D.E. Publicado em 17/11/2017 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, afastar as preliminares e negar provimento à apelação e por maioria, de ofício, alterar a destinação da prestação pecuniária, nos termos do voto do relator, acompanhado pelo Des. Fed. Hélio Nogueira, vencido o Des. Fed. Fausto de Sanctis que não modificava de ofício a destinação da prestação pecuniária. Nos termos do voto médio do Des. Fed. Fausto de Sanctis, determinar a expedição de guia de execução após o esgotamento dos recursos ordinários, sendo que o relator entende deva ser determinada somente após o trânsito em julgado e o Des. Fed. Hélio Nogueira entende deva ser imediata a expedição.
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VOTO
Consignou o MPF: No dia 21 de fevereiro de 2005, no município Caçapava/SP, LUIS CARLOS SIQUEIRA SALOMÃO, representante da empresa Universo Extração de Areia Ltda, foi flagrado, em vistoria conjunta realizada entre a Polícia Ambiental, CETESB e DEPRN, exercendo atividade potencialmente degradadora do meio ambiente, consistente em extrair areia em desacordo com a licença ambiental obtida e em área não licenciada pelo Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM.
Consignou o Juiz: Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE a presente ação penal para o efeito de condenar LUIZ CARLOS DE SIQUEIRA SALOMAO, qualificado nos autos, como incurso nas sanções do artigo 2° da Lei n° 8.176/91.
Apela o réu.
DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. TIPICIDADE.
USURPAÇÃO DE BEM DA UNIÃO.
O tipo penal imputado à parte ré é o seguinte:
Art. 2° Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpacão, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo.
Pena: detenção, de um a cinco anos e multa.
Imputado à parte ré a prática de usurpação de bem da União, tipificada no artigo 2º da Lei 8.176/91.
PRELIMINARES
1- Alega a defesa:
DA INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA FEDERAL
Toda a prova já carreada aos autos demonstrou que, se houve a prática de qualquer ilícito, esta se cingiu à questão ambiental. Aponta a denúncia a extração de areia além dos limites de suas licenças. Porém, as licenças aqui referidas são as de ordem estadual, e não federal.
Conclusão:
Correto o consignado pelo Juiz a respeito:
"A extração de areia, bem mineral pertencente à União, sem autorização do Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM, enquadra-se nos tipos penais do art. 55 da Lei n° 9.605/98 e do art. 2° da Lei n° 8.176/91.
Sendo assim, a lesão a bens e interesses da União atrai a competência da Justiça Federal, consoante art. 109, I, da CF/88, consoante o qual cabe aos juízes federais processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho."
Descabe acolher essa preliminar, portanto.
2- Alega a defesa:
DA INCOMPETÊNCIA DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE TAUBATÉ
O Provimento 311, realmente, alterou para a competência para o julgamento dos fatos ocorridos em Caçapava. Desse modo, o juízo de São José dos Campos tornou-se o juiz natural dessas causas penais.
Conclusão:
Correto, também, o que consignou o Juiz a respeito:
"A denúncia foi recebida pelo Juízo Federal de Taubaté-SP (fl. 96) e, dessa forma, este Juízo é competente para a causa, na forma da Súmula n° 33 do TRF da 3° Região: Súmula n° 33 - Vigora no processo penal, por aplicação analógica do artigo 87 do Código de Processo Civil autorizada pelo artigo 3° do Código de Processo Penal, o princípio da "perpetuatio jurisdictionis"."
Descabe acolher essa preliminar, portanto.
3- Alega a defesa:
DO CERCEAMENTO DE DEFESA
Acerca do ofício de fls. 748/750, não houve o esclarecimento quanto ao ponto central da controvérsia. Deixou o DNPM de apontar, a partir das coordenadas geográficas lançadas na autuação da Polícia Ambiental, onde exatamente estaria o ponto de lavra. Medida correta seria a exibição da foto aérea, mas com a precisa indicação do local extraído. Assim não tendo agido, não houve o cumprimento do determinado pelo juízo singular.
