D.E. Publicado em 11/04/2018 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
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RELATÓRIO
A EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA (RELATORA):
Trata-se de apelações em ação civil pública, com pedido de tutela antecipada, ajuizada pelo Ministério Público Federal, Instituto Nacional de Tradição e Cultura Afro-Brasileira (INTECAB) e Centro de Estudos das Relações de Trabalho e da Desigualdade (CEERT) em face da Rede Record de Televisão e da Rede Mulher de Televisão, objetivando a condenação das rés na obrigação de fazer consistente em colocar à disposição das associações autoras estúdio e estrutura pertinentes, bem como pessoal de apoio necessário à gravação e exibição de 30 (trinta) programas televisivos a título de direito de resposta coletivo, com duração de duas horas cada, a serem exibidos em 30 (trinta) dias consecutivos, no horário das 21 às 23 horas, devendo essa exibição, pelas emissora-rés, iniciar-se no prazo máximo de 10 (dez) dias úteis após a intimação da decisão respectiva, sob pena de multa diária no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), alegando que as religiões afro-brasileiras vêm sofrendo constantes agressões em programas veiculados pelas emissoras-rés, o que é vedado pela Constituição da República.
Foi atribuído à causa o valor de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais).
O pedido de tutela antecipada foi parcialmente deferido para garantir o direito de resposta coletivo às associações autoras, determinando-se que as rés fornecessem todo o apoio técnico e material necessário para a produção e gravação de um único programa, com duração de uma hora, para exibição, por elas, durante 7 (sete) dias, nos mesmos horários dos programas tidos como ofensivos, cujas exibições deveriam ser precedidas de chamadas pelas próprias emissoras aos seus telespectadores, tudo sob pena de multa (fls. 275/286).
Em face da referida decisão as rés interpuseram o agravo de instrumento n.º 2005.03.00.028432-0 (fls. 494/531), pleiteando a concessão de efeito suspensivo, o que foi indeferido por decisão de minha relatoria (fls. 536/539).
Inconformadas, as rés apresentaram a Medida Cautelar n.º 10.117/SP perante o E. Superior Tribunal de Justiça, que deferiu o pedido para sustar a execução do direito de resposta impugnado, fazendo-o, porém, tão-somente até que julgado o Agravo de Instrumento interposto perante a origem (fls. 684/688).
Posteriormente, o referido agravo de instrumento foi desprovido por acórdão desta C. Sexta Turma (fls. 824/834), tendo o Desembargador Federal Lazarano Neto apresentado questão de ordem, que foi por mim acolhida, conforme Declaração de Voto (fl. 808), para declarar nulo o julgado em razão da manifestação oral do Parquet Federal em agravo de instrumento, mas mantendo o desprovimento do recurso (fls. 809/819).
Instadas as partes a especificarem as provas a serem produzidas (fl. 649), o Ministério Público Federal requereu a produção de prova testemunhal, com designação de audiência de tentativa de conciliação (fls. 661/662), o que ocorreu no dia 28/11/2005 (fl. 720), não logrando, contudo, êxito (fl. 756).
O r. Juízo a quo julgou extinto o processo, sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, VI do CPC/1973, quanto à União Federal, remetendo os autos à Justiça Criminal Estadual, por considerar ter o direito de resposta natureza penal (fls. 1.661/1681).
Distribuídos os autos à 11ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo, este suscitou Conflito de Competência perante o E. Superior Tribunal de Justiça (fls. 1.950/1.956), o qual declarou compete o Juízo Federal (fls. 2.015/2.017).
O r. Juízo a quo julgou procedente o pedido, extinguindo o processo, com resolução de mérito, com fulcro no art. 269, I, do CPC1973, para condenar as rés a produzir, cada uma delas, 4 (quatro) programas de televisão, com duração mínima de uma hora, cada, a título de DIREITO DE RESPOSTA às religiões de origem africana, em razão das ofensas contra elas proferidas pelas rés no Programa "Mistérios" e quadro "Sessão de Descarrego", conforme mencionado na petição inicial deste feito, bem como a exibir tais gravações. Para a produção dos programas e suas respectivas gravações, as rés empregarão seus respectivos espaços físicos, equipamentos e pessoal técnico. Cada um dos 4 (quatro) programas serão exibidos em duas oportunidades, em cada emissora (totalizando oito exibições por emissora ré), em horários correspondentes àqueles em que exibidos os programas em que praticadas as ofensas. As exibições dos programas deverão observar intervalo de sete dias entre uma e outra, devendo cada exibição ser precedida de pelo menos 3 (três) chamadas aos telespectadores na véspera ou no próprio dia da exibição, uma pela manhã, outra no período da tarde e outra nas primeiras horas do período noturno. As rés foram condenadas ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa.
