Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 02/10/2018
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010227-52.2008.4.03.6110/SP
2008.61.10.010227-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : PAULA DE SOUZA ARMSTRONG LOPES
ADVOGADO : SP254346 MARCO ROBERTO GOMES DE PROENÇA (Int.Pessoal)
APELANTE : RISONEIDE HONORATO PEREIRA
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
EXCLUIDO(A) : ANDREIA MARIA OLIVEIRA DE DEUS

EMENTA

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 18 C.C ARTIGO 19, AMBOS DA LEI Nº 10.826/03. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ARMAS E MUNIÇÕES. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA NÃO COMPROVADA. AREEPENDIMENTO POSTERIOR INCABÍVEL. RECURSOS DESPROVIDOS.
1. Rés denunciadas como incursas nas sanções do artigo 18 c.c artigo 19, ambos da Lei n. 10.826/03 em concurso de agentes.
2. Materialidade e autoria comprovadas. As circunstâncias fáticas somadas às provas coligidas colhidas sob o crivo do contraditório, corroboram a confissão obtida na fase policial de que as munições e arma apreendidas foram adquiridas no Paraguai. Munições de uso restrito de acordo com o Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados (R-105). Internacionalidade demonstrada e, por conseguinte, descabidas as pretensas desclassificação para o delito previsto no artigo 16 da Lei n. 10.826/03 e a incompetência da Justiça Federal.
3. Inexigibilidade de conduta diversa. Teoria aceita em casos excepcionais, desde que demonstrada, de forma patente e indiscutível, a impossibilidade de se exigir do agente comportamento diverso, o que não se evidenciou in casu.
4. Dosimetria inalterada. Penas bases mantidas acima do mínimo legal em razão da quantidade de munição apreendida (mais de 4.000 mil cartuchos de calibre 9mm, marca Luger, de uso restrito).
Arrependimento posterior. Inaplicável ao crime do artigo 18 da Lei n. 10.826/03, uma vez que se trata de delito cujo bem jurídico tutelado é a segurança pública e não o patrimônio, sendo inviável a reparação do dano ou restituição da coisa. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Pena de multa redimensionada de ofício, com aplicação do mesmo critério utilizado no cálculo da pena privativa de liberdade.
5. Mantidos o regime inicial semiaberto de cumprimento de pena e o valor unitário do dia multa no mínimo legal.
6. Incabível a substituição do artigo 44 do Código Penal pela não observância dos requisitos objetivos.
7. Recursos desprovidos.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, negar provimento aos recursos das defesas e, de ofício, redimensionar a pena de multa para 16 (dezesseis) dias-multa, além de determinar a expedição dos competentes mandados de prisão, com prazo de validade até 19/12/2020, nos termos do voto do relator Des. Fed. Hélio Nogueira, acompanhado pelo Des. Fed. Valdeci dos Santos, vencido o Des. Fed. Wilson Zauhy que dava parcial provimento às apelações para reduzir as penas aplicadas para 04 anos de reclusão e 10 dias-multa para cada ré, mantido o valor unitário mínimo legal, em regime inicial aberto (artigo 33, §2º, "c" do CP), substituídas por duas penas restritivas de direitos: prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas pelo tempo da condenação e prestação pecuniária, destinada à União, no valor de 5 (cinco) salários mínimos e, ainda, deixava de determinar a expedição de guia de execução ante o posicionamento firmado pelo C. STJ no bojo do EREsp 1619087/SC, Terceira Seção, julgado em 14/06/2017, em que se fixou entendimento de que nas hipóteses de condenação à pena restritiva de direitos, a expedição da competente guia de execução somente é possível após o trânsito em julgado, em consonância com disposição do artigo 147 da LEP. Declarará voto o Des. Fed. Wilson Zauhy. Por fim, a turma, diante do resultado não unânime do julgamento, determinou a suspensão do imediato cumprimento do julgado até o esgotamento dos recursos ordinários.


São Paulo, 18 de setembro de 2018.
HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010227-52.2008.4.03.6110/SP
2008.61.10.010227-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : PAULA DE SOUZA ARMSTRONG LOPES
ADVOGADO : SP254346 MARCO ROBERTO GOMES DE PROENÇA (Int.Pessoal)
APELANTE : RISONEIDE HONORATO PEREIRA
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
EXCLUIDO(A) : ANDREIA MARIA OLIVEIRA DE DEUS

DECLARAÇÃO DE VOTO

O Relator manteve a pena-base fixada na sentença, qual seja, 04 anos e 10 meses de reclusão.

Com efeito, segundo orientação do C. STJ, o aumento da pena em razão das circunstâncias judiciais deve levar em conta "o consagrado parâmetro de aumento de 1/8 (um oitavo) para cada circunstância desfavorável" (HC 325.306-RS - Rel. Min. Ribeiro Dantas, STJ).

Considerando a incidência da fração (1/8) sobre o intervalo da pena em abstrato do preceito secundário do crime de tráfico internacional de arma de fogo (de 04 a 08 anos = intervalo de 04 anos), tem-se 06 meses para cada circunstância desfavorável, o que resulta, no caso concreto, na pena-base de 04 anos e 06 meses de reclusão, tendo em vista a presença de uma circunstância desfavorável (grande quantidade de munição).

Na segunda fase, o relator manteve a redução pela confissão em 04 meses.

Contudo, na lição de Guilherme de Souza Nucci, em sua obra Código Penal Comentado, agravantes e atenuantes devem ser equivalentes a 1/6, para que não sejam aplicados patamares totalmente aleatórios.

Assim, a pena retorna ao mínimo legal nessa fase (Súmula 231 do STJ).

Na terceira fase, o relator consignou estar presente a causa de aumento do artigo 19 da Lei 10.826/03, pois as munições apreendidas são de uso restrito.

A denúncia narrou que as rés importaram "4100 (quatro mil e cem) munições íntegras para arma de fogo calibre 9 mm, marca Luger.

A fim de se verificar a exata subsunção do fato à norma incriminadora, há que se recorrer à normatização infra legal específica, isto é, o Decreto nº 3.665, de 20 de novembro de 2000, que dispõe sobre o Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados (R-105).

