Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 11/12/2017
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0008157-89.2004.4.03.6114/SP
2004.61.14.008157-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal WILSON ZAUHY
APELANTE : ALINE NARA SOUSA SERRANO
ADVOGADO : SP172850 ANDRE CARLOS DA SILVA e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00081578920044036114 1 Vr SAO BERNARDO DO CAMPO/SP

EMENTA

DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. TIPICIDADE. PECULATO. PRELIMINARES REJEITADAS. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. PRESENÇA DE DOLO. DOSIMETRIA.
1. Imputado à parte ré a prática de peculato, tipificada no artigo 312, 1º, do CP.
2. Preliminares de nulidade e de inépcia da denúncia rejeitadas.
3. Devidamente comprovada nos autos a materialidade do delito atribuído à parte ré.
4. Devidamente comprovada nos autos a autoria do delito atribuído à parte ré.
5. Verifica-se que a parte ré teve deliberadamente a intenção de praticar o crime de peculato, tipificada no artigo 312, 1º, do CP.
6. PARCIAL PROVIMENTO à apelação somente para reduzir a pena aplicada, nos termos do voto, e DE OFÍCIO alterada a destinação da prestação pecuniária.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação somente para reduzir a pena aplicada e, de ofício, alterar a destinação da prestação pecuniária, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 28 de novembro de 2017.
WILSON ZAUHY
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): WILSON ZAUHY FILHO:10079
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Data e Hora: 30/11/2017 19:03:53



APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0008157-89.2004.4.03.6114/SP
2004.61.14.008157-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal WILSON ZAUHY
APELANTE : ALINE NARA SOUSA SERRANO
ADVOGADO : SP172850 ANDRE CARLOS DA SILVA e outro(a)
APELADO(A) : Justica Publica
No. ORIG. : 00081578920044036114 1 Vr SAO BERNARDO DO CAMPO/SP

VOTO

Consignou o Juiz: "Nos dias 21 de agosto, 20 de setembro e 04 de dezembro de 2002, na Agência Magnólia da Caixa Econômica Federal, sito à Rua Marechal Deodoro, 1382, Centro, em São Bernardo do Campo/SP, a denunciada ALINE NARA SOUSA SERRANO, valendo-se do cargo de prestadora de serviços que prestava naquela instituição bancária, subtraiu, em proveito próprio ou alheio, a quantia total de R$ 21.556,41 (vinte e um mil, quinhentos e cinquenta e seis reais e quarenta e um centavos), depositados nas contas de FGTS de DIEGO ALEJANDRO C. MUNHOZ e ROMEU MARCACCI."

Consignou o Juiz: "Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a denúncia para CONDENAR a ré Aline Nara Sousa Serrano pela prática do delito previsto no artigo 312, §1°, do Código Penal, em crime continuado."

Apela a ré.



DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. TIPICIDADE.

PECULATO.

O tipo penal imputado à parte ré é o seguinte:

Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.

§ 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.


Imputado à parte ré a prática de peculato, tipificada no artigo 312, 1º, do CP.



PRELIMINARES

1- Alega a defesa:

A PRIMEIRA PRELIMINAR DE NULIDADE - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO.

A R. Decisão do juiz singular que indeferiu a oitiva da testemunha Sr. Hélio deve ser reformada.

Ao contrário do que fora fundamentado, o requerimento da apelante não tem nenhum intuito protelatório.

Embora a citada testemunha não tenha trabalhado na Caixa Econômica Federal, o certo é que ela presenciou vários fatos envolvendo a apelante e o Sr. João Geraldo, tais como: ordens do Sr. João Geraldo para a apelante ir ao caixa receber valores; acesso aos carimbos; outros atendentes com a mesma autorização; etc..

Importante ressaltar que a testemunha compareceu várias vezes na indigitada agência, bem como presenciou o relacionamento entre a apelante e a testemunha João Geraldo, conforme ponderado na audiência realizada (fls. 450).