Conclusão:
Conforme bem destacado pela Procuradoria da República em seu parecer:
"Assim, na condução do processo, o magistrado não é mero chancelador de requerimentos de provas. Ao contrário, é seu dever verificar a pertinência da prova, que deve recair sobre fatos relevantes ao desfecho dos pontos controvertidos, deferindo-a, ou não, conforme seu prudente juízo.
Olvida-se a defesa que o magistrado é o destinatário final da prova. E que, entendendo o juízo 'a quo' que a realização de informação complementar pelo DNPM em nada alteraria o seu entendimento, é evidente que a decisão está em estrita consonância com os princípios do livre convencimento e da busca da verdade, não havendo que se falar em cerceamento de defesa."
Na análise da materialidade verificar-se-á a se ela ficou devidamente comprovada com os elementos constantes dos autos.
Assim, descabe acolher essa preliminar.
4- Alega a defesa:
DA DERROGAÇAO DO TIPO PENAL IMPUTADO AO ACUSADO
A situação em tela já se encontra superada pela superveniência da Lei n° 9605/98, que em seu art. 55 revogou o delito de usurpação.
Conclusão:
O delito de usurpação de bens da União (Lei n. 8.176/91, art. 2º, caput) constitui crime contra o patrimônio. Sendo assim, não foi revogado pela Lei n. 9.605/98, art. 55, caput, que protege o meio ambiente ao sancionar a conduta de extração irregular de recursos minerais.
Neste sentido:
MATERIALIDADE
Consignou o Juiz a respeito da materialidade:
"A materialidade delitiva está evidenciada pela conjugação dos seguintes elementos: (1) Boletim de Ocorrência, Auto de Infração Ambiental e Termo Circunstanciado, constantes do 1° volume destes autos (fls.05/17), descrevendo a prática de extração de areia sem as licenças ambientais na data de 21.02.2005; (2) Oficio n° 4.620/08-2°. DS/DNPM/SP, de 07.08.08, referente ao processo minerário DNPM n° 821.100/95, de titularidade de Universo Extração e Comércio de Minérios Ltda, informando que foi outorgado à referia pessoa jurídica o Alvará de Pesquisa n° 2.464/97, publicado no D.O.U. de 27.10.97, válido por dois anos a partir data de publicação, que autorizou a pesquisa mineral de areia numa área de 28,48 ha no município de Caçapava, mas que, contudo, não há autorização para lavra na área (fl. 75); (3) Relatório de Análise e Vistoria do DNPM (ref. DNPM 821.100/95), revelando que "na data da lavratura do referido Auto de Infração Ambiental a empresa não detinha autorização para lavrar areia" (fls. 91/95); (4) cópia do Processo DNPM N° 821.100/1995 (fls. 206/718); (5) Oficio do DNPM n° 384/2013 - SC02 - Processo DNPM 821.100/ 1995, acompanhado de relatório de pesquisas de processos, neles constando a informação de inexistência de autorização, quanto ao Processo DNPM 821.100/ 1995, para a exploração de recursos minerais (fls. 748/750).
Tal documentação é suficiente para demonstrar a consumação do crime do art. 2° da Lei 8.176/91 (extração inautorizada de areia)."
Alega a defesa:
- eventual fato típico seria enquadrado no artigo 55 da Lei 9605/98 e não no artigo 2º da Lei 8.176/91;
- as atividades de lavra executadas foram regulares e nos limites do processo DPNM 820.001/92. Obteve, em 5 de abril de 2002, a Portaria de Lavra n° 146, que ainda se encontra em vigor. Por essa Portaria de Lavra teve outorgada, para lavrar areia, numa área de 49,73 ha, delimitada por um polígono que tem um vértice a 8.259m, no rumo verdadeiro de 02°37'NE, do ponto de Coordenadas Geográficas: Lat. 23°07'30,2"S e Long. 45°41'l1,7"W e os lados a partir desse vértice, com os seguintes comprimentos e rumos verdadeiros: 750m-E, 663m-S, 750m-W, 663m-N. A atividade extrativa limitou-se a esta poligonal. Equivocou-se a fiscalização na apontada coordenada geográfica.
