D.E. Publicado em 09/08/2010 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, conceder a ordem para trancar a Ação Penal nº 2004.61.02.005891-9 em trâmite na 6ª Vara Criminal de RibeirãoPreto/SP, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
Trata-se de Habeas Corpus impetrado em favor de Maria Luiza Scarano Arantes Rocco contra ato do MMº Juízo da 6ª Vara Criminal de Ribeirão Preto/SP, consubstanciado em indeferimento de pedido de rejeição ao aditamento da denúncia que incluiu a formal inclusão da Paciente no pólo passivo da ação penal nº 2004.61.02.005891-9, na qual se apuram supostas práticas dos crimes tipificados nos arts. 48, 38 3 39, c.c. arts. 2º e 3º, da Lei nº 9.605/98, c.c. art. 69 do Estatuto Repressivo.
Alega-se na impetração, em síntese, constrangimento ilegal a que se submete a Paciente, face ao recebimento de aditamento da denúncia, sob os seguintes argumentos:
- ocorrência da extinção da punibilidade dos fatos, em razão da prescrição da pretensão punitiva estatal;
- manifesta nulidade da ação penal, por violação ao princípio acusatório e da imparcialidade do julgador, em razão da determinação judicial de aditamento da denúncia;
- falta de justa causa para a ação penal, em razão da inépcia formal da denúncia, violadora do disposto nos arts. 41, do CPP e 3º, da Lei nº 9.605/98;
- falta de justa causa para a ação penal, em razão da inépcia material da denúncia, tendo em vista a desconstituição da antijuridicidade dos supostos fatos imputados à Paciente.
Requer-se a concessão da ordem e o trancamento da ação penal.
Juntaram-se documentos.
Às fls. 106, reservei-me a apreciar o pedido após a vinda das informações que foram prestadas pela autoridade apontada como coatora às fls. 111/113, com cópias das peças processuais.
Processados os autos sem liminar, o Parecer da i. representante do Ministério Público Federal, Dra. Isabel Cristina Groba Vieira, opina pela denegação da ordem (fls. 153/158).
É o relatório.
Trago o feito em mesa.
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VOTO
A denúncia veio vazada nos seguintes termos:
"Consta do inclusivo procedimento administrativo, que no dia 27 de junho de 2001, na Fazenda Campestre, Município de Igarapava-SP, policiais militares florestais, durante fiscalização, constataram que a FUNDAÇÃO SINHÁ JUNQUEIRA, mediante a utilização de trator com lâmina e enxada, impediu a regeneração natural de mata em área de preservação permanente de 0,93 hectares, conforme AIA nº 117903 e BO nº 011229 (fls. 04/04).
Consta também que, na mesma data, na Fazenda Campestre, Município de Igarapava-SP, policiais militares florestais, durante fiscalização, constataram que a FUNDAÇÃO SINHÁ JUNQUEIRA, mediante a abertura de canal para drenagem, sem licença ambiental do órgão competente, danificou floresta considerada de preservação permanente, conforme ALA nº 117848 e BO nº 011230 (fls. 07/08).
Consta ainda que, na mesma data, na Fazenda São Geraldo, Município de Igarapava-SP, policiais militares florestais, durante fiscalização, constataram que a FUNDAÇÃO SINHÁ JUNQUEIRA cortou três árvores da espécie Angico, em médio estágio de regeneração, sem licença ambiental, em desobediência ao que dispõe o artigo 19 da Lei 4.771/65, conforme AIA nº 117884 e BO nº 011228 (fls. 09/10).
Segundo o apurado, os danos ambientais - que hoje se encontram recuperados (fls. 135/138) - foram confirmados quando da realização de Laudo de Vistoria (fls. 90/93) e ocorreram em propriedades rurais da denunciada.
A autoria e a materialidade delitivas estão provadas pelos seguintes documentos: autos de infração e boletins de ocorrência (fls. 04/10); laudos de vistoria (fls. 90/93 e 135/138); termos de compromisso de recuperação ambiental (fls. 11 e 16); e matrículas dos imóveis Fazenda São Geraldo e Fazenda Campestre (fls. 27/30).
Ante o exposto, o Ministério Público Federal denuncia a FUNDAÇÃO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL SINHÁ JUNQUEIRA como incursa nos artigos 48, 38 e 39 c.c artigos 2º e 3º da Lei nº 9605/98, combinados com o artigo 69 do Código Penal, com a observação que as penas deverão ser impostas em conformidade com o disposto no artigo 21 do Código de Processo Civil, de forma subsidiária), prosseguindo-se o processo nos termos do artigo 78 e seguintes da Lei nº 9099/95, até final condenação, ouvindo-se na instrução as seguintes testemunhas:
Policial Ambiental Jaime Pedrogão - fls. 05;
Policial Ambiental Sidnei da Villa - fls. 08;
(...)".