Conclusão:

Consignou o Juiz a respeito:

Fls. 451: "Indefiro prazo complementar solicitado pela defesa, tendo em vista que teve tempo hábil para a obtenção do atual endereço da testemunha Hélio Cícero de Souza, notadamente que a defesa escrita foi apresentada em 21/07/2010 e somente após o deferimento de prazo de 5 dias em despacho publicado no dia 24/02/2011 veio requerer nova dilação de prazo para apresentação de endereço que já deveria ter sido informado corretamente por ocasião da defesa escrita."

Fls. 460:

"Consoante se infere da informação processual de fl. 458, a defesa, apesar de devidamente intimada, descurou-se de apresentar o endereço completo da testemunha HÉLIO CÍCERO DE SOUZA, supostamente residente nos Estados Unidos.

Com efeito, sabe-se que compete à defesa, já por ocasião da apresentação da resposta, instruir o pedido com o rol de testemunhas, o qual deve conter sua qualificação e endereços completos (art. 396-A, CPP).

Na espécie, verifica-se que a resposta escrita foi apresentada em 21.07.2010, sendo a Ré intimada a esclarecer o endereço da testemunha arrolada em despacho publicado em 24.02.2011 (fls. 440 e 447), ocasião em que lhe foi concedido o prazo suplementar de 5 (cinco) dias para atualização do endereço da testemunha residente no exterior.

Infere-se, portanto, que a defesa teve o tempo necessário para obtenção do endereço correto da testemunha, considerado o tempo transcorrido entre a apresentação da resposta escrita e o despacho para atualização, bem como a concessão de prazo suplementar.

Nada obstante, apresenta em Juízo novamente endereço incompleto, que impossibilita a expedição e cumprimento da rogatória pretendida.

É de sabença comum que compete à parte e não ao Judiciário pesquisa e a atualização dos endereços das testemunhas arroladas.

(...)

Sem embargo, o intuito protelatório da prova requerida e manifesto. Como se sabe, a expedição de carta rogatória e medida excepcional, somente justificável pela imprescindibilidade da prova requerida, consoante se infere da letra do art. 222-A do CPP, cuja constitucionalidade foi atestada pelo E. Supremo Tribunal Federal.

(...)

De efeito, em audiência, foi oportunizado à defesa que justificasse a necessidade e o fato específico sobre o qual iria depor a testemunha residente no exterior, sendo manifestado que: "a testemunha é de suma importância, uma vez que presenciou vários fatos envolvendo a ré e o gerente assistente e João Geraldo." (fl. 450)

Da prova testemunhal colhida nos autos, verifica-se pelos depoimentos gravados, que a mencionada testemunha jamais trabalhou na Caixa Econômica Federal e não tinha contato algum com a testemunha João Geraldo, sendo que este negou em seu depoimento que conhecesse a testemunha Hélio e que esta tivesse qualquer contato na agência bancária com a Ré. Nem poderia, pois Hélio é cabeleireiro e nunca atuou na Caixa Econômica Federal, razão pela qual não poderia ter presenciado qualquer fato relevante ao deslinde da controvérsia.

Dessa forma, do comportamento adotado pela defesa extrai-se seu manifesto intuito protelatório, o qual é revelado também pelo número de testemunhas arroladas (12), superior ao número legal permitido (art. 401, CPP).

Assim sendo, de rigor se afigura o indeferimento da oitiva da testemunha residente no exterior, sem que tal configure cerceamento de defesa.

(...)

Ante o exposto, indefiro a expedição de carta rogatória para oitiva da testemunha HELIO CICERO DE SOUZA."


Como se nota, as decisões do Juiz que indeferiram o pedido do réu foram amplamente fundamentas, decidindo corretamente o Juiz pelo indeferimento da carta rogatória, não havendo que se falar em cerceamento de defesa.

O argumento de que a testemunha indicada teria comparecido diversas vezes na agência e presenciado situações que favoreceriam a ré não convence a ponto de mudar o entendimento acima transcrito.


2- Alega a defesa:

DA SEGUNDA PRELIMINAR DE NULIDADE - DOS REQUERIMENTOS DE FLS. 581

A R. Decisão do juiz singular de fls. 608, que indeferiu as diligências complementares deve ser reformada.

Ora Excelências, em que pese o entendimento do juiz singular de que a abertura do prazo ocorreu em audiência, a apelante tem todo o direito de requerer as diligências complementares requeridas.