Assim dispõe o Decreto nº 3.665, de 20 de novembro de 2000:

"Art. 16. São de uso restrito:

I - armas, munições, acessórios e equipamentos iguais ou que possuam alguma característica no que diz respeito aos empregos tático, estratégico e técnico do material bélico usado pelas Forças Armadas nacionais;

II - armas, munições, acessórios e equipamentos que, não sendo iguais ou similares ao material bélico usado pelas Forças Armadas nacionais, possuam características que só as tornem aptas para emprego militar ou policial;

III - armas de fogo curtas, cuja munição comum tenha, na saída do cano, energia superior a (trezentas libras-pé ou quatrocentos e sete Joules e suas munições, como por exemplo, os calibres .357 Magnum, 9 Luger, .38 Super Auto, .40 S&W, .44 SPL, .44 Magnum, .45 Colt e .45 Auto;

IV - armas de fogo longas raiadas, cuja munição comum tenha, na saída do cano, energia superior a mil libras-pé ou mil trezentos e cinqüenta e cinco Joules e suas munições, como por exemplo, .22-250, .223 Remington, .243 Winchester, .270 Winchester, 7 Mauser, .30-06, .308 Winchester, 7,62 x 39, .357 Magnum, .375 Winchester e .44 Magnum;

V - armas de fogo automáticas de qualquer calibre;

VI - armas de fogo de alma lisa de calibre doze ou maior com comprimento de cano menor que vinte e quatro polegadas ou seiscentos e dez milímetros;

VII - armas de fogo de alma lisa de calibre superior ao doze e suas munições;

VIII - armas de pressão por ação de gás comprimido ou por ação de mola, com calibre superior a seis milímetros, que disparem projéteis de qualquer natureza;

IX - armas de fogo dissimuladas, conceituadas como tais os dispositivos com aparência de objetos inofensivos, mas que escondem uma arma, tais como bengalas-pistola, canetas-revólver e semelhantes;

X - arma a ar comprimido, simulacro do Fz 7,62mm, M964, FAL;

XI - armas e dispositivos que lancem agentes de guerra química ou gás agressivo e suas munições;

XII - dispositivos que constituam acessórios de armas e que tenham por objetivo dificultar a localização da arma, como os silenciadores de tiro, os quebra-chamas e outros, que servem para amortecer o estampido ou a chama do tiro e também os que modificam as condições de emprego, tais como os bocais lança-granadas e outros;

XIII - munições ou dispositivos com efeitos pirotécnicos, ou dispositivos similares capazes de provocar incêndios ou explosões;

XIV - munições com projéteis que contenham elementos químicos agressivos, cujos efeitos sobre a pessoa atingida sejam de aumentar consideravelmente os danos, tais como projéteis explosivos ou venenosos;

XV - espadas e espadins utilizados pelas Forças Armadas e Forças Auxiliares;

XVI - equipamentos para visão noturna, tais como óculos, periscópios, lunetas, etc;

XVII - dispositivos ópticos de pontaria com aumento igual ou maior que seis vezes ou diâmetro da objetiva igual ou maior que trinta e seis milímetros;

XVIII - dispositivos de pontaria que empregam luz ou outro meio de marcar o alvo;

XIX - blindagens balísticas para munições de uso restrito;

XX - equipamentos de proteção balística contra armas de fogo portáteis de uso restrito, tais como coletes, escudos, capacetes, etc; e

XXI - veículos blindados de emprego civil ou militar.


O Decreto nº 3.665/2000 descreve tanto as armas que seriam de uso restrito (itens I a XI) e também as munições de mesma característica restritiva (itens XIII e XIV).

Não há de se equiparar para efeitos penais, isoladamente, as armas taxativamente descritas com as suas munições.

Portanto, não obstante se tenha no caso concreto apreendido em poder das rés munições íntegras para arma de fogo calibre 9 mm, marca Luger, tais munições não se enquadram naquelas previstas nos incisos XIII e XIV do Decreto 3.665/2000, não podendo ainda serem considerados de uso restrito.

Assinalo ainda, que a Doutrina faz advertências acerca da desproporcionalidade na aplicação da pena do artigo 14 e demais disposições do Estatuto do desarmamento, quando se colocam no mesmo patamar de retribuição penal o porte de arma de uso restrito, municiada ou não, e o porte de alguns cartuchos - Roberto Delmanto, Leis Penais Especiais Comentadas, 2ª Edição, página 794:

"Acessórios ou munição , Lesividade jurídica e proporcionalidade:

Questão tormentosa diz respeito à punição das condutas descritas neste artigo 14 (bem como nos demais tipos penais desta Lei 10.826/2003) praticadas em relação a acessórios ou munição . Os bens juridicamente tutelados, pela lei ora em comento (a incolumidade e a segurança públicas) restarão violados ou colocados em perigo na hipótese de um único acessório ou de pequena quantidade de munição ? Outra questão: poderia o legislador equiparar condutas relativas a armas de fogo àqueles referentes a acessórios ou munição ? Importante lembrar que tanto a LCP quanto a antiga Lei 9.437/97, revogada expressamente pela Lei 10.826/2003 não puniam criminalmente a conduta do agente que fosse flagrado transportando acessórios ou munição . Em nossa opinião, pela gravidade da sanção imposta, somente podem ser considerados crimes condutas que violem ou coloquem em risco algum bem jurídico relevante à sociedade. No caso de acessórios e munições, pensamos que o legislador estava constitucionalmente autorizado a punir criminalmente condutas relativas a acessórios ou munições, embora talvez a contravenção penal fosse uma melhor solução. O que não se pode admitir, contudo, é a previsão da mesma pena para condutas evidentemente de gravidade distintas. Não é justo, de fato, ser punido com a mesma pena o agente que é surpreendido portando ilegalmente uma arma de fogo pronta para o uso, daquele que é encontrado com um acessório ou pequena quantidade de munição , sob pena de violação ao princípio da proporcionalidade. Caberá ao julgador, no caso concreto, encontrar a melhor forma de resolver o impasse. Além do mais, perfeitamente possível a aplicação do princípio da insignificância quando, por exemplo, for encontrada com o agente quantidade inexpressiva de munição , como um único projétil."


