"DA APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA - CRIME OMISSIVO. DOLO GENÉRICO. DIFICULDADES FINANCEIRAS NÃO SUFICIENTEMENTE PROVADAS. DOSIMETRIA. I.O artigo 168-A, do CP, pune quem não repassa à previdência social contribuição ou outra importância que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público, normalmente o empregador que não repassa à previdência social as contribuições incidentes sobre as remunerações pagas aos seus empregados. Trata-se de um crime omissivo próprio e não comissivo omissivo (misto), já que não se vislumbra uma ação (desconto) seguida de uma omissão (não repasse), mas simplesmente uma omissão (não repasse), pois o desconto a cargo do agente não é físico, mas meramente escritural. O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade consciente de omitir o repasse para a previdência social dos valores devidos pelos segurados. É o que basta para a configuração do delito, uma vez que a lei não exige uma finalidade específica do agente (dolo específico); o intuito de fraudar a Previdência Social, o animus rem sibi habendi. Por fim, é assente na jurisprudência o entendimento de que a norma inscrita nesse tipo penal é constitucional por não se confundir com prisão civil por dívida. II.A materialidade do delito encontra-se demonstrada pela Representação Fiscal para Fins Penais de fls. 10/12 e pela NFLD 35.787.270-3 (fls. 299/409). Tais documentos revelam que a administração da empresa TAURUS ELETRO MÓVEIS LTDA. descontou, no período de 07/2000 a 03/2001, contribuições previdenciárias da remuneração paga aos seus empregados, mas não as repassou à Previdência Social. III.A autoria delitiva, apesar de negada pela defesa, ficou igualmente comprovada. Conforme se infere do documento de fls. 542/578, o réu, além de sócio, assinava pela empresa, donde se conclui que ele tinha poderes de gestão da sociedade, devendo, por conseguinte, ser responsabilizado criminalmente pela falta de recolhimento das contribuições previdenciárias objeto da presente ação penal. Por outro lado, o réu não logrou comprovar que não exercia, de fato, tais poderes de gestão. IV.O dolo também é incontestável, visto que, como já destacado, para a configuração do delito de apropriação indébita previdenciária basta o dolo genérico. Tratando-se de tipo omissivo, não se exige o animus rem sibi habendi, sendo suficiente à sua consumação, o efetivo não recolhimento do tributo no prazo legal. V.A inexigibilidade de conduta diversa é causa supralegal de exclusão de culpabilidade, impondo-se perquirir se, nesta hipótese, o réu estava efetivamente impossibilitado de recolher os valores descontados dos empregados, ou seja, se as dificuldades financeiras suportadas pela empresa eram de ordem a colocar em risco a sua própria existência, incumbindo ao réu a prova da alegação consoante o artigo 156 do Código de Processo Penal. No caso dos autos, não há provas cabais a demonstrar que tais dificuldades eram invencíveis e que não restava ao réu outra alternativa a não ser a omissão dos recolhimentos, sob pena de colocar em risco a própria sobrevivência da empresa. O réu não trouxe aos autos o seu próprio imposto de renda, a fim de demonstrar que as dificuldades da empresa repercutiram no seu patrimônio pessoal. Apesar de existir notícias de decretação da falência da empresa, não há elementos nos autos que permitam concluir que a quebra decorrera efetivamente de dificuldades financeiras invencíveis. A falência foi decretada porque a empresa requereu concordata - o que significa que os gestores entendiam ser possível superar as dificuldades alegadas, ideia essa incompatível com a alegação de inexigibilidade de conduta diversa -, sem, contudo, atender às exigências necessárias para o deferimento da recuperação. Noutras palavras, a concordata foi convertida em falência em razão da desídia do requerente e não necessariamente pelo fato de as dificuldades financeiras serem invencíveis, de modo que a quebra não autoriza concluir pela excludente de culpabilidade suscitada pela defesa. VI.A pena-base deve ser exasperada, tendo em vista que o valor do crédito tributário originado da prática delituosa - R$46.947,65 (quarenta e seis mil, novecentos e quarenta e sete reais e sessenta e cinco centavos, em valores atualizados até 20 de dezembro de 2004) - por ser relativamente expressivo, justifica a fixação da pena-base acima do mínimo legal. VII.O fato de o réu responder a outros processos, ao reverso do quanto alegado pelo parquet, não justifica o incremento da pena-base. A jurisprudência do C. STJ, considerando o princípio da presunção da não culpa, consolidou, na súmula 444, o entendimento no sentido de que "É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base". VIII. Não se divisa maior gravidade na conduta praticada pelo réu, tal como alegado pelo parquet, eis que o prejuízo que a conduta sub judice causa à Previdência Social é elementar do tipo, não autorizando o aumento da pena-base. IX. Fixada a pena-base em 2 anos e 4 meses de reclusão e 11 dias-multa, o que significa uma exasperação de 1/6 da pena mínima para tal delito (2 anos e 10 dias-multa). X. Na segunda fase da dosimetria, verifico que não é cabível a atenuante da confissão espontânea (artigo 65, III, d, do CP), uma vez que o réu negou exercer a administração da empresa e ter determinado o não recolhimento das contribuições previdenciárias objeto da lide. Não tendo o réu confessado a prática delitiva, mas sim a negado, não pode ele se beneficiar da atenuante em tela. XI.O fato de o réu responder a outros processos, não justifica o incremento da pena intermediária, tal como levado a efeito na sentença. XII. Na terceira fase, não há como excluir a causa de aumento da continuidade delitiva. Com efeito, tendo em vista que o réu, a cada mês, e em cada desconto e omissão que praticava, cometia o crime previsto no artigo 168-A do Código Penal, pelas mesmas condições de tempo, lugar e maneira de execução, as condutas posteriores são consideradas continuação da primeira, nos exatos termos do artigo 71 do Código Penal. Fixado o acréscimo pela continuidade delitiva no mínimo legal (1/6), à míngua de recurso da acusação, mantem-se a sentença no particular. XIII. Pena definitiva fixada em 2 (dois) anos, 8 (oito) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, no regime inicial aberto, e 12 (doze) dias-multa, no valor unitário mínimo, já que a sentença apelada não fixou um valor unitário acima do mínimo legal. XIV. Considerando as informações de que o réu declarou, em 26.11.2010, auferir renda mensal de R$1.500,00, a pena corporal substituída, o valor do tributo omitido, pode-se concluir que o réu tem condições de arcar com uma pena pecuniária superior ao mínimo legal. Nada obstante, o montante fixado na sentença - 10 salários-mínimos - afigura-se excessivo, motivo pelo qual, de ofício, fica ele reduzido para 5 (cinco) salários mínimos. XV. Destinada, de ofício, a prestação pecuniária a União Federal, sucessora do INSS, nos termos da Lei 11.457/2007. XV. Apelações parcialmente providas." (TRF3, ACR 0006557-62.2006.403.6114, Rel. Desembargadora Federal Cecília Mello, Décima Primeira Turma, julgamento 30/05/2017, publicação 09/06/2017).