a aptidão para uso. Não foi apresentada qualquer autorização para importação de munição."
Constam dos autos:
- fls. 02 - Auto de prisão em flagrante de Alexssandro Arruda de Oliveira e de Aparecido Laerte Valério por terem sido flagrados transportando munição de origem estrangeira;
- fls. 04 - Depoimento do policial Marcio na delegacia relatando o flagrante;
- fls. 06 - Depoimento do policial Allan na delegacia, confirmando o relato de Marcio;
- fls. 08 - Interrogatório de Alexssandro na delegacia, admitindo o transporte da munição;
- fls. 11 - Interrogatório de Aparecido na delegacia, admitindo o transporte da munição, porém dizendo que somente soube que a munição estava escondida no veículo no percurso de volta da viagem;
- fls. 15 - Auto de Apresentação e Apreensão das munições apreendidas em posse dos réus;
- fls. 132 - Laudo de perícia no veículo;
- fls. 175 - Laudo de perícia balística e caracterização física de materiais, onde se constatou que "as munições funcionaram adequadamente, estando aptas a efetuar disparos"; avaliada a munição em R$ 5.000,00; constatada que se trata de munições de origem estrangeira (fabricados nos Estados Unidos), sendo que a importação de armas de fogo e munições está sujeita à licença prévia do Exército, e que as munições periciadas são classificadas como de uso permitido;
- fls. 190 - depoimento do policial Luciano, reconhecendo os acusados e confirmando a prisão em flagrante dos réus em fiscalização de rotina os quais estavam na posse de munições que haviam comprado no Paraguai e estavam escondidas no compartimento onde ficaria o "airbag"; disse que ambos os réus tinham comprado as munições e ambos iriam revendê-la;
- fls. 190 - depoimento do policial Marcio, reconhecendo os acusados e confirmou a versão do policial Luciano;
- fls. 190 - depoimento do policial Allan, reconhecendo os acusados e confirmando a versão de Luciano;
- fls. 190 - o réu Alexssandro Arruda de Oliveira disse que foi ao Paraguai comprar peças de motos, mas que, "num segundo de vacilo", acabou comprando as munições e escondendo no veículo e não contando para ninguém; disse que só contou para Aparecido Laerte que transportava as munições na estrada; disse que iria revender a munição para fazendeiros; afirmou ter dito aos policias que comprou a munição no Paraguai apenas porque um policial lhe pressionou e lhe deu um tapa na nuca, mas que na realidade comprou a munição em Ponta Porã - MS, mas disse também que não conhecia o Paraguai.
- fls. 190 - o réu Aparecido Laerte Valério disse que foi ao Paraguai visitar a tia e que não tinha conhecimento das munições até Alexssandro revelar isso para ele num posto na estrada antes da abordagem policial; afirmou ter confessado que tinha participado da aquisição da munição em razão da pressão dos policiais que lhe diziam que sua esposa poderia ficar presa por formação de quadrilha.
Conclusão:
Devidamente comprovada nos autos a materialidade do delito atribuído à parte ré.
AUTORIA
Consignou o Juiz a respeito da autoria:
"As testemunhas Luciano, Marcio e Allan, PRF's, ouvidas em Juízo (CD fls. 190), repetiram as declarações prestadas no auto de prisão em flagrante, ou seja, abordaram o veículo, no qual estavam os acusados e uma mulher, checaram os documentos e verificaram que os acusados já haviam sido processados por tráfico de drogas. Resolveram realizar vistoria minuciosa e encontraram escondido no painel do veículo as munições apreendidas. Entrevistados no local dos fatos, ambos os acusados disseram que adquiriram as munições no Paraguai para posterior revenda, bem como que a mulher não sabia das munições.
Apesar das alegações da Defesa, não há qualquer divergência entre os depoimentos das testemunhas. Pelo contrário, os depoimentos foram harmônicos e coerentes com a prova da materialidade.
A prova oral deixa claro que houve importação de munição do Paraguai e não apenas posse da mesma. A classificação feita pela denúncia, portanto, encontra-se de acordo com os fatos provados, não deixando dúvida acerca da competência da Justiça Federal.
Ficam, desta forma, afastados os pedidos de desclassificação e incompetência da Justiça Federal.
O acusado Alexssandro, interrogado judicialmente (CD fls. 190), confessou que viajou até Ponta Porã e esteve no Paraguai para fazer compras e passear no "Shopping China". Afirmou, ainda, que adquiriu a munição e a escondeu no veículo, porém, não soube dizer se comprou no Paraguai ou no Brasil, porque não conhece o local em que lhe foi oferecida e entregue a referida munição.
O acusado Aparecido, interrogado judicialmente (CD fls. 190), afirmou que viajou até Ponta Porã e esteve no Paraguai, para fazer compras e passear no "Shopping China", porém, não sabia da munição. Disse, ainda, que o acusado Alexssandro o informou da existência da munição no veículo quando pararam num posto de combustível para abastecer, no percurso de retorno, pouco antes da abordagem da PRF. Por fim, alegou que não sabia o que fazer, por isso resolveu prosseguir viagem.