No caso concreto, não estando os cartuchos apreendidos identificados com as munições descritos nos incisos XIII e XIV do Decreto 3.665/2000, não se faz adequada a aplicação do artigo 19 da lei 10.826/2003.

Portanto, em se tratando de interpretação penal integrativa, vale a máxima de que a exegese deve sempre ser aquela que se mostrar mais benéfica ao réu, de tal sorte que, por se tratar de munição, presume-se a necessidade de controle, mas na medida em que não há enquadramento exato na categoria de munição de uso restrito, sua classificação recairá, inevitavelmente, na categoria permitida, de menor potencial lesivo, uma vez que desassociadas do conjunto arma municiada, consoante entendimento já delineado.

Deve-se afastar, assim, a majorante do artigo 19 da Lei 10.826/2003 e, à míngua de causa de diminuição, torno a pena definitiva em 04 anos de reclusão e 10 dias-multa para cada ré, mantido o valor unitário mínimo legal.

Regime inicial aberto (artigo 33, §2º, "c" do CP).

Cabível a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos:

1 - prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas pelo tempo da condenação;  

2 - prestação pecuniária, destinada à União, no valor de 5 (cinco) salários mínimos.


Por esses fundamentos, divirjo do Relator para DAR PARCIAL PROVIMENTO às apelações, reduzindo as penas aplicadas.

Deixo de determinar a expedição de guia de execução ante o posicionamento firmado pelo C. STJ no bojo do EREsp 1619087/SC, Terceira Seção, julgado em 14/06/2017, em que se fixou entendimento de que nas hipóteses de condenação à pena restritiva de direitos, a expedição da competente guia de execução somente é possível após o trânsito em julgado, em consonância com disposição do artigo 147 da LEP.


WILSON ZAUHY
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010227-52.2008.4.03.6110/SP
2008.61.10.010227-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : PAULA DE SOUZA ARMSTRONG LOPES
ADVOGADO : SP254346 MARCO ROBERTO GOMES DE PROENÇA (Int.Pessoal)
APELANTE : RISONEIDE HONORATO PEREIRA
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
APELADO(A) : Justica Publica
EXCLUIDO(A) : ANDREIA MARIA OLIVEIRA DE DEUS

RELATÓRIO

O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL DR. HÉLIO NOGUEIRA (Relator):

Trata-se de Apelação Criminal interposta por PAULO DE SOUZA ARMSTRONG LOPES e RISONEIDE HONORATO PEREIRA, contra a sentença de fls. 296/300, proferida pelo Juízo da 5ª Vara Federal de Sorocaba/SP, que as condenou, individualmente, a pena de 06 (seis) anos e 09 (nove) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 82 (oitenta e dois) dias-multa, no valor unitário mínimo legal, pela prática do delito previsto no 18 da Lei n. 10.826/2003, c.c artigo 19 do mesmo diploma legal e artigo 29 do Código Penal.

Narra a denúncia (fls. 76/80) que:

(...) PAULA, RISONEIDE e ANDRÉIA importaram arma de fogo de uso permitido e munições de uso restrito, sem autorização da autoridade competente.
Apurou-se que, em 22 de julho de 2008, as denunciadas, previamente ajustadas, embaraçaram num ônibus no Rio de Janeiro, com destino à Foz do Iguaçu/PR (fls. 33/35), para adquirem no Paraguai elevarem ao rio de janeiro/RJ arma de fogo e munição.
Chegando no Paraguai, as denunciadas adquiriram de um rapaz chamado Ruan, uma aram de fogo tipo pistola semi-automática, marca Taurus, modelo PT 58HC, número de série KWE 71518, calibre 380, de uso permitido, bem como 4100 (quatro mil e cem munições íntegras para arma de fogo calibre 9 mm, marca Luger, de uso restrito.
A fim de trazer para o Brasil a arma de fogo e as munições trataram as denunciadas de envolver as munições em invólucros de plástico preto, fechado com fita adesiva, prendendo-os junto aos seus corpos com esparadrapo acondicionando certa quantidade de munições nas bolsas. A arma de fogo foi aderida ao corpo de ANDRÉIA com esparadrapo.
Na posse da arma de fogo e das munições apreendidas nos presentes autos, as denunciadas ingressaram em território nacional, transpondo as barreira da fiscalização alfandegária e chegando a Foz do Iguaçu/PR. Então em 23 de julho de 2008, as denunciadas embarcaram, em Foz do Iguaçu/PR, num ônibus de volta para o Rio de Janeiro/RJ.
Ocorre que, no dia 24 de julho de 2008, por volta de 00:10h, nesta cidade de Sorocaba/SP, policiais militares abordaram o ônibus em que estavam a s denunciadas.
Ao fiscalizar o compartimento de bagagens do ônibus, um dos policiais encontrou uma bolsa cheia de munições íntegras para arma de fogo calibre 9mm, marca Luger. Por meio da etiqueta que identificava a bolsa (n. 870121) apurou-se que a bagagem pertencia a ANDRÉIA, ocupante da poltrona n. 38 do coletivo.
Quando ANDRÉIA levantou-se de seu assento, deixou cair uma bolsa tipo tiracolo e um invólucro de plástico preto, fechando com fita adesiva, objetos que, vistoriados pela polícia, também continham munições íntegras para arma de fogo calibre 9 mm, Luger. Dentre os seis de ANDRÁEIA foi encontrada uma arma de fogo do tipo pistola semi-automática, marca Taurus, modelo PT %* HC número de série KWE 71518, calibre 380.
Na poltrona 44, ao lado de ANDRÉIA esta RISONEIDE. Em revista pessoal determina pela autoridade policial e realizada em RISONEIDE por uma passageira do coletivo, forma encontrados presos com esparadrapo junto ao seu abdômen, vários invólucros de plástico preto, fechados com fita adesiva, contendo munições íntegras para arma de fogo calibre 9mmm, marca Luger.
Após desembaraçar do ônibus conduzindo ANDRÉIA e RISONEIDE, o policial embarcou novamente no veículo, ocasião em que percebeu, no fundo do ônibus, um cobertor embrulhado que ali não estava quando desceu do coletivo. O policial encontrou no cobertor mais munições íntegras de arma de fogo calibre 9 mm, Marca Luger, acondicionadas em invólucros de plástico preto , fechados com fita adesiva.
Tendo o policial notado a ansiedade de PAULA quando encontrou as munições íntegras no cobertor sendo ela ocupante da ´poltrona n. 45 do coletivo, ou seja, bem atrás de ANDRÉIA e RISONEIDE, determinou a autoridade policial que uma passageira do ônibus procedesse à revista pessoal em PAULA. No abdômen de PAULA havia marcas de fita adesiva tipo esparadrapo.
Indagada pelos policiais, PAULA confirmou que transportava presos por esparadrapo junto ao seu abdômen, os invólucros que forma encontrados embrulhados no cobertor e que continham munições para arma de fogo calibre 9mm, marca LUGER, mas que tentou dispensá-los quando o policial desembarcou do coletivo.
Outra bolsa tiracolo, contendo munições íntegras para arma de fogo calibre 9mm, marca Luger, foi localizada sob a apoltrona n. 29 do ônibus tendo PAULA assumido a propriedade da bolsa.
Durante a apuração da ocorrência, os policias constataram que ANDRÉIA ocupava a poltrona de n. 38, embora tivesse bilhete para assento n. 43. PAULA tinha bilhete e ocupava assento n. 45. Já RISONEIDE ocupava poltrona n. 44, mas tinha bilhete para assento n.38.
A autoria e materialidade estão comprovadas, respectivamente, pelos depoimentos de fls. 03/04, 06/07 e 08/13 e pelo Auto de Exibição e Apreensão de fls. 33/35 e laudos anexos. (...)

