Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 19/02/2018
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005682-40.2006.4.03.6002/MS
2006.60.02.005682-6/MS
RELATOR : Desembargador Federal WILSON ZAUHY
APELANTE : HERBERT CESAR ECKER
ADVOGADO : SP181222 MARIA ROSANA FANTAZIA SOUZA ARANHA
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00056824020064036002 2 Vr DOURADOS/MS

EMENTA

DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. TIPICIDADE. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ACESSÓRIOS DE ARMAMENTO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PRESENÇA DE DOLO. ACESSÓRIO DE ARMA DE USO PERMITIDO. DOSIMETRIA. AFASTADA CAUSA DE AUMENTO DO ARTIGO 19 DA LEI Nº 10.826/2003.
1. Imputado à parte ré a prática de tráfico internacional de acessórios de armamento, tipificada nos artigos 18 c.c. 19 da Lei 10.826/2003.
2. Devidamente comprovada nos autos a materialidade do delito atribuído à parte ré.
3. Devidamente comprovada nos autos a autoria do delito atribuído à parte ré.
4. Verifica-se que a parte ré teve deliberadamente a intenção de praticar o crime de tráfico internacional de acessórios de armamento, tipificada no artigo 18 da Lei 10.826/2003.
5. Da análise do disposto no Decreto nº 3.665/2000, tanto as armas de gás comprimido de baixo calibre quanto os rifles de calibre .22 são de uso permitido, por conseguinte, o acessório que tenha sido fabricado com especificidades destinadas este tipo de armamento deve ser classificado também como de uso permitido, o que afasta a caracterização do artigo 19 da Lei nº 10.826/2003.
6. Dosimetria. Afastada a causa de aumento do artigo 19 da Lei nº 10.826/2003, resta definitiva em 02 anos e 08 meses de reclusão e pagamento de 06 dias-multa.
6. DESPROVIMENTO à apelação e, DE OFÍCIO, afastada a causa de aumento do artigo 19 da Lei nº 10.826/2006 e reduzida a pena de multa, nos termos do voto.


ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, após a ratificação do relatório pelo Juiz Fed. Conv. Renato Becho, negar provimento à apelação e, de ofício, afastar a causa de aumento do artigo 19 da Lei nº 10.826/2003 e reduzir a pena de multa, tornada definitiva em 02 anos e 08 meses de reclusão, em regime inicial aberto, e pagamento de 06 dias-multa. Substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos. Por maioria, determinar a imediata expedição de guia de execução, nos termos do voto do Juiz Fed. Conv. Renato Becho, acompanhado pelo Des. Fed. Hélio Nogueira, vencido o Des. Fed. Wilson Zauhy que entende deva ser vedada a expedição de guia de execução.


São Paulo, 06 de fevereiro de 2018.
WILSON ZAUHY
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0005682-40.2006.4.03.6002/MS
2006.60.02.005682-6/MS
RELATOR : Desembargador Federal WILSON ZAUHY
APELANTE : HERBERT CESAR ECKER
ADVOGADO : SP181222 MARIA ROSANA FANTAZIA SOUZA ARANHA
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00056824020064036002 2 Vr DOURADOS/MS

VOTO

Consignou o MPF: "Consta dos inclusos autos de Inquérito Policial que no dia 05 de novembro de 2006, por volta das 19h, na base da Policia Rodoviária Estadual, localizada na rodovia MS 276, KM 148, na cidade de Invinhema, foi preso em flagrante o ora denunciado HERBERT CESAR ECKER que, dolosamente e ciente da ilicitude e reprovabilidade de sua conduta, importou do Paraguai, sem autorização da autoridade competente e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, 19 (dezenove) lunetas de espingarda calibre 22, consideradas acessórios de uso restrito, conforme artigo 16, inciso XVI, do Decreto n.° 3.665 de 20 de dezembro de 2000 (ver Auto de Apreensão de fl. 18/IP)."

Consignou o Juiz: "Posto isso, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal para CONDENAR o réu HERBERT CESAR ECKER (...) como incurso nas sanções do artigo 18 cc 19 da Lei 10.826/03. Fixo a pena privativa de liberdade em 04 (quatro) anos de reclusão, a ser cumprida desde o início em REGIME ABERTO, e a pena de multa em 43 (quarenta e três) dias-multa."

Apela a parte ré.



DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. TIPICIDADE.