Na mesma sentença, foi deferido o pedido de tutela específica, para que a presente decisão seja cumprida nos termos acima estabelecidos, de modo que a produção do primeiro programa deverá ocorrer dentro de 30 (trinta) dias e as exibições se iniciar em 45 dias, com término em 75 dias, tudo a contar da data da intimação desta sentença. Nos termos do artigo 461, § 4º, do Código de Processo Civil, fixo multa de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) por emissora por dia de atraso na produção ou exibição dos programas (fls. 2.049/2.061).
Opuseram embargos de declaração a ré Rede Record (fl. 2.066/2.078), a ré Rede Mulher (fls. 2.079/2.085) e a parte autora CEERT (fls. 2.086/2.087), os quais foram parcialmente acolhidos para acrescentar ao dispositivo da sentença as seguintes determinações: a) ABRANGÊNCIA DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE RESPOSTA: Os programas contendo as manifestações dos autores, a título do exercício do Direito de Resposta, deverão ser exibidos com a mesma abrangência territorial dos programas em que praticadas as ofensas reconhecidas pela sentença. b) PARÂMETROS PARA A PRODUÇÃO DOS PROGRAMAS A SEREM EXIBIDOS A TÍTULO DE DIREITO DE RESPOSTA: Os programas a serem exibidos a título de direito de resposta deverão priorizar um CONTEÚDO INFORMATIVO e CULTURAL conducente a esclarecer aspectos sobre a origem, tradições, organização, seguidores, divindades em que acreditam, rituais e outros elementos informativo-culturais relativos às religiões vilipendiadas pela programação que a decisão reconheceu como a elas ofensivas. Noutros termos, os programas a serem veiculados devem se orientar pelo propósito de "recompor a verdade", relativamente às distorções verificadas na programação considerada ofensiva, a respeito das religiões de origem africanas. Com esses parâmetros, anoto que eventuais ajustes serão feitos sob a supervisão do Ministério Público Federal, mediante controle judicial, na fase de cumprimento da tutela específica. c) HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS: Deixo de condenar as rés em honorários advocatícios, conforme fundamentação supra. d) CHAMADAS PARA O DIREITO DE RESPOSTA: As características das "chamadas" para a veiculação do direito de resposta devem ser as mesmas (padrão usual) daquelas de que se revestem as chamadas da emissora para uma sua (sic) programação especial, filme ou estreia, tanto no que toca à duração como à frequência de exibição nos diversos períodos da programação (fls. 2.104/2.114).
Opôs novos embargos de declaração a ré Rede Record (fl. 2.120/2.135), alegando omissão no que se refere: à fundamentação da decisão que determinou a veiculação de chamadas publicitárias, tendo em vista inexistir na inicial pedido equivalente; à manifestação acerca da ausência de proporcionalidade entre a ofensa e a resposta, uma vez que inexistia nos autos qualquer prova de ocorrência das chamadas publicitárias tidas como ofensivas; bem como a dispositivos da Lei n.º 13.188, de 11 de novembro de 2015, que passou a dispor sobre o direito de resposta, antes de exaurido o exercício da Jurisdição.
Opôs também novos embargos de declaração a ré Rede Mulher (fls. 2.138/2.144), a fim de sanar a omissão quanto à fundamentação da decisão que deferiu o direito às chamadas comerciais, uma vez que, caso mantida, afrontará o princípio da proporcionalidade, que é inerente ao direito de resposta.
Os embargos de declaração não foram acolhidos, sendo fixada multa de 1% (um por cento) sobre o valor da causa, a ser pago por cada uma das rés, em razão do evidente caráter protelatório (fls. 2.155/2.164).