A denúncia foi recebida em 26/08/2008 (fls. 81/82) e a sentença, publicada em 20/12/2008 (fl. 301).

Em razões de fls. 328/334, a defesa de RISONEIDE HONORATO pretende a absolvição, alegando, em síntese, que:

a) a conduta foi praticada em estado de necessidade, uma vez que estava desempregada a muito tempo;

b) arrependimento posterior;

c) necessária a desclassificação do delito de tráfico internacional de armas para o delito de posse ou porte ilegal de armas, uma vez que não demonstrado que a ré adquiriu o material apreendido no Paraguai;

d) ausência de provas de serem as munições de "uso restrito", devendo ser afastada a causa de aumento do artigo 19 da lei n. 10.826/03;

e) a redução operada pela incidência da atenuante da confissão deve conduzir a pena ao mínimo legal.

Por sua vez, a defesa de PAULA DE SOUZA, em razões acostadas às fls. 349/354, aduz:

a) que não restou demonstrada a internacionalidade do delito, razão pela qual deve ser operada a desclassificação;

b) ausência de provas suficientes de autoria;

c) não incide a causa de aumento do prevista no artigo 19 da Lei n. 10.826/03, pois a arma apreendida é de origem nacional;

d) serem cabíveis a fixação da reprimenda no mínimo legal, a substituição por penas restritivas de direito e o regime inicial aberto de cumprimento de pena.

À fl.400, determinou-se o desmembramento do feito em relação a ANDRÉIA MARIA DE OLIVEIRA DE DEUS me razão do trânsito em julgado da sentença condenatória em relação a ela.

Contrarrazões do Ministério Público Federal às fls. 409/413.

A Procuradoria Regional da República, por sua ilustre representante, Dra. Ana Lúcia Amaral, opinou pelo desprovimento dos recursos (fls. 434/439).

É o relatório.

À revisão.

HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal Relator


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Data e Hora: 06/08/2018 15:41:38



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0010227-52.2008.4.03.6110/SP
2008.61.10.010227-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA
APELANTE : PAULA DE SOUZA ARMSTRONG LOPES
ADVOGADO : SP254346 MARCO ROBERTO GOMES DE PROENÇA (Int.Pessoal)
APELANTE : RISONEIDE HONORATO PEREIRA
ADVOGADO : SP0000DPU DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO (Int.Pessoal)
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VOTO

O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL DR. HÉLIO NOGUEIRA (Relator):

PAULA DE SOUZA ARMSTRONG LOPES e RISONEIDE HONORATO PEREIRA foram presas em flagrante delito, juntamente com ANDRÉIA MARIA DE OLIVIERA DE DEUS, ao serem surpreendidas transportando, em 24/07/2008, no interior do ônibus da empresa Pluma, que fazia a linha Foz do Iguaçu/PR - Rio de Janeiro/RJ, arma de fogo e munições, estas últimas de uso restrito das forças armadas, adquiridas no Paraguai.

PAULA DE SOUZA ARMSTRONG LOPES, RISONEIDE HONORATO PEREIRA e ANDRÉIA MARIA DE OLIVEIRA DE DEUS foram denunciadas como incursas nas penas dos artigos 18 c.c artigo 19, ambos da Lei nº 10.826/2003, em concurso de agentes.

Após regular instrução, sobreveio sentença condenatória (fls. 269/300), publicada em 20/12/2008 (fl. 301).

Passo à análise da matéria devolvida.

De início, apenas para esclarecimento, anoto que o MM Juiz sentenciante considerou que as condutas descritas na denúncia, importação/facilitação da entrada em território nacional de arma de fogo, de fabricação nacional e uso permitido, e das munições, de fabricação estrangeira e de uso restrito, por terem ocorrido em um mesmo contexto histórico, caracterizam crime único, sendo a importação da arma, absorvida pela importação das munições mais grave, nos seguintes termos:

(...) a importação ou favorecimento da entrada de munições (mais de 4000 cartuchos) e da arma foi realizada de forma conjunta em um mesmo contento histórico, caracterizando-se crime único. O fato de importar armas e munições em um mesmo contexto não pode caracterizar para fins penais a multiplicidade de delitos, sob pena de flagrante excesso acusatório. Destarte, estamos diante de um crime único, e como o calibre das munições é de uso restrito, ao passo que a arama nacional (pistola calibre .380) é de uso permitido (artigo 17, inciso I, do decreto n. 3.665/00), prepondera a primeira conduta relacionada com o crime mais grave, absorvendo-se a importação da arma.(...)