A prova oral colhida em audiência revelou que, aos policiais, os acusados Alexssandro e Aparecido afirmaram que adquiriram a munição no Paraguai. Além disso, tem-se que a prova pericial confirmou que a munição é de origem estrangeira. Por outro lado, não há dúvida de que os acusados estiveram no Paraguai.
Portanto, restou provada no curso da instrução que a munição apreendida foi adquirida no Paraguai pelos acusados, que a importaram sem a devida autorização."
Conclusão:
Devidamente comprovada nos autos a autoria do delito atribuído à parte ré.
PRESENÇA DE DOLO.
Sendo o dolo, na comum lição da doutrina, a vontade livre e consciente de praticar a conduta proibida pelo tipo penal, é inegável a sua presença na hipótese dos autos.
Conclusão:
Verifica-se que a parte ré teve deliberadamente a intenção de praticar o crime de tráfico internacional de munição, tipificado no artigo 18 da Lei 10.826/2003.
TESES DA DEFESA
Alega a defesa dos réus:
- não foi provada a internacionalidade das munições apreendidas e o réu disse que elas foram adquiridas em Ponta Porã-MS;
- o enquadramento legal correto das condutas dos réus é no artigo 14 da Lei 10.826/2003;
- quanto ao réu Aparecido, afirma que não ficou comprovada sua participação e que este nunca teve a intenção de importar munições.
Quanto à internacionalidade, bem consignou o Juiz:
"A prova oral colhida em audiência revelou que, aos policiais, os acusados Alexssandro e Aparecido afirmaram que adquiriram a munição no Paraguai. Além disso, tem-se que a prova pericial confirmou que a munição é de origem estrangeira. Por outro lado, não há dúvida de que os acusados estiveram no Paraguai. Portanto, restou provada no curso da instrução que a munição apreendida foi adquirida no Paraguai pelos acusados, que a importaram sem a devida autorização."
De outro lado, como bem destacou o MPF em contrarrazões:
"O Apelante sustenta que as munições não foram adquiridas no Paraguai, mas sim em Ponta Porã/MS. No entanto, as circunstâncias da apreensão, consistentes no valor irrisório das compras realizadas pelo seu comparsa (R$ 47,51, f. 15 e 18), o alto valor utilizado na compra das munições, o teor dos depoimentos dos policiais rodoviários federais responsáveis pelo flagrante e a própria confissão do réu perante a autoridade policial, afirmando ter adquirido as munições na Casa da Arma, situada na cidade de Pedro Juan Caballero/Paraguai (f. 8-9), bem como a origem estrangeira das munições, constatada por meio da perícia de f. 175-9, o valor e a destinação comercial das mesmas, evidenciam a aquisição das munições no território paraguaio e sua importação sem autorização da autoridade competente, configurando o tipo do artigo 18, do Estatuto do Desarmamento. Portanto, não há que se falar em desclassificação do crime, tampouco em absolvição."
Desse modo, correto o enquadramento das condutas dos réus no artigo 18 da Lei 10.826/2003.
Quanto ao envolvimento de Aparecido, bem destacou o MPF em contrarrazões:
"Embora a defesa de Aparecido em juízo (e no próprio auto de prisão em flagrante) seja no sentido de que só aderiu ao propósito criminoso após ele e o corréu Alexssandro terem reingressado no território nacional (e a denúncia registra essa versão), o depoimento dos policiais rodoviários federais responsáveis pela prisão é em outro sentido. O PRF Luciano Valdir Schneider foi questionado especificamente acerca desse ponto pela defesa, esclarecendo que não poderia dar informação em relação aos demais policiais mas a ele os dois confessaram a viagem em conjunto e a compra, também em conjunto, da munição irregularmente importada; tal versão encontra eco nas demais circunstâncias do crime, como o fato de ter sido esclarecido, desde o início, a não participação da terceira pessoa que os acompanhava e como o fato de que Aparecido empregou bastante dinheiro na viagem, incompatível com o seu alegado desconhecimento do crime "até o reingresso no Brasil", quando já não poderia fazer mais nada. Também o PRF Márcio Pereira Leite disse (minuto 02:25 de seu depoimento) que ambos os acusados confessaram a viagem conjunta, lembrando que só não estava participando a terceira pessoa que os acompanhava; ao questionamento específico da defesa esclareceu inclusive ser essa a razão para não haver voz de prisão em flagrante para ela. O PRF Alan da Mota Rebelo esclareceu até mesmo a ordem em que foram inquiridos os presos, quando Aparecido o informou o emprego do dinheiro para que Alexssandro adquirisse para ambos a munição destinada à comercialização."
DOSIMETRIA.
Consignou o Juiz a respeito da dosimetria:
"Os réus não registram antecedentes criminais, conforme certidões de fls. 47/49, 52/53, 61/63, 88/94, 99/100, 124/130, 144/150 e 160/163.
Inquéritos policiais e processos criminais sem trânsito em julgado não podem ser considerados maus antecedentes, em face do princípio constitucional do estado de inocência, insculpido no art. 5° , LVII, da CF ("ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória). Nesse sentido, Súmula 444, do CSTJ.
