Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 01/12/2017
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007560-35.2012.4.03.6181/SP
2012.61.81.007560-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS
APELANTE : DANIEL VICTOR IWUAGWU
ADVOGADO : SP168042 JOACYR CARDOSO PINHEIRO e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
EXCLUIDO(A) : JUDE CHUKWUDI MWEKW
CO-REU : JOAO ALVES DE OLIVEIRA (desmembramento)
No. ORIG. : 00075603520124036181 4P Vr SAO PAULO/SP

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. LEI 11.343/2006. OPERAÇÃO SEMILLA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. LEGALIDADE. MATERIALIDADE DO FLAGRANTE DEMONSTRADA. AUTORIA DELITIVA COMPROVADA. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO DO RÉU. DOSIMETRIA DA PENA. PENAS INALTERADAS. IMPROVIMENTO DO RECURSO.
1. O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em desfavor de JOÃO ALVES OLIVEIRA, JUDE CHUKWUDI MWEKE e DANIEL VICTOR IWUAGWU como incursos no artigo 33, caput, c.c. o artigo 40, I, em concurso material com o artigo 35, todos da Lei n.º 11.343/06.
2. Houve o desmembramento do feito em relação aos corréus Jude Chukwudi Mweke e Daniel Victor Iwuagwu, originando os presentes autos. Após, houve novo desmembramento em relação ao corréu Jude Chukwudi Mweke, prosseguindo o feito nestes autos somente em relação ao acusado Daniel Victor Iwuagwu.
3. Narra a peça acusatória que os fatos tratam da "Operação Semilla", desmembramento da "Operação Niva", então em curso perante a 4ª Vara Criminal Federal de São Paulo (PCD nº 003498-54.2009.403.6181), iniciada em julho de 2010. Relata que, durante o acompanhamento das atividades alvos da "Operação Niva", identificou-se a organização criminosa chefiada por Eurico Augusto Pereira, a partir de contatos mantidos entre PERNAMBUCO e SLOBODAN KOSTOVSKI (PETER), nos quais PERNAMBUCO intermediava a venda da droga, fornecida e internalizada por EURICO e seus associados, a PETER, razão pela qual EURICO passou a ser incluído nas medidas de monitoramento telefônico então em curso.
4. Apurou-se que o contato entre as organizações criminosas tinha sido pontual, apenas para comercialização de cocaína, razão pela qual foi determinado o desmembramento do feito, para instauração de procedimento próprio.
5. Devidamente instruído o feito, foi deferida a medida de interceptação das comunicações telefônicas entre os alvos inicialmente identificados, nos termos da Lei nº 9296/96, em julho de 2010, para apuração de tráfico transnacional de entorpecentes, sendo apuradas quatro células que, embora autônomas, relacionavam-se na aquisição e venda de drogas, quais sejam: a chefiada por EURICO AUGUSTO PEREIRA, a célula de BATISTA, a conexão africana, representada por KALAZAN e a conexão italiana.
6. O presente caso diz respeito às condutas do réu DANIEL VICTOR IWUAGWU (KALAZAN), relativa ao flagrante IPL 0521/2010-2 - DRE/SR/SP, referente à apreensão de 104 kg de cocaína, no dia 10 de julho de 2010.
7. Preliminar de nulidade das interceptações telefônicas rejeitada. De fato, embora a redação do artigo 5º da Lei nº 9.296/96 tenha previsto somente o prazo de 15 (quinze) dias, renovável por mais 15 (quinze) dias, já se firmou entendimento na jurisprudência no sentido de que o prazo em questão poderá ser prorrogado quantas vezes for necessário, mediante decisão fundamentada. No caso dos autos, a investigação efetuada pela Polícia Federal, no bojo da "Operação Semilla", tinha como escopo desmantelar organização criminosa, composta por diversos indivíduos, voltada ao tráfico internacional de drogas, de modo que, para a total elucidação dos fatos, fez-se necessária a dilação de prazo do monitoramento telefônico por inúmeras vezes, inexistindo qualquer vício nas autorizações judiciais.
8. A materialidade delitiva restou devidamente comprovada pelo IPL 0521/2010-2 - DRE/SR/SP, destacando-se o Laudo Preliminar de Constatação, o Auto de Apresentação e Apreensão, o Laudo de Exame de Substância, bem como pelas interceptações telefônicas, que demonstram a apreensão de 104 kg (cento e quatro quilos) de cocaína em poder de Vitorino Monteiro (vulgo Nilo ou Gerentinho), José Marcos dos Santos, José Grigório dos Santos Filho e Claudemir Miranda Duarte, no dia 10 de julho de 2010, no âmbito de associação criminosa voltada à prática do crime de tráfico de drogas.
9. A transnacionalidade do delito é evidenciada pela origem e pelo destino da droga apreendida. De fato, o Relatório de Inteligência Policial n.º 001/2010, corroborada pela prova testemunhal, demonstra a internalização da droga, procedente da Bolívia, pelas negociações travadas entre Batista e Zacarias, fornecedor boliviano; e, a destinação de parte da carga para a África do Sul, por sua vez, foi comprovada pelas negociações entre Batista e Jude.
10. A autoria delitiva restou evidenciada pelo conteúdo dos áudios oriundos das interceptações telefônicas, inteiramente confirmado pela prova testemunhal, salientando-se, no mais, que a realização de exame pericial para comparar a voz do réu com a voz interceptada não é imprescindível à elucidação dos fatos. Isso porque, de acordo com o disposto no artigo 184 do Código de Processo Penal, com exceção do caso de exame de corpo de delito, pode o juiz negar a perícia requerida pelas partes, quando esta se mostrar desnecessária ao esclarecimento da verdade. De fato, o princípio da livre convicção do juiz (artigo 155 do Código Penal) permite ao magistrado formar sua convicção pela livre apreciação das provas produzidas, não podendo, todavia, fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos colhidos na fase investigativa.
11. No caso dos autos, observa-se que, além dos elementos colhidos durante o inquérito policial, houve a produção de prova testemunhal e documental, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, cujo teor corroborou o conteúdo dos diálogos oriundo das interceptações telefônicas. Nessa senda, a existência de robusto conjunto probatório a embasar a condenação torna desnecessária a realização de perícia para confrontar a voz do réu com aquelas colhidas no monitoramento telefônico.
12. Dosimetria da pena. Para o crime de tráfico internacional de drogas, o Juízo a quo fixou a pena-base acima do mínimo legal, em 07 (sete) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 750 (setecentos e cinquenta) dias-multa, considerando a culpabilidade acentuada e as circunstâncias e consequências do crime. A pena foi agravada de 1/6 (um sexto) pela reincidência, totalizando 08 (oito) anos e 09 (nove) meses de reclusão e 875 (oitocentos e setenta e cinco) dias-multa, ausente circunstância atenuante. Foi aplicada a causa de aumento prevista no artigo 40, I, da Lei n.º 11.343/06, com o acréscimo de 1/6 (um sexto), restando definitiva a pena de 10 (dez) anos, 02 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 1020 (mil e vinte) dias-multa. Pelo crime de associação para o tráfico a pena-base foi fixada acima do mínimo legal, em 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 1050 (mil e cinquenta) dias-multa considerando a culpabilidade acentuada e as circunstâncias e consequências do crime. A pena foi agravada pela reincidência, totalizando 05 (cinco) anos e 03 (três) meses de reclusão e 1225 (mil duzentos e vinte e cinco) dias-multa, ausente circunstância atenuante. Foi aplicada a causa de aumento prevista no artigo 40, I, da Lei n.º 11.343/06, com o acréscimo de 1/6 (um sexto), restando definitiva a pena de 06 (seis) anos, 01 (um) mês e 15 (quinze) dias de reclusão e 1429 (mil quatrocentos e vinte e nove) dias-multa. Por fim, considerando que os delitos foram cometidos por meio de condutas distintas, foi aplicada a regra do concurso material, nos termos do art. 69 do Código Penal, resultando na pena definitiva de 16 (dezesseis) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 2449 (dois mil, quatrocentos e quarenta e nove) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, devidamente corrigido, em atenção à condição financeira do réu. O regime inicial de cumprimento da pena foi fixado no fechado, ante a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, nos termos do art. 33, § 3º, do Código Penal.
13. Manutenção da dosimetria nos termos do decisum.
14. Não há de se falar em fixação das penas-base no mínimo legal, uma vez que pesam contra o réu circunstâncias judiciais desfavoráveis, quais sejam, a culpabilidade exacerbada e as circunstâncias e consequências do crime. No tocante à causa de agravamento da pena, restou devidamente comprovada a reincidência, tendo em vista que os fatos delitivos narrados na denúncia se deram em 10 de julho de 2010, em intervalo inferior a 05 (cinco) anos da condenação transitada em julgado em desfavor do réu, em 16 de outubro de 2006, na ação penal n.º 0054378-48.2003.8.26.0050. Quanto à causa de aumento da pena, prevista no artigo 40, I, da Lei n.º 11.343/06, esta deve ser mantida, uma vez que há provas nos autos de que as drogas apreendidas foram trazidas da Bolívia para o Brasil, por meio da célula comandada por Batista, e seria enviada para a África do Sul, por intermédio do réu Daniel Victor Iwuagwu. Por fim, é inviável a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, haja vista que o caso concreto não se enquadra nas hipóteses do artigo 44 do Código Penal, considerando que a pena é superior a 04 (quatro) anos de reclusão, o réu é reincidente e há circunstâncias desfavoráveis contra o acusado.
15. Matéria preliminar rejeitada. Apelação do réu a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, negar provimento à apelação do réu Daniel Victor Iwuagwu, mantendo, na íntegra, a douta decisão recorrida. Por maioria, determinar a imediata expedição de mandado de prisão, nos termos do voto do Des. Fed. Valdeci dos Santos, acompanhado pelo Des. Fed. Hélio Nogueira, vencido o Des. Fed. Wilson Zauhy que entende deva ser determinada a expedição de mandado de prisão somente após a certificação de esgotamento dos recursos ordinários no caso concreto.¶



