D.E. Publicado em 13/03/2018 |
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EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte ré para reformar a sentença e, por consequência, julgo improcedente o pedido inicial, extinguindo o feito com resolução do mérito, com inversão do ônus da sucumbência, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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RELATÓRIO
Trata-se de ação de usucapião extraordinário ajuizado pelo Espólio de Addul Aziz El Kadre e Outro em face do Espólio de Antonio Pinto de Oliveria, na qual pleiteiam a declaração de domínio do imóvel, com área de 751,37 m2, constituído de parte da quadra nº 76, situado no lado de número par da Avenida Júlio Prestes, em Guararapes/SP.
Alega a parte autora que adquiriu a posse do bem imóvel de Emil Wirth e sua esposa em 02/02/1982 (fls. 15/18), que, por sua vez, adquiriram a posse, em 09/06/1961, da Companhia Comissária e Exportadora de Algodão, contudo, não foi lavrada escritura, vez que o imóvel está transcrito sob nº 2.458, conforme registro no CRI da Comarca de Araçatuba/SP em nome do Espólio de Antonio Pinto de Oliveira (fls. 12/14vº). Afirma, ainda, que exerce a posse mansa e pacífica sem interrupção há mais de trinta e sete anos (somada com a posse de seus antecessores), sem nenhuma oposição, e que sempre pagou os impostos que incidiram sobre o imóvel, zelando e cuidando do bem como se fosse seu. Juntou documentos (fls. 27/59). Aditamento da inicial com a juntada da planta, memorial descritivo e certidão do CRI (fls. 48/58) e de certidões que comprovam a inexistência de ações possessórias ajuizadas contra ela e os antigos possuidores, ou de ação de inventário ou arrolamento de bens deixados por Antonio Pinto de Oliveira (fls. 61/66).
Sobreveio sentença, que julgou procedente o pedido e declarou o domínio da autora sobre o imóvel, ao fundamento de que não se trata do imóvel de propriedade da ré por serem áreas distintas, com números de transcrições diferentes. Condenou a ré a arcar com o pagamento de custas e despesas processuais, e de honorários advocatícios fixados em 20% sobre o valor atualizado da causa. Por fim, arbitrou a verba honorária para o Curador Especial no valor máximo da tabela OAB/Procuradoria do Estado. Após o trânsito em julgado, determinada a expedição da competente certidão (fls. 270/273).
Apelação da RFFSA, onde alegou que o imóvel usucapiendo é bem público da União por ser de propriedade da sua antecessora Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, o que inviabiliza o usucapião, nos termos do art. 1º da Lei nº 6.428/1977 e art. 200 do Decreto-lei nº 9.760/1946 (fls. 275/278).
Contrarrrazões da parte autora (fls. 282/285) e do Espólio de Antonio Pinto de Oliveira (fls. 287/289).
A RFFSA informou a sua extinção e a sua sucessão pela União (MP nº 353/2007), por isso requereu a suspensão do feito, a intimação da Advocacia Geral da União - AGU, e o deslocamento da competência para a Justiça Federal (fls. 297/307, 377/380 e 382/397) (fls. 321/331).
Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo anulou a apelação, e determinou a remessa dos autos a esta Corte Regional (fls. 401/404). A União Federal foi devidamente intimada (fl. 408).
Os autos foram remetidos a esta Corte Regional (fl. 410).
Parecer do representante do Ministério Público Federal, que opinou pelo provimento da apelação (fls. 422/427).
É o relatório.
VOTO
Pretende a parte ré, ora apelante, a reforma da sentença, ao argumento de que o imóvel usucapiendo é bem público da União, uma vez que era propriedade da sua antecessora Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, e, portanto, insusceptível de aquisição por meio de usucapião, nos termos do art. 1º da Lei nº 6.428/1977 e art. 200 do Decreto-lei nº 9.760/1946 (fls. 275/278).
Seus argumentos merecem guarida.
Verifico pela análise dos autos que apesar de constar prova da posse mansa e pacífica da parte autora, ora apelada, desde fevereiro de 1982, não tem direito de usucapião, na medida em que o imóvel é considerado bem público.
A extinta Rede Ferroviária Federal - RFFSA comprovou nos autos, que o imóvel usucapiendo foi adquirido pela Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, por meio de doação do espólio de Antonio Pinto de Oliveira, conforme consta da escritura pública registrada em 17/09/1928, no Cartório de Registro Geral de Araçatuba/SP (fls. 107/111).
