Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 19/02/2018
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003244-12.2004.4.03.6002/MS
2004.60.02.003244-8/MS
RELATOR : Desembargador Federal WILSON ZAUHY
APELANTE : JOAO LEONILDO CAPUCI
ADVOGADO : MS008333 ROBINSON FERNANDO ALVES
: SP274537 ANDERSON BEZERRA LOPES
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00032441220044036002 3 Vr CAMPO GRANDE/MS

EMENTA

DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. EVASÃO DE DIVISAS. ATIPICIDADE DA CONDUTA.
1- Relata a denúncia que o réu teria efetuado diversas exportações de mercadorias sem a correspondente cobertura cambial, não tendo, tampouco, apresentado documentação que comprovasse a repatriação dos produtos, o que representou a evasão de divisas nacionais para o exterior.
2- Contudo, é atípica a conduta de exportar mercadorias sem a celebração do correspondente contrato de câmbio que indique a entrada da moeda estrangeira por não haver a necessária remessa de moeda ou divisa ao exterior e também por não haver incriminação da omissão da internalização do montante recebido.
3- Registre-se ainda que a denúncia, "in casu", não descreve que o acusado mantém o valor decorrente do pagamento das mercadorias no exterior.
4- Não há que se falar em desclassificação para o crime do artigo 171, §3º, do Código Penal, não tendo a denúncia descrito os elementos do tipo penal pretendido.
5- Preliminares afastadas; apelação provida para absolver o réu em razão da atipicidade da conduta.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, após a ratificação do relatório pelo Juiz Fed. Conv. Renato Becho, afastar a matéria preliminar e, no mérito dar provimento à apelação do réu para absolvê-lo, com fundamento no artigo 386, inciso III do Código de Processo Penal.


São Paulo, 06 de fevereiro de 2018.
WILSON ZAUHY
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0003244-12.2004.4.03.6002/MS
2004.60.02.003244-8/MS
RELATOR : Desembargador Federal WILSON ZAUHY
APELANTE : JOAO LEONILDO CAPUCI
ADVOGADO : MS008333 ROBINSON FERNANDO ALVES
: SP274537 ANDERSON BEZERRA LOPES
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00032441220044036002 3 Vr CAMPO GRANDE/MS

VOTO

Consignou o MPF: "Infere-se do incluso inquérito policial instruído com documentação oriunda do Banco Central do Brasil (f. 17/71) que, no período compreendido entre 09/12/1998 a 21/12/1999, a empresa FRIGOCAP Comércio de Carnes Ltda., inscrita no CNPJ sob n. 02.345.090/0001-88, efetuou diversas exportações de mercadorias no montante total de US$ 164.104,15 (cento e sessenta e quatro mil, cento e quatro dólares dos Estados Unidos e quinze centavos) (f. 62) sem a correspondente cobertura cambial, não tendo, tampouco, apresentado documentação que comprovasse a repatriação dos produtos, o que representou a evasão de divisas nacionais para o exterior."

Consignou o Juiz: "Diante do exposto e por mais que dos autos consta, julgo procedente a denúncia para o fim de condenar João Leonildo Capucci, qualificado, por infração ao art. 22, parágrafo único, última parte, da Lei 7.492/86."

Apela o réu.



DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. TIPICIDADE.

EVASÃO DE DIVISAS.

O tipo penal imputado à parte ré é o seguinte:

Art. 22. Efetuar operação de câmbio não autorizada, com o fim de promover evasão de divisas do País:

Pena - Reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, a qualquer título, promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente.



Imputado à parte ré a prática de evasão de divisas, tipificada no artigo 22, parágrafo único da Lei 7.492/86.



Alega a defesa:

Por "DIVISAS" deve-se entender moeda estrangeira ou qualquer título que a represente (letras de câmbio, cheques, etc.), sendo definido como moeda todo e qualquer instrumento aceito como meio de pagamento.

Por seu turno "MERCADORIA" é todo bem comerciável, que pode ser destinado à mercancia.

Possuem, destarte, naturezas distintas.

Como exaustivamente demonstrado, não houve pagamento pela mercadoria. Para esses casos, não há crime.

(...)

A ATIPICIDADE da conduta atribuída ao Apelante é gritante, merecendo ser reformada a sentença recorrida.