São Paulo, 14 de novembro de 2017.
VALDECI DOS SANTOS
Desembargador Federal Relator


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007560-35.2012.4.03.6181/SP
2012.61.81.007560-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS
APELANTE : DANIEL VICTOR IWUAGWU
ADVOGADO : SP168042 JOACYR CARDOSO PINHEIRO e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
EXCLUIDO(A) : JUDE CHUKWUDI MWEKW
CO-REU : JOAO ALVES DE OLIVEIRA (desmembramento)
No. ORIG. : 00075603520124036181 4P Vr SAO PAULO/SP

RELATÓRIO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS: Trata-se de apelação interposta por DANIEL VICTOR IWUAGWU contra a sentença que o condenou pela prática da conduta previstas no artigo 33, caput, c.c. o artigo 40, I, em concurso material com o artigo 35, todos da Lei n.º 11.343/06.

Narra a peça acusatória que os fatos tratam da "Operação Semilla", desmembramento da "Operação Niva", então em curso perante a 4ª Vara Criminal Federal de São Paulo (PCD nº 003498-54.2009.403.6181), iniciada em julho de 2010.

A denúncia relata, inicialmente, que "durante o acompanhamento das atividades dos alvos da operação Niva, identificou-se a organização criminosa capitaneada por EURICO AUGUSTO PEREIRA, a partir de contatos mantidos entre PERNAMBUCO e SLOBODAN KOSTOVSKI (PETER). (...) Foram então colhidas provas que demonstravam a existência de uma grande organização criminosa com atividade em tráfico internacional de drogas de altíssimo porte, em contato direto com diversos fornecedores na Bolívia, dos quais adquire a droga, posteriormente internalizada por via aérea através de aviões particulares de onde a droga era arremessada em fazendas para ser posteriormente trazida para a região de São Paulo. Constatado que o contato entre as organizações criminosas foi pontual, apenas para comercialização de cocaína, determinou-se o desmembramento do feito, para instauração de procedimento próprio. Devidamente instruído o feito, foi deferida a medida de interceptação das comunicações telefônicas entre os alvos inicialmente identificados, nos termos da Lei nº 9296/96, em julho de 2010, para apuração de tráfico transnacional de entorpecentes. Inicialmente, identificaram-se quatro células que, embora autônomas, relacionavam-se na aquisição e venda de drogas, quais sejam: a chefiada por EURICO AUGUSTO PEREIRA, a célula de BATISTA, a conexão africana, representada por KALAZAN e a conexão italiana, desbaratada já no início das investigações com a prisão em flagrante de EMANUELLE SAVINI. As duas primeiras células atuam com a aquisição direta da droga na Bolívia, mantendo contatos frequentes com os fornecedores ali radicados, também alvos desta operação. Negociada a droga, sempre em grandes quantidades, estruturavam logística de transporte e armazenamento em São Paulo, ora por seus próprios membros, ora recorrendo a grupos associados, identificados como os grupos de EDESIO RIBEIRO NETO (DOUTOR) e de ROBERTO NAZIRO CORREIA (PROFESSOR). Uma vez internalizada a droga, era armazenada em depósitos mantidos pelas organizações criminosas na região de São Paulo, a partir de onde era distribuída, ora internamente, ora para compradores que se encarregavam de novamente exportá-las, como DANIEL VICTOR IWUAGWU (KALAZAN), que tinha como rota a exportação da droga para a África. A partir de então, foram produzidos vários relatórios de inteligência policial nos quais constava minucioso relato do captado através dos monitoramentos autorizados judicialmente, cuja análise e resultados, seguidos da devida manifestação do MPF e autorizações judiciais, propiciaram o prosseguimento e o sucesso das apurações."

Assim, no presente caso, a denúncia foi oferecida ante a apuração das condutas relacionadas no Flagrante IPL 0521/2010-2 - DRE/SR/SP e no Flagrante IPL 593/2010.

No tocante ao Flagrante IPL 0521/2010-2 - DRE/SR/SP, consta da peça acusatória que "Em 10 de julho de 2010, a POLÍCIA FEDERAL em São Paulo/SP realizou a prisão em flagrante de VITORINO MONTEIRO, vulgo 'NILO' ou 'GERENTINHO'; JOSÉ MARCOS DOS SANTOS; JOSÉ GRIGÓRIO DOS SANTOS FILHO; e de CLAUDEMIR MIRANDA DUARTE, por terem consigo aproximadamente 104 quilos de cocaína, conforme apurado no Flagrante IPL 0521/2010-2, DRE/SR/SP. A droga apreendida foi internalizada por BATISTA e tinha por destinatário final JUDE, através da intermediação em território nacional sob responsabilidade de KALAZAN. (...) Os presos estavam em um posto de gasolina em Osasco em poder de 104 quilos de cocaína, que seriam posteriormente encaminhados para JUDE na África do Sul. A droga estava em um dos veículos apreendidos na ocasião, conduzido por VITORINO. Após a apreensão, diálogos mantidos entre KALAZAN e diversos interlocutores deixam claro que VITORINO e os demais presos eram seus funcionários, o que indica ser ele o elo da conexão africana no Brasil, ou seja, o intermediário responsável por receber a droga transacionada por JUDE e depois encaminhá-la para a África do Sul. (...) Nesse passo, comprovada a autoria em relação ao tráfico transnacional de entorpecentes pela aquisição, internalização e transporte de 104 kg (cento e quatro quilos) de cocaína. (...) Demonstrado ainda que os denunciados incorreram em crime de associação eventual para fins de tráfico, eis que associaram-se de forma estável para a prática da conduta acima descrita, conforme as provas coletadas durante a interceptação telefônica deferida pelo Juízo".

