Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 01/12/2017
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0008708-41.2010.4.03.6120/SP
2010.61.20.008708-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS
APELANTE : TIAGO LAVRADOR BRACIALI
ADVOGADO : SP088552 MARIA CLAUDIA DE SEIXAS e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00087084120104036120 1 Vr ARARAQUARA/SP

EMENTA

PROCESSO PENAL. SONEGAÇÃO FISCAL. DELITO DISPOSTO NO ARTIGO 1º, I, DA LEI Nº 8.137/90. PRELIMINARES. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA AFASTADA. NULIDADE DA SENTENÇA PELA NÃO APRECIAÇÃO DE TESE DEFENSIVA. INOCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL AFASTADA. ILICITUDE DA PROVA. INOCORRÊNCIA. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS. TIPICIDADE DA CONDUTA VERIFICADA. DOSIMETRIA DA PENA. APENAS UMA CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL VERIFICADA. REDUÇÃO DA PENA-BASE. ALTERAÇÃO, DE OFÍCIO, DA DESTINAÇÃO DA PENA SUBSTITUTIVA DE PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. POSSIBILIDADE. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
1. Conforme Súmula 24 do Supremo Tribunal Federal, não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo. Nessa senda, tendo em vista que a data da constituição definitiva do crédito caracteriza a consumação do delito, é imperioso reconhecer que o prazo prescricional do crime ora imputado ao réu somente se iniciou em 08 de outubro de 2008. Desta maneira, considerando que o recebimento da denúncia ocorreu em 08 de outubro de 2010, é inequívoca a inocorrência da prescrição pretensão punitiva estatal, nos termos do artigo 109 do Código Penal c.c. o preceito secundário do artigo 1º da Lei nº 8.137/90.
2. Compulsando a sentença, vislumbra-se que a mesma enfrentou satisfatoriamente todas as teses arguidas pela defesa, inclusive, a validade da condenação baseada em provas produzidas em fase pré-processual.
3. Conforme parágrafo único do artigo 61 do Código de Processo Penal, o juiz deverá ouvir a parte contrária antes reconhecer a extinção da punibilidade. No caso em tela, o acusado levantou a questão da extinção da punibilidade expressamente em resposta à acusação. Portanto, em respeito ao comando legal previsto no parágrafo único do artigo 61 do Código de Processo Penal, o magistrado corretamente abriu vistas dos autos ao Ministério Público Federal.
4. Consoante decisão proferida no REsp 1.569.429/SP, o artigo 2º do Decreto nº 2.730/1998 é ilegal, por restringir indevidamente matéria disposta em norma de hierarquia superior. Portanto, em face da ilegalidade do Decreto nº 2.730/1998, não se verifica qualquer mácula na representação fiscal para fins penais realizada pelas autoridades fazendárias, nos termos do artigo 83 da Lei nº 9.430/1996, razão pela qual afastar a preliminar arguida pelo apelante é medida que se impõe.
5. A materialidade delitiva do crime previsto no artigo 1º, I, da Lei nº 8.137/90 restou demonstrada pelo procedimento administrativo em apenso, especialmente pelo Relatório de fls. 404/405 e pelos documentos de fls. 410/411, os quais demonstram a constituição definitiva do crédito tributário no valor R$ 843.858,88 (oitocentos e quarenta e três mil, oitocentos e cinquenta e oito reais e oitenta e oito centavos), em razão da omissão de receitas auferidas pela empresa Corpa Taquaritinga Comércio e Representações de Produtos Agropecuários Ltda. no ano-calendário de 1999.
6. Por seu turno, a autoria delitiva também restou devidamente comprovada. Em juízo, o réu confirmou a função de sócio-gerente da empresa Corpa Taquaritinga exercida no ano de 1999.
7. Consoante entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, os processos administrativos, incluídos os de cunho fiscal, são considerados provas não repetíveis, nos termos do artigo 155 do Código de Processo Penal, sujeitos, pois, ao contraditório diferido, sendo hábeis a alicerçar condenações criminais.
8. O afastamento da aplicação de multa qualificada na esfera administrativo-tributária não influencia na caracterização do delito previsto pelo art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90.
9. O valor sonegado (R$ 843.858,88) foi sobremaneira elevado, o que agrava a reprovabilidade da conduta, sendo adequado majorar a pena-base. Contudo, os motivos do crime não diferem daqueles comuns à espécie, no caso, obtenção de proveito econômico, que é ínsito ao tipo penal. Adotando os critérios utilizados pela magistrada sentenciante, afastando uma circunstância judicial desfavorável, fixa-se a pena-base do réu em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e, para guardar proporcionalidade, estabelece-se a pena de multa em 12 (doze) dias-multa, à razão de 1/20 (um vinte avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos, que, à míngua de agravantes, atenuantes, causas de aumento e diminuição de pena, torna-se definitiva.
10. A sentença comporta reparo, de ofício, no tocante à destinação da pena de prestação pecuniária imposta ao réu, posto que, sendo a União Federal a entidade lesada com a ação delituosa, tais valores deverão ser revertidos aos seus cofres, em conformidade com o disposto no artigo 45, §1º, do Código Penal.
11. Apelação parcialmente provida.




ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, para reduzir a pena-base a 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e ao pagamento de 12 (doze) dias-multa, à razão de 1/20 (vinte avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos, e alterar, de ofício, a destinação da pena de prestação pecuniária à União, mantendo-se, no mais, a r. sentença impugnada. Por maioria, determinar a imediata expedição de guia de execução, nos termos do voto do Des. Fed. Valdeci dos Santos, acompanhado pelo Des. Fed. Hélio Nogueira, vencido o Des. Fed. Wilson Zauhy que entende deva ser determinada a expedição de guia somente após o trânsito em julgado.



São Paulo, 14 de novembro de 2017.
VALDECI DOS SANTOS
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): VALDECI DOS SANTOS:10136
Nº de Série do Certificado: 4503A7553BCFC389
Data e Hora: 24/11/2017 15:54:48



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0008708-41.2010.4.03.6120/SP
2010.61.20.008708-9/SP
RELATOR : Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS
APELANTE : TIAGO LAVRADOR BRACIALI
ADVOGADO : SP088552 MARIA CLAUDIA DE SEIXAS e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00087084120104036120 1 Vr ARARAQUARA/SP

VOTO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS:

1.Das preliminares

1.1 Da preliminar de prescrição da pretensão punitiva

Em sede de apelação, o acusado Tiago Lavrador Braciali sustenta, preliminarmente, a extinção de punibilidade, em razão da prescrição da pretensão punitiva.

Todavia, razão não lhe assiste.

Conforme Súmula 24 do Supremo Tribunal Federal, não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo. Nessa senda, tendo em vista que a data da constituição definitiva do crédito caracteriza a consumação do delito, é imperioso reconhecer que o prazo prescricional do crime ora imputado ao réu somente se iniciou em 08 de outubro de 2008 (fls. 193/196).

Desta maneira, considerando que o recebimento da denúncia ocorreu em 08 de outubro de 2010, é inequívoca a inocorrência da prescrição pretensão punitiva estatal, nos termos do artigo 109 do Código Penal c.c. o preceito secundário do artigo 1º da Lei nº 8.137/90.