- Apenas a título de ilustração, como mais uma prova a desfigurar a incipiente prova apontada pela Polícia Ambiental, há nos autos foto aérea do local (fl. 127). A área em registro (círculo vermelho) é, justamente, a coordenada referida pela Polícia, em seu Termo Circunstanciado. Note-se que não está em qualquer das lagoas e, sim, sobre terreno não explorado. Ora Excelências, como se atribuir credibilidade as informações. E pior, como se sustentar a apresentação de uma denúncia, com base nesta medição?
- Pela medição da mesma coordenada, realizada pelo apelante, o local exato não está em qualquer das lagoas de exploração. Como poderia ter ocorrido ilicitude no comportamento do acusado?
- E pior. Também com base na mesma medição, apresentou o DNPM, às fls. 91/95, irresponsável acusação. Houve a afirmação, nesse documento, que a extração teria ocorrido nos limites do Processo DNPM 821.100/95, de titularidade de Miguel de Siqueira Salomão, ainda em fase de autorização de pesquisa. Chegou-se, por esse documento oficial a, inclusive, mensurar a areia extraída ilegalmente. Trata-se de afirmação caluniosa, que será questionada pelas vias competentes. Note-se que apesar de ser denominado o trabalho de Relatório de Análise e Vistoria, os agentes do órgão federal, limitaram-se, por mais uma vez, a se valer da malsinada Coordenada geográfica equivocamente confeccionada.
Conclusão:
Primeiramente, alega a defesa que o delito somente seria enquadrado no artigo 55 na lei 9.605/98 e não no artigo 2º da Lei 8.176/91; contudo, como consignado acima, os dispositivos legais tutelam bens jurídicos diferentes, e a conduta de exploração de matéria prima da União sem autorização legal (acusação feita pelo MPF) configura o crime do artigo 2º da Lei 8.173/91.
De outro lado, limita-se o apelante a afirmar que o fiscal errou as coordenadas da área constantes do BO.
Repassemos os fundamentos que levaram o Juiz a concluir ter ficado comprovada a materialidade:
- BO, Auto de Infração e Termo Circunstanciado apontando a prática de extração de areia sem as licenças ambientais em 21/02/2005 na área apontada no BO;
- Ofício do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) referente ao processo minerário 821.100/95 de titularidade de Universo Extração e Comércio de Minérios LTDA. informando que foi outorgado à referia pessoa jurídica o Alvará de Pesquisa n° 2.464/97, publicado no D.O.U. de 27.10.97, válido por dois anos a partir data de publicação, que autorizou a pesquisa mineral de areia numa área de 28,48 ha no município de Caçapava, mas que, contudo, não há autorização para lavra na área (fl. 75);
- Relatório de análise e vistoria do DNPM relatando que na data da lavratura do referido Auto de Infração Ambiental a empresa não detinha autorização para lavrar areia no local indicado no BO (fls. 91/95); às fls. 94 encontra-se imagem aérea da região;
- Cópia do processo 821.100/95 (fls. 206/718);
- Ofício do DNPM (fls. 748), em resposta à questão de fls. 738/v (se os fatos apurados no exato local indicado no Boletim de ocorrência e no auto de infração ambiental estão inseridos ou não nos limites dos títulos de lavra conferidos pelo DNPM à empresa Universo), consignando que, para o processo DNPM 821.100/95, "o mesmo não possui autorização deste DNPM para exploração de recursos minerais".
De fato, toda a fundamentação depende das coordenadas constantes do BO.
O DNPM, de fato, confirmou que a empresa tinha concessão de lavra no processo 820.001/92 (fls. 748) conforme alega a defesa, contudo, de acordo com a foto de fls. 750, a área onde ocorreu a exploração irregular é diferente. Note-se às fls. 750 que a Portaria de Lavra se refere a uma área e o processo 821.100/95 se refere a outra área.
O ofício de fls. 75 foi muito claro: "Valemo-nos do presente para (...) informar que o local denominado Fazenda Marajoara, conforme coordenadas coletadas durante diligência do 3º Batalhão de Polícia Ambiental, como parte do Termo Circunstanciado nº 58113 de 21/2/05, incide na área do processo minerário DNPM 821.100/95".