Quanto ao Flagrante IPL 593/2010, "Em 20 de agosto de 2010, a partir das informações coletadas no bojo do procedimento investigatório relacionado a operação Semilla, foi efetuada a apreensão de onze quilos de cocaína ocultos em uma mochila, que foi entregue por REGINALDO GUIMARÃES DA SILVA a SIDNEY FERNANDES DA SILVA, JONILZA RAMIRES ROMERO, LEOCADIO REVOLLO VILLARROEL e MARIAMA CANDE em um posto de gasolina em Atibaia/SP. Essa droga foi fornecida por ZACARIAS para BATISTA, que a revenderia a seus habituais compradores. O acompanhamento da internacionalização e transporte da droga teve início em 12 de agosto, em um diálogo entre ZACARIAS e BATISTA durante o qual este pergunta àquele se teria algum carregamento a caminho, recebendo como resposta que um carro pequeno chegaria no dia 20 de agosto (...). Levantamentos de campo permitiram a identificação e abordagem dos envolvidos com o transporte dessa carga, conforme lavrado no IPL 593/2010. Após a ação policial, ZACARIAS e BATISTA conversam sobre a prisão dos bolivianos, para os quais BATISTA providenciou assistência jurídica, transporte e hospedagem na cidade de São Paulo (...). Alguns dias depois BATISTA retoma o contato com ZACARIAS, pedindo o envio do documento dos bolivianos para retornarem a seu país e tratando de novas remessas de cocaína (...). Neste passo, comprovada a autoria em relação a tráfico transnacional de entorpecentes pela aquisição, internalização e transporte de 11 kg (onze quilos) de cocaína. (...) Demonstrado ainda que os denunciado incorreu em crime de associação eventual para fins de tráfico, eis que associou-se a ZACARIAS de forma estável para a prática da conduta acima descrita, conforme as provas coletadas durante a interceptação telefônica deferida pelo Juízo".

Diante disso, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia em desfavor de JOÃO ALVES OLIVEIRA, JUDE CHUKWUDI MWEKE e DANIEL VICTOR IWUAGWU como incursos no artigo 33, caput, c.c. o artigo 40, I, em concurso material com o artigo 35, todos da Lei n.º 11.343/06.

A denúncia foi recebida em 06 de junho de 2012 (fls. 565/578).

Foi determinado o desmembramento dos autos do processo n.º 0013361-63.2011.4.03.6181, em relação aos acusados JUDE CHUKWUDI MWEKE e DANIEL VICTOR IWUAGWU (fl. 634), passando a tramitar o feito, no tocante a esses acusados, sob o n.º 0007560-35.2012.4.03.6181.

O réu JUDE CHUKWUDI MWEKE não foi localizado, não tendo constituído advogado nos presentes autos, razão pela qual o processo foi suspenso em relação a este acusado, bem como o lapso prescricional em relação ao mesmo, com o regular prosseguimento do feito em relação ao acusado DANIEL VICTOR IWUAGWU (fl. 664).

Foi determinado novo desmembramento em relação ao réu JUDE CHUKWUDI MWEKE (fls. 754/756).

Após regular instrução, foi proferida sentença (fls. 996/1010v) que julgou parcialmente procedente a ação, para condenar o réu DANIEL VICTOR IWUAGWU, vulgo KALAZAN, pelo crime descrito no artigo 33, caput, c.c. artigo 40, I, da Lei n.º 11.343/2006, ocorrido em 10 de julho de 2010, assim como pelo crime descrito no artigo 35 desta mesma lei, em concurso material, à pena de 14 (catorze) anos de reclusão, no regime inicial fechado, e 2090 (dois mil e noventa) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, devidamente corrigido. No mais, considerando que ainda se encontram presentes as condições que ensejaram a decretação da prisão preventiva original do acusado, determinou-se a expedição de guia de recolhimento em nome do acusado.

A r. sentença foi publicada em 18 de dezembro de 2015 (fl. 1011).

O MPF interpôs embargos de declaração, os quais foram providos (sentença de fls. 1016/1020), para retificar a dosimetria da pena, tendo em vista a reincidência específica do réu devidamente comprovada nos autos, razão pela qual substituiu a dosimetria da pena, para condenar o acusado à pena de 16 (dezesseis) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, no regime inicial fechado, e 2449 (dois mil quatrocentos e quarenta e nove) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, devidamente corrigido.

A r. decisão foi publicada em 14 de janeiro de 2016 (fl. 1021).

A defesa do acusado Daniel Victor Iwuagwu interpôs recurso de apelação (fls. 1040/1054), alegando, preliminarmente, a nulidade das provas derivadas da escuta telefônica, com fulcro no artigo 136 da Constituição Federal c.c. a Lei n.º 9.296/96, e, no mérito, a fragilidade das provas, devendo ser absolvido dos delitos a ele imputados na forma do artigo 386, incisos V e VII, do Código de Processo Penal. Subsidiariamente, pleiteia a fixação das penas-base no mínimo legal, pois as circunstâncias judiciais lhe são favoráveis; a inexistência de causa de agravamento da pena, pela não configuração da reincidência; o afastamento da causa de aumento prevista no artigo 40, I, da Lei n.º 11.343/06, por não existir prova concreta na relação do apelante com as drogas apreendidas ou com a organização criminosa; e, a diminuição da pena, "levando em consideração a primariedade, conduta e personalidade do Apelante", com a sua substituição por pena restritiva de direito.

Contrarrazões do órgão ministerial (fls. 1058/1073v) pelo desprovimento da apelação.

Parecer da Procuradoria Regional da República (fls. 1209/1221v) opinando pelo desprovimento da apelação do réu.

É o relatório.

À revisão.


VALDECI DOS SANTOS
Desembargador Federal Relator


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Data e Hora: 06/10/2017 14:14:40



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0007560-35.2012.4.03.6181/SP
2012.61.81.007560-2/SP
RELATOR : Desembargador Federal VALDECI DOS SANTOS
APELANTE : DANIEL VICTOR IWUAGWU
ADVOGADO : SP168042 JOACYR CARDOSO PINHEIRO e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
EXCLUIDO(A) : JUDE CHUKWUDI MWEKW
CO-REU : JOAO ALVES DE OLIVEIRA (desmembramento)
No. ORIG. : 00075603520124036181 4P Vr SAO PAULO/SP

VOTO

O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS:

1. Da preliminar de nulidade das interceptações telefônicas.

O ora apelante argumenta que as interceptações telefônicas realizadas pela Polícia Federal perduraram por mais de um ano, não encontrando amparo legal na Constituição Federal, que "só permite restrições ao sigilo das comunicações telefônicas, durante o estado de defesa, pelo prazo máximo de 60 dias (art. 136, § 1º, alínea c e § 2º, da CF)" e, portanto, "se durante o estado de defesa a restrição não pode perdurar mais de 60 dias, não é razoável que em períodos de normalidade uma interceptação telefônica perdure por mais tempo, o que ocorreu no caso em espécie". Neste sentido, alega que "o entendimento na Egrégia corte do STJ, quanto a Lei 9.296/96 ressaltam que poderá o Magistrado autorizar apenas uma renovação do prazo de 15 dias por igual período, sendo de 30 dias o prazo máximo para a escuta, sob pena de ser nula a prova colhida acima de período".