Culpabilidade média, porque os réus importaram 9 caixas de munição contendo 500 cartuchos e 10 caixas de munição contendo 50 cartuchos, segundo o auto de apreensão (fl. 15), isto é, quantidade significativa, mesmo dividindo por dois, porém, não importaram "100 caixas de munição", conforme consta equivocadamente da denúncia (fl. 86). Observo que o laudo pericial (fl. 177), ao realizar o exame indireto do restante da munição apreendida (realizaram o exame direto na amostra), apontou para a quantidade de 4.500 cartuchos e 500 cartuchos, respectivamente, porém, também equivocadamente. Isto porque no auto de apreensão estão registrados apenas 550 cartuchos no total (fl. 15).
Nada existe sobre a conduta social; personalidade comum; motivos do crime não desfavorecem, pois alegaram dificuldades financeiras e pobreza; circunstâncias do fato não desfavorecem, porque comum esconder no veículo; conseqüências extrapenais não foram graves; comportamento da vítima não facilitou ou incentivou a ação do réu. Atento às diretrizes do art. 59, do CP, especialmente a culpabilidade média, fixo a pena-base, para os réus, acima do mínimo legal, previsto no art. 18, da Lei n. 10.826/03, isto é, 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão.
O acusado Alexssandro é reincidente, porque foi condenado pelo art. 157, § 2°, I, CP, com trânsito em julgado em 24.1.2008, conforme certidão de objeto e pé (fls. 151).
O acusado Aparecido também é reincidente, porque foi condenado pelo art. 12, da Lei 6368/76, c/c art. 40, I, da Lei n. 11.343/06, com trânsito em julgado em 1.12.2010, conforme certidão de objeto e pé (fl. 156).
Há concurso de reincidência e confissão espontânea, contudo, prepondera a reincidência, nos termos do art. 67, do CP (cf. STF, RHC 102957, j. 27.4.2010, rel. Min. Carmen Lucia).
Assim, pela agravante de reincidência, elevo a pena a 5 (cinco) anos, 5 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão.
Adotando os mesmos parâmetros acima, fixo a pena de multa em 12 (doze) dias-multa, no valor unitário de um trigésimo do valor do salário mínimo, vigente na data do fato, atualizado monetariamente na execução, tendo em vista a situação econômica dos acusados (mecânico e agricultor, fls. 188/189).
DO REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
Tendo em vista o reconhecimento da reincidência, acima analisada, nos termos do art. 33, § 2°, do CP, os réus devem iniciar o cumprimento da pena privativa de liberdade no regime fechado."
Alega a defesa dos réus:
"Em termos de aplicação de pena, cita esta defesa, que o juízo singular, não levou em conta a conduta do APELANTE, assim como a conduta que cada agente praticou no suposto delito, que como frisado pela defesa, em nenhum momento, qualquer conduta descrita se refere a do APELANTE.
(...)
Como é de conhecimento desta Casa de Justiça, na primeira fase, são selecionados os fatos puníveis e estabelecidos critérios de fixação da pena, através da avaliação das circunstâncias judiciais, constantes no artigo 59, do Código Penal, resultando o quantum da pena-base, não podendo o juízo singular simplesmente descartar tal preceito.
Vê-se de forma clara que não há o respeito a esta necessária individualização da conduta do APELANTE, devendo ser a sentença reformada in totum."
Conclusão:
Conforme destacado pelo MPF:
"Não procede a argumentação de que a pena devesse ser diversa para ambos os acusados. Se a Alexssandro se poderia atribuir maior parcela nos atos de execução (aquisição e ocultação mas direção do veículo) a Aparecido se poderia atribuir parcela igualmente grave, pelo financiamento da empreitada. Desse modo, as circunstâncias do crime e seus resultados são iguais para ambos, nada autorizando a alteração pretendida."
Cabe alterar a dosimetria de ofício.
É que se deve efetuar a compensação entre a confissão espontânea e a reincidência na segunda fase da dosimetria.
Neste sentido:
Desse modo, na segunda a fase a pena permanece em 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão para cada réu, a qual deve ser tornada definitiva em razão da ausência de causas de aumento ou de diminuição.
A pena de multa, para que fique proporcional à pena privativa de liberdade, deve ser fixada em 11 dias-multa, mantido o valor do dia-multa em um trigésimo do valor do salário mínimo, vigente na data do fato, atualizado monetariamente na execução.
O regime inicial de cumprimento da pena deve ser o fechado em razão da reincidência.
Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em razão da quantidade das penas.
DISPOSITIVO
Ante todo o exposto, NEGO PROVIMENTO às apelações e, de ofício, reduzo as penas aplicadas, nos termos do voto.
Tendo em conta o quanto decidido pelo STF no HC nº 126.292 e nas ADCs 43 e 44, em que se afirmou a possibilidade de imediato cumprimento do decreto condenatório exarado por colegiado de que não caiba mais recurso ordinário, entendo que a expedição dos competentes mandados de prisão deve ser feita após certificado o esgotamento dos recursos ordinários no caso concreto.
É o voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 09/11/2017 17:46:28 |