Melhor sorte não assiste ao acusado ao alegar que o posicionamento do Supremo Tribunal Federal não se aplicaria a delitos praticados antes da atual interpretação. É que o entendimento dos tribunais somente reconhece a forma e alcance de incidência da norma vigente dentro do ordenamento jurídico. Desse modo, a interpretação do Supremo Tribunal Federal proferida no HC 81.611/DF apenas reconheceu e declarou que a consumação do delito ora analisado somente ocorre com a constituição definitiva do crédito tributário, uma vez que se trata de crime material. Portanto, no caso em tela, não houve qualquer inércia do Ministério Público Federal em propor a denúncia em desfavor do réu antes da constituição definitiva do crédito tributário, porquanto não havia, ainda, materialidade delitiva, não existindo, pois, justa causa para promoção da ação penal. Nessa esteira:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME MATERIAL CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. TERMO INICIAL. MOMENTO ANTERIOR À CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA VINCULANTE 24. RETROATIVIDADE DE INTERPRETAÇÃO JUDICIAL MAIS GRAVOSA AO RÉU. CRIAÇÃO DE MARCO INTERRUPTIVO NÃO PREVISTO EM LEI. INOCORRÊNCIA. COAÇÃO ILEGAL NÃO CONFIGURADA. DESPROVIMENTO DO RECLAMO. 1. Consoante consolidado no verbete 24 da Súmula Vinculante, não há crime material contra a ordem tributária antes da constituição definitiva do crédito, razão pela qual é irrelevante o momento no qual ocorreu a omissão ou declaração falsa ao Fisco. 2. Esta colenda Quinta Turma já afastou a alegação de que o enunciado 24 da Súmula Vinculante só se aplicaria aos crimes cometidos após a sua vigência, seja porque não se está diante de norma mais gravosa, mas de consolidação de interpretação judicial, seja porque a sua observância é obrigatória por parte de todos os órgãos do Poder Judiciário, exceto a Suprema Corte, a quem compete eventual revisão do entendimento adotado. Precedente. 3. Considerada a constituição do crédito tributário como termo inicial da prescrição da pretensão punitiva, não se verifica a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal. 4. Recurso desprovido. (STJ, RHC 83.993/MS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 15/08/2017, DJe 25/08/2017)
PROCESSO PENAL E PENAL. RHC. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. TRANCAMENTO DO PROCESSO-CRIME. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. SÚMULA VINCULANTE 24. CRIME MATERIAL. CONSUMAÇÃO APÓS O LANÇAMENTO DEFINITIVO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. RETROATIVIDADE IN MALAM PARTEM NÃO EVIDENCIADA. RECURSO DESPROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte está consolidada no sentido de que trancamento do processo-crime por meio do habeas corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito, o que não se infere na hipótese dos autos. Precedentes. 2. Conforme a dicção da Súmula Vinculante 24, "não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/90, antes do lançamento definitivo do crédito do tributo". Trata-se, pois, de crime material ou de resultado, que somente pode ser tido por consumado após o exaurimento da esfera administrativa, ou seja, após o desfecho de eventual procedimento fiscal instaurado para a discussão do crédito tributário. 3. Tal posicionamento evita que sejam tomadas decisões conflitantes nas esferas administrativa e penal, pois impede que um agente venha a ser condenado pela prática de crime contra a ordem tributária, por ter, por exemplo, ilidido o pagamento de imposto, cuja exigência restou posteriormente afastada pela própria autoridade fiscal. Embora em tal hipótese pudesse ser reconhecida a perda superveniente de justa causa para o exercício da ação penal, seria contraditório admitir, em via de regra, a oferta de denúncia antes que houvesse certeza sobre a materialidade da conduta criminosa que motivou a acusação. 4. Esta Quinta Turma, em diversos julgados, afastou a alegação de que o enunciado 24 da Súmula Vinculante só se aplicaria aos crimes cometidos após a sua vigência. Em verdade, não se trata de aplicação retroativa de norma penal mais gravosa, o que, como cediço, encontra óbice no texto constitucional, mas de consolidação de entendimento jurisprudencial, que conferiu a correta exegese a dispositivos legais vigentes na data dos fatos, sendo a sua observância cogente para todos os órgãos do Poder Judiciário, não havendo se falar em retroatividade in malam partem. Precedentes. 5. O Supremo Tribunal Federal, em julgamento proferido logo após a aprovação da retrocitada súmula vinculante, reconheceu se tratar de "mera consolidação da jurisprudência da Corte, que, há muito, tem entendido que a consumação do crime tipificado no art. 1º da Lei 8.137/90 somente se verifica com a constituição do crédito fiscal, começando a correr, a partir daí, a prescrição."(HC n. 85.051/MG, Segunda Turma, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 1°/07/2005. 6. In casu, a constituição definitiva do crédito tributário ocorreu em 7/10/2011, tendo a denúncia e seu posterior aditamento sido recebidos em 2/08/2013. Assim, considerando que o preceito secundário do tipo penal imputado ao réu estabelece pena máxima de 5 (cinco) anos de reclusão, a prescrição da pretensão punitiva é regida pelo art. 109, III, do Código Penal, que estabelece o prazo de 12 (doze) anos. Por consectário, impõe-se reconhecer que não houve decurso de tal lapso temporal entre os marcos interruptivos. 7. Dos autos se infere ter sido previamente instaurado inquérito para apuração dos fatos sob análise, tendo a defesa requerido a suspensão do feito, com base no entendimento sumular supramencionado, por entender que a falta de lançamento definitivo tornaria flagrante a inexistência de justa causa para a persecução penal, tendo o pleito sido deferido pelo Juízo de 1º grau. Ora, não se mostra razoável admitir que o posicionamento jurisprudencial inicialmente invocado pela defesa, por ser naquela oportunidade a ela benéfico, venha a ser posteriormente rechaçado, pois a sua aplicação passou a ser contrária aos interesses da parte quando da oferta da exordial, já que busca o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva, ao argumento de impossibilidade de aplicação retroativa da dicção da Súmula Vinculante 24. 8. Se aplicável o entendimento da Súmula Vinculante 24, conforme o reconhecido pelo Magistrado processante, repita-se, em atendimento a pedido da defesa, mostra-se despicienda qualquer manifestação judicial acerca da suspensão do prazo prescricional, pois o crime ainda não teria sido consumado e, portanto, não havia se falar em prescrição. 9. Recurso desprovido. (STJ, RHC 61.790/PR, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 13/12/2016, DJe 19/12/2016)

À guisa de conclusão, rechaça-se o pedido de reconhecimento de prescrição da pretensão punitiva.

1.2 Da preliminar de nulidade da sentença pela não apreciação de tese defensiva

Preliminarmente, o réu também alega nulidade da sentença, em razão da não apreciação de tese defensiva, no caso, a questão da validade da condenação baseada em provas produzidas exclusivamente em fase inquisitorial.

Contudo, não se deve dar guarida a tal alegação.

Compulsando a sentença, vislumbra-se que a mesma enfrentou satisfatoriamente todas as teses arguidas pela defesa, inclusive, a validade da condenação baseada em provas produzidas em fase pré-processual, como pode ser conferido nos seguintes excertos, in verbis:

"Cabe agora observar as alegações das partes.
Em relação à licitude da prova, o tema já foi abordado em sede de análise preliminar, o que agora se reitera. O procedimento administrativo fiscal é meio hábil para instruir a ação penal em crime tributário, sobretudo se é o instrumento idôneo para constituir o débito. No caso presente, também foi instaurado inquérito policial, no qual o acusado teve a oportunidade de se manifestar, porém optou por permanecer em silêncio naquela fase inquisitiva.
(...)
O procedimento administrativo colhido como prova da materialidade do delito é válido, "até porque o ato expedido pela Administração Pública no desempenho da função administrativa reveste-se de presunção relativa de acerto, visto que o princípio da legalidade impõe que a Administração aja somente de acordo com a lei. Em assim sendo, não se pode aceitar a pura e simples argumentação de que determinado ato administrativo encontra-se maculado. Cabe ao administrado produzir provas que prestem suporte a essa alegação, para que possa desconstituir tal ato" (ACR 01076109520064030000, Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE, TRF3 - Quinta Turma, e-DJF-3 Judicial 1, Data: 11/09/2012)"