Constata-se que os requerimentos da apelante são totalmente pertinentes, necessários ao deslinde da lide, assegurará o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal.

Conclusão:

Consignou o Juiz a respeito:

"Quanto à eiva decorrente da negativa do requerimento da quebra do sigilo fiscal e bancário da testemunha João Geraldo, e de juntada das guias de recolhimento rescisório do FGTS e contribuição social (fl.581), vale sinalar que os pedidos foram formulados após a fase do artigo 402 do CPP (aberta em audiência, quando o advogado da parte havia já formulado seu pedido), havendo, portanto, preclusão."

E, conforme acrescentou o MPF em contrarrazões:

"Anote-se que os requerimentos de f. 581 foram formulados extemporaneamente, após a abertura de prazo, em audiência, para o requerimento de diligências complementares, operando-se a preclusão. Novamente, o pedido não foi formulado com a devida justificativa de sua relevância, com vistas a viabilizar ao juízo a apreciação, com base em critérios de razoabilidade, acerca do possível acolhimento dos pedidos, uma vez que, como é sabido, cabe ao juiz, destinatário da prova colhida para o deslinde da questão, deliberar sobre a necessidade ou não de sua produção, a fim de formar seu convencimento."

E no parecer:

No que concerne aos requerimentos de quebra do sigilo fiscal da testemunha João Geraldo e de juntada da Guia de Recolhimento Rescisório do FGTS e Contribuição Social (GRFC), referentes aos saques constantes da denúncia (fls.581), constata-se que foram feitos extemporaneamente, quando já havia operado a preclusão (fl. 608).

Ademais, novamente se constata que a defesa não demonstrou de forma clara e objetiva a necessidade da produção de tais provas, razão pela qual não há falar-se em cerceamento de defesa.


Por esses corretos fundamentos, não há que se falar em cerceamento de defesa.


3- Alega a defesa:

DA TERCEIRA PRELIMINAR DE NULIDADE - DOS REQUERIMENTOS DE FLS. 620/621.

A R. Decisão do juiz singular de fls. 620/621 que indeferiu as diligências complementares deve ser reformada.

(...)

As provas requeridas pela apelante são totalmente necessárias ao deslinde da lide, que assegurará o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal.

E ainda:

DA QUARTA PRELIMINAR DE NULIDADE - PERÍCIA GRAFOTÉCNICA

A R. Decisão do juiz singular que indeferiu a realização de perícia grafotécnica deve ser reformada. O indeferimento do requerimento supra caracteriza cerceamento de defesa.

Conclusão:

Consignou o Juiz a respeito:

"Tampouco existe nulidade pelo indeferimento de realização de perícia grafotécnica. Veja-se a ausência de fundamentação que indique de forma clara os motivos que ensejam o pedido de realização de novo exame, afastando-se as conclusões ventiladas pela sindicância instaurada pela CEF e pelo laudo confeccionado pelo Instituto Nacional de Criminalística do Departamento da Polícia Federal (fls.315/322 e 355/362).

A juntada das filmagens do circuito interno de tv do período em que ocorreram os fatos não pode ser realizada ante o lapso decorrido, não havendo nulidade pela impossibilidade de produção da prova."

Ademais, conforme consignou o MPF em contrarrazões:

"Idênticas considerações aplicam-se ao pedido de realização de nova perícia técnica, a qual, à vista do que dos autos consta, tem-se totalmente desnecessária, ante à ausência de conclusão do laudo pericial confeccionado pelo Instituto Nacional de Criminalística do Departamento da Polícia Federal (f. 315/322 e 355/362)."


Mais uma vez, a ausência de justificativa da produção de novo exame e a impossibilidade da apresentação das imagens justificou corretamente o indeferimento do pedido formulado pela ré, não havendo que se falar em cerceamento de defesa.


4- Alega a defesa:

Não há que se falar em crime de peculato, na medida em que a apelada laborava em empresa privada. Sendo assim, a denúncia é inepta.

Conclusão:

Não há que se falar em inépcia da denúncia.