Apelou a ré Record, pleiteando a reforma da r. sentença, para (i) anular a sentença e todos os atos processuais ocorridos a partir da decisão de fls. 2047, reabrindo prazo para manifestação, por ser extra petita (...) ou (ii) reconhecer o cerceamento de defesa e anulando a sentença para determinar a fundamentação da decisão, ou ainda (ii) reformar in totum a decisão recorrido (sic) para julgar improcedente a demanda, vez que inexiste justa causa para a concessão de resposta a inespecíficas e indemonstradas ofensas ocorridas há mais de uma década (...), requerendo, subsidiariamente, o parcial provimento do recurso para (...) (iii) adequar a condenação aos preceitos da lei 13.188/2015, determinando a apresentação previa de texto da resposta e proibição da participação daqueles tidos por ofendidos na resposta; e (iv) excluir a condenação relativa a veiculação de chamadas publicitarias da veiculação da resposta, seja porque não foram sequer requeridas pelos Apelados, constituindo evidente julgamento extra petita, seja porque representam inegável violação do dever de proporcionalidade da resposta; e (v) reduzir a multa diária estabelecida pela sentença, nos termos do fundamentação, e, por fim (vi) reformar a decisão que considerou protelatórios os embargos declaratórios de fls. 2020/2035 para excluir a multa aplicada a este titulo (fls. 2.170/2.221).
Apelou também a ré Rede Mulher, pleiteando a reforma da r. sentença, para que os pedidos sejam julgados improcedentes ou, subsidiariamente, seja rejeitada a veiculação das chamadas comerciais acerca do direito de resposta porquanto não constam da inicial, caracterizando-se sentença extra petita; sejam cassados os efeitos da tutela até o trânsito em julgado da ação, bem como a multa por embargos protelatórios, uma vez que visavam tão somente a suprir uma omissão, requerendo, subsidiariamente, a redução da multa aplicada (fls. 2.391/2.432).
Com contrarrazões, subiram os autos a este E. Tribunal.
Os pedidos de efeito suspensivo à apelação n.º 0006068-82.2016.4.03.0000 e n.º 0006534-76.2016.4.03.0000, apresentados, respectivamente, pela Rede Record e pela Rede Mulher, foram concedidos, nos termos dos arts. 995, parágrafo único e 1.012, § 3º, ambos do CPC/2015, por decisões de minha relatoria (fls. 2.435/2.437 e 2.438/2.440).
O Ministério Público Federal, na qualidade de custos legis, opinou pelo desprovimento dos recursos.
É o relatório.
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VOTO
A EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA FEDERAL CONSUELO YOSHIDA (RELATORA):
Preliminarmente, não deve prosperar a alegação de que o julgamento seria extra petita por ter determinado a veiculação de chamadas para dar publicidade ao direito de resposta coletivo pretendido.
Dispõem os arts. 128 e 460 do Código de Processo Civil de 1973, vigente à época da prolação da sentença:
Como desdobramento do princípio da inércia da jurisdição, os referidos dispositivos legais consagraram o princípio da adstrição da sentença ao pedido, segundo o qual o provimento jurisdicional deve estar restrito à demanda deduzida.
A inobservância ao comando resulta nos vícios denominados pela doutrina de sentença extra, ultra e citra petita.
De acordo com Humberto Theodoro Júnior, a sentença extra petita incide em nulidade porque soluciona causa diversa da que foi proposta através do pedido (Curso de Direito Processual Civil, Rio de Janeiro: Forense, 2003, pp. 464/465).
Por sua vez, Arruda Alvim esclarece:
No caso concreto, o r. Juízo a quo julgou a demanda dentro dos limites da litis contestatio traçados pela parte autora em sua petição inicial.
O pedido descrito na exordial era para que houvesse a exibição de 30 (trinta) programas televisivos a título de direito de resposta coletivo, com duração de duas horas cada, a serem exibidos em 30 (trinta) dias consecutivos no horário de 21:00 às 23:00 horas.
Por sua vez, a sentença condenou as rés a produzir, cada uma delas, 4 (quatro) programas de televisão, com duração mínima de uma hora (...) bem como a exibir tais gravações (...), asseverando que (...) as exibições dos programas deverão observar intervalo de sete dias entre uma e outra, devendo cada exibição ser precedida de pelo menos 3 (três) chamadas aos telespectadores na véspera ou no próprio dia da exibição, uma pela manhã, outra no período da tarde e outra nas primeiras horas do período noturno. (Grifei)
Ora, a fixação de 3 (três) chamadas aos telespectadores nos moldes acima descritos nada mais é do que um pedido implícito na inicial.