Não houve recurso da acusação quanto ao ponto, pelo que deve ser mantido o entendimento.

Prossigo.

A materialidade e autoria delitivas são incontestes.

Destacam-se as seguintes provas documentais a denotar a comprovação da materialidade:

- Auto de Prisão em Flagrante (fls. 02/13);

- Boletim de Ocorrência n. 1871/2008 (fls. 30/32);

- Auto de Exibição e Apreensão de fls. 33/38;

- Laudo de Exame em Arma de Fogo n. 2479/08 e Laudo de Exame em Munição (fls. 69/71), nos quais os peritos apontaram que a arma estava apta a ser utilizada de modo eficaz para a realização e disparos e que as munições (cartuchos de munição 9mm, Luger) encontravam-se íntegros;

- Laudo de Exame de Arma de Fogo n. 4921/2008-SR/PR (fls. 149/153), no qual os peritos concluíram pela aptidão da arma apreendida, uma pistola PT58 HC, marca Taurus, de fabricação nacional, para efetuar disparos, bem como a aptidão para serem deflagrados os 4.094 cartuchos de calibre 9mmm, marca Luger, fabricados no Estados Unidos da América.

No ponto, curial destacar, como o fez o magistrado sentenciante, que as munições apreendidas nos autos, cartuchos calibre 9 mm, marca Luger, são de uso restrito, conforme regula o Decreto n. 3.665/2000 que deu nova redação ao Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados (R-105 - Art. 16. São de uso restrito: (...)III - armas de fogo curtas, cuja munição comum tenha, na saída do cano, energia superior a (trezentas libras-pé ou quatrocentos e sete Joules e suas munições, como por exemplo, os calibres .357 Magnum, 9 Luger, .38 Super Auto, .40 S&W, .44 SPL, .44 Magnum, .45 Colt e .45 Auto).

Outrossim, a internacionalidade e a autoria do delito dessumem-se do contexto fático, bem como da prova oral coligida. Vejamos.

Quando da prisão em flagrante, PAULA DE SOUZA ARMSTRONG revelou em interrogatório (fls. 08/09) que acompanhada das codenunciadas, dirigiu-se a Foz do Iguaçu com o intuito de adquirir no Paraguai munições e efetuar a troca de uma pistola calibre .380, por uma de 9 mm. Informou ter sido contratada para tanto, por um indivíduo que preferiu não revelar a identidade, pelo valor de R$ 500,00 (quinhentos reais). Discorreu, ainda, sobre a abordagem policial e o modo como acondicionaram os materiais apreendidos na tentativa de escamoteá-los:

(...) que conheço apenas Rosineide e a indiciada Andréia; que na terça-feira resolvemos viajara para Foz do Iguaçu/PR onde iriámos comprar munição calibre 9 mm; que ANDRÉIA também levou uma arma calibre 380 (apreendida) a qual, seria trocada por outra arma calibre 9mm; que fomos contratadas por uma pessoa que prefiro não identificar e que atualmente encontra-se presa naquele estado e para tanto, receberíamos R$ 500,00 cada uma; que entramos no Paraguai, em cidade Del Leste e nos dirigimos a uma casa de caça e pesca, onde compramos aproximadamente 980 a 90 caixas de munição calibre 9 mm e tentamos trocar a pistola calibre 380 por outra calibre 9mmm; que a pessoa que nos atendeu disse que não dispunha de pistola calibre 9 mmm; de posse das caixas de munições nos dirigimos até um hotel ainda no Paraguay,. Embalamos os projéteis e esparadrapos e colamos ao corpo; que na data de ontem (23/07) pegamos o ônibus com destino ao Rio de Janeiro por volta das 12 horas e quando passávamos pelo posto de polícia rodoviária fomos fiscalizadas; que os policiais encontraram no bagageiro uma bolsa com munições e através do tiquet desta bagagem, identificaram minha amiga ANDRÉIA e RISONEIDE; que no momento que os policiais retiraram ANDRÉIA e RISONEIDE DO ônibus , aproveitei a oportunidade e retirei do meu corpo as munições que transportava, jogando-as sobre o edredon que estava no chão do ônibus, descendo com os demais passageiros; logo um dos policiais adentrou novamente no veículo e encontrou as munições que eu havia dispensado; como não encontrei meus documentos, este policial disse que teria que acompanhá-lo para averigação, solicitando a uma policial feminina que estava no ônibus que me revistasse; quando esta policial que estava no ônibus me revistou e presenciou as marcas de esparadrapos na minha barriga, confirmei que as demais munições apreendidas sobre o edredon, me pertenciam; desejo esclarecer também que a bolsa encontrada sob a poltrona de número 29, onde estava sentado outro passageiro, também me pertencia (...)

Do mesmo modo, RISONEIDE, perante à autoridade policial (fls. 10/11), admitiu os fatos e revelou ter sido convidada por ANDRÉIA para ir até o Paraguai, onde ANDREIA pretendia comprar munição. Revelou que as munições foram adquiridas de um rapaz chamado "Ruan" ou "Juan" e que ANDRÉIA teria sido contratada por uma pessoa chamada "Roseli".

Em Juízo, PAULA DE SOUZA ARMSTRONG LOPES (fls. 228/229-v) alterou parcialmente a versão dos fatos dizendo que foi contratada por uma pessoa chamada ROSELINDA sem ajustar valores e que a arma e as munições apreendidas lhes foram entregues na cidade de Foz do Iguaçu/PR por uma pessoa chamada Juan. Asseverou que foram obrigadas a transportar a arma de fogo, pois ameaçadas por Juan, "sob pena de sofrerem graves consequências". Alegou ter mentido quando revelou, na fase inquisitiva, que se dirigiram a uma casa de pesca no Paraguai para adquirir as munições, porque " não queira dizer os nomes de Roselinda e Juan já que não sabia o teor dos depoimentos de ANDRÉIA e ROSINEIDE e que mentiu por restar com medo".