Conforme bem destacou o Juiz:

A tese defensiva quanto à ausência de crime de peculato resta superada pela redação do artigo 327, §1°, do Código Penal, segundo o qual são equiparados ao funcionário público aqueles que exercem cargo ou trabalha para prestadora de serviços contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. Como Aline era empregada de empresa que prestava serviços à CEF, empresa pública federal, e como cometeu os delitos igualmente em face da CEF, utilizando-se das facilidades provenientes da função que exercia, deve ser equiparada aos empregados públicos da instituição.

E ainda, conforme consignado pelo MPF em seu parecer:

"Muito embora a apelante estivesse vinculada à empresa ROSCH, prestava serviço na Agência Magnólia da Caixa Econômica Federal - empresa pública federal -, na qualidade de terceirizada.

Assim, de acordo com a redação do artigo 327, §1°, do Código de Processo Penal, a ré equipara-se a funcionário público e, nessa condição, responde pelo crime de peculato, pois valeu-se das facilidades provenientes da função que exercia para cometer os delitos contra referida empresa pública."


Dessa forma, exercendo função típica da administração pública em empresa pública, considera-se a ré funcionária pública para fins penais.


5- Alega a defesa:

No presente caso não há prova da autoria, muito menos da materialidade.

Conclusão:

Tal análise é de mérito e será efetuada na sequência.



MATERIALIDADE

Consignou o Juiz a respeito da materialidade:

"A materialidade delitiva restou evidenciada pelos seguintes documentos: (I) processo administrativo disciplinar instaurado pela CEF n° 21.00425/2003, apenso I, no qual estão anexadas as contestações de saques apresentadas pelos fundistas (fls.14, 41 e 94), cópias dos comprovantes de saques do FGTS (fl.173), laudos periciais produzidos pela Caixa, que dão conta da falsidade e da autoria daquela."


Alega a defesa:

No presente caso não há prova da autoria, muito menos da materialidade.

Constata-se que não foram juntadas as guias de recolhimento rescisório do FGTS e de contribuição social (GRFC), referentes aos saques aludidos da denúncia, para comprovação da entrada do pedido de liberação das contas.


Conclusão:

A materialidade do delito está comprovada em razão de o processo administrativo promovido pela Caixa demonstrar os saques irregulares nas contas dos clientes. Nele se observa que os clientes Romeu Marcacci (fls. 14) e Diego Alejandro Caviedes (fls. 41) ofereceram contestações de saque de seus saldos de FGTS (comprovantes de saques às fls. 173), sendo que a apuração concluiu ter havido fraude nesses saques.

A defesa não apresentou argumentos que contestassem essa apuração.

Limita-se a afirmar que não foram juntados os documentos citados para comprovação da entrada do pedido de liberação das contas.

Ocorre que às fls. 173 encontram-se os comprovantes de saques originais com autenticação mecânica, indicando que os valores foram efetivamente sacados.

De outro lado, a contestação dos clientes e a conclusão da investigação administrativa no sentido da ocorrência da fraude compõem o conjunto probatório suficiente para a comprovação da materialidade, não tendo a defesa apresentado fundamentos que permitissem colocar em dúvida essa conclusão.

Devidamente comprovada nos autos a materialidade do delito atribuído à parte ré.



AUTORIA

Consignou o Juiz a respeito da autoria:

"A prova coletada ao longo da instrução criminal, aliada àquele produzida no procedimento administrativo instaurado pela CEF, indica ter sido Aline a autora dos saques contestados.

Em seu interrogatório, Aline negou ter pego o dinheiro de terceiros. Relatou que trabalhava como funcionaria terceirizada na agência Magnólia e que à época dos fatos havia grande movimentação das contas de FGTS por conta dos termos de adesão para o recebimento das diferenças atinentes aos planos econômicos. Confirmou que tinha acesso à senha do gerente João Geraldo em face do volume de serviço e que comumente efetuava saques de FGTS nos caixas e deixava o dinheiro na mesa daquele, que entregava o numerário ao titular. Aline narrou ainda que agência Magnólia enfrentava constantes problemas nos elevadores, de modo que determinadas pessoas eram destacadas para efetuar o saque na boca dos caixas, mediante a apresentação da documentação, devidamente verificada pelo gerente, conforme a aposição de visto e carimbo. Negou ter falsificado a assinatura do gerente, confirmando que usava o carimbo de João. Referiu ainda que seu pai realizou o pagamento da quantia sacada da conta do cliente Romeu, salientando não ter sido cientificada acerca da instauração da sindicância na CEF. Apontou também que somente tomou ciência dos saques efetuados nos depósitos de Diego ao ser intimada a prestar esclarecimentos na Polícia Federal.