Contudo, não assiste razão ao recorrente.

De fato, a Lei nº 9.296/96, que regulamenta a interceptação de comunicações telefônicas, dispõe em seu artigo 5º que:

Art. 5° A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova.

Ocorre que, embora a redação do referido artigo tenha previsto somente o prazo de 15 (quinze) dias, renovável por mais 15 (quinze) dias, já se firmou entendimento na jurisprudência no sentido de que o prazo em questão poderá ser prorrogado quantas vezes for necessário, mediante decisão fundamentada.
Nesse sentido, colaciono os recentes julgados do C. Superior Tribunal de Justiça:

"PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. NULIDADE DAS PRORROGAÇÕES. NÃO OCORRÊNCIA. POSSIBILIDADE DE VÁRIAS RENOVAÇÕES.
1. O Tribunal de origem consignou que a interceptação telefônica e suas prorrogações foram devidamente autorizadas pelo Poder Judiciário, dentro da legalidade bem como em observância à jurisprudência dos Tribunais Superiores, no sentido de que é possível a renovação da medida quantas vezes forem necessárias, desde que demonstrada sua indispensabilidade e apreciada a cada período de 15 (quinze) dias.
2. O entendimento trazido no acórdão impugnado encontra-se em harmonia com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que, "em que pese o artigo 5º da Lei 9.296/1996 prever o prazo máximo de 15 (quinze) dias para a interceptação telefônica, renovável por mais 15 (quinze), não há qualquer restrição ao número de prorrogações necessárias" (AgRg no REsp 1345926/ES, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 19/11/2015, DJe 25/11/2015).
3. Agravo regimental não provido.
(STJ - QUINTA TURMA - AGARESP 201402858456, Rel. Min. REYNALDO SOARES DA FONSECA, DJE 29/06/2016)
"PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. NEGATIVA DE VIGÊNCIA AOS ARTS. 1º DA LEI Nº 9.296/96, 8.1, 11, 11.1, 11.2, 20 E 30, TODOS DA CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 69, I E IV, 70, 75, CAPUT, E P. Ú., E 83, TODOS DO CPP, E 27, 2, DA CONVENÇÃO DE PALERMO. (I) - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 211/STJ, 282/STF E 356/STF. (II) - AUSÊNCIA DE RAZÕES JURÍDICAS DA VULNERAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. (III) - OFENSA REFLEXA. INADMISSIBILIDADE. ATOS NORMATIVOS SECUNDÁRIOS. VIA ELEITA INADEQUADA. CONTRARIEDADE AO ART. 5º DA LEI Nº 9.296/96. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. PRORROGAÇÕES SUCESSIVAS. POSSIBILIDADE. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. MALFERIMENTO AOS ARTS. 14 DO TRATADO DE AUXÍLIO MÚTUO EM MATÉRIA PENAL, FIRMADO ENTRE BRASIL E PORTUGAL, 157 DO CPP, E 14 DO DECRETO Nº 1.320/94. ACÓRDÃO ASSENTADO EM MAIS DE UM FUNDAMENTO SUFICIENTE. RECURSO QUE NÃO ABRANGE TODOS ELES. SÚMULA 283/STF. OFENSA AOS ARTS. 402 DO CPP E 9º DA LEI Nº 9.296/96. PEDIDO DE DILIGÊNCIAS COMPLEMENTARES. INDEFERIMENTO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO PELO MAGISTRADO. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. VIOLAÇÃO AO ART. 155 DO CPP. ABSOLVIÇÃO. AFRONTA AO ART. 59 DO CP. DOSIMETRIA. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE. REEXAME FÁTICO E PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA. 07/STJ. VILIPÊNDIO AO ART. 41 DO CPP. INÉPCIA DA DENÚNCIA. VIOLAÇÃO AO ART. 5º DA LEI Nº 9.296/96. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO QUE AUTORIZOU A INTERCEPTAÇÃO. MATÉRIAS VERSADAS NO 2º RESP. PRECLUSÃO. NEGATIVA DE VIGÊNCIA AO ART. 2º, II, DA LEI Nº 9.296/96. ÔNUS DA DEFESA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. CONTRARIEDADE AO ART. 2º, I, DA LEI Nº 9.296/96. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. INDÍCIOS DE AUTORIA. REEXAME FÁTICO E PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. MALFERIMENTO AO ART. 619 DO CPP. INOCORRÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. INEXISTÊNCIA. MATÉRIAS DEVIDAMENTE ANALISADAS. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. (I) - ART. 255/RISTJ. INOBSERVÂNCIA. (II) - ACÓRDÃOS PARADIGMAS PROFERIDOS EM HABEAS CORPUS. IMPROPRIEDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Para que se configure o prequestionamento, há que se extrair do acórdão recorrido pronunciamento sobre as teses jurídicas em torno dos dispositivos legais tidos como violados, a fim de que se possa, na instância especial, abrir discussão sobre determinada questão de direito, definindo-se, por conseguinte, a correta interpretação da legislação federal. (AgRg no AREsp 454.427/SP, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe 19/02/2015) 2. Aplicável o enunciado 284 da Súmula do Supremo Tribunal Federal quando o recorrente, apesar de apontar o dispositivo legal, não indica precisamente as razões jurídicas pelas quais considerou violada a norma. 3. É inviável o conhecimento do recurso especial quando a verificação da ofensa à lei federal demandar prévio exame de normas locais, tendo em vista que a ofensa à legislação federal deve ocorrer de forma direta, e não reflexa. Precedentes. 4. A jurisprudência desta Corte entende que os atos normativos secundários e outras disposições administrativas não estão inseridos no conceito de lei federal, que enseja o aviamento de recurso especial pela alínea "a" do artigo 105 da Constituição. 5. "Segundo a atual jurisprudência, é possível a renovação da interceptação telefônica por mais de um período de 15 dias (art. 5º da Lei n. 9.296/1996), especialmente quando o fato é complexo, a exigir investigação diferenciada e contínua". (HC 200.059/RJ, Rel. Min. OG FERNANDES, Rel. p/ Acórdão Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, DJe 02/10/2012) 6. Verificando-se que o v. acórdão recorrido assentou seu entendimento em mais de um fundamento suficiente para manter o julgado, enquanto o recurso especial não abrangeu todos eles, aplica-se, na espécie, a Súmula 283/STF.
(...)
15. Agravo regimental a que se nega provimento. (g.n.)
(STJ - SEXTA TURMA - AGARESP 201401231805, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJE 02/02/2016)