O relatório de análise e vistoria elaborado pelo geólogo do DNPM foi igualmente enfático (fls. 91):
"Registre-se que através do Ofício n° 341/02/2008- DPF/SJC/SP (RE n° 094/2008), recebido neste 2° Distrito do DNPM em 30/07/2008, a Delegacia da Polícia Federal em São José dos Campos requisita que este DNPM informe se a citada empresa possui autorização para exploração de recursos minerais na Fazenda Marajoara. Junto ao referido ofício, o DPF encaminha cópias do Boletim de Ocorrência e Termo Circunstanciado e correspondente Auto de Infração Ambiental n° 165635, Série A, lavrados em 21/02/2005 pelo 3° Batalhão de Polícia Ambiental contra a empresa titular devido à lavra irregular de areia nas imediações do ponto de coordenadas geográficas 23° 02' 59,4" S e 45° 41' 16,4" W.
O referido ponto situa-se no interior da área autorizada para pesquisa, conforme se observa na imagem área (imagem de satélite obtida no site Google Earth - datada de 19/01/2008) anexa ao presente relatório de vistoria. Na data da lavratura do referido Auto de Infração Ambiental a empresa não detinha autorização para lavrar areia, configurando-se sua responsabilidade por crime contra o patrimônio da União, na modalidade de usurpação, definido no art. 2° da lei n° 8.176, D.O.U. de 13/02/91."
Ocorre que a apelante não trouxe nenhum elemento apto a demonstrar o alegado equívoco que a fiscalização teria cometido na indicação das coordenadas constantes do BO.
Apenas negou a exploração da área para a qual não tinha autorização, afirmando que explorava outra área, essa sim regularizada.
De outro lado, tenta desqualificar a denúncia a partir de uma foto aérea juntada pela própria apelante (fls. 127) onde pretensamente seria o local indicado no BO e que seria um terreno não explorado, porém não há qualquer coordenada nessa foto, bem como não há evidencia de não exploração dessa área.
E, por fim, também tenta desqualificar o relatório de fls. 91, reiterando que tal análise se baseou em coordenadas equivocadas.
Assim, não apresentou a defesa elementos suficiente para se concluir diferente do que consignado na sentença, ou seja, de que na verdade houve um equívoco na indicação do local por parte da fiscalização, não havendo porque considerar que os fiscais teriam se equivocado na indicação da área explorada irregularmente.
Conclusão:
Devidamente comprovada nos autos a materialidade do delito atribuído à parte ré.
AUTORIA
Consignou o Juiz a respeito da autoria:
"O réu admitiu, em interrogatório policial, assistido por advogado, ser o responsável pela empresa de areia autuada pela fiscalização ambiental- Universo Extração de Areia Ltda (?. 33).
De igual maneira, em juízo disse o acusado (cf. mídia de fl. 740):
O contrato social anexado às fls. 34/36 também revela que na ocasião dos fatos o réu exercia a administração da sociedade empresária extratora de areia (Universo) - cf. cláusula sétima contratual -fl. 35.
O dolo é evidente. O réu tinha consciência de que não poderia ultrapassar os limites da poligonal, conforme assentou em seu interrogatório (cf. mídia de fl. 740). Disse que foram ultrapassados os marcos (limites) autorizativos por "relaxamento".
Não se pode culpar funcionários, em especial o draguista, pela exploração indevida da areia, haja vista que, mesmo se a conduta adviesse de empregado(s), este(s) seguia(m) as estritas ordens do empregador (réu), e, assim, o último, pela teoria do domínio do fato, seria autor mediato.
O próprio réu, aliás, atestou que a responsabilidade de se estabelecer os marcos que limitavam a área de escavação era sua, do proprietário (cf. mídia de fl. 740).
Segundo a teoria do domínio do fato, por autor entende-se, além daquele que executa a ação típica, também quem se utiliza de terceiro, como instrumento, para a execução da infração penal.
Vale dizer, autor, segundo a mencionada teoria, é quem tem o poder de decisão sobre a realização e/ou interrupção do fato.
De fato, bastava ao réu, se houvesse dúvidas a respeito dos limites da poligonal -já que se defendeu dizendo que a falta de limites teria gerado o erro da exploração indevida de areia - solicitar ao DNPM as providências necessárias para sanar a incerteza; em vez disso preferiu exercer a atividade minerária, lavrando em área não autorizada e, dessa forma, usurpando patrimônio da União.