É obvio que, se tivesse sido deferido o pedido original de exibição de 30 (trinta) programas, com 2 (duas) horas cada, durante 30 (trinta) dias consecutivos, seria despicienda a fixação de chamadas publicitárias visando a ampliar a difusão da mensagem.
Contudo, o mesmo não pode ser dito no presente caso em que as rés foram condenadas a exibir 4 (quatro) programas, com uma hora cada, com intervalo de sete dias entre uma exibição e outra.
Concedendo o r. Juízo de origem um montante de carga horária substancialmente menor do que o requerido pelos apelados, e tendo em vista que o intuito principal do direito de resposta é o de alcançar o maior número possível de telespectadores em âmbito nacional, mostra-se plenamente razoável e proporcional a fixação de chamadas televisivas conforme realizada na sentença.
Igualmente, não prospera a alegação de que a sentença deveria ser anulada uma vez que o r. Juízo a quo não teria fundamentado o decisum, mesmo após a oposição de dois embargos de declaração.
Como bem destacou o r. Juízo de origem, ser a sentença extra petita não constitui hipótese de cabimento de Embargos de Declaratórios, a teor do art. 535 do CPC.
Não se prestam os embargos de declaração a adequar a decisão ao entendimento do embargante, com propósito nitidamente infringente, e, sim, a esclarecer, se existentes, obscuridades, omissões e contradições no julgado.
Não é outro o entendimento adotado por esta C. Sexta Turma, conforme se denota da seguinte ementa de julgado, in verbis:
Passo, assim, à análise do mérito.
A Constituição Federal de 1988 sistematicamente em muitos de seus dispositivos protege o direito de crença, elevando-o à categoria de direito fundamental. Pode-se afirmar, assim, que os desdobramentos da garantia à liberdade religiosa prevista constitucionalmente determinam a laicidade do Estado Democrático de Direito brasileiro.
Vale dizer, todos têm direito a ter uma religião, a qual deve ser respeitada independentemente da crença do outro.
Como bem lembra José Afonso da Silva: A religião não é apenas sentimento sagrado puro. Não se realiza na simples contemplação do ente sagrado, não é simples adoração a Deus. Ao contrário, ao lado de um corpo de doutrina, sua característica básica se exterioriza na prática dos ritos, no culto, com suas cerimônias, manifestações, reuniões, fidelidade aos hábitos, às tradições, na forma indicada pela religião escolhida. (Comentário contextual à Constituição, 4 ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 94)
A religião estabelece a conexão entre seu seguidor e o divino, o sagrado, que se expressa através dos cultos, palavras, cerimônias, costumes, vestimentas, enfim, todo um sistema que é particular aos membros de determinada religião.
Se houver desrespeito, agressão ou qualquer espécie de violência ao direito tutelado constitucionalmente, necessária se faz a intervenção estatal.
Daí que, em um Estado laico como o Brasil, devem ser reprimidas as condutas que tendem à intolerância religiosa.
Intolerância é a atitude mental caracterizada pela falta de respeito a diferentes crenças e opiniões. Sob o ponto de vista político e social, intolerância é a ausência de disposição para aceitar pessoas com pontos de vista diferentes. Tolerância, de outro lado, define o grau de aceitação diante de um elemento contrário, é o "discordar pacificamente". A emoção é fator primário que diferencia intolerância de discordância respeitosa.
Na seara religiosa, é vasto o campo que se abre para as diversas formas de preconceitos, discriminações e desrespeitos de toda ordem, que se alia à ignorância em relação a práticas distintas de crenças diversas, confundindo-se a liberdade de expressão religiosa com o "direito" a oprimir e destruir simbólica ou fisicamente outrem.
No Brasil, desde a previsão constitucional que assegura a livre manifestação do pensamento e o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem, os temas da liberdade de culto e de crença e os acontecimentos envolvendo intolerância religiosa têm suscitado discussões doutrinárias, acadêmicas, ativismos por grupos religiosos, matérias jornalísticas e judicialização, com posicionamentos do Judiciário a respeito.