No caso dos autos, a investigação efetuada pela Polícia Federal, no bojo da "Operação Semilla", tinha como escopo desmantelar organização criminosa, composta por diversos indivíduos, voltada ao tráfico internacional de drogas, de modo que, para a total elucidação dos fatos, fez-se necessária a dilação de prazo do monitoramento telefônico por inúmeras vezes.
Além disso, não houve qualquer vício nas autorizações judiciais, pois, como bem consignado no parecer da Procuradoria Regional da República, "todas as representações formuladas pela Autoridade Policial para prorrogação das interceptações foram instruídas com minuciosos relatórios que davam conta das diligências empreendidas durante o período imediatamente anterior, tais como a vigilância e pesquisas em bancos de dados. Apurados indícios que apontavam para a continuidade das investigações e a autorização da medida necessária para tal mister" (fl. 1211).
No mais, como bem salientado no parecer da Procuradoria Geral da República, "a interceptação resultante de deflagração do estado de defesa em nada tem a ver com a resultante daquela deferida nos autos, pois a primeira é autorizada constitucionalmente, por meio de decreto do Presidente da República, e visa preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidade pública. Já a segunda é autorizada com base no inciso XII, do art. 5º da CF, deferida por ordem judicial, e tem por fim subsidiar as investigações criminais ou instrução criminal, na forma do normativo constante no art. 5º da Lei n.º 9.296/96" (fl. 1210v).
Desta feita, não prospera a tese urdida pela Defesa, posto que ausente qualquer ilegalidade nas interceptações telefônicas, tampouco em suas prorrogações, efetuadas na fase investigatória.
Preliminar rejeitada.

2. Da materialidade delitiva.

A Lei n.º 11.343/06 prevê em seus artigos 33 e 35 os seguintes delitos:

"Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa."

O artigo 40, inciso I, da Lei n.º 13.343/06 dispõe, ainda:

"Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:
I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito;"

A materialidade delitiva restou devidamente comprovada pelo Laudo Preliminar de Constatação de fls. 449/450, pelo Auto de Apresentação e Apreensão de fls. 451/453, pelo Laudo de Exame de Substância das fls. 105/109 dos autos em apenso, bem como pelas interceptações telefônicas, que demonstram a apreensão de 104 kg (cento e quatro quilos) de cocaína em poder de Vitorino Monteiro (vulgo Nilo ou Gerentinho), José Marcos dos Santos, José Grigório dos Santos Filho e Claudemir Miranda Duarte, no dia 10 de julho de 2010, no âmbito de associação criminosa voltada à prática do crime de tráfico de drogas.
Outrossim, a transnacionalidade do delito é evidenciada pela origem e pelo destino da droga apreendida. De fato, o Relatório de Inteligência Policial n.º 001/2010, corroborada pela prova testemunhal, demonstra a internalização da droga, procedente da Bolívia, pelas negociações travadas entre Batista e Zacarias, fornecedor boliviano; e, a destinação de parte da carga para a África do Sul, por sua vez, foi comprovada pelas negociações entre Batista e Jude (fls. 907/914).
Ademais, a defesa não se insurgiu neste ponto, restando incontroverso nos autos.

3. Da autoria delitiva.

A autoria delitiva é inconteste.
O conjunto probatório aponta que a droga apreendida tinha por destinatário final Jude Chukwudi Mweke, que se encontrava na África do Sul, sendo o ora apelante Daniel Victor Iwuagwu, vulgo Kalazan, intermediário na negociação e responsável pelo envio da droga para a África.
Com efeito, consta dos autos que as negociações que culminaram na apreensão de 104 kg (cento e quatro quilos) de cocaína no Posto de Gasolina Promissão, localizado na Avenida Presidente Kennedy, 531, Osasco/SP, em 10/07/2010, iniciou-se em 05/07/2010, consoante o Relatório de Inteligência Policial n.º 001/2010 (fls. 824/959v), especialmente as transcrições dos diálogos mantidos entre João Alves de Oliveira (Batista), Vitorino Monteiro (Nilo) e Jude Chukwudi Mweke (fls. 917v/935).
Neste contexto, destacam-se as seguintes conversas, mantidas entre Batista e Jude e entre Batista e Nilo, no dia da apreensão:

(Índice 18481282, data 10/07/2010, 15:15:50 - fls. 933v/934):

"JUDE: ele (CHEFE) já aceitou agora, ele já aceitou por 3%... então, ele quer os 300 (300kg), mas ele vai começar a depositar o dinheiro na segunda feira... BATISTA: espera amigo... calma. Oh. Se for 6% é 3% para cada, se for 7% é 3,5% para cada, entende? JUDE: tá bom! Manda ele fazer 3%... BATISTA: não é eu meu amigo, eu nem tô... eu tô aqui eu nem sei de nada lá é os impostos e mais a corrida do cara. Se for 7 é 3,5; se for 6 é 3. Meu negócio não é ganhar dinheiro em cima disso, meu negócio é ganhar dinheiro em cima de outro negócio, você sabe. JUDE: (...) vai pensar que está mentindo. (...) BATISTA: não, se for 7 é 3,5; fica na linha um minutinho, por favor. - Conversa de fundo (...) - BATISTA: amigo, é 6%; 3% para cada. JUDE: tá bom (...) depositar dinheiro na segunda feira. BATISTA: tá bom então. Vai buscar mais 100 (100kg) hoje. JUDE: ele falou que vai fazer assim, que ele vai depositar $ 100.000,00 primeiro para você confirmar, é pode ser? Daí ele vai depositar dinheiro grande. BATISTA: tá bom então. (...) BATISTA: deposita 100 e 100, amigo... tá bom. JUDE: tá beleza. (...) quero você entregar mercadoria para... BATISTA: vou entregar mais 100 (100kg) hoje. JUDE: tá bom... eu ligar para ele agora."

(Índice 18482834, data 10/07/2010, 17:41:12 - fl. 934v):

"NILO: Alô. BATISTA: Aí gerentinho (...) você vai vir hoje? NILO: (...) amanhã de manhã. BATISTA: Amanhã de manhã? NILO: Isso amanhã de manhã. BATISTA: Você vem hoje a noite. NILO: Hã? BATISTA: Hoje, hoje a noite ou amanhã a noite. NILO: Vou pegar hoje a noite, porque amanhã a noite não vai dar tempo. BATISTA: Hoje a noite? NILO: Isso. BATISTA: Que horas, 8 horas? NILO: Ok. BATISTA: Que hora que é agora? Vê as horas agora, pera aí gerentinho. NILO: 19:30h, não dá? 19:30h? BATISTA: 19:30h? NILO: Hãm hã. BATISTA: 19:30h tá marcado. NILO: Ok, ok, ok. BATISTA: Graças."

(Índice 18483783, data 10/07/2010, 18:49:11 - fl. 935):

"BATISTA: eh aí Gerentinho! NILO: tá no caminho (...). BATISTA: tá no caminho? NILO: no IPIRANGA, né? BATISTA: que horas você chega? NILO: ah? Combina 07:30hs. BATISTA: 07:30hs. Tá bom então! Firmeza. NIILO: Ipiranga? (posto Ipiranga) BATISTA: Ipiranga isso mesmo. NILO: ok. BATISTA: eh, meu amigo, tá bom então. Ipiranga 07:30hs. NILO: ok, ok, ok."

(Índice 18484297, data 10/07/2010, 19:21:58 - fl. 935):

"NILO: alô... alô. BATISTA: eh aí amigo, chegou? NILO: cheguei, tá bom então, espera aí."