Os fatos narrados pela ré foram confirmados pelas testemunhas de acusação.

Nesse passo, destaco o depoimento da testemunha Felipe, que atuava como caixa na agência Magnólia, que relatou que Aline apresentou documentos para o saque de FGTS com visto falsificado do gerente João. Referiu que ao checar a documentação, observou discrepâncias no visto e foi verificar o saque com João, que confirmou que não havia aposto sua rubrica na autorização. Disse que João havia lhe tranquilizado, pois a terceirizada teria acesso à senha do gerente e seria de sua confiança.

A testemunha Miângeli, caixa da CEF, explicou que Aline era terceirizada e que trabalhava no setor de FGTS. Alegou que era procedimento comum Aline comparecer aos caixas para saques de FGTS, pois trabalhava diretamente com o setor. Relatou que o caixa Felipe questionou a assinatura do gerente apresentada no documento utilizado para o saque dos depósitos de FGTS de Romeu, estando presente na conversa.

A testemunha João Geraldo Rodrigues, então exercendo as funções de gerente da CEF, narrou que Aline era funcionária terceirizada e realizava o atendimento do público da agência Magnólia. Disse que Aline e a outra terceirizada do setor tinham acesso à sua senha de gerente, o que lhe autorizariam o saque de valores superiores a R$ 4000,00 referentes a depósitos em FGTS. Disse também que foi procurado pelo caixa Felipe, que lhe mostrou uma ordem de levantamento de FGTS com sua rubrica e seu carimbo, percebendo não ter sido o autor do visto. Confirmou que destaca Aline para sacar os depósitos de clientes que apresentavam problemas de locomoção, pois os caixas estavam localizados no segundo andar da agência, e o elevador constantemente apresentava problemas. Contou que nesses casos, o titular da conta permanecia em sua mesa, aguardando a entrega do dinheiro.

A testemunha Lívia, por sua vez, relatou que trabalhava no setor de caixas da CEF, junto de Felipe e Miângelo. Relatou que Aline comparecia aos caixas com documentos para o saque de FGTS, sinalando que os estagiários possuíam a senhas dos servidores autorizados para fazer a retirada. Referiu que Felipe estranhou o visto de João lançados em documentos apresentados por Aline para o saque, tendo mostrado os documentos àquele.

As testemunhas de defesa não acrescentaram acerca dos fatos ocorridos, apenas atestando o bom caráter da acusada.

Como se vê, está evidenciado que Aline tinha acesso à senha do gerente e a seus carimbos, o que permitiria o preenchimento da documentação necessária para o saque de depósitos fundiários. Tinha também acesso aos caixas, efetuando com freqüência operações de citada natureza.

Diga-se outrossim que a prova grafotécnica produzida pela Caixa poucos meses após o acontecido dá conta de que as assinaturas de Romeu e Diego, titulares dos depósitos de FGTS, e o visto do gerente João saíram do punho da acusada, informação essa que embora não tenha sido corroborada pelos laudos confeccionados pela Polícia Federal, provavelmente em virtude do longo lapso de tempo decorrido, tampouco restou afastada por outro elemento de prova.

Valho-me, posto oportuno, dos esclarecimentos lançados pelo Ministério Público Federal em suas alegações finais, quando menciona a acusação que a ré foi reconhecida como a pessoa que efetivou os saques em nome de Diego por meio das fitas de segurança da agência (fls. 99/102), primeiro crime descoberto pela CEF, pois o titular efetuou a contestação do saque pouco mais de um mês após a retirada. Efetuada verificação de outros saques efetuados mediante a mesma sistemática, chegou-se à retirada efetuada da conta de FGTS de Romeu, não havendo maiores investigações porque o pai da acusada ressarciu esse prejuízo.