Conclusão:

Segundo a denúncia:

"Infere-se do incluso inquérito policial instruído com documentação oriunda do Banco Central do Brasil (f. 17/71) que, no período compreendido entre 09/12/1998 a 21/12/1999, a empresa FRIGOCAP Comércio de Carnes Ltda., inscrita no CNPJ sob n. 02.345.090/0001-88, efetuou diversas exportações de mercadorias no montante total de US$ 164.104,15 (cento e sessenta e quatro mil, cento e quatro dólares dos Estados Unidos e quinze centavos) (f. 62) sem a correspondente cobertura cambial, não tendo, tampouco, apresentado documentação que comprovasse a repatriação dos produtos, o que representou a evasão de divisas nacionais para o exterior."


Contudo, posição majoritária a respeito do tema foi firmada no sentido de que o crime de evasão de divisas pressupõe a saída clandestina de recursos ao exterior, não se podendo equiparar o termo "mercadoria" a " divisas", pois haveria indevida interpretação extensiva em desfavor do réu.

O tipo penal do parágrafo único do artigo 22 da Lei n.º 7.492/86 criminaliza a saída clandestina de moeda ou divisa para o exterior e não a conduta omissiva de ingressos de divisas no país.

Assim, é atípica a conduta de exportar mercadorias sem a celebração do correspondente contrato de câmbio que indique a entrada da moeda estrangeira por não haver a necessária remessa de moeda ou divisa ao exterior e também por não haver incriminação da omissão da internalização do montante recebido.

Nesse sentido, precedentes do Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. EVASÃO DE DIVISAS . EXPORTAÇÃO DE MERCADORIAS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE INGRESSO DE MOEDA ESTRANGEIRA NO PAÍS. ART. 22, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 7.492/86. INADEQUAÇÃO TÍPICA. 1. A conduta de promover a saída de mercadorias para o exterior (exportação), sem comprovar o ingresso no País da moeda estrangeira correspondente, por estabelecimento autorizado a operar em câmbio, não se enquadra na figura típica prevista no art. 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86.
2. O que se proíbe com o referido dispositivo legal é a saída de moedas ou divisas do país, não podendo ser abarcada nessa previsão a remessa de mercadorias, tampouco a ausência de internalização do montante recebido, sob pena de se promover nítida interpretação ampliativa, inadmissível na seara criminal, regida pelos princípios da legalidade estrita e da taxatividade. 3. Recurso ordinário em habeas corpus a que se dá provimento para trancar a ação penal de que se cuida.
(RHC 201202149568, OG FERNANDES, STJ - SEXTA TURMA, DJE DATA:05/04/2013 RSTJ VOL.:00230 PG:00989 RT VOL.:00936 PG:00362 ..DTPB:.)
PENAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. EVASÃO DE DIVISAS . EXPORTAÇÃO DE MERCADORIAS. AUSÊNCIA DE LIQUIDAÇÃO DO CONTRATO CAMBIAL. DEPÓSITO NÃO DECLARADO NO EXTERIOR. PRESUNÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ÔNUS DA PROVA. RECURSO DESPROVIDO.
1. O crime de evasão de divisas previsto na última parte do parágrafo único do art. 22 da Lei n° 7.492/86 - manutenção de depósito no exterior - pressupõe a identificação da instituição e dos valores guardados ao arrepio da autoridade monetária brasileira.
2. O mero fato de não ter sido liquidado no Brasil o contrato de câmbio é incapaz de gerar a presunção de que a empresa exportadora recebeu o pagamento objeto do acordo e o mantém em instituição financeira situada fora do país.
3. Não pode o intérprete estender o sentido da norma contida na primeira parte do parágrafo único da lei em comento, a fim de considerar típica a ausência de internalização do pagamento recebido, sob pena de absoluto desvirtuamento do comando normativo, o qual apenas criminaliza a saída de divisas do território nacional.
4. O conceito de divisas não inclui, segundo a doutrina majoritária e precedentes dos tribunais superiores, mercadorias destinadas à exportação.
5. Recurso especial desprovido.
(RESP 200700019184, JORGE MUSSI, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:17/12/2010 RMDPPP VOL.:00039 PG:00121 ..DTPB:.)
RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. EVASÃO DE DIVISAS . TIPICIDADE. EXPORTAÇÃO DE MERCADORIAS SEM A COMPROVADA LIQUIDAÇÃO DO CONTRATO DE CÂMBIO, COM O INGRESSO DAS DIVISAS CORRESPONDENTES EM TERRITÓRIO NACIONAL. CONDUTA QUE NÃO SE SUBSUME AO TIPO DO ART. 22 DA LEI N.º 7.492/86. RECURSO DESPROVIDO.
1. O crime de evasão de divisas , previsto no art. 22 da Lei n.º 7.492/86, pressupõe a remessa de disponibilidades cambiais para o exterior.
2. A conduta relativa à exportação de mercadorias sem a respectiva liquidação do contrato de câmbio, com o ingresso das correspondentes divisas , não se enquadra no fato típico supramencionado.
3. Primeiro, o tipo penal prevê como criminosa a conduta comissiva de "evadir". O Recorrente, por outro lado, argúi omissão quanto ao não ingresso das divisas no país. Ocorre que o artigo não prevê, literalmente, a forma omissiva de conduta, carecendo, portanto, de legalidade.
4. Ainda, a pretensão recursal, de abarcar no conceito de "divisa" as mercadorias exportadas, implicaria interpretação extensiva, que não pode ser utilizada em desfavor do Réu, em respeito ao princípio da tipicidade. 5. Recurso desprovido.
(RESP 200602231284, LAURITA VAZ, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:02/08/2010 ..DTPB:.)