Portanto, é cristalino o enfrentamento pela magistrada a quo de todas as questões arguidas pelo acusado, não havendo qualquer nulidade da decisão condenatória, razão pela qual é de rigor afastar a preliminar ora analisada. Nessa esteira:

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. APROPRIAÇÃO DE INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. NULIDADE DA SENTENÇA POR FALTA DE APRECIAÇÃO DE TESE DEFENSIVA. INOCORRÊNCIA. ABOLITIO CRIMINIS: LEI 9.983/2000. INOCORRÊNCIA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PENA-BASE. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. Apelação da defesa contra sentença que condenou o réu como incurso no artigo 168-A, c.c. o artigo 71, ambos do Código Penal. 2. Não é nula a decisão que, fundamentadamente, acolhe tese contrária à da defesa e condena o réu. Princípio do livre convencimento motivado. 3. Segundo o princípio do livre convencimento motivado (artigo 155 do CPP), o magistrado está autorizado a formar sua convicção pela análise do conjunto probatório, fundamentando a decisão com amparo em todas as provas coligidas e a percepção jurídica delas extraída e não está obrigado a rebater todas as teses defensivas. 4. Ainda que o magistrado a quo não tenha apreciado tese questionada em sede de alegações finais pela defesa, a omissão da sentença condenatória nesse ponto não constitui causa de sua nulidade, tanto que poderia, validamente, ser suprida em sede de embargos de declaração, nos termos do artigo 382 do Código de Processo Penal, o que não ocorreu no caso em tela. Precedente.
(...)
(TRF3, ACR 00005409520014036110, Primeira Turma, Rel. Des. Hélio Nogueira, j. 07.02.2017, p. 14.02.2017).

1.3 Da preliminar de nulidade decorrente da abertura de vista dos autos ao Ministério Público Federal para manifestação após a resposta à acusação.

Ademais, o réu, em preliminar, afirma que a abertura de vista dos autos ao órgão acusatório para manifestação após a resposta à acusação violou o devido processo legal e a paridade de armas. Em consequência, requer o reconhecimento da nulidade do processo desde a manifestação do Parquet Federal, após a resposta à acusação apresentada.

Nesse tocante, convém esclarecer que, conforme parágrafo único do artigo 61 do Código de Processo Penal, o juiz deverá ouvir a parte contrária antes reconhecer a extinção da punibilidade.

No caso em tela, o acusado levantou a questão da extinção da punibilidade expressamente em resposta à acusação (fls. 107/123). Portanto, em respeito ao comando legal previsto no parágrafo único do artigo 61 do Código de Processo Penal, o magistrado corretamente abriu vistas dos autos ao Ministério Público Federal.

Salienta-se que petição de fls. 200/204 manifestou-se exclusivamente acerca da prescrição da pretensão punitiva, materialidade delitiva e justa causa, isto é, manifestou-se somente sobre questões correlatas a extinção da punibilidade, não havendo qualquer violação ao devido processo legal.

Outrossim, é imperioso frisar que, no processo penal, não havendo demonstração de efetivo prejuízo à parte, não haverá reconhecimento de nulidades, em respeito à pas de nullité sans grief. Nesse sentido:


PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE AMEAÇA. ALEGADO CERCEAMENTO DE DEFESA NO JULGAMENTO DO WRIT ORIGINÁRIO PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INOCORRÊNCIA. PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF.
AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. NULIDADES NO CURSO DA AÇÃO PENAL. TEMAS NÃO EXAMINADOS PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. INDEVIDA SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE DE INCURSÃO APROFUNDADA NA SEARA PROBATÓRIA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. RECURSO DESPROVIDO.
1. O reconhecimento de nulidades no curso do processo penal reclama uma efetiva demonstração do prejuízo à parte, sem a qual prevalecerá o princípio da instrumentalidade das formas positivado pelo art. 563 do CPP (pas de nullité sans grief). 2. Hipótese em que não se verifica o alegado cerceamento da defesa pelo só fato de que não fora oportunizada a palavra à defesa em sessão em que houve a continuação do julgamento com a apresentação do voto-vista. Em regra, somente cabe sustentação oral na primeira sessão de julgamento do processo, após a leitura do relatório. 3. Conforme reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o prequestionamento das teses jurídicas constitui requisito de admissibilidade da via, inclusive em se tratando de matérias de ordem pública, sob pena de incidir em indevida supressão de instância e violação da competência constitucionalmente definida para esta Corte. 4. Se as instâncias ordinárias, mediante valoração do acervo probatório produzido nos autos, entenderam, de forma fundamentada, ser o réu autor do delito descrito na exordial acusatória, a análise das alegações concernentes ao pleito de absolvição demandaria exame detido de provas, inviável em sede de writ.
5. Recurso ordinário desprovido. (STJ, RHC 81.284/DF, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 22/08/2017, DJe 30/08/2017)

Desta maneira, não havendo qualquer vício na manifestação do Ministério Público Federal após a resposta à acusação, rejeita-se a preliminar de violação ao devido processo legal.

1.4 Da preliminar de ilicitude da prova

Por fim, preliminarmente, o réu defende a ilicitude da prova, sustentando que a emissão de representação fiscal para fins penais foi feita em contrariedade à legislação.