(Índice 18484345, data 10/07/2010, 19:24:29 - fls. 935/935v):

"BATISTA: alô. NILO: alô. BATISTA: oi? NILO: (...) onde eu peguei carro ontem. BATISTA: espera aí. Fica na linha. Alô. NILO: alô. BATISTA: oi? NILO: (...) onde entreguei carro ontem. BATISTA: você está onde? NILO: ai no Ipiranga (posto Ipiranga), onde entreguei carro ontem. BATISTA: tá no Ipiranga? Toma um café aí, então? NILO: ok, ok. BATISTA: fica tomando um café, tá bom? NILO: ok, ok."

Após a prisão em flagrante, as interceptações telefônicas evidenciam a participação do réu Daniel Victor Iwuagwu nos fatos delitivos referentes à negociação do dia 10/07/2010, consoante se verifica dos diálogos que ora transcrevo:

(Índice 18549373, data 16/07/2010, 11:26:44 - fl. 950v):

"SELMA: Alô. KALAZAN: Oi, bebe. (...) KALAZAN: Estou na África do Sul, não estou na Nigéria, (...). SELMA: Hum, hum. KALAZAN: Meu chefe, me mandou viajar, e viajar para fora, mas onde você está, ter acontecido problema com meus rapazes e ficou difícil para mim honra minha palavra, mas, pode ser que a gente (...) a data, mas eu vou resolver isso, entendeu? SELMA: Hum, hum. (...) KALAZAN: Porque, porque meu rapaz, meu rapaz teve problema, e não sei, nem como e quantos fala para, para mandar dinheiro para você, não tem como, certo, e quem podia fazer isso por mim, ficou complicado, entendeu? (...)".
(Índice 19020002, data 19/08/2010, 15:35:23 - fls. 816/817):

"HNI: Alô hombre. KALAZAN: Olhe, aqui tá muito ruim, e por isso eu queria ligar pra você, sabe o 'Batista' (narcotraficante radicado em São Paulo), se quiser me dá uma hora que eu vou ligar pra você, mas se você quiser 'plata' (dinheiro) no meu país (Nigéria) eu arrumo, aqui tá difícil, ninguém tá chegando com plata, se você quer no meu país, fala nome daquele embaixador, que eu manda entregar amanhã pra eles. HNI: Sim, está bem, mas uma coisa filho, que você esteja ciente que tem que pagar 4% mais. KALAZAN: Não, mas isso que tá o problema, ninguém tá entrando mais de 10 mil, entendeu o (...) % lá, lá pra trazer a gente paga, pra trazer lá, a gente paga, mas não vai pagar mais nada, entendeu? HNI: Não entendi. KALAZAN: (...) digamos que você quer 50 mil, por exemplo, são 4% de 50 mil, quanto que é, a gente paga 4% não é problema. HNI: São 2 mil. KALAZAN: Não, a gente paga, mas tem de ser lá, porque aqui ninguém tá chegando e o pior é que o Batista fez estrago, todas as pessoas que prestavam serviços pra mim (APREENSÃO DE 104 KG DE COCAÍNA COM GUARDADORES DA DROGA ADQUIRIDAS POR KALAZAN). HNI: Vamos com cuidado, se você não tem nada lá, não tem nada. KALAZAN: Aqui não, o que tenho é pouco, então eu pago 4% amanhã, olha, me mando um nome da pessoa que é para entregar amanhã, entregamos pra ele amanhã (...) não é aqui, é lá em Lagos (Nigéria), aqui tá difícil. HNI: Ah entendi, quanto vai entregar (...).KALAZAN: você não falou 50. HNI: Bom, então entrega os 50 a (...).KALAZAN: Mas eu não tenho informação sobre ele de novo. HNI: Eu te mando por email agora, tá bem. KALAZAN: Dentro de uma hora vou te chamar aí converso melhor contigo, dentro de uma hora. HNI: Você me chama que eu te dou o número do telefone orelha que estou, está bem? KALAZAN: ok". (g. n.)
(Índice 19030290, data 20/08/2010, 14:15:31 - fls. 817/818):

"RUBINHO: Você conseguiu resolver o negócio daquele cheque lá? KALAZAN: Não é tudo, na verdade, não mexi, não fiz nem depósito, porque aqui tá ruim, o Batista (fornecedor dos 104 kg apreendidos pela PF), que você conhece? RUBINHO: Quem? KALAZAN: O Batista, lembra? RUBINHO: Sim. KALAZAN: Ele fez uma cagada, entendeu? RUBINHO: Ah, é? KALAZAN: É, entendeu, e diante disso, eu estou devagar, parado, entendeu? RUBINHO: Ah, mais aquele material lá era pra ele? KALAZAN: Não, entendeu, diante do que aconteceu (APREENSÃO DOS 104 KG DE COCAÍNA), não posso fazer nada agora, certo. RUBINHO: Mas você não quer dar uma ligada pro nosso amigo lá então explicar pra ele? KALAZAN: Mas já falei com ele, inclusive, a quantia que ele tava pedindo já foi dado pra ele. RUBINHO: Ah, tá, mas deixa eu falar pra você, o Batista tá com o pessoal ainda, como o Quebrado? (EURICO AUGUSTO PEREIRA). KALAZAN: Não, é ele, meus funcionários (PESSOAS LIGADAS A KALAZAN QUE FORAM PRESAS COM 104 KG DE COCAÍNA EM JULHO/2010), entendeu, ele (BATISTA) complicou tudo. RUBINHO: Ah, tá, mas deixa eu te falar então, resumindo a ideia assim, não vou pegar o cheque essa semana então? KALAZAN: Não, já adiantei pagamento dos 50 (50 KG DE COCAÍNA?) que ele estava me pedindo. RUBINHO: Hum. KALAZAN: Entendeu? RUBINHO: Eu não tô sabendo, ele falou que era pra mim ir buscar. KALAZAN: Não, porque aqui tá difícil agora, mas já adiantei pra ele ali. RUBINHO: Então tá bom, eu vou dar uma ligada pra ele lá e explicar então. KALAZAN: Liga, por favor. RUBINHO: Tá ok, anota o meu número aí. KALAZAN: Sabia que eu estou dirigindo agora, entendeu. RUBINHO: Você quer ficar com o meu número? KALAZAN: Eu tenho, ou seja você já pra mim por mensagem, que eu estou dirigindo agora. RUBINHO: Ah, bom depois eu te ligo e te passo então". (g. n.)