RISONEIDE HONORATO PEREIRA, perante o magistrado (fls. 230/231-v), do mesmo modo, declarou ter sido contratada por uma pessoa chamada RISONEIDE para pegar um encomenda, que sabia ser munições de arma de fogo, com uma pessoa chamada Juan. Tal pessoa, conforme acordado, iria encontrar as acusadas na rodoviária da cidade de Foz do Iguaçu, o que, segundo a mesma, ocorreu.

Revelou que transportou as munições colocadas ao corpo e que "Juan" as obrigou fazer o transporte da pistola. Negou ter ido ao Paraguai e afirmou que pediu ao delegado para que fosse corrigido o seu depoimento neste ponto. Por fim asseverou que estava arrependida e: "que aceitou o trabalho já que estava em dificuldades financeiras e desempregada há muito tempo".

As testemunhas de acusação ouvidas em Juízo, às fls. 232/237-v, policiais militares rodoviários, corroboraram o quanto declararam na fase inquisitiva, discorrendo sobre a diligência efetuada e sobre como encontraram as munições e arma apreendidas em poder das codenunciadas, grande parte delas coladas com esparadrapo em seus corpos.

O policial Amilton de Jesus Correa, que conversou com as acusadas durante a abordagem, asseverou que "as rés afirmaram para o depoente que estavam viajando juntas", "não mencionaram o nome de ninguém", "não mencionaram o local onde pegaram as munições e não se referiram ao Paraguai". Acrescentou que sobre a arma de fogo apreendida, ANDRÉIA apresentou a versão de que " tinha trazido a arma apreendida do Rio de Janeiro e tinha por objetivo trocá-la por uma pistola do calibre da munição, ou seja, 9mm" e que, segundo a acusada, "não tinha conseguido trocar e estava trazendo a pistola de volta".

Todavia e consoante sobredito, as circunstâncias que envolvem os fatos, bem como o conjunto probatório convergem no sentido de que as apelantes, como elas mesmas afirmaram na fase extrajudicial, adquiriram munições no Paraguai, internando-as em território nacional, juntamente com uma pistola calibre .380, sem a devida autorização.

Nesta esteira, destaco que o fato das denunciadas terem mudado suas versões em Juízo afirmando que não ingressaram em território paraguaio, não lhes favorece. Ao contrário, indica que estavam cientes da transnacionalidade de suas condutas e que a negativa constitui apenas tentativa de amenizar a reprimenda.

De outro turno, ainda que se admita que as denunciadas dirigiram-se somente à cidade do Foz do Iguaçu, a figura típica do artigo 18 da Lei n. 10.826/03 mantém sua completude, uma vez que o tipo é multinuclear e prevê, também, a figura de "favorecer a entrada ou saída do território nacional, a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização da autoridade competente".

Sobreleva anotar que tanto as apelantes PAULA e RISONEIDE, quanto a denunciada ANDRÉIA, afirmaram terem sido contratadas para transportar munições e uma arma de fogo de Foz do Iguaçu, cidade fronteiriça, sabidamente o portal de entrada de produtos descaminhados e contrabandeados, para o Rio de Janeiro e que tais mercadorias lhes foram entregues por um homem chamado "Juan", o qual, segundo a apelante PAULA, possuía um "sotaque" que não soube explicar.

Irretorquíveis os apontamentos do magistrado sentenciante quanto à comprovação da internacionalidade do delito e da caraterização do tipo previsto no artigo 18 da Lei n. 10.826/03, cujo excerto transcrevo e adoto como razões de decidir:

(...) de qualquer forma, mesmo admitindo que as acusadas tenham pego as munições na rodoviária em foz do Iguaçu - hipótese pouco provável -, resta caracterizada a conduta do tráfico internacional de armas. Com efeito, um adas etapas do fluxo do comércio com o exterior seria a entrega das munições estrangeiras dentro do centro de origem (Paraguai) de um homem (Juan ou Ruan, que segundo depoimento de PAULA DE SOUZA ARMSTRONG LOPES em fls. 226 tinha um sotaque) para as acusadas perto da faixa de fronteira de Foz do Iguaçu. Em seguida, as rés deveriam pegar ônibus com destino final ao Rio de Janeiro para abastecer o crime organizado, fato este que caracteriza o delito como internacional diante da presunção do fluxo internacional.
Nesse sentido, a tese da defesa de que a Justiça Federal não asseria competente e que não deveria incidir neste caso o artigo 18 da lei n. 10.826/03 relativo ao tráfico com o exterior não encontra guarida o suposto fato das munições terem sido entregue às rés em, foz do Iguaçu não gera a interrupção do fluxo do comércio exterior, sendo as acusadas responsáveis por uma das etapas de importação das munições vindas do exterior até seu destino final RIO DE janeiro. Somente quando a s munições chegassem ao Rio de janeiro e fosse iniciada a sua distribuição o fluxo internacional estaria interrompido e o fato das munições estrangeiras provirem do Paraguai não mais geraria a ocorrência do tráfico internacional, mas sim a figura do artigo 16 da lei n. 10.826/03.
Até porque no caso do tráfico de armas, o tipo penal menciona não só a conduta de importar (introduzir no país), mas também a de favorecer a entrada a qualquer título, conduta esta que abrange a situação daqueles não realizam o ato físico de transpor a fronteira, mas contribuem para o fluxo internacional seja levado a efeito.
Portanto, sob qualquer prisma que se analise a questão, observa-se que ocorreu a tipificação prevista no artigo 18 da Lei n. 10.826/03. (...)

Outrossim, não merece acolhida a tese da Defesa de RISONEIDE acerca da inexigibilidade de conduta diversa, diante da grave dificuldade financeira vivenciada pela ré, uma vez que não foram carreadas aos autos provas contundentes de tais circunstâncias, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal, não bastando para tanto meras alegações da increpada.

É certo que tal teoria é aceita em casos excepcionais, desde que demonstrada, de forma patente e indiscutível, a impossibilidade de se exigir do agente comportamento diverso, o que não se evidenciou in casu.