Portanto, forçoso concluir que a autoria delitiva recai, efetivamente, sobre Aline. Outrossim, não merece prosperar a versão apresentada pela ré em alegações finais, no sentido de terem sido os gerentes João Geraldo e Jorge Clemente as pessoas que teriam se apropriado do dinheiro, sendo ela mera vítima. Não existe nos autos nenhum elemento de prova a comprovar citada tese defensiva, ônus que toca à defesa por força do artigo 156 do CPP.

O fato de ter o pai de Aline reembolsado parcialmente o prejuízo sofrido (comprovado pelo aviso da fl.42) não é motivo para afastar o reconhecimento da consumação do crime, pois o desvio do dinheiro de fato ocorreu.

Por fim, descabido argumento de ocorrência de crime tentado. A tentativa exige que o crime, após iniciada sua execução, não se consume por circunstâncias alheias à vontade do agente. Restou devidamente evidenciado que Aline desviou o dinheiro pertencente a terceiro, em proveito próprio ou de terceiro, o que impõe o reconhecimento da consumação do delito."


Alega a defesa:

- No presente caso não há prova da autoria;

- O i. representante do MPF alegou que a apelada não quis fazer prova contra si própria, o que não é verdade;

- Constata-se que o juiz fundamentou a condenação com fulcro no processo administrativo, cuja conclusão tem relação direta com as fitas de segurança. Ocorre que sem nenhuma justificativa plausível a CEF não preservou as imagens que motivaram a instauração do processo administrativo, o que é um absurdo;

- A condenação não pode ser fundamentada basicamente com base apenas no processo administrativo. Seria uma grande injustiça! Conforme exposto na defesa, a sindicância (processo administrativo) foi realizada totalmente à revelia da apelante. Em momento algum a apelante foi intimada para prestar depoimento ou defesa;

- os laudos de fls. 47/49 e 72/83, produzidos unilateralmente pela instituição bancária, são totalmente imprestáveis para comprovar a materialidade e autoria;

- os laudos periciais produzidos pelo Instituto Nacional de Criminalística (Fls. 315/322 e 355/362) não foram conclusivos, o que contraria a conclusão dos laudos de fls. 47/49 e 72/83;

- Restou categoricamente comprovado que a apelante cumpria apenas as ordens e as determinações dos gerentes Sr. João Geraldo e Sr. Jorge Clemente;

- Tem um ponto totalmente relevante que provavelmente passou despercebido pelo juiz singular. As testemunhas confirmaram que o Sr. João Geraldo não tomou nenhuma atitude quando os caixas disseram que sua assinatura estava divergente. Caso a apelante tivesse se apropriado de algum valor ou cometido alguma irregularidade, certamente a testemunha - gerente Sr. João Geraldo -teria tomado alguma providência sobre esse fato gravíssimo. Não o fez !!! Qual seria o motivo? A resposta é nítida e cristalina. A apelante sempre foi de confiança, entregando todos os valores dos saques ao Sr. João Geraldo.


- A apelante rechaça veementemente a alegação de que assinou os documentos (CPFGTS) de fls. 09, 39, 67 e 76. As assinaturas apostas nos referidos documentos não pertencem à apelante, razão pela qual impugnou os laudos periciais de fls. 47/49 e 72/83, produzidos unilateralmente pela instituição bancária;

- A apelante é inocente, vez que não cometeu o crime que lhe é imputado na denúncia;

- Em que pese a apelante ter recebido alguns valores nos Caixas, a mando do gerente João Geraldo, não quer dizer que ela recebeu os valores indicados na denúncia (R$ 17.396,34, R$ 6.023,29 e R$ 4.160,07), muito menos ter subtraído em proveito próprio ou alheio. Outrossim, se é que sacou os valores supra, o que não se admite, a apelante reafirma que não se apropriou de nenhum valor, pois sempre repassou as quantias sacadas imediatamente ao gerente João Geraldo, conforme exposto acima.