Consoante decisão proferida no REsp 1.569.429/SP, o artigo 2º do Decreto nº 2.730/1998 é ilegal, por restringir indevidamente matéria disposta em norma de hierarquia superior. Nessa esteira:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE REMESSA DA REPRESENTAÇÃO FISCAL PARA FINS PENAIS. ILEGALIDADE DO DECRETO 2.730/1998. INOVAÇÃO NO MUNDO JURÍDICO. EXORBITÂNCIA DA SUA FUNÇÃO REGULAMENTAR. 1. O Ministério Público Federal ajuizou Ação Civil Pública para declarar a ilegalidade do Decreto 2.730/1998, porque teria extrapolado a sua função meramente regulamentar, pois restringiu indevidamente o comando normativo inserto no art. 83 da Lei 9.430/1996. 2. Não resta dúvida de que a Delegacia da Receita Federal em Bauru, ao seguir o disposto no art. 2º, I, do Decreto 2.730/1998, deixou de enviar ao Ministério Público Federal as representações fiscais para fins penais nas quais houvesse afastamento da multa agravada, desobedecendo ao disposto no art. 83 da Lei 9.430/1996, que não prevê esta hipótese. 3. O ato normativo secundário inovou no mundo jurídico, criando mais um obstáculo para o envio das representações fiscais ao Ministério Público, como se fosse preceito normativo originário. Dessa forma, exorbitou da função meramente regulamentar dos Decretos expedidos pelo Poder Executivo, conforme expresso no art. 84, IV, da CF. 4. Recurso Especial não provido. (STJ, REsp 1569429/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/05/2016, DJe 25/05/2016)

Portanto, em face da ilegalidade do Decreto nº 2.730/1998, não se verifica qualquer mácula na representação fiscal para fins penais realizada pelas autoridades fazendárias, nos termos do artigo 83 da Lei nº 9.430/1996, razão pela qual afastar a preliminar arguida pelo apelante é medida que se impõe.

Ressalta-se, também, como bem apontado pela magistrada a quo, que a representação fiscal para fins penais não constitui condição de procedibilidade da ação penal, auxiliando apenas a opinio delicti do órgão acusador, não ensejando, pois, qualquer nulidade à ação penal.

Superada as preliminares, passa-se ao exame do mérito recursal.

2.Do delito previsto no artigo 1º, I, da Lei nº 8.137/90

A materialidade delitiva do crime previsto no artigo 1º, I, da Lei nº 8.137/90 restou demonstrada pelo procedimento administrativo em apenso, especialmente pelo Relatório de fls. 404/405 e pelos documentos de fls. 410/411, os quais demonstram a constituição definitiva do crédito tributário no valor R$ 843.858,88 (oitocentos e quarenta e três mil, oitocentos e cinquenta e oito reais e oitenta e oito centavos), em razão da omissão de receitas auferidas pela empresa Corpa Taquaritinga Comércio e Representações de Produtos Agropecuários Ltda. no ano-calendário de 1999.

Em relação à materialidade delitiva, convém salientar que o documento acostado às fls. 258 demonstra as datas de todos os pagamentos realizados pela empresa Corpa Taquaritinga à empresa Novartis referente às mercadorias discriminadas nas notas fiscais omitidas pela empresa Corpa Taquaritinga.

Portanto, é inequívoco que a empresa Corpa Taquaritinga auferiu receitas para pagar por tais mercadorias. Contudo, as receitas utilizadas para pagar pelas mercadorias não foram declaradas regularmente ao fisco, razão pela qual as autoridades fazendárias corretamente constituíram o crédito tributário relativo aos tributos incidentes sobre as receitas e rendas auferidas pelas pessoas jurídicas.

Frisa-se que, instado a demonstrar a origem do montante utilizado para compra das mercadorias discriminadas em notas fiscais omitidas, o acusado quedou-se inerte, limitando-se a alegar que "o dinheiro era proveniente do caixa, ao qual era adicionadas disponibilidades dos sócios, e não poderia comprovar tal afirmação documentalmente porque o pagamento foi em espécie."

Por seu turno, a autoria delitiva também restou devidamente comprovada.

Em depoimento prestado no IPL nº 17-198/2007 (fls. 429 do apenso), o réu Tiago Lavrador Braciali afirmou:

"QUE é sócio gerente da empresa Corpa Taquaritinga Comércio e Representações e Produtos Agropecuários Ltda; QUE de fato, administra essa empresa desde o final de 1996, quando o seu genitor Vladecir se afastou da mesma por problemas pessoais e técnicos, embora conste como sócio da empresa, na alteração do contrato social (fls. 97/98), a partir de 02.01.1999;"

Em juízo (fls. 321), o réu confirmou a função de sócio-gerente da empresa Corpa Taquaritinga exercida no ano de 1999.

A alteração do contrato social da referida empresa (fls. 67/68 do apenso I) corroboram as referidas informações.

Como bem apontado pela Procuradoria Regional da República da 3ª Região, as testemunhas Manoel Augusto Gonçalves (fls. 234/237) e Chigueo Kamada (fls. 267/269) relataram que em todos os negócios realizados com a empresa Novartis eram emitidas notas fiscais, as quais era registradas nos respectivos livros contábeis.

Entretanto, o acusado Tiago Lavrador Braciali não logrou êxito em confirmar a escrituração das referidas notas fiscais.