Vale ressaltar que a antiga Estrada de Ferro Noroeste do Brasil foi uma autarquia federal instituída pelo Decreto-lei nº 4.176/1942, posteriormente incorporada pela União Federal, passando a integrar a RFFSA.
Também restou demonstrado nos autos pela apelante que o referido imóvel situa-se exatamente em uma área onde outrora existia uma extensão da linha férrea referente ao triângulo de reversão, conforme mapa acostado a fl. 111, o que foi confirmado pela própria parte autora, em suas alegações finais, a fl. 257, ao esclarecer que no terreno havia trilhos da estrada de ferro desativados, que eram utilizados para entrada e saída de locomotivas.
Considerando que o referido bem imóvel é originariamente integrante do acervo da extinta RFFSA, incorporado ao domínio da União, por força da Medida Provisória nº 353/07, convertida na Lei nº 11.483/2007, é considerado bem público, insusceptível, portanto, de usucapião. O que, aliás, está expresso no §3º do art. 183 da CF/88.
Ademais, segundo expressas previsões da Lei nº 3.115/57 e do Decreto-lei nº 9.760/46, os bens imóveis originariamente integrantes do acervo das estradas de ferro da RFFSA foram incorporadas pela União, seja qual for a sua natureza.
Confira o que dispõe o art. 1º da Lei nº 6.428/77:
"Art. 1º Incluem-se entre os bens imóveis da União:
g) as estradas de ferro, instalações portuárias, telégrafos, telefones, fábricas oficinas e fazendas nacionais;
(...)
l) os que tenham sido a algum título, ou em virtude de lei, incorporados ao seu patrimônio."
Assegura, ainda, a Lei nº 11.483/07 em seu artigo 2º, inciso II, "que os bens imóveis da extinta RFFSA ficam transferidos para a União."
Desse modo, torna-se irrelevante que a parte autora possua o imóvel de boa-fé, e que tenha prazo computado dessa posse, ou que o imóvel esteja afetado ou desafetado do serviço público de transporte ferroviário, tendo em vista que essa circunstância não o desnatura como bem público.
Qualquer bem público, independentemente de sua destinação, é imprescritível, isto é, insusceptível de ser adquirido pelo tempo de não exercício dos poderes inerentes ao domínio. Tal regime já vigia entre nós antes mesmo da Constituição Federal de 1988, que em nada alterou tal impedimento, e que está expresso no §3º do art. 183, e que foi consagrado pela Súmula nº 340 do STF:
"Desde a vigência do Código Civil de 1916, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião".
Nesse sentido é a jurisprudência dominante do STJ:
"CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO. IMÓVEL PERTENCENTE À REDE FERROVIÁRIA FEDERAL S.A. - RFSSA. IMPOSSIBILIDADE DE USUCAPIÃO. PRECEDENTES DO STJ.
1. (...).
2. A possibilidade de usucapião de bens imóveis pertencentes à extinta Rede Ferroviária Federal S/A foi extensamente debatida, no ano de 2009, por ocasião do julgamento do REsp 242.073/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 11/5/2009.
3. O entendimento adotado pelo Tribunal de origem está em consonância com aquele perfilhado pelo STJ, reiterado em julgados posteriores, no sentido de que "aos bens originariamente integrantes do acervo das estradas de ferro incorporadas pela União, à Rede Ferroviária Federal S.A., nos termos da Lei número 3.115, de 16 de março de 1957, aplica-se o disposto no artigo 200 do Decreto-lei número 9.760, de 5 de setembro de 1946, segundo o qual os bens imóveis, seja qual for a sua natureza, não são sujeitos a usucapião" (AgRg no REsp 1.159.702/SC, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 7/8/2012, DJe 10/8/2012).
4. (...)."
(RESP nº1639895, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJE DATA: 20/04/2017)
Desta forma, há de ser reformada a r. sentença, a fim de seja reconhecida a ausência de aquisição do domínio do bem imóvel por meio de usucapião.
Ante o exposto, dou provimento à apelação da parte ré para reformar a sentença e, por consequência, julgo improcedente o pedido inicial, extinguindo o feito com resolução do mérito, com inversão do ônus da sucumbência.
É o voto.
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 07/03/2018 17:33:02 |