TRÁFICO INTERNACIONAL DE ACESSÓRIOS DE ARMAMENTO.

Os tipos penais imputados à parte ré são os seguintes:

Art. 18. Importar, exportar, favorecer a entrada ou saída do território nacional, a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização da autoridade competente:
Pena - reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
Art. 19. Nos crimes previstos nos arts. 17 e 18, a pena é aumentada da metade se a arma de fogo, acessório ou munição forem de uso proibido ou restrito.

Imputado à parte ré a prática de tráfico internacional de acessórios de armamento, tipificada nos artigos 18 c.c. 19 da Lei 10.826/2003.


AUTORIA

Consignou o Juiz a respeito da autoria:

"A autoria seguiu o mesmo viés.

De início, cabe observar que o acusado foi surpreendido em flagrante delito, o que denota maior contundência quanto à autoria.

Em seara policial, ainda no calor dos fatos, ele confessou o crime, mas negou ter ciência da natureza e finalidade balística do acessório adquirido no Paraguai. Segue a transcrição do interrogatório policial (fl. 06):

"(...)Que é vendedor ambulante na cidade de Aparecida/SP, onde comercializa, entre outros produtos, mercadorias adquiridas no Paraguai, tais brinquedos, quadros, etc...; Que eventualmente vai ao Paraguai para adquirir tais produtos e revende-los em Aparecida/SP; Que sendo assim, na quarta-feira, no dia 01.11.06, saiu da casa e foi para a cidade de Ciudad Del Leste, no Paraguai, onde adquiriu diversos produtos, tais como telas, caixas de Iscas, etc, e ainda, dezenove lunetas para arma de calibre 22; Que por todos os materiais pagou U$$ 1.000, 00 dólares. Que não sabia que as lunetas se tratasse de acessório de arma de fogo e que fosse proibido sua comercialização e transporte. Que iria Vender tais lunetas em Aparecida (...)".

No curso da ação penal, nos dois interrogatórios realizados (fls. 119/120 e fls. 226/227), manteve a versão e a tese de desconhecimento da natureza e finalidade do objeto importado e da correspondente proibição legal para transportar e comercializar referidos acessórios.

Segue a transcrição dos trechos aludidos, constantes dos termos de interrogatório de fls. 119/120 e fls. 226/227:

Fl. 119/120: (...) confessa a acusação. Trazia diversas mercadorias, todas sem nota fiscal. Entre elas, linha de pesca, ioiô para crianças, estampa de quadros e lunetas de espingarda de pressão. Nega que trazia lunetas de espingarda calibre 22. (...) Já teve espingarda de pressão, não sabendo dizer a extensão dos tiros. (...).

Fl. 226/227: (...) Confirma as acusações constantes da denúncia e ratifica as declarações prestadas no interrogatório anterior... Não sabia que as lunetas adquiridas se tratavam de objeto de uso restrito e as adquiriu para fins de utilizá-las espingarda de chumbinho. Afirma que adquiriu 19 lunetas de espingarda. (...)

A confissão do acusado encontra respaldo na prisão em flagrante delito, conforme anotado. Assim, a prova judicial torna inconteste que HERBERT CESAR ECKER introduziu em território nacional acessório de arma de fogo de uso restrito, adquirido no Paraguai e em desacordo com a lei ou regulamento, com finalidade comercial.

Enfim, restou evidenciado pelo conjunto probatório que HERBERT CESAR ECKER importou do Paraguai, com finalidade comercial, (19) acessórios de arma de fogo (lunetas) de origem estrangeira e sem autorização da autoridade competente, introduzindo no território nacional produto proibido, cuja comercialização é restrita no país."


Conforme o trecho consignado na sentença transcrito acima e, não havendo insurgência da parte ré, verifica-se devidamente comprovada a autoria do delito.


Conclusão:

Devidamente comprovada nos autos a autoria do delito atribuído à parte ré.



PRESENÇA DE DOLO.

Sendo o dolo, na comum lição da doutrina, a vontade livre e consciente de praticar a conduta proibida pelo tipo penal, é inegável a sua presença na hipótese dos autos.



MATERIALIDADE

Consignou o Juiz a respeito da materialidade:

"A materialidade delitiva é inconteste.