Deste modo, a falta de escrituração das notas fiscais demonstra o dolo do apelante em ocultar as receitas auferidas pela empresa Corpa Taquaritinga, à medida que foi o meio empregado para mascarar o crime de sonegação fiscal praticado anteriormente.

Assim, considerando a condição de sócio-gerente e administrador da empresa Corpa Taquaritinga Comércio e Representações de Produtos Agropecuários Ltda., é imperioso reconhecer que Tiago Lavrador Braciali, com vontade livre e consciente, omitiu das autoridades fazendárias informações com fito de reduzir o montante de tributos a pagar.

No mérito recursal, acusado sustenta a impossibilidade de a condenação basear-se somente em prova produzida em momento pré-processual.

Contudo, razão não lhe assiste.

Conforme entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, os processos administrativos, incluídos os de cunho fiscal, são considerados provas não repetíveis, nos termos do artigo 155 do Código de Processo Penal, sujeitos, pois, ao contraditório diferido, sendo hábeis a alicerçar condenações criminais. Nessa esteira:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. SONEGAÇÃO FISCAL. SUFICIÊNCIA DA PROVA PARA A CONDENAÇÃO. SÚMULA 07/STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.
(...)
Ora, a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é firme no entendimento de que processos administrativos - expressão que abrange o processo administrativo fiscal -, "como documentos que são (CPP, art. 232), são provas não repetíveis para fins processuais penais, sendo aptos a embasar condenações criminais (CPP, art. 155), desde que submetidos a amplo contraditório diferido em juízo."
(REsp n. 1613260/SP, Sexta Turma, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 24/8/2016). (STJ, REsp. 1.457.771/SP, Decisão Monocrática, Rel. Min. Felix Fischer, p. 09.08.2017).
HABEAS CORPUS. DESCAMINHO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS PELO INTERROGATÓRIO DA PACIENTE E PELO AUTO DE APREENSÃO REALIZADO PELA RECEITA FEDERAL. INEXISTÊNCIA DE CONDENAÇÃO BASEADA EM PROVAS PRODUZIDAS EXCLUSIVAMENTE EM INQUÉRITO POLICIAL. ART. 155 DO CPP. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DO WRIT. ORDEM DENEGADA. 1. Dispõe o art. 155 do CPP que o Juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. 2. A autoria e a materialidade do delito foram devidamente comprovadas pelo depoimento em juízo da paciente e pelo Auto de Infração com Apreensão realizado pela Receita Federal, documento com presunção legal de autenticidade e veracidade (fé pública). 3. O referido Auto de Infração, apesar de produzido na fase extrajudicial, pode ser questionado em juízo por qualquer das partes, não havendo, assim, ofensa ao princípio do contraditório e da ampla defesa. 4. Ordem denegada, em conformidade com o parecer ministerial" (HC n. 175.387/PR, Quinta Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 13/12/2010).

Portanto, não há qualquer vício na condenação realizada pela magistrada a quo.

