Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 13/03/2018
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0012749-36.2009.4.03.6104/SP
2009.61.04.012749-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
APELANTE : FABIO FERREIRA DA SILVA e outro(a)
: VANDA AQUINO DA SILVA
ADVOGADO : SP235918 SIDNEY AUGUSTO DA SILVA e outro(a)
APELADO(A) : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000001 MARLY MILOCA DA CAMARA GOUVEIA E AFONSO GRISI NETO e outro(a)
APELADO(A) : IRENE NERY DE OLIVEIRA
ADVOGADO : SP226932 ESTER LÚCIA FURNO PETRAGLIA e outro(a)
APELADO(A) : CUSTODIO GOMES BANDEIRA e outros(as)
: FRANCISCA DE SOUZA SILVEIRA
: CABRAL NAPOLEAO NAM
ADVOGADO : SP269408 MARCELLA VIEIRA RAMOS e outro(a)
No. ORIG. : 00127493620094036104 4 Vr SANTOS/SP

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. TERRENO DE MARINHA. BEM DA UNIÃO. IMPOSSIBILIDADE. ENFITEUSE. NÃO COMPROVAÇÃO. REGIME DE OCUPAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO DESPROVIDA.
1. Rejeitada a preliminar da União de inovação do pedido em sede de apelação. Verifica-se dos autos que o pedido contido na inicial se refere à declaração de usucapir o domínio útil do imóvel, e ainda que os autores tivessem pleiteado apenas em sede recursal, o pedido de usucapião do domínio pleno do imóvel engloba o útil.
2. São terrenos de marinha as faixas de terra com profundidade de 33 metros contados do início do mar para dentro do continente, nos termos do art. 2º do Decreto-Lei nº 9.760/46.2.
3. Restou comprovado nos autos que o imóvel em questão se encontra cadastrado em regime de ocupação junto à Secretaria do Patrimônio da União - SPU.
4. Na ocupação não existem vínculos jurídicos definitivos entre o ocupante e o bem ocupado, estando ela caracterizada pela precariedade, enquanto na enfiteuse o vínculo é seguro, constituindo um direito real imobiliário.
5. Impossibilidade de usucapião por ausência de demonstração do domínio útil de imóveis públicos, inexistindo prévia enfiteuse.
6. Os terrenos de marinha, reconhecidos constitucionalmente como bens públicos (CF/88, art. 20, inciso VII), não podem ser adquiridos por usucapião, conforme preceitua o art. 183 da Constituição Federal.
7. Apelação desprovida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação dos autores, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.



São Paulo, 05 de março de 2018.
MAURICIO KATO
Desembargador Federal


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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0012749-36.2009.4.03.6104/SP
2009.61.04.012749-0/SP
RELATOR : Desembargador Federal MAURICIO KATO
APELANTE : FABIO FERREIRA DA SILVA e outro(a)
: VANDA AQUINO DA SILVA
ADVOGADO : SP235918 SIDNEY AUGUSTO DA SILVA e outro(a)
APELADO(A) : Uniao Federal
ADVOGADO : SP000001 MARLY MILOCA DA CAMARA GOUVEIA E AFONSO GRISI NETO e outro(a)
APELADO(A) : IRENE NERY DE OLIVEIRA
ADVOGADO : SP226932 ESTER LÚCIA FURNO PETRAGLIA e outro(a)
APELADO(A) : CUSTODIO GOMES BANDEIRA e outros(as)
: FRANCISCA DE SOUZA SILVEIRA
: CABRAL NAPOLEAO NAM
ADVOGADO : SP269408 MARCELLA VIEIRA RAMOS e outro(a)
No. ORIG. : 00127493620094036104 4 Vr SANTOS/SP

RELATÓRIO

Trata-se de ação de usucapião extraordinário qualificado ajuizado por Fabio Ferreira da Silva em face de Custodio Gomes Bandeira, na qual pleiteiam a declaração de domínio útil sobre o imóvel localizado na Rua Dr. Alcides de Araújo, nº 804, esquina com a Rua General Marcondes Salgado, nº 926, Vila Cascatinha, no Município de São Vicente/SP.

A r. sentença julgou improcedente o pedido, nos termos do art. 269, I, do CPC/1973, e condenou os autores no pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, cuja execução ficará suspensa enquanto permanecerem beneficiários da Justiça Gratuita. Fixou os honorários periciais em R$ 1.056,60 (hum mil e cinquenta e seis reais e sessenta centavos), nos termos do §1º do art. 3º da Resolução nº 558/2007 do CJF, com a expedição de requisição de pagamento (fls. 205/210vº).

Apelação dos autores em que alegam o direito de obter, por meio de usucapião, o domínio útil do imóvel descrito em questão (fls. 212/216).

A União ofereceu contrarrazões em que suscitou a inovação do pedido em fase recursal ao pleitear usucapião do domínio útil do imóvel. Prequestionou, para efeito de recurso especial ou extraordinário, ofensa a dispositivos de lei federal e de preceitos constitucionais (fls. 220/227).

Após, vieram os autos a esta E Corte.

Parecer do representante do Ministério Público Federal, que opinou pelo desprovimento do recurso interposto (fls. 240/241).