- Caso os valores indicados na denúncia tenham sido sacados pela apelante, o que não se admite, quem realmente se apropriou dos valores foi os gerentes João Geraldo e Jorge Clemente;

- Mesmo não tendo nenhuma participação nos saques aludidos na denúncia, e se é que teve, não se apropriou de nenhum valor, vez que repassava as quantias sacadas imediatamente ao gerente João Geraldo, a apelante informa que a instituição bancária não teve nenhum prejuízo. Conforme confessado pelo gerente João Geraldo, o pai da apelante ressarciu integralmente os valores. A apelante informa que seu pai pagou os valores, mesmo a filha não tendo nenhuma culpa nos fatos, para que ela, de tenra idade, não fosse envolvida em processo. A única intenção do genitor foi proteger a filha, sem entrar no mérito da Culpa da apelante.


Conclusão:

Os argumentos da defesa não servem para modificar a conclusão consignada na sentença.

A sentença fundamentou-se em provas constantes dos autos.

A alegação do MPF de que a apelada não quis fazer prova contra si própria refere-se apenas ao fato de ela ter ficado em silêncio na delegacia.

O fato de as imagens gravadas na agência não terem sido preservadas não inviabiliza o julgamento, já que os depoimentos foram unânimes no sentido de que Aline efetuava os saques de FGTS no caixa a mando de João Geraldo. Aliás, a própria ré confirmou que esse procedimento era comum.

Consta do relatório de apuração da Caixa às fls. 94 que a ré foi sim intimada a prestar esclarecimentos à comissão de investigação via telegrama e, apesar de ter confirmado presença por telefone, não compareceu. Ademais, a condenação não se baseou somente nas conclusões da apuração administrativa.

A questão da divergência dos laudos e da negativa de falsificação das assinaturas pela ré foi devidamente sopesada pelo Juiz:

"Diga-se outrossim que a prova grafotécnica produzida pela Caixa poucos meses após o acontecido dá conta de que as assinaturas de Romeu e Diego, titulares dos depósitos de FGTS, e o visto do gerente João saíram do punho da acusada, informação essa que embora não tenha sido corroborada pelos laudos confeccionados pela Polícia Federal, provavelmente em virtude do longo lapso de tempo decorrido, tampouco restou afastada por outro elemento de prova."

O fato de a ré agir sob o comando do gerente não a impediria de cometer o ilícito.

João Geraldo esclareceu que de fato tinha confiança em Aline, não tendo nenhum motivo para desconfiar dela quando questionado por Felipe. Que somente após a contestação dos pagamentos é que foi verificar a assinatura e não a reconheceu como sua.

A imputação feita pela ré de que o gerente é que teria se apropriado dos valores não encontra qualquer respaldo nas provas dos autos.

O fato de ter o pai de Aline reembolsado parcialmente o prejuízo sofrido (comprovado pelo aviso da fl. 42) não é motivo para afastar o reconhecimento da consumação do crime, pois o desvio do dinheiro de fato ocorreu.

Assim, os argumentos apresentados pela defesa não abalam os fundamentos contidos na sentença que permitem concluir pela autoria da ré.

Devidamente comprovada nos autos a autoria do delito atribuído à parte ré.



PRESENÇA DE DOLO.

Sendo o dolo, na comum lição da doutrina, a vontade livre e consciente de praticar a conduta proibida pelo tipo penal, é inegável a sua presença na hipótese dos autos.

Conclusão:

Verifica-se que a parte ré teve deliberadamente a intenção de praticar o crime de peculato, tipificada no artigo 312, 1º, do CP.



DOSIMETRIA.

Consignou o Juiz a respeito da dosimetria:

"O artigo 312 do Código Penal prevê para o peculato a pena privativa de liberdade de reclusão de 02 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

Em observância às circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, verifico que a culpabilidade da ré se insere em grau médio, haja vista sua posição social e nítida ciência da natureza de seus atos e de sua reprovabilidade. Não registra Aline antecedentes e não há nos autos informações que desabonem a conduta social e sua personalidade. Os motivos foram os inerentes ao tipo delitivo. As circunstâncias e consequências foram normais à espécie delitiva praticada. O comportamento da vítima em nada contribuiu para a prática delitiva.

Diante de tais diretivas, fixo a pena-base privativa de liberdade em 02 (dois) anos e 03 (três) meses de reclusão.

Ausentes agravantes ou atenuantes, pois a restituição efetuada pelo pai de Aline não pode ser tida como ato voluntário da agente do crime.