A denúncia foi recebida em 16 de julho de 2004.
Em 11 de novembro de 2008, o MM. Juiz da 6ª Vara Federal de Ribeirão Preto exarou o seguinte despacho:
"Baixo os autos em diligência.
Diante de entendimento jurisprudencial dominante no sentido de que a responsabilização penal da pessoa jurídica pressupõe necessariamente a imputação do fato criminoso também à pessoa física que atuou em seu nome e em seu benefício, dê-se vista ao MPF para aditamento da denúncia a fim de fazer nela incluir a pessoa física supostamente responsável pelos delitos imputados ao ente moral (...)".
O recebimento do aditamento da denúncia que incluiu a Paciente Maria Luiza Scarano Arantes Rocco como representante legal da Fundação Sinhá Junqueira desde junho de 2000, deu-se aos 12 de fevereiro de 2009.
As informações dão conta de que o Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face da pessoa jurídica Fundação de Assistência Social Sinhá Junqueira pela prática, em tese, de delitos contra o meio ambiente e que, após o recebimento da denúncia, em 16/7/2004, a produção de provas e o oferecimento das alegações finais pelas partes, o Exmo. Juiz Federal Substituto, então oficiante na Vara, houve por bem converter o julgamento em diligência a fim de abrir vista ao Ministério Público Federal para aditamento da denúncia com o propósito de incluir a pessoa física supostamente responsável pelos delitos descritos na denúncia.Instado, o Ministério Público Federal aditou a denúncia para incluir a paciente no pólo passivo da ação penal, imputando-se-lhe, assim, as infrações penais tipificadas nos dispositivos legais anteriormente citados.
Acrescentou que em análise de absolvição sumária, o MM. Juízo afastou a inépcia da denúncia.
Feitas essas considerações, por primeiro, tenho por não ocorrente a prescrição da pretensão punitiva estatal, em face das penas máximas abstratamente previstas para os crimes imputados na inicial, considerando-se a data dos fatos (27 de junho de 2001), a data do recebimento da denúncia (16 de julho de 2004 e do recebimento de seu aditamento (12 de fevereiro de 2009) até a atual data.
No mais, reconheço que procede a alegação de inépcia da inicial que imputa à pessoa jurídica a prática do crime.A denúncia é peça que deve conter os requisitos mínimos para que o réu possa exercer a defesa da imputação que lhe é dirigida. No caso dos autos, a denúncia foi dirigida tão somente à pessoa jurídica Fundação Sinhá Junqueira, imputando-se-lhe responsabilidade pelo suposto crime ambiental. A peça inicial não vislumbrou a participação ou co-autoria da Paciente, a eivá-la de nulidade.
A exemplo, veja-se os seguintes julgados:
"AÇÃO PENAL. DENÚNCIA. DEFICIÊNCIA. OMISSÃO DOS COMPORTAMENTOS TÍPICOS QUE TERIAM CONCRETIZADO A PARTICIPAÇÃO DOS RÉUS NOS FATOS CRIMINOSOS DESCRITOS. SACRIFÍCIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. OFENSA A GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL (DUE PROCESS OF LAW). NULIDADE ABSOLUTA E INSANÁVEL. SUPERVENIÊNCIA DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. IRRELEVÂNCIA. PRECLUSÃO TEMPORAL INOCORRENTE. CONHECIMENTO DA ARGUIÇÃO EM HC.
(...)
Peça que omite a descrição de comportamentos típicos e sua atribuição a autor individualizado, na qualidade de administrador de empresas. Inadmissibilidade. Imputação às pessoas jurídicas. Caso de responsabilidade penal objetiva. Inépcia reconhecida. Processo anulado a partir da denúncia, inclusive. HC concedido para esse fim" (...) (grifo nosso).
(STF HC 83301, Rel. Min. César Peluso, 1ª Turma, 16/03/2004).
"PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIME AMBIENTAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO-INDICAÇÃO DA DATA. NÃO-OCORRÊNCIA. MINISTÉRIO PÚBLICO. INTIMAÇÃO PESSOAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. INTEMPESTIVIDADE. OCORRÊNCIA. DENÚNCIA EXCLUSIVAMENTE DA PESSOA JURÍDICA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. TEORIA DA DUPLA IMPUTAÇÃO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
(...)
4. Admite-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crime ambientais, desde que haja a imputação SIMULTÂNEA do ente moral e da pessoa física que atua em seu nome ou em seu benefício, uma vez que "não se pode compreender a responsabilização do ente moral dissociada da atuação de uma pessoa física, que age com elemento subjetivo próprio (RESP 564.960/sc, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma, DJ 13/6/05" (RESP 969160, REL Arnaldo Esteves Lima STJ, 5ª Turma DJE 31/8/2009). (grifos nossos)
Ver também HC 93867, rel. Felix Fischer, DJE 12/05/2008.