O auto de prisão em flagrante (fl. 02) registra que o réu foi detido pelos policiais rodoviários em fiscalização de rotina no Posto localizado na MS 276, Km 148, no município de Ivinhema, no ônibus da Viação Mota, itinerário Dourados/MS para São Paulo/SP, oportunidade em que trazia consigo (dezenove) lunetas de espingarda calibre 22 adquiridas no Paraguai, sem autorização da autoridade competente.

O auto de apreensão (fl. 18) ratifica a apresentação de "19 (dezenove) lunetas para acoplar em armas diversas, marca refescope [sic]".

O Regulamento para Fiscalização de Produtos Controlados (R-105), aprovado pelo Decreto n°. 3.665, de 20/11/2000, estabelece "as normas necessárias para a correta fiscalização das atividades exercidas por pessoas físicas e jurídicas, que envolvam produtos controlados pelo Exército".

Dentre estas atividades e no que concerne ao presente processo destacam-se a importação, o desembaraço alfandegário, o armazenamento, o comércio e o tráfego de armas, de fogo, acessórios e munições.

Reza o artigo 3°, II do referido Decreto:

"Art 39 Para os efeitos deste Regulamento e sua adequada aplicação, são adotadas as seguintes definições:
I - acessório: engenho primário ou secundário que suplementa um artigo principal para possibilitar ou melhorar o seu emprego;
II - acessório de arma: artefato que, acoplado a uma arma, possibilita a melhoria do desempenho do atirador, a modificação de um efeito secundário do tiro ou a modificação do aspecto visual da arma;
(...)"

Por seu turno dispõem os artigos 15, 16 e 17 do mesmo diploma:

"Art. 15. As armas, munições, acessórios e equipamentos são classificados, quanto ao uso, em:
I - de uso restrito; e
II - de uso permitido.
"Art. 16. São de uso restrito:
I-(...)
XVII - dispositivos ópticos de pontaria com aumento igual ou maior que seis vezes ou diâmetro da objetiva igual ou maior que trinta e seis milímetros;
XVII- (...)"
"Art 17. São de uso permitido:
I- (...)
VII - dispositivos Óticos de pontaria com aumento menor que seis vezes e diâmetro da objetiva menor que trinta e seis milímetros;
VIII- (...)"

Por fim, estabelece o art. 9° do Decreto:

"Art. 9º As atividades de fabricação, utilização, importação, exportação, desembaraço alfandegário, tráfego e comércio de produtos controlados, devem obedecer as seguintes exigências:
I - para a fabricação, o registro no Exército, que emitirá o competente Titulo de Registro - TR;
II - para a utilização industrial, em laboratórios, atividades esportivas, como objeto de coleção ou em pesquisa, registro no Exército mediante a emissão do Certificado de Registro - CR;
III - para a importação, o registro no Exército mediante a emissão de TR ou CR e da licença prévia de importação pelo Certificado Internacional de Importação - CII;
IV - para a exportação, o registro no Exército e licença prévia de exportação;
V - o desembaraço alfandegário será executado por agente da fiscalização militar do Exército;
Vl - para o tráfego, autorização prévia por meio de GT ou porte de tráfego, conforme o caso; e
VII - para o comércio, o registro no Exército mediante a emissão do CR.
Parágrafo único. Deverão ser atendidas, ainda, no transporte de produtos controlados, as exigências estabelecidas pela Marinha para o transporte marítimo, as estabelecidas pela Aeronáutica para o transporte aéreo e as exigências do Ministério dos Transportes para o transporte terrestre.

O Laudo de Exame de Acessório de Arma de Fogo n.° 608/2008 - NUTEC/DPF/DRS/MS elaborado pelo Núcleo Técnico-Cientifico do Departamento da Polícia Federal (fl. 85/91) esclareceu que "(...) os acessórios encaminhados para exame se encontram aptos para uso e possuíam mecanismos específicos para acoplamento em armas de fogo. Uma vez acoplados em armas de fogo, os acessórios apresentados modificam o aspecto Visual das mesmas, além de possibilitar melhoria na precisão pontaria" (fl. 88). Continuou esclarecendo o Laudo, que "O exame das lunetas contendo os escritos "3-7X20" demonstrou que as mesmas são dispositivos ópticos de pontaria, os quais possuem mecanismos de ajuste de aumento que variam de três a sete vezes. Estas mesmas lunetas possuem diâmetro de objetiva de vinte milímetros" (fl. 88), e que "Quando dos exames das lunetas contendo os escritos "4X20", as mesmas possuem diâmetro das objetivas semelhantes às supracitadas, porém com ajuste do dispositivo óptico de pontaria com aumento de quatro vezes" (fl. 88).