Por fim, registra-se que o afastamento da aplicação de multa qualificada na esfera administrativo-tributária não influencia na caracterização do delito previsto pelo art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90. Consoante decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça no HC 49.470/PB, de relatoria do E. Ministro Felix Fischer, considerando que as esferas administrativa e penal são, em regra, independentes, a aplicação por parte da autoridade fiscal de multa relativa à falta de recolhimento ou recolhimento a menor do tributo devido em percentual diverso daquele reservado para os casos de fraude, conluio e sonegação, não obsta que na esfera penal se conclua pela ocorrência de fraude. Nesse sentido:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. LEI Nº 8.137/91. SONEGAÇÃO FISCAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DE QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO. ILICITUDE DO ENCAMINHAMENTO DA REPRESENTAÇÃO FISCAL PARA FINS PENAIS. PRODUÇÃO DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS. REJEIÇÃO DAS PRELIMINARES. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. DOSIMETRIA DA PENA. CIRCUNSTÂNCIAS DESFAVORÁVEIS. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. 1. Nos crimes contra o Sistema Financeiro e o Sistema Tributário, nem sempre é possível realizar-se, de plano, a perfeita identificação dos pormenores de cada uma das ações que resultaram na conduta criminosa ou mesmo da atuação de cada denunciado. Por isso, é admissível denúncia não tão detalhada, desde que a acusação seja compreensível e possibilite a ampla defesa. Nesse sentido é a orientação do Supremo Tribunal Federal. 2. A decisão judicial que permitiu o acesso a informações bancárias sigilosas do réu apresentam fundamentação per relationem, reportando-se aos fundamentos satisfatoriamente trazidos pelos pedidos das quebras de sigilo. Técnica admitida pelo Supremo Tribunal Federal. Precedentes. 3. Não há ilicitude da denúncia, tampouco da ação penal, em razão do momento em que foi encaminhada a representação fiscal para fins penais ao Ministério Público, vez que essa peça administrativa não faz prova da constituição definitiva do crédito tributário, não impede ou vincula a atuação da autoridade policial e do Ministério Público e não é condição de procedibilidade da ação penal. 4. A utilização de elementos colhidos ao longo do processo administrativo-fiscal é consequência lógica da exigência da Súmula Vinculante nº 24, sendo que não configura qualquer violação ao exercício do contraditório e da ampla defesa vez que, além de o contribuinte ser intimado para se defender ao longo do processo administrativo, todos os elementos probatórios produzidos na esfera administrativa e juntados aos autos do processo judicial são devidamente submetidos à ciência e ao acesso da defesa. 5. A materialidade delitiva está comprovada pelos documentos do processo administrativo fiscal, especialmente o demonstrativo consolidado do crédito tributário do processo, os autos de infração, os demonstrativos de apuração, os demonstrativos de multa e juros de mora e o termo de intimação fiscal. 6. O afastamento da aplicação de multa qualificada (Lei nº 9.430/96, art. 44, II, redação original) na esfera administrativo-tributária não influencia na caracterização do delito previsto pelo art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90. Precedentes. 7. O delito do art. 1º, I, 1ª parte, da Lei nº 8.137/90, diz respeito a uma omissão penalmente relevante, sendo que o crime se caracteriza pela não realização, pelo agente, do dever legal de apresentar informações à autoridade fazendária. A possibilidade de agir decorre justamente da condição de administrador e gerente da pessoa jurídica que era responsável pela área tributária, vez que somente tal pessoa poderia prestar (ou ordenar que fossem prestadas) as informações corretamente e, assim, impedir a omissão de dados relevantes à autoridade fazendária. 8. Aplicação do art. 42 da Lei nº 9.430/96, vez que apuradas movimentações bancárias que, apesar de todas as intimações do contribuinte, não foram esclarecidas. 9. A autoria e o dolo defluem do quadro societário da empresa e das provas orais produzidas judicialmente. 10. Dosimetria. Aumento da pena-base em razão das consequências do crime, que resultou em supressão de alto valor de tributos. 11. A mera constatação de que o delito se deu com o objetivo de incremento de lucro não é suficiente para sustentar que os motivos do crime ultrapassam a normalidade, já que os de sonegação fiscal tem o aspecto econômico-financeiro como intrínseco ao seu cometimento. 12. Ausente qualquer elemento da prática do delito que fuja da normalidade esperada na prática da sonegação fiscal, não cabe a majoração da pena-base em razão das circunstâncias do crime. 13. A fixação do aumento da pena em razão da continuidade delitiva (CP, art. 71) deve ser proporcional à quantidade de ações perpetradas ou ao período de tempo pelo qual se prolongou. Precedente desta Corte. 14. Regime inicial aberto e substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. 15. Apelação parcialmente provida.(TRF3, ACR 00003744420074036113, Décima Primeira Turma, Rel. Des. Nino Toldo,j. 30.05.2017, 06.06.2017)
APELAÇÃO CRIMINAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOLO GENÉRICO. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE FRAUDE. DOSIMETRIA DA PENA. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. CONFISSÃO. REGIME INICIAL ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. 1. A materialidade e a autoria restaram devidamente comprovadas pelo processo administrativo fiscal, pelo Auto de Infração, pelo Demonstrativo de Apuração, pelo Termo de Verificação Fiscal, pela constituição definitiva do crédito tributário, pelo comprovante de rendimentos e pela cópia da declaração de ajuste de imposto de renda. 2. É pacífico que a sonegação fiscal tem como seu elemento subjetivo o dolo genérico, sem exigir a comprovação de fraude. Diante disso, o afastamento da aplicação de multa qualificada (Lei nº 9.430/96, art. 44, II, redação original) na esfera administrativo-tributária não influencia na caracterização do delito previsto pelo art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90. Precedentes. 3. O dolo genérico restou devidamente comprovado à luz do conjunto probatório presente nos autos, especialmente o interrogatório judicial. 4. Dosimetria. Aumento da pena-base em razão das consequências do crime, que resultou em supressão de alto valor de tributos. 5. Aplicação da circunstância atenuante da confissão. Mesmo quando imbuída de teses defensivas, descriminantes ou exculpantes, deve ser considerada na graduação da pena, nos termos do art. 65, III, "d", do Código Penal. Precedentes do STJ. 6. Regime inicial de cumprimento da pena aberto. 7. Substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos. 8. Apelação do Ministério Público Federal provida e apelação do réu desprovida. (TRF3, ACR 00048052520104036111, Décima Primeira Turma, Rel. Des. Nino Toldo, j. 12.04.2016, p.15.04.2016)
"HABEAS CORPUS" - ARTIGO 1º DA LEI 8.137/90 - O MONTANTE DA MULTA IMPOSTA PELA ADMINISTRAÇÃO FAZENDÁRIA NÃO POSSUI O CONDÃO DE JUSTIFICAR O OFERECIMENTO DA REPRESENTAÇÃO FISCAL PARA FINS CRIMINAIS - MATERIALIDADE DO CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL DEMONSTRADA - CRÉDITO FISCAL DEFINITIVAMENTE CONSTITUÍDO NA ESFERA ADMINISTRATIVA - ELEMENTO SUBJETIVO DO CRIME - VIA ESTREITA E CÉLERE DA IMPETRAÇÃO QUE NÃO ADMITE O EXAME DO TEMA - ORDEM DENEGADA. 1. O crédito tributário está definitivamente constituído, conforme se verifica dos documentos acostados aos autos. Não há, pois, qualquer dúvida sobre a materialidade delitiva, e isso é o quanto basta para o prosseguimento da persecução penal. 2. A questão do montante da multa aplicada, se qualificada ou simples, não possui qualquer relevância para impedir o início ou o prosseguimento de uma ação penal pelo crime de sonegação de tributos. Apenas a questão do prévio esgotamento da via administrativa, com a constituição definitiva do crédito fiscal, possui relevância jurídica para o direito criminal, de acordo com a linha jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal. 3. É manso e pacífico o entendimento de que eventuais nulidades ocorridas na fase pré-processual da persecução penal não contaminam a ação em curso. Entendimento consolidado desta Turma Julgadora nesse sentido. 4. A questão relativa ao elemento subjetivo do crime não pode ser examinada neste passo, pois exige aprofundado cotejo do corpo probatório, o que, sabidamente, não pode ser feito em um Habeas Corpus, exceto em situações excepcionais e mediante robusta prova pré-constituída. E essa prova pré-constituída não existe nos autos, nem tampouco se está diante de uma situação excepcional. 5.Ordem denegada. (TRF3, HC 00092956120084030000,Quinta Turma, Rel. Des. Ramza Tartuce, j. 01.09.2008, p. 23.09.2008) (g.n.)