Os depoimentos das testemunhas, por sua vez, corroboram as provas produzidas na fase inquisitorial.
A testemunha de acusação Ivo Roberto Costa da Silva, delegado da Polícia Federal que presidiu as investigações, relatou em seu depoimento (mídia de fl. 783, devidamente transcrita na sentença) que "Se recorda dos fatos. A operação Semilla se iniciou em 13/07/2010 e decorreu da operação Niva, que tinha um núcleo de um sérvio Slobodan. Na célula do Espírito Santo, Slobodan manteve contato com uma pessoa em São Paulo, chamado Pernambuco. A partir disso se começou a monitorar e se chegou no Eurico, se identificou que não havia relação direta entre os investigados, mas sim uma outra organização. Assim, postulamos compartilhamento de provas da operação Niva e se representou pelo início de uma nova operação, que foi a Semilla. Daniel chegou a ser investigado na Niva, mas depois no desmembramento passou a ser investigado na Semilla. Era um elo de ligação entre os grupos de Batista e do Eurico com os traficantes africanos, aparecia como um dos principais compradores e exportadores, ele comprava e as vezes intermediava. Salvo engano, no flagrante de 10/7/2010 ele é intermediário, já que a negociação é feita diretamente entre o Jude e o Batista, então Kalazan era o intermediador e exportador. Ele foi monitorado praticamente por toda a investigação, exceto quando estava fora do Brasil e tinha muito contato com o Eurico e o Batista. Depois desse referido flagrante o contato dele passa a ser mais com o Eurico. Esse carregamento de 20 de julho foi exclusivo do Batista, porque as atividades dele e de Eurico eram autônomas. Daí porque o Kalazan reclama do Batista, dizendo que ele fez cagada, chamando as pessoas presas de 'seus funcionários', o que está muito claro nos diálogos (...) Kalazan tinha um grupo que trabalhava para ele como, por exemplo, o Vitorino Monteiro que acabou sendo preso no flagrante de 10 de julho, que tinha uma espécie de função de gerente (...). Não pode precisar em quantos carregamentos Daniel atuou, mas foram vários. Ele tinha lavanderia, permanecia um tempo lá e se identificava como dono. Desconfiaram que poderia ser um depósito, mas não foi confirmado. Não se recorda se dava aula, pelo que se recorda fazia faculdade, desconfia que fosse de Direito. Não sabe se tinha filhos. Sua dedicação ao tráfico era frequente e os contatos eram muito claros. Quando falavam em dinheiro era muito claro que era referente aos carregamentos. A Polícia teve notícias de que ele saiu do Brasil alguns dias antes da deflagração. Na época da deflagração, quando se chegou no imóvel de Daniel este estava desocupado, mas não acredita que vazou a Operação de alguma coisa, acha que foi coincidente, porque ele viajava para o continente africano com alguma frequência (...). Foram feitas diligências de campo para acompanha-lo e identifica-lo fisicamente. Nesta apreensão de julho o Jude passou a negociar grande quantidade em 3 carregamentos de 100 quilos, a primeira entrega não deu para flagrar, na segunda entrega a PF conseguiu identificar Vitorino perto de um posto de gasolina e quando os motoristas do Batista chegam foram todos presos. Em Rondonópolis a cocaína tinha sido adquirida por Eurico e aguardava a chegada, parte dela seria destinada a Kalazan. Acredita que foi um mês antes a apreensão de 10 de julho de 2011. Indagado sobre a conversa interceptada em 08/11/2011, quando Kalazan estava na Nigéria, disse que esta é uma das conversas, não sabe se neste caso específico eles tinham um esquema de mandar o dinheiro direto da África para a Bolívia. Logo depois das negociações havia conversas sobre a forma de introduzir o dinheiro no Brasil e há diversos e-mails sobre o assunto também (...). Kalazan levava uma vida de padrão médio, não ostentava grandes riquezas (...)" (g. n.).
A testemunha de acusação Paulo Sérgio Cândido Martins (mídia de fl. 756 devidamente transcrita na sentença), agente da Polícia Federal que participou da "Operação Semilla" declarou que "Se recorda da operação Semilla. O trabalho começou com o Eurico/Quebrado, daí surgiu o Batista. Ele trabalhava junto com o Eurico, mas depois tiveram desavenças e cada um seguiu com o seu grupo. Daniel permanecia mais ou menos nos dois grupos, mas possuía uma estrutura própria, Vitorino, por exemplo, era ligado ao Daniel. Batista fornecia cocaína para Daniel/Kalazan (que ficava na região de Guarulhos) e este enviava a droga para a Nigéria. Ele tinha estrutura para mandar a droga para fora do Brasil (...). Depois Daniel passou a negociar diretamente com o Eurico, que ficava na região de Carapicuíba em SP. Quando conseguiram prender os 104 kg com Vitorino, a negociação tinha sido de 200 kg de cocaína. A primeira parte a PF não conseguiu pegar, salvo engano a Polícia Civil conseguiu. Jude é da África do Sul. Ele comprava direto do Batista e não vinha ao Brasil. A negociação era toda por telefone e ele tinha representante em São Paulo (...) Batista precisava de uma saída para a África e isso quem tinha era Kalazan, que na época envolveu o Nilo. Jude era um dos grandes compradores. Daniel tinha como tirar a droga daqui para a África e tratava tudo com os africanos em dialeto, o que foi uma das barreiras da investigação. Em relação à apreensão de 20/08/10, o pessoal estava chegando em Atibaia, a Polícia fez a abordagem. No desdobramento, Batista levou a droga para uma cunhada e assim conseguimos entender a conexão de como a droga tinha chegado e de que o Batista era o responsável. Não houve flagrantes envolvendo o Jude. Num dos áudios parte do carregamento perdido que eles reclamavam de 670 kg era do Daniel. Sempre quando Eurico ia trazer um carregamento os destinatários faziam depósito prévio. Com Eurico, Daniel falava em português (...) Indagado pela defesa, disse a Polícia Federal identificou Kalazan como Daniel porque havia vários telefones dele monitorados (uns que ele falava com fornecedores e outros com relacionamentos amorosos), a partir daí fizeram a ligação entre ele e o apelido. Ele tinha uma lavanderia e uma situação financeira boa, residência boa em Guarulhos de média para alta, carros, poder alto financeiro, vivia bem, fazia Direito em alguma instituição, estava tentando estágio no Ministério Público. O número ligado era sempre o mesmo, o timbre de voz, os diálogos, com Eurico eram quase diários. Além disso, Daniel tinha umas duas companheiras com quem falava quase diariamente em vários meses de acompanhamento (...)" (g. n.).
Por outro lado, as testemunhas da defesa ouvidas em Juízo (mídia de fl. 777) não trouxeram elementos que contestassem os fatos delitivos imputados ao réu, restringindo-se a atestar a boa conduta do mesmo.
Por fim, cumpre esclarecer que não prospera a alegação da defesa quanto à necessidade de realização de perícia para verificação da voz dos acusados.
Com efeito, a realização de exame pericial para comparar a voz do réu com a voz interceptada não é imprescindível à elucidação dos fatos. Isso porque, de acordo com o disposto no artigo 184 do Código de Processo Penal, com exceção do caso de exame de corpo de delito, pode o juiz negar a perícia requerida pelas partes, quando esta se mostrar desnecessária ao esclarecimento da verdade.
De fato, o princípio da livre convicção do juiz (artigo 155 do Código Penal) permite ao magistrado formar sua convicção pela livre apreciação das provas produzidas, não podendo, todavia, fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos colhidos na fase investigativa.
No caso dos autos, observo que, além dos elementos colhidos durante o inquérito policial, houve a produção de prova testemunhal e documental, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, cujo teor corroborou o conteúdo dos diálogos oriundo das interceptações telefônicas.
Nessa senda, a existência de robusto conjunto probatório a embasar a condenação torna desnecessária a realização de perícia para confrontar a voz do réu com aquelas colhidas no monitoramento telefônico.

Desta feita, restando devidamente comprovadas a materialidade e a autoria delitivas, mantenho a condenação pela prática dos delitos previstos nos artigos 33 e 35, c.c. artigo 40, I, todos da Lei n.º 11.343/06.

4. Da dosimetria da pena.

No tocante à dosimetria da pena, assim fixou o Juízo a quo:

(I) Crime de tráfico internacional de drogas (artigo 33 da Lei n.º 11.343/06).