O Ministério Público Federal, em suas alegações finais, resumiu precisamente a autoria do crime, e nesse particular encampo sua manifestação como razão de decidir :
Os elementos probatórios analisados, em especial o Boletim de Ocorrência Ambiental e os interrogatórios extrajudicial e judicial do acusado revelam sua responsabilidade penal, demonstrando que ele tinha conhecimento sobre a ilegalidade de extração de areia em cava fora da poligonal, existindo, portanto, o dolo e o conhecimento da ilicitude da conduta criminosa."
Alega a defesa:
Não há, nos autos, qualquer prova no sentido de que a lavra, naquela localidade, tenha advindo de direta determinação do réu. Em suma, não há prova de que Luiz Carlos tenha ordenado a realização da extração no local da autuação.
Conclusão:
Conforme consignado pelo Juiz, a autoria do réu ficou comprovada.
A mera negativa de autoria não tem força para abalar a fundamentação utilizada pelo Juiz na sentença.
O réu era o responsável pela empresa autuada na fiscalização. Tinha consciência de que não poderia ultrapassar os limites da poligonal e disse que eles foram ultrapassados por "relaxamento". O próprio réu reconheceu que tinha a responsabilidade de estabelecer os marcos da escavação.
Os funcionários apenas seguiam ordens do réu.
Devidamente comprovada nos autos a autoria do delito atribuído à parte ré.
PRESENÇA DE DOLO.
Sendo o dolo, na comum lição da doutrina, a vontade livre e consciente de praticar a conduta proibida pelo tipo penal, é inegável a sua presença na hipótese dos autos.
Conclusão:
Verifica-se que a parte ré teve deliberadamente a intenção de praticar o crime de usurpação de bem da União, tipificada no artigo 2º da Lei 8.176/91.
DOSIMETRIA.
Consignou o Juiz a respeito da fixação da pena:
"A culpabilidade é exacerbada na espécie. Desde 1997, pelo menos, o réu já exercia atividade empresária no ramo de extração de areia e, portanto, sabia da indispensável necessidade de observância das delimitações da poligonal fixadas pelo DNPM. Não pode ser punido da mesma forma que um empresário incipiente no ramo.
Os motivos do crime estão claros: a exploração de empresa de areia com o intuito de lucro. A extração minerária ilegal, sem revenda a terceiros, por exemplo, deve ser punida de maneira mais branda do que a conduta do empresário que, com propósito lucrativo inerente a sua atividade, usurpa patrimônio público. A pena mínima deve ser elevada nesse particular, por se tratar de conduta criminosa praticada no exercício da atividade empresária.
As circunstâncias e consequências do crime também justificam a elevação da pena-base. Consoante Laudo Pericial juntado às fls. 65/67, houve desobediência a embargo feito pela Polícia Militar Ambiental, tratando-se de atitude reveladora de desprezo com o bem jurídico difuso protegido penalmente. Outrossim, a conduta do réu, além de representar prejuízo aos cofres da União, provocou danos ambientais irrecuperáveis, "devido a remoção de todo o solo do local", tendo sido "removida a camada fértil do solo, sem possibilidades de regeneração da vegetação".
Nada mais a considerar no tocante aos demais fatores do art. 59 do CP, a pena, na primeira fase, dada a fundamentação acima, deve distanciar-se do piso mínimo, motivo pelo qual a elevo para 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de detenção, sanção que considero suficiente para reprovação e prevenção do crime, a qual resta mantida nas demais etapas, à falta tanto de circunstâncias agravantes ou atenuantes quanto de causas de aumento ou diminuição de pena.
O regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade é o aberto (art. 33, § 2°, "c", CP).
Seguindo os mesmos critérios para aplicação da pena restritiva da liberdade, e tendo por base a situação econômica do acusado (cf. rendimentos declarados no interrogatório e os dados econômicos da lavra constantes do processo do DNPM anexado aos autos), fixo a pena de multa em 23 (vinte e três) dias-multa, cada dia-multa igual a 1 (um) salário-mínimo vigente na data do(s) fato(s).
Substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos
Conforme art. 44 do Código Penal brasileiro, substituo a pena privativa de liberdade imposta ao réu por duas restritivas de direitos (art. 7° da Lei n° 9.605/98 e art. 44, § 2°, CP) consistentes em:
(1) prestação pecuniária (pagamento em dinheiro em favor de entidade pública ou privada com fim social, de preferência voltada para fins ambientais), no valor de 50 (cinquenta) salários mínimos vigentes na ocasião do pagamento, na forma a ser especificada pelo Juízo da Execução Penal.
(2) prestação de serviços à comunidade, preferencialmente prestação de tarefas gratuitas junto a parques e jardins públicos e unidades de conservação, na forma a ser especificada pelo Juízo da Execução Penal."
Alega a defesa a respeito da dosimetria:
Em termos práticos, de 1 ano, majorou-se a pena base para 2 anos e 4 meses de detenção, concluindo a dosimetria da pena nesse patamar. Porém, nada justifica essa exasperação punitiva.
O fundamento adotado pela sentença para o referido aumento foi o fato de o apelante, desde 2002, já exercer atividade empresária no ramo de extração de areia e, portanto, saber da indispensável necessidade de obtenção da autorização para a prática dessa atividade.
Contudo, o delito em tela pressupõe a conduta dolosa de extrair minério sem a autorização. Trata-se de elemento do tipo penal.
Se a concretização do delito pressupõe a inexistência da autorização, não pode a pena ser majorada pela inexistência desse mesmo requisito.
E mais, tendo em vista que comete o crime o empresário atuante nesse ramo, é evidente que esse mesmo empresário, ao operar sem a autorização, nada faz que justifique a exasperação da pena base. Do contrário, teríamos a seguinte situação: ou não há crime ou a pena será fixada acima do mínimo legal. Insubsistentes, assim, os argumentos elencados na sentença quanto a esse aumento.
Por outro lado, nada foi produzido, sob a égide do contraditório, que permita concluir que o prejuízo eventualmente suportado pela União tenha sido, de fato, representativo.
Como se não bastasse, ocorre no caso circunstância atenuante que pesa em favor do apelante. Além de sua condição de primariedade, realizou a recomposição do ambiente lesado (mediante ajuste de conduta). Dessa forma, seu eventual decreto condenatório deverá estar no piso legal. A luz do artigo 14, II, da Lei n° 9.605/98, a reparação do dano se traduz em fato que atenua a pena.
Isso posto, requer deste Tribunal, no eventual caso de condenação, a aplicação da pena no mínimo legal, em virtude da inocorrência de circunstâncias que autorizem o aumento da pena imposta ao apelante.
De qualquer sorte, requer a conversão da pena privativa de liberdade em uma restrita de direitos, consistente em prestação pecuniária (multa).
Conclusão:
A exasperação da pena-base, como se nota, foi plenamente justificada.
Um dos motivos não foi a ausência de autorização, mas o fato de o réu ter experiência no ramo.
De outro lado, o prejuízo foi representativo em razão de constar dos autos a informação de que a conduta provocou danos ambientais em razão de ter havido "a remoção de todo o solo do local", tendo sido "removida a camada fértil do solo, sem possibilidades de regeneração da vegetação".
E ainda, conforme consignou o MPF em contrarrazões:
"Finalmente, incabível a atenuante prevista no artigo 14, inciso II, da Lei n.° 9.605/98, pois aplicável apenas a crimes ambientais, ao passo que o crime discutido em sede de apelação, conforme já foi exaustivamente discutido, é de cunho diverso."
Cabe apenas reforma da dosimetria quanto à prestação pecuniária para que seja destinada à União.
DISPOSITIVO
Ante todo o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação e altero, DE OFÍCIO, a destinação da prestação pecuniária.
Deixo de determinar a expedição de guia de execução provisória, ante o posicionamento firmado pelo C. STJ no bojo do EREsp 1619087/SC, Terceira Seção, julgado em 14/06/2017, em que se fixou entendimento de que nas hipóteses de condenação à pena restritiva de direitos, a expedição da competente guia de execução somente é possível após o trânsito em julgado, em consonância com disposição do artigo 147 da LEP.
É o voto.
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