Percebe-se, assim que as lunetas apreendidas se enquadram na definição do artigo 3°, II, do Decreto como 'acessório de arma'; que das 18 (dezoito) lunetas submetidas a exame, 09 (nove), as "3-7X20" são de uso restrito, artigo 16, XVII do Decreto, e 09 (nove), as "4X20" são de uso permitido, artigo 17, VII, do Decreto.

De outra parte, restou claro dos autos que o acusado promoveu a importação das lunetas sem autorização do Exército, conforme estabelecido pelo artigo 9° do Decreto.

Inquestionável, portanto, pelo acervo referido, a materialidade do crime de tráfico internacional de arma de fogo, in casu, de acessórios de uso restrito e de uso permitido."


A materialidade quanto às 19 lunetas de fato restou devidamente comprovada. Não obstante não haja recurso do acusado quanto a este ponto, verifico que o enquadramento de 09 lunetas como de uso restrito não é adequado.

Isso porque, da análise do disposto no Decreto nº 3.665/2000, tanto as armas de gás comprimido de baixo calibre quanto os rifles de calibre .22 são de uso permitido, por conseguinte, o acessório que tenha sido fabricado com especificidades destinadas este tipo de armamento deve ser classificado também como de uso permitido, o que afasta a caracterização do artigo 19 da Lei nº 10.826/2003.

Com efeito, o réu admitiu a aquisição das lunetas para uso em arma de pressão, isto é, de uso permitido, declaração corroborada pelo Laudo Pericial, em que consta que "conforme instruções técnicas presentes no interior das embalagens, os mesmos podem ser acoplados em "AIR GUNS" (armas de gás comprimido) e rifles calibre 22" (fl. 90), evidenciando que o intento do acusado era somente adquirir as lunetas como acessórios de armas de uso permitido, portanto, não há que se falar em aplicação da causa de aumento do artigo 19 da Lei nº 10.826/2003, estando a conduta do acusado amoldada somente ao artigo 18 do mesmo diploma legal.


TESES DA DEFESA

Alega a defesa:

- COMPROU 19 (DEZENOVE) LUNETAS (de múltipla utilidade), as quais são comercializadas pela internet e em qualquer comércio de esportes, NÃO NECESSITANDO DE AUTORIZAÇÃO LEGAL;

- Não está especificado que SÓ podem ser acoplados em armas de fogo

- porque 19 (dezenove) lunetas que podem ser acopladas em diversos tipos de armas de pressão (inclusive espingarda de chumbinho), deveria ser considerado como tráfico de armas?

- Junto com os pertences foi encontrado anzóis, linhas de pesca, ioiô para crianças, caixas de iscas, estampa de quadros e lunetas de espingarda de pressão (de múltiplo uso, pois, são utilizadas exclusivamente para mira) comprovando que as mesmas deveriam ser comercializadas como utensílios de esporte, conforme venda na internet.

Conclusão:

A questão da necessidade de autorização para importação das lunetas em questão foi devidamente analisada na sentença no trecho que tratou da materialidade, sendo tal análise exaustiva, não tendo as alegações da parte ré apresentado qualquer elemento capaz de abalar os fundamentos e a conclusão lá expostos.

De outro lado, o Juiz consignou dever ser reconhecida a incidência de causa de redução de pena:

"No entanto, no presente caso concreto há que ser reconhecida a incidência da causa de redução da pena prevista no artigo 21, caput, do Código Penal, ou seja, a ocorrência de erro de proibição escusável.

Dispõe mencionado artigo:

Erro sobre a ilicitude do fato
Art. 21. O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminui-la de um sexto a um terço.
Parágrafo único. Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.

O erro de proibição trata do erro incidente sobre a ilicitude de uma dada conduta. O agente supõe erroneamente, que seu comportamento é lícito, quando na verdade ele é proibido. Ele faz um juízo equivocado daquilo que lhe é permitido fazer em sociedade. Em sendo o erro inevitável a culpabilidade será excluída, restando sem punição a conduta, porque sem culpabilidade não há crime. Em sendo escusável, é cabível a punição, reduzindo-se, porém, a pena.