Na 1ª fase da dosimetria, foram reconhecidas as seguintes circunstâncias judiciais desfavoráveis: (a) culpabilidade acentuada, "pois o réu possuía papel de relevância na atividade criminosa revelada através da Operação Semilla, sendo responsável por toda a conexão entre a droga exportada no Brasil pelos acusados EURICO (QUEBRADO) e JOÃO (BATISTA) ao continente africano, bem como promovia e organizava a atividade de outros agentes, possuindo subordinados" (fl. 1016v); (b) circunstâncias e consequências do crime, referentes a natureza e quantidade da droga, tendo em vista a apreensão de 104 kg (cento e quatro quilos) de cocaína em 10/07/2010, estando a mencionada droga dentre as mais nocivas.
Destarte, fixou-se a pena-base acima do mínimo legal, em 07 (sete) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 750 (setecentos e cinquenta) dias-multa.
Na 2ª fase da dosimetria, aplicou-se a agravante da reincidência, prevista no art. 61, I, c.c. arts. 63 e 64, I, todos do Código Penal, uma vez que o fato ora apurado ocorreu em 10/07/2010 e a sentença anterior condenatória em desfavor do réu transitou em julgado em 16/10/2006 (fls. 10/11 do apenso). Outrossim, não foi considerada circunstância atenuante.
Assim, a pena foi aumentada de 1/6 (um sexto), totalizando 08 (oito) anos e 09 (nove) meses de reclusão e 875 (oitocentos e setenta e cinco) dias-multa.
Na 3ª fase da dosimetria, aplicou-se a causa de aumento prevista no artigo 40, I, da Lei n.º 11.343/06, considerando que as provas dos autos indicam que a droga foi transportada da Bolívia para o Brasil, com futuro envio à África, inexistindo, no mais, causa de diminuição da pena.
Desta feita, com o acréscimo de 1/6 (um sexto), restou definitiva a pena de 10 (dez) anos, 02 (dois) meses e 15 (quinze) dias de reclusão e 1020 (mil e vinte) dias-multa.

(II) Crime de associação para o tráfico (artigo 35 da Lei n.º 11.343/06).

Na 1ª fase da dosimetria, foram reconhecidas as circunstâncias judiciais desfavoráveis já descritas no item anterior.
Assim, considerando o patamar de aumento de ½ (um meio), a pena-base foi fixada em 04 (quatro) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 1050 (mil e cinquenta) dias-multa.
Na 2ª fase da dosimetria, aplicou-se a agravante da reincidência, prevista no art. 61, I, c.c. arts. 63 e 64, I, todos do Código Penal, uma vez que o fato ora apurado ocorreu em 10/07/2010 e a sentença anterior condenatória em desfavor do réu transitou em julgado em 16/10/2006 (fls. 10/11 do apenso). Outrossim, não foi considerada circunstância atenuante.
Destarte, a pena foi aumentada de 1/6 (um sexto), totalizando 05 (cinco) anos e 03 (três) meses de reclusão e 1225 (mil duzentos e vinte e cinco) dias-multa.
Na 3ª fase da dosimetria, aplicou-se a causa de aumento prevista no artigo 40, I, da Lei n.º 11.343/06, considerando que as provas dos autos indicam que a droga foi transportada da Bolívia para o Brasil, com futuro envio à África, inexistindo, no mais, causa de diminuição da pena.
Desta feita, com o acréscimo de 1/6 (um sexto), restou definitiva a pena de 06 (seis) anos, 01 (um) mês e 15 (quinze) dias de reclusão e 1429 (mil quatrocentos e vinte e nove) dias-multa.

(III) De ambos os delitos.

Por fim, considerando que os crimes foram cometidos por meio de condutas distintas, foi aplicada a regra do concurso material, nos termos do art. 69 do Código Penal, resultando na pena definitiva de 16 (dezesseis) anos e 04 (quatro) meses de reclusão e 2449 (dois mil, quatrocentos e quarenta e nove) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, devidamente corrigido, em atenção à condição financeira do réu.
O regime inicial de cumprimento da pena foi fixado no fechado, ante a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, nos termos do art. 33, § 3º, do Código Penal.

Em sede de apelação, o réu pleiteou: a) a fixação das penas-base no mínimo legal, pois as circunstâncias judiciais lhe são favoráveis; b) a inexistência de causa de agravamento da pena, pela não configuração da reincidência; c) o afastamento da causa de aumento prevista no artigo 40, I, da Lei n.º 11.343/06, por não existir prova concreta na relação do apelante com as drogas apreendidas ou com a organização criminosa; e, d) a diminuição da pena, "levando em consideração a primariedade, conduta e personalidade do Apelante", com a sua substituição por pena restritiva de direito.

Não assiste razão ao acusado.

Não há de se falar em fixação das penas-base no mínimo legal, uma vez que pesam contra o réu circunstâncias judiciais desfavoráveis, quais sejam, a culpabilidade exacerbada, tendo em vista seu elevado grau hierárquico dentro da organização criminosa, sendo responsável pela exportação das drogas para o continente africano; e, as circunstâncias e consequências do crime, haja vista a elevada quantidade de cocaína apreendida, isto é, 104 kg da substância, bem como pela sua natureza que, nas palavras do MM. Juiz a quo, "está dentre as drogas mais nocivas. Não apenas a cocaína pura, mas principalmente pelo fato de ser a matéria prima para as drogas mais danosas à sociedade brasileira: crack, oxi e merla. São drogas baratas, absoluta e irremediavelmente viciantes, com elevado efeito nocivo ao organismo dos usuários e às suas relações sociais e familiares. Ainda, a prevenção e o tratamento da droga gera um custo altíssimo para o Governo que, com isso, obviamente deixa de investir em outras áreas da saúde. Ademais, caso a droga chegasse a ser distribuída no Brasil, as consequências do crime seriam desastrosas para a saúde pública, em especial à população mais jovem, que tende a ser o alvo principal de aliciadores e traficantes de drogas com promessas de novas sensações. Ressalte-se que, no caso, a quantidade de droga apreendida é imensa, capaz de afetar um grande número de pessoas" (fl. 1007).
No tocante à causa de agravamento da pena, restou devidamente comprovada a reincidência, tendo em vista que os fatos delitivos narrados na denúncia se deram em 10 de julho de 2010, em intervalo inferior a 05 (cinco) anos da condenação transitada em julgado em desfavor do réu, em 16 de outubro de 2006, na ação penal n.º 0054378-48.2003.8.26.0050 (fls. 10/11 dos autos em apenso).
Quanto à causa de aumento da pena, prevista no artigo 40, I, da Lei n.º 11.343/06, esta deve ser mantida, uma vez que há provas nos autos de que as drogas apreendidas foram trazidas da Bolívia para o Brasil, por meio da célula comandada por Batista, e seria enviada para a África do Sul, por intermédio do réu Daniel Victor Iwuagwu.
Por fim, é inviável a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, haja vista que o caso concreto não se enquadra nas hipóteses do artigo 44 do Código Penal, considerando que a pena é superior a 04 (quatro) anos de reclusão, o réu é reincidente e há circunstâncias desfavoráveis contra o acusado.
Com tais considerações, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, nego provimento à apelação do réu DANIEL VICTOR IWUAGWU, nos termos da fundamentação, mantendo, na íntegra, a douta decisão recorrida.
Expeça-se mandado de prisão, em desfavor de DANIEL VICTOR IWUAGWU, com validade até 17/12/2027, para imediato cumprimento das penas, nos termos do novel entendimento do STF (HC 126.292, ADCs 43 e 44 e ARE 964.246).

É o voto.

VALDECI DOS SANTOS
Desembargador Federal Relator


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