Não obstante os entendimentos exarados, há que se argumentar que o aditamento da denúncia teria o condão de sanar a inépcia inicial por inserir a Paciente no pólo passivo da demanda.
Contudo, no caso dos autos, tal não se verifica.E isso porque o despacho contra o qual se insurgiu a defesa tem, conforme alegado na inicial desse writ, o condão de impingir ao órgão ministerial o ato de inserir na denúncia a responsabilização penal da pessoa física, o que é vedado ao juiz .
Veja-se a transcrição da determinação:
"Dê-se vista ao MPF para aditamento da denúncia a fim de fazer nela incluir a pessoa física supostamente responsável pelos delitos imputados ao ente moral".
Entendo, ao oposto do explanado pela douta Procuradora da República em seu Parecer, que a determinação da autoridade impetrada violou o princípio da imparcialidade, ao vertê-la em acusador.
Com efeito, aquela autoridade não determinou apenas que fosse aberta vista ao órgão acusador, mas o provocou a praticar ato afeto exclusivamente à acusação. Instando, provocando aquele órgão a inserir na denúncia a suposta prática de crime pela pessoa física na inicial acusatória, restou maculado o sistema acusatório e resvalada a devida observância ao princípio da imparcialidade do juiz.
O sistema acusatório diz com a impossibilidade do Estado-Juiz se substituir ao órgão acusador quando este último age de maneira negligente ou falha, sob pena de se vincular à causa e perder imparcialidade.
Aury Lopes Júnior aborda a matéria com pertinência, ao considerar que "a posição do juiz é ponto nevrálgico da questão, na medida em que 'ao sistema acusatório lhe corresponde um juiz expectador, dedicado, sobretudo, à objetiva e imparcial valoração dos fatos e, por isso, mais sábio que experto."(Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional, ed. Lumen Juris, vol.I, 2ª ed.2008,p.73).
E acrescenta: "O juiz deve manter uma posição de alheamento, afastamento da arena das partes, ao longo de todo o processo (Introdução Crítica ao Processo Penal - Fundamentos da Instrumentalidade Garantista - Ed. Lumen Juris, 3ª ed., 2005)
Em artigo publicado, Marcelo Elias Naschenweng, juiz e mestre em direito, frisa que não toca ao julgador instar parte alguma para que adite novos fatos na denúncia ou provoque o órgão acusatório, uma vez que deve ser iniciativa deste a livre acusação e quem deve apontá-la, e não ao juízo, sob pena de violação ao sistema acusatório. Assinala que descabe ao juízo delimitar o âmbito da acusação, sob pena de converter-se em acusador e que o aditamento deve partir da iniciativa da acusação. ("O sistema acusatório e arts. 383 e 384 do Código de Processo Penal". - site internet).
De seu turno, os Promotores de Justiça André Luis Bortolini e Leandro Garcia Algarte Assunção enfatizam que o princípio acusatório adotado pela Constituição demanda abandono de práticas inquisitoriais e atribuir-se ao Estado-Juiz a função de árbitro da demanda, garante dos direitos individuais do acusado e julgador; ao Estado-Promotor e ao réu, função de parte, com os respectivos direitos, deveres, ônus e faculdades.
A mera existência das partes não satisfaz o princípio, fazendo-se mister que cada parte realize a atividade que lhe foi atribuída, sem invadir as atribuições dos demais em contraposição ao princípio inquisitório, por meio do qual se permite que o magistrado não apenas julgue, mas também realize tarefas típicas da defesa e da acusação, sobretudo dessa última.O caminho no agir do magistrado faz com que figure suprapartes, posicionando-se em equidistância das partes, não podendo se envolver psicologicamente com os elementos materiais em debate no processo, ou seja, evitando qualquer afetação inoportuna e açodada sobre o resultado final da contenda.
(A violação ao art. 212 do Código de Processo Penal: Causa de nulidade processual absoluta).
Assim sendo, entendo razão assiste aos impetrantes, de modo que nula é a denúncia em face de inépcia, por imputação exclusiva dis fatos à pessoa jurídica, bem como nulo é o seu aditamento ultimado em violação aos princípios do sistema acusatório e da imparcialidade do juiz.
Diante de tudo o que se aflora da impetração, concedo a ordem para trancar a ação penal nº 2004.61.02.005891-9 em trâmite na 6ª Vara Criminal de Ribeirão Preto - SP.
Comunique-se à autoridade impetrada .
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 28/04/2010 17:37:05 |