Apurou-se nos autos que o réu é vendedor ambulante na cidade de Aparecida/SP, comercializando produtos adquiridos no Paraguai. No seu interrogatório policial (fl. 06) e nas duas vezes em que foi interrogado em juízo (fls. 119/120 e fls. 226/227, afirmou que não sabia que as lunetas se tratasse [sic] de acessório de arma de fogo e que fosse proibido sua comercialização e transporte" (fl. 06); que "Trazia do Paraguai diversas mercadorias, todas sem nota fiscal. Entre elas, linha de pesca, ioiô para criança, estampa de quadros e lunetas de espingarda de pressão. Nega que trazia lunetas de espingarda calibre 22" (fl. 119); que "Não sabia que as lunetas adquiridas se tratavam de objeto de uso restrito e as adquiriu para fins de utilizá-las em espingarda de chumbinho" (fls. 226/227).

Como se vê, o réu, desde seu interrogatório policial, reiteradamente afirma que desconhecia que as lunetas seriam acessórios de arma de fogo, e que sua comercialização e transporte seriam proibidos.

Em face das circunstâncias táticas apuradas impõe-se acolher as alegações. Sua profissão - vendedor ambulante; o fato de comercializar produtos adquiridos no Paraguai - brinquedos, quadros, etc.; o fato de que lunetas do tipo das apreendidas serem livremente comercializadas pela internet (docs. de fls. 279/285); militam em seu favor.

Assim, são plausíveis suas alegações de que não sabia que as lunetas seriam acessórios de arma de fogo, e que metade delas - o modelo '3X720' seria de uso restrito.

Há que se reconhecer, no entanto, que na hipótese dos autos, o erro de proibição era evitável. Com efeito, poderia o acusado ter se informado acerca das referidas lunetas, sua utilização apenas em armas de pressão, sua condição de acessório de arma de fogo, se era de uso permitido ou restrito.

Ademais, sem a aplicação da minorante do artigo 21, caput, CP, resta clara a desproporcionalidade da aplicação no presente caso concreto das penas previstas nos artigos 18 e 19 da Lei n°. 10.826,2003, reclusão de 04 a 08 anos, aumentada de 50%. Não pode tal conduta, a importação de 19 (dezenove) lunetas, ser equiparada à importação de armas pesadas e suas munições. Neste ponto, cumpre destacar a impossibilidade do Poder Judiciário, sob este argumento, alterar o disposto em lei. Nesse passo:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO CRIMINAL. ANÁLISE SOBRE O FURTO E O ROUBO. CONCURSO DE PESSOAS. PROPORCIONALIDADE ENTRE AS RESPECTIVAS PENAS. Sob o pretexto de ofensa ao artigo 5°, caput, da Constituição Federal (princípios da igualdade e da proporcionalidade), não pode o Judiciário exercer juízo de valor sobre o quantum da sanção penal estipulada no preceito secundário, sob pena de usurpação da atividade legiferante e, por via de conseqüência, incorrer em Violação ao princípio da separação dos poderes. Ao Poder Legislativo cabe a adoção de política criminal, em que se estabelece a quantidade de pena em abstrato que recairá sobre o transgressor de norma penal. Recurso Extraordinário conhecido e desprovido. (RE 358315, ELLEN GRACIE, STF)

Assim, tenho como configurada a prática do crime de TRÁFICO INTERNACIONAL DE ARMA, previsto no artigo 18 c.c. 19 da Lei 10.826/03, pelo réu HERBERT CÉSAR ECKER."


Exaustiva, portanto, a análise contida na sentença, a fundamentar corretamente a incidência da causa de redução da pena.


DOSIMETRIA.

Consignou o Juiz a respeito da dosimetria da pena:

"No que concerne às circunstâncias judiciais, observo que a culpabilidade foi normal para a espécie. Estando ausentes elementos quanto à conduta social e à personalidade do réu, deixo de valorá-los. O motivo do crime não refoge da abrangência do tipo. O comportamento da vítima não se fez presente. Há registros de antecedentes criminais como se vê às fls. 78 e 96. As circunstâncias, igualmente, não refugiram à reprimenda da norma penal incriminadora. As consequências, de modo semelhante, dentro da normalidade da repressão punitiva. Por essa razão, considerando a presença de uma circunstância judicial negativa (maus antecedentes) fixo a pena base acima do mínimo legal, ou seja, 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de reclusão.

Concorre a circunstância atenuante prevista no artigo 65, I, d, do Código Penal, uma vez que o réu 'confessou' espontaneamente o crime, devendo ser reconhecida para diminuir a pena em 06 (seis) meses.