Acerca do conceito embrionário de tolerância, mostra-se esclarecedor o ensinamento de Janusz Symonides, in verbis:
Visando a salvaguardar a tolerância no que toca aos seus mais variados níveis, e levando em consideração a intensificação da violência, do racismo, da exclusão, da marginalização e da discriminação contra minorias nacionais, étnicas, religiosas e linguísticas, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) aprovou, na Conferência Geral de Paris de 16 de novembro de 1995, a Declaração de Princípios sobre a Tolerância, cujo item 1.2 destaca que a tolerância não é concessão, condescendência, indulgência. A tolerância é, antes de tudo, uma atitude ativa fundada no reconhecimento dos direitos universais da pessoa humana e das liberdades fundamentais do outro. Em nenhum caso a tolerância poderia ser invocada para justificar lesões a esses valores fundamentais. A tolerância deve ser praticada pelos indivíduos, pelos grupos e pelo Estado.
Por sua vez, em âmbito nacional, o Presidente da República sancionou a Lei n.º 11.635, de 27 de dezembro de 2007, instituindo o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, em 21 de janeiro, data esta, segundo a justificativa descrita no próprio projeto de lei em questão (PL n.º 3.174/2004), em que (...) o terreiro Abassá de Ogum, foi alvo da intolerância e do preconceito, tendo sido invadido por duas vezes por membros de uma determinada igreja, resultando no falecimento da ialorixá Mãe Gilda, em 21 de janeiro de 2000 de infarte fulminante.
No caso vertente, o Ministério Público Federal, juntamente com duas associações civis, ajuizou a presente ação civil pública, objetivando garantir o direito de resposta coletivo às entidades afro-brasileiras diante de ofensas perpetradas em programas religiosos transmitidos pelas emissoras de televisão apelantes.
Tanto o direito de resposta quanto a garantia à liberdade de consciência e de crença encontram suporte na Constituição da República, conforme se infere da transcrição do art. 5º, V e VI, in verbis:
A liberdade de crença significa que ninguém será privado de seus direitos por motivo de crença religiosa, ou seja, todos podem escolher, aderir e mudar de religião. É compreendido, em tal, o direito de não crer. Já a liberdade de culto consiste, também, na liberdade de orar e a de praticar os atos próprios das manifestações exteriores em casa ou em público, bem como a de recebimento de contribuições para isso.
Vale a pena transcrever o seguinte trecho elucidativo da abordagem constitucional acerca das disposições acima transcritas, feita por Anna Cândida de Cunha Ferraz:
Como se vê, a Constituição protege a liberdade de crença e culto, bem como às organizações religiosas. A liberdade de culto é a exteriorização popular da liberdade de crença e está assegurada a sua manifestação (Liberdade de crença religiosa na Constituição de 1988, artigo de Nilson Nunes da Silva Junior).
Ainda que se alegue que a exibição dos programas aqui questionados insere-se no uso da liberdade de expressão e crença, garantidas constitucionalmente, é certo que referidas garantias não são absolutas e devem, portanto, conviver em harmonia com as demais garantias asseguradas constitucionalmente.
Por sua vez, acerca do direito de resposta, discorre Gilmar Mendes em sua obra:
A questão também foi tratada pelo Plenário do Pretório Excelso, sendo oportuna a transcrição do seguinte excerto da ementa proferida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n.º 130:
Nota-se, desse modo, tratar-se de norma constitucional de eficácia plena, com aplicabilidade imediata, i.e., possui todos os elementos necessários à produção imediata dos efeitos nela previstos, independente da edição de regras integrativas infraconstitucionais.
Por sua vez, como se sabe, a execução do serviço público de radiodifusão, cuja titularidade é da União Federal, pode ser empreendida por um particular mediante concessão do Poder Público (art. 21, XII, "a", da Constituição), desde que, como em todo serviço público, seja respeitado o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado.
Nesse diapasão, é defeso servir-se de emissora de televisão para desonrar um determinado grupo religioso ou cultural ou mesmo promover os seus próprios interesses privados em detrimento da coletividade.