Aplica-se no presente caso a causa de aumento referente ao crime continuado (art. 71 do CP). A ré foi responsável pela reiteração da prática delituosa ao longo do ano de 2002, motivo pelo qual considero deva a pena ser aumentada de 1/6 (um sexto), tendo em vista a quantidade de competências envolvidas.

Assim, fixo a pena privativa de liberdade definitiva em 02 (dois) anos, 07 (sete) meses e 15 (quinze) dias de reclusão.

Observada a proporcionalidade entre a pena corporal e a pena de multa, fixo esta em 20 (vinte) dias-multa. O valor de cada dia-multa é fixado em 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do último fato delituoso (12/2002).

O regime inicial para o cumprimento da pena é o aberto, nos termos do art. 33, § 2°, alínea "c", do Código penal. A ré poderá recorrer em liberdade.

Contudo, verificando a presença dos requisitos previstos nos incisos I e II do art. 44 do Código penal (pena privativa de liberdade aplicada inferior a 4 anos; crime praticado sem violência ou grave ameaça; réu não reincidente em crime doloso) e por entender ser suficiente à prevenção e repressão do crime praticado (art. 44, III, do CP), substituo a pena privativa de liberdade aplicada por duas restritivas de direito, sendo uma de prestação de serviços à entidade pública, nos termos do art. 46 do Código penal, pelo período igual ao da condenação, ou seja, 02 (dois) anos, 07 (sete) meses e 15 (quinze) dias, e uma de prestação pecuniária, consistente no pagamento do valor equivalente a seis salários mínimos em vigor no momento do pagamento à entidade pública beneficente, cabendo ao Juízo das Execuções Penais indicar a entidade assistencial e o local da prestação de serviços.

Incabível a suspensão condicional da pena prevista no alt. 77 do Código penal.

Nos termos do artigo 91, inc. I, do Código Penal, torno certa a obrigação de Aline de restituir à Caixa o valor referente aos depósitos de FGTS sacados da conta do fundista Diego Alejandro Munhoz (nos montantes de R$ 6.023,29 e R$ 11.373,05, devidamente atualizados)."


Alega a defesa:

- a ré é primária e tem bons antecedentes;

- houve apenas tentativa do crime;

- requer a redução da pena.


Conclusão:

Não há que se falar em tentativa. Conforme consignou o Juiz: "A tentativa exige que o crime, após iniciada sua execução, não se consume por circunstâncias alheias à vontade do agente. Restou devidamente evidenciado que Aline desviou o dinheiro pertencente a terceiro, em proveito próprio ou de terceiro, o que impõe o reconhecimento da consumação do delito."


Cabe, sim, reduzir a pena-base aplicada, pois não se justifica o aumento fixado na sentença no seguinte sentido: "a culpabilidade da ré se insere em grau médio, haja vista sua posição social e nítida ciência da natureza de seus atos e de sua reprovabilidade." A posição social não justifica, in casu, o aumento, nem a natureza dos atos, que já compõem o próprio tipo penal.

Assim, a pena-base deve ser fixada no mínimo legal, ou seja, 02 anos.

Com o acréscimo de 1/6 da continuidade delitiva, a pena definitiva é de 02 anos e 04 meses de reclusão.

A pena de multa, para que fique proporcional à pena privativa de liberdade, deve ser fixada em 11 dias-multa, sendo mantido o dia-multa em 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos.

O regime inicial de cumprimento da pena deve ser o aberto.

Cabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, nos termos em que fixada pela sentença, salvo quanto à destinação da prestação pecuniária, que deve ser destinada à Caixa.

Mantida a obrigação de restituir à Caixa o valor referente aos depósitos de FGTS sacados de Diego Alejandro Munhoz (R$ 6.023,29 e R$ 11.373,05).



DISPOSITIVO

Ante todo o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação somente para reduzir a pena aplicada, nos termos do voto, e DE OFÍCIO altero a destinação da prestação pecuniária.


Aguarde-se para expedição da guia de execução da pena em razão de possível ocorrência de prescrição da pretensão punitiva.


É o voto.




WILSON ZAUHY
Desembargador Federal


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