Não concorrem circunstâncias agravantes.

Presente a causa de aumento de pena (art. 16 da Lei 10.826/03), o que aplico para aumentar na metade (1/2), totalizando dois (02) anos.

Concorre, também, a causa de diminuição de pena do artigo 21, caput, do Código Penal, conforme exposto em fundamentação retro, o que aplico para diminuir a pena em 1/3 (um terço), totalizando dois (02) anos.

Dessa forma, torno a pena definitiva em 04 (quatro) anos de reclusão.

Como regime inicial, fixo o ABERTO, nos termo do disposto no artigo 33, § 2°, do Código Penal.

Quanto às sanções pecuniárias, levando em conta as circunstâncias judiciais acima expostas, e considerando ainda a correspondência que a pena de multa deve guardar com relação à pena privativa de liberdade, no que se refere aos seus limites mínimo e máximo (entre 10 e 360 dias-multa), com incidência (mínimo - 10 dias-multa) da circunstância judicial negativa (43 dias-multa), atenuante (diminuição de 10 dias-multa), aumento (1/2 - 21 dias-multa), e diminuição (1/3 - 21 dias-multa) arbitro definitivamente a pena de multa para o CRIME DE TRÁFICO INTERNACIONAL DE ARMA em 43 (quarenta e três) dias-multa.

Em face da ausência de informações quanto a situação financeira do réu, arbitro o valor do dia-multa em 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos, corrigido monetariamente pelos índices oficiais até o pagamento.

Estando presentes os requisitos do artigo 44, incisos I, II e III do Código Penal, uma vez que nada obstante os antecedentes criminais, mostra-se a medida socialmente recomendável, SUBSTITUO a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, consistentes no seguinte: 1) prestação pecuniária de 24 (vinte e quatro) salários mínimos, que pode ser paga em 48 (quarenta e oito) prestações mensais, iguais e sucessivas e deve ser prestada em guia própria em favor da União; 2) prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas, a ser especificada pelo Juízo da Execução. Deve o acusado ser advertido de que o descumprimento do pagamento da prestação pecuniária e da prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas implicará a conversão da pena restritiva de direito na pena de reclusão fixada (artigo 44, § 4°, do Código Penal)."


Observo o seguinte.

Só serve como mau antecedente o constante de fls. 96, pois o de fls. 78 indica que o réu foi absolvido. Entretanto, resta mantida a pena-base fixada em 04 anos e 06 meses de reclusão. Na segunda fase da dosimetria, acertadamente foi reconhecida a incidência da atenuante da confissão espontânea, reduzindo-se a pena para 04 anos de reclusão. Ausentes agravantes, bem como afastada a causa de aumento do artigo 19 da Lei nº 10.826/2003, resta a aplicação da causa de diminuição do artigo 21, caput do Código Penal, com a redução da pena em 1/3 para 02 anos e 08 meses de reclusão, tornada definitiva.

Cabe reforma, de ofício, da multa. Para que fique proporcional à pena privativa de liberdade deve ser fixada em 06 dias-multa.


Mantido o regime inicial de cumprimento de pena em aberto, em consonância com o disposto no artigo 33, §2º, "c", do Código Penal. Mantida igualmente a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, consistentes em prestação pecuniária e prestação de serviços à comunidade, nos termos da r. sentença condenatória.



DISPOSITIVO

Ante todo o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação e, DE OFÍCIO, afasto a causa de aumento do artigo 19 da Lei nº 10.826/2003 e reduzo a pena de multa, tornada definitiva em 02 anos e 08 meses de reclusão, em regime inicial aberto, e pagamento de 06 dias-multa. Substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, nos termos do voto.


O C. STJ, recentemente, firmou entendimento que nas hipóteses de condenação à pena restritiva de direitos, a expedição da competente guia de execução somente é possível após o trânsito em julgado, em observância ao disposto no artigo 147 da LEP (EREsp 1619087/SC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Rel. p/ Acórdão Min. Jorge Mussi, Terceira Seção, julgado em 14/06/2017, DJe 24/08/2017). Dessa forma, tendo sido a pena privativa de liberdade substituída por penas restritivas de direitos, é vedada sua execução provisória. Assim, deixo de expedir a guia de execução provisória.


É o voto.





WILSON ZAUHY
Desembargador Federal


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