Neste sentido, vale registrar a jurisprudência desta Corte Regional:

APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. LEI N.º 11.343/06. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ARMAS DE FOGO. LEI 10.826/03. ESTADO DE NECESSIDADE NÃO CARACTERIZADO. POBREZA NÃO CONFIGURA NECESSIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS INCONTROVERSAS NOS AUTOS. DOSIMETRIA. INAPLICABILIDADE, IN CASU, DO ART. 33, § 4º, DA LEI N.º 11.343/06. INTEGRAÇÃO DAS ACUSADAS EM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. ELEVADA CONFIANÇA QUE GOZAVAM NA HIERARQUIA ORGANIZACIONAL. CONCURSO FORMAL IMPRÓPRIO ENTRE AS FIGURAS DELITIVAS DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES E DE ARMAS DE FOGO. CONCURSO FORMAL PRÓPRIO ENTRE AS DIVERSAS FIGURAS DELITIVAS PRATICADAS NO ÂMBITO DA LEI 10.826/03. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. PRESUNÇÃO DE POBREZA JURIS TANTUM. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. PROVIMENTO PARCIAL DO APELO MINISTERIAL. PROVIMENTO PARCIAL DA APELAÇÃO DE UMA DAS CORRÉS, PARA CONCEDER-LHE A GRATUIDADE. DESPROVIMENTO DO RECURSO DA OUTRA CORRÉ.
1. Em razão dos limites da devolutividade do recurso de apelação, de se verificar, por ora, que a autoria e a materialidade delitiva restam incontroversas, in casu.
2. Não procede a alegação de que as corrés agiram em estado de necessidade. Tampouco fazem jus a qualquer redução de pena, nos termos do artigo 24, § 2º, do CP. As alegações de que as acusadas se encontravam em situação de penúria não tem o condão de afastar suas respectivas responsabilidades penais, eis que não restou comprovada a existência de nenhum perigo imediato que justificasse o cometimento do delito. Verifica-se, na verdade, pois, que, em busca de dinheiro fácil, optaram as apelantes pelo commodus dissessus, agindo dolosamente.
(...)
(TRF 3ª Região, QUINTA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 69567 - 0004187-73.2016.4.03.6110, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO FONTES, julgado em 28/06/2017, e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/07/2017 )
PENAL. PROCESSO PENAL. ARTIGO 171, §3º, C.C. ARTIGO 14, INCISO II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. PRESCRIÇÃO RETROATIVA DE OFÍCIO. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO DA ACUSAÇÃO PLEITEANDO MAJORAÇÃO DA PENA. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA COMPROVADAS. ESTADO DE NECESSIDADE NÃO CONFIGURADO. NÃO APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. BEM JURÍDICO TUTELADO ATINGE A COLETIVIDADE. ELEVADO GRAU DE REPROVABILIDADE DA CONDUTA DELITIVA. PENA-BASE MANTIDA NO MÍNIMO LEGAL. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS AO CORRÉU E NORMAIS AO TIPO PENAL. RECURSOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E DA DEFESA DESPROVIDOS.
(...)
3. A versão acerca da excludente da antijuridicidade não ficou cabalmente demonstrada, a teor do disposto no artigo 156 do Código de Processo Penal, e a mera alegação da insuficiência econômica não possui o condão de caracterizar referida justificativa penal. Neste aspecto, o acusado não comprovou a premência em salvar-se de perigo atual que não provocou por sua vontade, nem poderia evitar, ou a ameaça a direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se, nos termos do artigo 24 do Código Penal.
(...)
(TRF 3ª Região, PRIMEIRA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 37665 - 0004333-91.2000.4.03.6105, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS, julgado em 10/05/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/05/2016 )
PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO MAJORADO. ART. 157, §2º, I E II, CP. CRIME DE RESISTÊNCIA. ART. 329 DO CÓDIGO PENAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE USO PERMITIDO E DISPARO DE ARMA DE FOGO EM VIA PÚBLICA. ART. 14 E ART. 15 DA LEI Nº 10.826/2003. MATERIALIDADE E AUTORIA DOS DELITOS. DEMONSTRAÇÃO. COAUTORIA. DIVISÃO DE TAREFAS. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. APLICABILIDADE. NEXO DE DEPENDÊNCIA, IDENTIDADE DE CONTEXTO FÁTICO E AUSÊNCIA DE POTENCIALIDADE LESIVA AUTÔNOMA. ESTADO DE NECESSIDADE NÃO CONFIGURADO. CRIMES DE ROUBO. PATRIMÔNIOS DISTINTOS. CONCURSO FORMAL. DOSIMETRIA. REFORMA PARCIAL. SÚMULA Nº 443 DO STJ. REGIME INICIAL SEMIABERTO. APELOS DEFENSIVOS PARCIALMENTE PROVIDOS.
1- Demonstrada a materialidade e a autoria dos crimes de roubo imputados aos acusados, por meio do vasto conjunto probatório colacionado aos autos, produzido tanto na fase policial quanto em Juízo, em especial pela prova pericial e oral.
(...)
12- O estado de necessidade pressupõe um perigo atual, ou seja, de ocorrência concomitante em relação à consumação do fato típico, o qual deixa de ser antijurídico tendo em vista a necessidade premente e imediata de salvar bem jurídico de maior relevância do que o sacrificado na execução do fato típico. A necessidade econômica, por si só, não preenche este requisito. Para fazer jus à escusa do estado de necessidade, é imprescindível que o agente se encontre diante de uma "situação de perigo atual", que tenha gerado a "inevitabilidade da conduta lesiva". Hipótese em que tais requisitos não restaram comprovados, além de existirem inúmeros caminhos lícitos de suprir ou amenizar problemas financeiros, sem necessitar partir para a criminalidade.
13- Alegação de dificuldade no sustento da família que não altera o fato de que se praticou um delito e nem retira a ilicitude do ato. Dificuldades econômicas, psicológicas ou existenciais não constituem salvo-conduto para o cometimento de atos ao arrepio do ordenamento, nem os justificam, e muito menos são aceitas pela ordem jurídica como circunstâncias autorizadoras da prática de condutas criminosas. Precedentes deste E. TRF-3. Inocorrente a exclusão de antijuridicidade invocada pelo apelante.
(...)
(TRF 3ª Região, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, ACR - APELAÇÃO CRIMINAL - 64042 - 0008366-36.2014.4.03.6105, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI, julgado em 15/12/2015, e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/12/2015)

Por todo o exposto, entendo que as provas dos autos mostram de forma segura que rés praticaram as condutas que lhes foram imputadas na inicial, sendo imperiosa a manutenção do decreto condenatório pela prática do delito previsto no artigo 18 da Lei n. 10.826/2003 c.c artigo 19 do mesmo diploma legal.