Deste Tribunal:

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE EVASÃO DE DIVISAS . EXPORTAÇÃO DE MERCADORIAS SEM COMPROVAÇÃO DE CONTRATO DE CÂMBIO. NÃO COMPROVAÇAO DO INGRESSO DAS DIVISAS OU REPATRIAMENTO DAS MERCADORIAS. VEDAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA EM DESFAVOR DO RÉU. ATIPICIDADE. RECURSO PROVIDO.
1. O réu foi denunciado como incurso nas penas do artigo 22, parágrafo único da Lei n.º 7.492/86, por ter efetuado operações de exportações de mercadorias sem a celebração do competente contrato de câmbio no prazo legal, não tendo comprovado o ingresso das divisas no País nem o repatriamento das mercadorias.
2. Segundo orientação pretoriana majoritária, a qual me curvo, o crime de evasão de divisas pressupõe a saída clandestina de recursos ao exterior, não se podendo equiparar o termo mercadorias exportadas como sinônimo de divisas, por configurar indevida interpretação extensiva em desfavor do réu.
3. O tipo penal do parágrafo único do artigo 22 da Lei n.º 7.492/86 criminaliza a saída clandestina de moeda ou divisa para o exterior e não a conduta omissiva de ingressos de divisas no país.
4. É atípica a conduta de exportar mercadorias sem a celebração do correspondente contrato de câmbio que indique a entrada da moeda estrangeira, por não haver a necessária remessa de moeda ou divisa ao exterior. Precedentes do STJ, desta Corte Regional e do TRF da 1a Região.
5. A denúncia não descreve, ainda, que o acusado mantém o valor decorrente do pagamento das mercadorias no exterior.
6. Impossibilidade de desclassificação para o crime do artigo 171, §3º,do Código Penal, não tendo a denúncia descrito os elementos do tipo penal pretendido. Inteligência da Súmula 453/STF.
7. Apelação provida. Absolvição decretada com fulcro no art. 386, III do CPP.(ACR 00103595620054036000, DESEMBARGADOR FEDERAL HÉLIO NOGUEIRA, TRF3 - PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:13/12/2016 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)

Registre-se ainda que a denúncia, "in casu", não descreve que o acusado mantém o valor decorrente do pagamento das mercadorias no exterior.

Por fim, não há que se falar em desclassificação para o crime do artigo 171, §3º, do Código Penal, não tendo a denúncia descrito os elementos do tipo penal pretendido, sendo inaplicável o instituto da mutatio libelli, prevista no artigo 384 do CPP, no segundo grau de jurisdição, conforme pacífico entendimento jurisprudencial (Súmula 453/STF).


Assim, é de ser provida a apelação do réu, para absolvê-lo em razão da atipicidade da sua conduta.


Pelo exposto, afasto as preliminares e DOU PROVIMENTO à apelação do réu para absolvê-lo, com fundamento no artigo 386, inciso III do Código de Processo Penal.


É o voto.



WILSON ZAUHY
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): WILSON ZAUHY FILHO:10079
Nº de Série do Certificado: 11A21705314D3605
Data e Hora: 09/02/2018 14:49:33