Dessarte, em face da comprovação da materialidade e autoria delitivas, deve ser mantida a condenação do réu Tiago Lavrador Braciali pela prática do crime previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei nº 8.137/90.

3.Da dosimetria da pena

Subsidiariamente, o acusado Tiago Lavrador Braciali, em relação à dosimetria da pena, pede que a pena-base seja fixada no mínimo legal.

Nesse ponto, para exasperar a pena-base, a MM. Juíza a quo pontuou:

"Por outro vértice, observa-se que, como o acusado omitiu dolosamente, tal conduta teve uma finalidade previamente arquitetada. Não obstante o objetivo de reduzir ou suprimir tributo seja constitutivo do tipo penal, o motivo, entendo, é outra coisa e se encontra na esfera subjetiva, que, na hipótese, é a cupidez do réu, a cobiça de elevar a renda sem se importar com a administração fazendária.
Por seu turno, conforme consta da informação de fl. 56/66, o montante de tributos sonegados gerou inscrição na dívida ativa da União no valor consolidado de R$ 1.450.805,47 (um milhão e quatrocentos e cinquenta mil e oitocentos e cinco reais e quarenta e sete centavos), que deve ser considerado como circunstância judicial.
Portanto, salienta-se que, nos termos do artigo 59 CP, os motivos e as circunstâncias aqui sopesadas conjuntamente, justificam o aumento da pena-base acima do mínimo legal em ½.
Inexistindo outros elementos a serem considerados nesta fase, fixo a pena-base em 03 (três) anos de reclusão.
No tocante à sanção pecuniária cominada ao delito, atendendo aos mesmos critérios do artigo 59 do Código Penal, fixo a pena em 15 (quinze) dias-multa, com o valor unitário de cada dia-multa estabelecido em 1/20 (um vinte avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos, considerando a situação econômica do réu e obedecendo ao iter acima descrito. O valor da pena deverá ser atualizada na fase de execução."

Com efeito, no caso em tela, o valor sonegado (R$ 843.858,88 - fls. 404) foi sobremaneira elevado, o que agrava a reprovabilidade da conduta, sendo adequado majorar a pena-base. Contudo, os motivos do crime não diferem daqueles comuns à espécie, no caso, obtenção de proveito econômico, que é ínsito ao tipo penal.

Portanto, adotando os critérios utilizados pela MM. Juíza a quo, afastando uma circunstância judicial desfavorável, fixa-se a pena-base do réu em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e, para guardar proporcionalidade, estabelece-se a pena de multa em 12 (doze) dias-multa, à razão de 1/20 (um vinte avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos, que, à míngua de agravantes, atenuantes, causas de aumento e diminuição de pena, torna-se definitiva.

Inexistindo recurso ministerial, deve ser mantido o regime inicial de cumprimento de pena no aberto, bem como a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, quais sejam, prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e prestação pecuniária no valor de 2 (dois) salários mínimos.

Entretanto, a sentença comporta reparo, de ofício, no tocante à destinação da pena de prestação pecuniária imposta ao réu, posto que, sendo a União Federal a entidade lesada com a ação delituosa, tais valores deverão ser revertidos aos seus cofres, em conformidade com o disposto no artigo 45, §1º, do Código Penal.

Com tais considerações, dou parcial provimento à apelação, para reduzir a pena-base a 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e ao pagamento de 12 (doze) dias-multa, à razão de 1/20 (vinte avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos, e altero, de ofício, a destinação da pena de prestação pecuniária à União, mantendo-se, no mais, a r. sentença impugnada.

Expeça-se guia de execução, para imediato cumprimento das penas, nos termos do novel entendimento do Supremo Tribunal Federal (HC 126.292, ADCs 43 e 44 e ARE 964.246).

É o voto.






VALDECI DOS SANTOS
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): VALDECI DOS SANTOS:10136
Nº de Série do Certificado: 4503A7553BCFC389
Data e Hora: 24/11/2017 15:54:52