Com efeito, o Decreto n.º 52.795/1963, que regulamenta os serviços de radiodifusão, prevê em seus arts. 3º, caput, e 62, in verbis:
Ora, não restam dúvidas de que chamar "mães e pais de santo" de "mães e pais de encosto", conforme se denota das transcrições das fitas VHS encartadas na inicial (fls. 114/116 e 118), tem um nítido caráter pejorativo e discriminatório.
A transcrição de trechos dos programas apresentados pelas emissoras apelantes demonstra a utilização de termos desrespeitosos às religiões afro-brasileiras, e, para melhor demonstrar tal assertiva, transcrevo os seguintes excertos da manifestação supracitada (fls. 114/116):
Ora, são fundamentais o respeito e a preservação das manifestações culturais dos afrodescendentes, por fazerem parte do processo civilizatório nacional e merecerem, por essa razão, a tutela constitucional dispensada pelo art. 215, caput e § 1º, da Constituição da República, abaixo transcrito:
A bem lançada e fundamentada sentença, da lavra do juiz Djalma Moreira Gomes, baseou-se nas seguintes premissas:
Mostra-se proveitosa, também, a reprodução do seguinte trecho da decisão que julgou o pedido de tutela antecipada, de lavra da Juíza Federal Marisa Cláudia Gonçalves Cucio (fls. 275/286):
O menosprezo às religiões afro-brasileiras, constrangendo seus adeptos e imputando-lhes expressões ofensivas, configura verdadeiro desrespeito à liberdade de crença, bem como à dignidade da pessoa humana, não havendo como prosperar a afirmação da Rede Record, em seu apelo, de que inexiste justa causa para a concessão de resposta a inespecíficas e indemonstradas ofensas ocorridas há mais de uma década (fl. 2.221).
Destarte, agiu bem o r. Juízo de origem ao condenar as apelantes a produzir e a exibir, nos moldes descritos na sentença e na decisão que julgou os primeiros embargos de declaração opostos, programas de televisão visando a garantir direito coletivo de resposta aos membros e representantes das religiões afro-brasileiras.
Do mesmo modo, não prospera a pretensão de afastar a multa aplicada em virtude de oposição de embargos declaratórios protelatórios, com fulcro no art. 538, parágrafo único, primeira parte, do CPC/1973, em vigor à época, segundo o qual quando manifestamente protelatórios os embargos, o juiz ou o tribunal, declarando que o são, condenará o embargante a pagar ao embargado multa não excedente de 1% (um por cento) sobre o valor da causa.
Ora, ausentes os requisitos legais para oposição de embargos de declaração, estes devem ser considerados protelatórios, inexistindo desproporcionalidade na fixação da multa em 1% (um por cento) sobre o valor da causa.
Esse também é o entendimento adotado pelo E. STJ, conforme se denota da transcrição da seguinte ementa de julgado:
Também se mostra absolutamente viável a imposição de multa diária às apelantes como meio coercitivo para o cumprimento de obrigação de fazer, mas que somente deverá ser aplicada na hipótese de restar comprovado o retardamento injustificado no cumprimento da decisão judicial, conforme bem fixado na r. sentença recorrida.
Igualmente, não se mostra excessivo o valor fixado no importe de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), eis que amparado nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, levando em consideração a inquestionável capacidade econômica dos ofensores no caso em comento, bem como o objetivo de que seja regularmente adimplida a obrigação que lhes foi imposta.
Nesse mesmo sentido, é a lição de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery:
Por fim, também não deve prosperar o pedido para que haja adequação da condenação aos preceitos da Lei n.º 13.188/2015.
Muito embora a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), ao dispor sobre a vigência das leis, enuncie em seu art. 6º que a Lei em vigor terá efeito imediato e geral, a lei em comento criou uma ação de rito especial a qual deve ser processada no prazo máximo de 30 (trinta) dias.
Nota-se, assim, não ser possível a aplicação das regras estabelecidas pela supracitada Lei n.º 13.188, de 11 de novembro de 2015, à presente demanda, mesmo porque se trata de uma ação civil pública em curso, cujo rito é próprio e regulado pela Lei n.º 7.347, de 24 de julho de 1985.
Em face de todo o exposto, nego provimento às apelações, devendo ser mantida a r. sentença recorrida pelos seus próprios e jurídicos fundamentos.
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