Passo à dosimetria da pena.

Do exame dos autos, verifico que o MM Juiz a quo fixou a pena base para ambas as apelantes acima do mínimo legal, em 04 (quatro) anos e 10 (dez) meses de reclusão em razão da grande quantidade de munição apreendida (mais de 4000 cartuchos), o que não merece reparos.

Na segunda fase, fez incidir, de modo irreparável, a circunstância atenuante da confissão espontânea, reduzindo a pena em 04 (quatro) meses, o que resultou na pena de 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de reclusão, o que fica mantido.

Presente a causa de aumento do artigo 19 da Lei n. 10.826/03, uma vez que as munições apreendidas são de uso restrito, na dicção do artigo 16 do Regulamento para a Fiscalização de Produtos Controlados (R-105), mantenho, na terceira fase, o aumento de metade, previsto no artigo 19 da Lei n. 10.826/03, o que soma 06 (seis) anos e 09 (nove) meses de reclusão.

Ainda na terceira fase, aduz a defesa de RISONEIDE que a sentença não considerou o arrependimento da ré. Apesar da generalidade da alegação, cumpre destacar ser inaplicável a figura do arrependimento posterior ao crime do artigo 18 da Lei n. 10.826/03, uma vez que se trata de delito cujo bem jurídico tutelado é a segurança pública e não o patrimônio, sendo inviável a reparação do dano ou restituição da coisa.

Nesse sentido, entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. PENAL. HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. ART. 312 DO CTB. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DA PENA. ARREPENDIMENTO POSTERIOR. ART. 16 DO CP. REPARAÇÃO DO DANO. APLICÁVEL APENAS NOS CRIMES PATRIMONIAIS. PLEITO SUBSIDIÁRIO. RECONHECIMENTO DE ATENUANTE. ART. 65, III, B, DO CP. PENA-BASE FIXADA NO MÍNIMO. SÚMULA 231/STJ.
1. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que, para que seja possível aplicar a causa de diminuição de pena prevista no art. 16 do Código Penal, faz-se necessário que o crime praticado seja patrimonial ou possua efeitos patrimoniais.
2. As Turmas especializadas em matéria criminal do Superior Tribunal de Justiça firmaram a impossibilidade material do reconhecimento de arrependimento posterior nos crimes não patrimoniais ou que não possuam efeitos patrimoniais.
3. In casu, a composição pecuniária da autora do homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302 do CTB) com a família da vítima, por consectário lógico, não poderá surtir proveito para a própria vítima, morta em decorrência da inobservância do dever de cuidado da recorrente.
4. A existência de causa de aumento verificável na terceira fase da dosimetria não permite retorno para a fase anterior para reconhecer atenuantes, sob pena de subversão do sistema trifásico de dosimetria da pena. Súmula 231/STJ.
5. Recurso especial improvido, com determinação de imediato início de cumprimento da pena, vencidos, apenas quanto à execução provisória da pena, o Relator e a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.
(REsp 1561276/BA, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 28/06/2016, DJe 15/09/2016)
RECURSO ESPECIAL. MOEDA FALSA. DOSIMETRIA DA PENA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. DELAÇÃO PREMIADA. ARREPENDIMENTO POSTERIOR . RECURSO NÃO PROVIDO.
1. No crime de moeda falsa - cuja consumação se dá com a falsificação da moeda, sendo irrelevante eventual dano patrimonial imposto a terceiros - a vítima é a coletividade como um todo e o bem jurídico tutelado é a fé pública, que não é passível de reparação.
2. Os crimes contra a fé pública, assim como nos demais crimes não patrimoniais em geral, são incompatíveis com o instituto do arrependimento posterior, dada a impossibilidade material de haver reparação do dano causado ou a restituição da coisa subtraída.
3. As instâncias ordinárias, ao afastar a aplicação da delação premiada, consignaram, fundamentadamente, que "não se elucidou nenhum esquema criminoso; pelo contrário, o réu somente alegou em seu interrogatório a participação de outras pessoas na atuação criminosa, o que não é suficiente para a concessão do beneficio da delação".
4. Recurso não provido.
(REsp 1242294/PR, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Rel. p/ Acórdão Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 18/11/2014, DJe 03/02/2015)

Quanto à pena de multa, aplico critério de cálculo idêntico ao utilizado para a fixação da pena privativa de liberdade e redimensiono-a de 82 (oitenta e dois) dias-multa para 16 (dezesseis) dias-multa, mantido o valor unitário mínimo legal.

Deste modo, resta definitiva as pena de 06 (seis) anos e 09 (nove) meses de reclusão e pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa.

O regime inicial é o semiaberto, nos termos do artigo 33, §2º, 'b', do Código Penal.

Incabível a substituição do artigo 44 do Código Penal em razão do não preenchimento dos requisitos objetivos, eis que a reprimenda penal é superior a 04 anos, e também dos requisitos subjetivos exigidos pela norma.

Por esses fundamentos, nego provimento aos recursos das Defesas e, de ofício, redimensiono a pena de multa para 16 (dezesseis) dias multa.

Nos termos do entendimento firmado pelo STF no HC 126.292, ADCs 43 e 44. expeçam-se os competentes mandados de prisão, com prazo de validade até 19/12/2020.

É o voto.

HÉLIO NOGUEIRA
Desembargador Federal


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