É o relatório.

VOTO

Primeiramente, rejeito a alegação preliminar de não conhecimento da apelação em razão de alegada inovação do pedido, suscitada pela União em suas contrarrazões. Verifico dos autos que o pedido contido na inicial se refere à declaração de usucapir o domínio útil do imóvel, e ainda que os autores tivessem pleiteado apenas em sede recursal, o pedido de usucapião do domínio pleno do imóvel engloba o útil.

Pretendem os autores, ora apelantes, a reforma da sentença ao argumento de que fazem jus ao direito de obter, por meio de usucapião, o domínio útil do imóvel em questão.

Seus argumentos não merecem guarida.

Pela análise dos autos, verifico que a União oficiou à Gerência Regional do Patrimônio da União - GRPU em São Paulo, para prestar informações técnicas a respeito da localização do imóvel usucapiendo, e restou constatado, por via da Informação Técnica nº 209/2009, que o referido bem está registrado na Secretaria do Patrimônio da União - SPU sob os RIP's nº 7121.0102274-12 e 7121.0102275, pelo regime de ocupação, em nome de Arsênio de Gouveia, com débitos em aberto (fls. 59/61 e 62/67).

Para a definição dos terrenos de marinha, prescreve o Decreto-Lei nº 9.760/46, que dispõe quanto aos bens imóveis da União e dá outras providências:

"Art. 1º Incluem-se entre os bens imóveis da União:

a) os terrenos de marinha e seus acrescidos;

(...)

Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831:

a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;

b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés.

Parágrafo único. Para os efeitos dêste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano.

Art. 3º São terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha.

(...)

Art. 9º É da competência do Serviço do Patrimônio da União (S.P.U.) a determinação da posição das linhas do preamar médio do ano de 1831 e da média das enchentes ordinárias.

Art. 10. A determinação será feita à vista de documentos e plantas de autenticidade irrecusável, relativos àquele ano, ou, quando não obtidos, a época que do mesmo se aproxime.

(...)

Art. 198. A União tem por insubsistentes e nulas quaisquer pretensões sôbre o domínio pleno de terrenos de marinha e seus acrescidos, salvo quando originais em títulos por ela outorgadas na forma do presente Decreto-lei.

(...)

Art. 200. Os bens imóveis da União, seja qual fôr a sua natureza, não são sujeitos a usucapião."

A Constituição Federal não conceituou os terrenos de marinha, mas disciplinou serem eles bens da União, conforme disposição do art. 20:

"Art. 20. São bens da União:

I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos; (...)

VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos; (...)"

Quanto aos terrenos de marinha, prescreveu, ainda, o art. 49 do ADCT da CF/88, que seriam mantidas as enfiteuses neles constituídas.

As áreas dos terrenos de marinha podem ser ocupadas ou aforadas, e o ocupante ou foreiro possui direito de ocupação ou enfiteuse, respectivamente, o que lhe assegura o gozo da coisa, nos limites de cada instituto, mas não sua propriedade plena.

Os terrenos de marinha, reconhecidos constitucionalmente como bens públicos (CF/88, art. 20, inciso VII), não podem ser adquiridos por usucapião conforme preceitua o art. 183 da Constituição Federal:

"Art. 183 - Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

(...)

§ 3º - Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião."

O artigo 102 do Código Civil também prevê:

"Art. 102. Os bens públicos não estão sujeitos a usucapião."

No mesmo sentido, a Súmula n. 340 do STF:

"Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião."

Ademais, apesar de já se encontrar pacificada na jurisprudência a possibilidade de usucapião do domínio útil de imóveis públicos, essa possibilidade só ocorre quando já exista enfiteuse sobre o imóvel, e em favor de particular, hipótese que não se coaduna à realidade dos autos.

No caso dos autos, não há provas que contrariem as informações fornecidas pela Gerência Regional de Patrimônio da União - GRPU em São Paulo. Cabia aos autores o ônus de provar que o imóvel em questão é objeto de enfiteuse, nos termos do artigo 333, I, do CPC/1973, o que não ocorreu.

O imóvel usucapiendo em questão está regularizado sob o regime de ocupação, segundo consta a fls. 65 dos autos. E na ocupação, não existem vínculos jurídicos definitivos entre o ocupante e o bem ocupado, estando ela caracterizada pela precariedade, enquanto na enfiteuse o vínculo é seguro, constituindo um direito real imobiliário.

Assim sendo, considerando que o imóvel objeto da usucapião é comprovadamente terreno acrescido de marinha e se encontra submetido a regime de ocupação, não pode ser objeto de usucapião.

No tocante ao prequestionamento de matéria ofensiva a dispositivos de lei federal e de preceitos constitucionais, tendo sido o recurso apreciado em todos os seus termos, nada há que ser discutido ou acrescentado aos autos.

Desta forma, há de ser mantida a r. sentença pelos seus próprios fundamentos.

Ante o exposto, nego provimento à apelação dos autores.

É o voto.

MAURICIO KATO
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): MAURICIO YUKIKAZU KATO:10061
Nº de Série do Certificado: 5EA8542F3E456DC1
Data e Hora: 07/03/2018 17:31:49